“Qualquer um que tem vergonha do erro evitará identificá-lo e aceitá-lo, o que significa perder sua melhor oportunidade de se aperfeiçoar.” GOETHE
Tendo o erro médico repercussões jurídicas, com sanções pelos tribunais no terreno da responsabilidade civil, é necessário que as instituições de saúde façam um gerenciamento dos riscos que possam advir aos pacientes pela ocorrência de eventos adversos com danos a estes. E, o Direito, do latim dirigere (dirigir, ordenar, regular), com suas normas deve ser aquele que indica os caminhos jurídicos nestas instituições para minimizar, diminuir o máximo possível, já que eliminar completamente na prática não se afigura como viável, o aparecimento de danos em pacientes com suas evidentes repercussões legais e econômicas.
Portanto as instituições prestadoras de serviços de saúde, tanto públicas como privadas, necessitam estabelecer mecanismos de prevenção do erro médico. Esta prevenção passa pela execução de um programa de gestão dos riscos e implica, segundo Francisco Miranda Suarez e May Chomali Garib (Gestão de risco no atendimento da saúde:
por uma cultura de qualidade baseada na segurança.
In: REVISTA DE DIREITO MÉDICO E DA SAÚDE.
APEDIMES – Associação Pernambucana de Direito Médico e da Saúde.
Recife: Editora Livro Rápido, ano II, nº7, setembro, 2006, p.113-126) na tomada de duas medidas em relação ao erro médico. A primeira se caracterizaria pela Investigação e Análise da ocorrência de eventos adversos aos pacientes na instituição, e a segunda seria a Difusão e Formação, ou seja, a divulgação dos dados investigados e analisados, assim como a educação do “staff” no que se refere às medidas de prevenção destes.
Numa visão moderna do enfoque do erro médico este está centrado não na atuação de pessoas (“staff”), mas sim em deficiências do sistema médico-hospitalar de atendimento da instituição de saúde, portanto de natureza organizacional, estrutural. Este também é o pensamento de Manoel de Carvalho e Alan A. Vieira (Erro médico em pacientes hospitalizados.
JORNAL DE PEDIATRIA. Rio de Janeiro: Sociedade Brasileira de Pediatria, vol.78, nº4, jul-ago, Porto Alegre, 2002, p.261-268) que nos transmitem que
“A prevenção de erros deve basear-se na busca de causas reais, que geralmente incluem erros nos sistemas de organização e implementação do serviço”, e que os
“Erros devem ser aceitos como evidências de falha no sistema, e encarados como uma oportunidade de revisão do processo e de aprimoramento da assistência prestada ao paciente”.
Complementando transcreva-se o que Lenita Wannmacher nos ensina em “quase um decálogo sobre a forma de conduzir a questão” do erro médico em instituições de saúde, traduzido por ela do artigo Éviter l’Évitable. Tirer parti des erreurs pour mieux soigner (tradução do autor: Evitar o Evitável. Tirar partido dos erros para melhor cuidar), publicado na revista La Revue Prescrire. Supplément Spécial, Paris: Association Mieux Prescrire, supplément au n°267, décembre 2005, tome 25, p.881-945:
1.Evitar calar sobre os erros.
2. Reconhecer e analisar os erros como prevenção de sua repetição.
3.Cercar sistematicamente os erros e os fatores de não-qualidade.
4.Despersonalizar os erros, pois só a análise coletiva é produtiva.
5.Aproveitar os erros como fonte de ensinamentos.
6.Identificar erros para pôr em ação medidas corretivas ou preventivas.
7.Avaliar a eficácia dessas medidas e difundi-las, se pertinentes.
