Resumo: Há atualmente um movimento na doutrina e na jurisprudência de releitura dos institutos clássicos dos ramos do direito através da ótica constitucional, o qual no direito processual é chamado de Neoprocessualismo. O processo civil teve seus conceitos básicos e institutos formulados sob a ótica do Estado Liberal (patrimonialista, individualista e legalista). Torna-se indispensável que este institutos sejam repensados sob a ótica do atual Estado Democrático Constitucional de Direito, que erige a supremacia da constituição como dogma essencial.O presente artigo pretende a revisão dos princípios da congruência e da demanda no processo civil para uma interpretação conforme à constituição, naquilo que violar principalmente aos direitos ao devido processo legal, ampla defesa e contraditório.
Sumário: 1. Introdução. 2. Princípio da demanda. Conceito. 3. Princípio da congruência. Conceito. 4. Neoconstitucionalismo e neoprocessualismo. 5. Da revisão do conteúdo dos princípios da congruência e da demanda no processo civil a partir do neoprocessualismo. 5.1. Da interpretação quanto ao pedido. 5.2. Exigência de pedido expresso. 5.3. Pedido não formulado em capítulo próprio. 6. Síntese conclusiva. Referências.
1 INTRODUÇÃO
Há atualmente um movimento na doutrina e na jurisprudência de releitura dos institutos clássicos dos ramos do direito através da ótica constitucional. O processo civil teve seus conceitos básicos e institutos formulados sob a ótica do Estado Liberal (patrimonialista, individualista e legalista). Torna-se indispensável que este institutos sejam repensados sob a ótica do atual Estado Democrático Constitucional de Direito, que erige a supremacia da constituição como dogma essencial.
As máximas do neoprocessualismo propugnam um magistrado menos passivo e mais presente e atuante. No entanto, tal atuação tem como obstáculos as formulações clássicas dos princípios congruência e da demanda no processo civil. Eis a necessidade de revisão destes princípios para dar uma interpretação consentânea com o atual Estado Constitucional de Direito.
2 PRINCÍPIO DA DEMANDA. CONCEITO
Também chamado de princípio dispositivo, classicamente, o princípio da demanda advém das máximas do direito romano nemo judex sine actore, ou seja, sem