8.A partir dos erros, progredir no sentido da qualidade. (Erros: evitar o evitável, publicado em USO RACIONAL DE MEDICAMENTOS – temas selecionados, Brasília: OPAS – Organização Pan-Americana da Saúde/Organização Mundial da Saúde – Brasil, vol.2, nº7, junho, 2005, capturado na Internet, em 2 de maio de 2007, no site http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/novo_erro_medico.pdf)
Também cabe acrescentar o que se encontra exposto no site WASHINGTON STATE LEGISLATURE (capturado na Internet em 6 de março de 2007, em http://apps.leg.wa.gov/RCW/default.aspx?cite=70.41.200), pois neste nos é transmitido que um programa de prevenção do erro médico precisa seguir as seguintes orientações: 1. Realizar revisão retrospectiva e prospectiva de políticas e procedimentos hospitalares; 2. Executar revisão periódica, com avaliação, das credenciais técnicas e desempenho dos médicos da instituição de saúde; 3. Reavaliação periódica da capacitação e desempenho dos demais funcionários da instituição; 4. Prestar pronto atendimento às queixas dos pacientes e acompanhantes; 5. Executar uma coleta contínua de informações tanto as fornecidas pelo “staff” da instituição como pelos pacientes e acompanhantes sobre a qualidade do atendimento, principalmente no que tange à segurança dos pacientes; 6. Manter um arquivo permanente com dados dos médicos nos aspectos que se referem ao que foi descrito nos itens anteriores, ou seja, de 1 a 5; 7. Manter um programa de educação continuada na instituição para atualização do seu “staff”, inclusive no que se refira aos aspectos legais da sua atividade; 8. Estabelecer políticas na instituição que aumentem a adesão do “staff” ao que vai expresso nos itens anteriores, quais sejam, de 1 a 7.
Estas medidas devem redundar na formação de uma equipe institucional especializada em lidar com os riscos de aparecimento de erros médicos nos serviços de saúde, devendo esta equipe ter uma atitude proativa, no ambiente da instituição, no que se refere a esta prevenção, implementando um programa de gerenciamento destes riscos, que deve, dentre outros, constar de um competente planejamento estratégico, gerenciamento e vigilância permanentes, registro médico adequado, equipes de resposta rápida na tomada de medidas em caso de ocorrência de eventos adversos, definição dos cuidados para prevenção, atenção para o aparecimento de sinais de alerta (acontecimentos inesperados que resultam, ou podem resultar, em sérios danos ou mesmo morte para os pacientes, indicando falha no sistema de atendimento médico-hospitalar), e a presença de setores bem estruturados e atuantes de engenharia clínica e hospitalar. O engenheiro clínico tem sua atuação centrada nos equipamentos utilizados diretamente nos pacientes, assim como em equipamentos utilizados para análises clínicas, e o engenheiro hospitalar, por sua vez, tem sua atividade direcionada para os equipamentos, substâncias e materiais que não tenham contato direto com o paciente, bem como para as instalações hospitalares, ou seja, a infra-estrutura do hospital.
Sobre os fatores úteis na prevenção do erro médico pertinentes à organização da entidade prestadora de serviços de saúde Francisco Miranda Suarez e May Chomali Garib (op. cit.) ressaltam ter que haver uma implementação na definição de corretas políticas gerenciais, presença de controles adequados, bem como uma eficiente supervisão. No que se refere ao controle e supervisão há necessidade de se implantarem protocolos de controle dos procedimentos (preventivos e corretivos), investir na prevenção do erro na dosagem de medicamentos (administração incorreta, interpretação errônea da prescrição, erro na velocidade de infusão, erro na via de administração, erro na conversão de unidades), impedir que fatores orgânicos, dentre eles a sonolência e a estafa prejudiquem o desempenho do “staff”, bem como não deixar que o ambiente físico de trabalho (com ruídos, quente) e um mau ambiente psicológico de trabalho (estressante, monótono, conflituoso, ansiogênico) interfiram negativamente na atuação da equipe de saúde da instituição.
É importante identificar a presença de situações propícias ao erro médico, dentre elas, as primeiras etapas da aprendizagem, a atuação de médicos jovens, a presença de internações prolongadas, as internações em UTI, os atendimentos no setor de urgência e emergência da instituição, o atendimento de pacientes idosos e pediátricos, a execução de procedimentos cirúrgicos complexos, a administração de medicação e a introdução de uma nova tecnologia nos serviços prestados pelo serviço de saúde aos seus usuários.
É importante, para evitar as conseqüências legais, jurídicas, daí advindas, manter a equipe de atendimento aos pacientes na instituição devidamente conscientizada de agir em suas atividades com perícia, prudência e diligência na prestação da assistência médico-hospitalar a estes, para não incorrer na ilicitude prevista nos dois artigos capitais da responsabilidade civil, no que se refere à análise dos erros médicos pelos tribunais brasileiros, ou seja agir com imperícia, imprudência ou negligência, como vem previsto em nosso Código Civil nos artigos 186 (“Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”) e 951 (“O disposto nos arts. 948, 949 e 950 aplica-se ainda no caso de indenização devida por aquele que, no exercício de atividade profissional, por negligência, imprudência ou imperícia, causar a morte do paciente, agravar-lhe o mal, causar-lhe lesão, ou inabilitá-lo para o trabalho”).
E, neste sentido, como aspectos a destacar na prevenção do erro médico nas instituições de saúde cabe citar: 1. consentimento informado, ou seja, a autorização do paciente, após ser devidamente instruído, e com uma compreensão adequada do que lhe foi dito, para realizar exames complementares e receber tratamentos médico-cirúrgicos, pois com este devidamente documentado, por escrito e com duas testemunhas, o profissional de saúde tem como comprovar que se desincumbiu a contento do dever de conselhos que tem para com o paciente; 2. instrução ao paciente, já que com a necessidade do consentimento informado, bem elaborado, fica evidente a importância do paciente ser devidamente instruído sobre o seu tratamento médico em todos os aspectos, e esta instrução compreende: a – instrução propriamente dita, onde lhe será explanado tudo referente à sua doença, exames e tratamentos, inclusive prognóstico, b – instruções e advertências, onde lhe serão fornecidas ainda instruções sobre sua doença, mas incluindo aqui explicações sobre determinados cuidados que deve ter para que se estabeleçam condições as mais propícias possíveis à recuperação da sua higidez, bem como sobre o aparecimento de sinais e sintomas da evolução de sua doença, ou até do tratamento que recebeu, incluindo medicações, que necessitem cuidados médicos suplementares, c – contra-indicar determinadas condutas, que possam influir desfavoravelmente no seu tratamento, conseqüentemente na sua cura, ou mesmo causar efeitos adversos ao seu organismo; 3. registro médico, que consiste na anotação sistemática por todos os membros do corpo clínico, primordialmente no prontuário do paciente, de observações médicas multidisciplinares sobre seu estado de saúde em todos os aspectos, incluindo os tratamentos prescritos, tudo isto detalhadamente, e também necessidade dos médicos fazerem uso correto dos demais mecanismos de comunicação interna, e até externa, que se fizerem necessários; 4. prontuário do paciente, que deve ter um correto preenchimento, por todos os membros da equipe multi-profissional de saúde que presta atendimento ao paciente, permitindo aos demais membros da instituição o conhecimento integral do estado clínico do paciente, assim como dos porquês das diversas medidas que forem tomadas em relação ao seu tratamento, em todos os campos de atuação das diversas profissões de saúde; 5. instrução do “staff”, ou seja, aprimoramento ético que pode se situar basicamente no aperfeiçoamento da boa relação médico-paciente, e atualização técnica, com instrução profissional permanente, através da educação continuada em termos de atualização e aperfeiçoamento, sendo que, além disso, devem ser estabelecidos mecanismos para testar periodicamente habilidades técnicas do “staff” da instituição de saúde; 6. pesquisar quais os procedimentos que causam danos aos pacientes, incluindo-se aí levantamentos prospectivos, e retrospectivos no sentido de identificar em quais atividades profissionais de atendimento aos pacientes ocorrem estes eventos adversos; 7. possibilitar que os pacientes e seus acompanhantes se queixem, através da implantação de canais de comunicação que permitam a estes manifestar seus eventuais descontentamentos, mágoas, com o atendimento médico-hospitalar prestado na instituição; 8. relato espontâneo, confidencial e não sujeito à punição, de acontecimento adverso ao paciente, deve ser estimulado no seio da equipe da instituição de saúde, permitindo que os eventuais acontecimentos danosos aos pacientes, erros, sejam comunicados sem o receio de sanções ou de que estes fatos venham a ser tornados públicos; 9. evento sentinela, ou seja, aquele fato irregular que ocorre no atendimento médico-hospitalar (serve como sinal de alerta), e deve ter uma vigilância permanente, quanto ao seu aparecimento na atividade da instituição de saúde, possibilitando que sejam identificadas áreas ou procedimentos que potencialmente venham a ser causadores de danos aos pacientes, já que este evento sentinela pode estar sinalizando a existência de problema organizacional ou assistencial; 10. normas e rotinas de procedimento devem ser bem elaboradas e obedecidas como prelecionam Manoel de Carvalho e Alan A. Vieira: “Outra forma de diminuir a freqüência de erros em técnicas e procedimentos médicos seria a criação de normas e rotinas de procedimentos.” (Erro Médico em pacientes hospitalizados. JORNAL DE PEDIATRIA. Rio de Janeiro: Sociedade Brasileira de Pediatria, v.78, n.4 jul-ago, Porto Alegre, 2002, p.261-268); 11. reuniões com médicos e demais funcionários devem ser atividade rotineira para que sejam transmitidas regularmente a estes a realidade da instituição em termos de danos aos pacientes causados por eventos adversos, bem como debatida a sua problemática no que tange à prevenção dos mesmos.
Podemos mencionar, pois, como instrumentos úteis na prevenção do erro médico a existência de rotinas bem elaboradas e divulgadas na instituição, a presença do prontuário do paciente completo e usado por toda a equipe multiprofissional que o atende, o uso do consentimento informado adequadamente elaborado e de utilização rotineira, a atualização técnica e ética do pessoal médico e para-médico, a realização de consultorias no atendimento aos pacientes, a integração dos diversos setores da instituição como enfermagem, corpo clínico, CCIH (Comissão de Controle de Infecção Hospitalar), radiologia, nutrição, laboratório, fisioterapia, psicologia, a conscientização de todo “staff” da instituição da necessidade de sigilo profissional, e, por didático divulgar, mesmo nas instituições de outros estados do Brasil, a Lei Estadual do estado de São Paulo, de nº10.241, de 17 de março 1999, “Lei dos Direitos dos Usuários dos Serviços de Saúde”. Como muito útil na prevenção do erro médico transcrevemos o conteúdo dos incisos VI e VII, do artigo 2º, da referida lei, que dispõe serem, dentre outros, direitos dos pacientes: “VI – receber informações claras, objetivas e compreensíveis sobre:
a) hipóteses diagnósticas;
b) diagnósticos realizados ;
c) exames solicitados ;
d) ações terapêuticas;
e) riscos, benefícios e inconvenientes das medidas diagnósticas e terapêuticas propostas;
f) duração prevista do tratamento proposto;
g) no caso de procedimentos de diagnósticos e terapêuticos invasivos, a necessidade ou não de anestesia, o tipo de anestesia a ser aplicada, o instrumental a ser utilizado, as partes do corpo afetadas, os efeitos colaterais, os riscos e conseqüências indesejáveis e a duração esperada do procedimento;
h) exames e condutas a que será submetido;
i) a finalidade dos materiais coletados para exame;
j) alternativas de diagnósticos e terapêuticas existentes, no serviço de atendimento ou em outros serviços; e
l) o que julgar necessário;
VII – consentir ou recusar, de forma livre, voluntária e esclarecida, com adequada informação, procedimentos diagnósticos ou terapêuticos a serem nele realizados”.
Um aspecto que merece enfoque, pela freqüência com que ocorrem eventos adversos aos pacientes nesta área, é o que se refere a administração de medicamentos. O National Coordinating Council for Medication Error Reporting and Prevention (Estados Unidos da América do Norte) nos fornece uma definição de erro com medicação: “A medication error is any preventable event that may cause or lead to inappropriate medication use or patient harm while the medication is in the control of the health care professional, patient, or consumer. Such events may be related to professional practice, health care products, procedures, and systems, including prescribing; order communication; produt labeling, packaging, and nomenclature; compounding; dispensing; distribution; administration; education; monitoring and use” (capturado na Internet, em 26 de abril de 2007, no site http:www.nccmerp.org/aboutMedErrors.html), que a ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária traduziu como: “O erro de medicação é qualquer evento inevitável que possa causar dano ao paciente ou levar a uma utilização inapropriada dos medicamentos, quando estão sob o controle dos profissionais de saúde ou dos pacientes. Isto significa que o erro pode ou não causar dano ao paciente. estes problemas podem estar relacionados com a prática profissional, com procedimentos ou sistemas de atenção à saúde, incluindo falhas na prescrição, nomenclatura, preparação, dispensação, distribuição, administração, educação, seguimento e utilização”, (capturado na Internet, no site http://www.anvisa.gov.br/farmacovigilancia/informes/2007/informe_2_medicacao.htm, em 26 de abril de 2007, referindo-se ao Informe SNVS/Anvisa/GFARM nº2, de 16 de abril de 2007 – Informes em Farmacovigilância).
Vamos encontrar no site U.S. PHARMACOPEIA (capturado na Internet, em 26 de abril de 2007, em http://www.usp.org/hqi/patientSafety/mer/) referência aos erros com medicação agrupando-os em tipos (grupos) de erros que podem ocorrer, quais sejam: interpretações errôneas (Misinterpretations), cálculos errados (Miscalculations), administrações erradas (Misadministrations), dificuldade em interpretar as ordens escritas (Difficulty interpreting handwrite orders), e entendimento errado de ordens verbais (Misunderstanding of verbal orders).
Também, cabe mencionar a utilização da prescrição da medicação ao paciente registrada através de meio eletrônico, como uma medida para, se não extinguir, pelo menos reduzir o erro com medicação de uma maneira significativa. Sobre o tema encontramos no site Hospitalar.com: “Para evitar o erro em medicações, a Sonda Brasil lança na Hospitalar 2002, uma linha de Palmtops, que com um simples toque na tela fornece o histórico completo do paciente. Através do palmtop, a enfermeira consegue saber as prescrições feitas pelo corpo médico, o horário da próxima medicação a ser tomada e todos os passos já dados no tratamento.
Cada paciente tem uma pulseira ou um cartão com código de barras, que assim que é lido, o aparelho fornece os dados arquivados no prontuário eletrônico. Os medicamentos também são marcados com códigos de barras, que armazenam informações como data de validade, lote e nome de produtos” (capturado na Internet, em http://www.hospitalar.com/not_int_imp.php3?n=90, em 23 de março de 2002).
Uma situação que merece ser enfatizada é a da comunicação de eventos adversos, ocorridos em uma instituição de saúde, merecedora que é de um adequado manejo como se depreende do escólio de Rui Miguel Prista Patrício Cascão (A Responsabilidade Civil e a Segurança Sanitária, publicado em Lex Medicinae – Revista Portuguesa de Direito da Saúde, ano I, nº1, capturado na Internet, no site http://www.lexmedicinae.org/por/artigo_prevencao_final.pdf, em 2 de maio de 2007): “A identificação, tratamento estatístico e análise cuidada dos acidentes e quase-acidentes é a condição necessária para a compreensão dos problemas e ponto de partida para a possibilidade da sua solução. Os dados obtidos poderão igualmente ser úteis para o desenvolvimento de estratégias de segurança noutras instituições semelhantes. Contudo, o acesso a esta informação é seriamente dificultado pelo carácter repressivo da prevenção na responsabilidade civil baseada na culpa. O erro médico, impossibilita a colaboração dos profissionais de saúde na descoberta da verdade, porque justamente receiam a auto-incriminação. A instituição de procedimentos amigáveis (como em França, Code de la Santé Publique, Art. L.1124-4 s.) ou de sistemas de compensação de acidentes médicos independentes da avaliação da culpa dos agentes de saúde (como na Suécia, Finlândia, Dinamarca, Islândia e Nova Zelândia) contribui significativamente para a obtenção desta preciosa colaboração. De facto, a possibilidade de obtenção da colaboração activa dos profissionais de saúde envolvidos no acidente torna possível uma investigação mais aprofundada das suas causas, permitindo a compilação de dados estatísticos e o lançamento de projectos de investigação sobre a prevenção destes acidentes. Esta colaboração é, aliás, uma extensão do seu múnus de profissionais de saúde pública. É frequente, nos países escandinavos, serem os próprios profissionais de saúde implicados a preencher os formulários dos pedidos de indemnização e a ajudar os pacientes na instrução do processo. Em resumo, a transparência na investigação e o desaparecimento do naming, blaming and claiming (nota do autor – que podemos considerar como tendo o sentido de: identificar quem errou, culpar pelo erro e responsabilizar – punir – pelo erro) revelam-se condição sine qua non da efectivação de uma política pró-activa de prevenção e de segurança sanitária: a clinical governance (nota do autor – que podemos considerar como significando: um método clínico)”.
Nas instituições que mantêm serviços de residência médica, sendo estes membros atuantes do corpo médico destas instituições, no que se refere à assistência aos pacientes, a sua postura profissional correta é mandatória no sentido de prevenir eventos adversos. E, para ilustrar o que se entende por adequada atividade destes na instituição de saúde é válido transcrever o ensinamento de Irany Novah Moraes, através dos seus “Mandamentos do Médico Residente”: “
I. Estude diariamente.
II. Aprimore a relação médico/paciente/família.
III. Desenvolva as suas aptidões;
IV. Tenha postura digna;
V. Respeite a hierarquia.
VI. Seja assíduo e pontual.
VII. Não se ausente do Plantão.
VIII. Atenda imediatamente.
IX. Registre todo procedimento.
X. Respeite a instituição.” (ERRO MÉDICO E A JUSTIÇA, 5ª ed. ,
São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p.573-74). O que, sem dúvida, pode se recomendar aos integrantes das demais residências e estágios na área da saúde.
Há, pois, uma realidade que é a necessidade de se conviver nas instituições de saúde com a possibilidade de eventos adversos causarem danos aos pacientes. Mas, nem por isto podem as instituições omitir-se na tomada de medidas preventivas contra o aparecimento de erro médico no atendimento dos seus pacientes.
Existem diversas atitudes técnicas, administrativas e comportamentais que, se tomadas, no tempo e local devidos, permitem reduzir significativamente o aparecimento de danos aos pacientes.
Estas medidas passam pela formação de uma equipe proativa, determinada a adotar as condutas que permitam prevenir os eventos adversos. Dentre as medidas que propiciam o sucesso na prevenção cite-se a conscientização de que o evento adverso, ocorrido com um dado paciente, é o melhor momento para se aprender, e investir na educação do “staff, assim aumentando a eficiência da prevenção de erros posteriores. É, este acontecimento infausto, uma oportunidade, não só para implantar novas medidas de prevenção, mas, também, para serem otimizados os mecanismos de prevenção, já existentes dentro de uma instituição de saúde, para uma eficiência preventiva posterior mais eficaz.
Advogado e Médico – Direito Médico
Autor do livro: Responsabilidade civil e penal do médico – 2003 – LZN
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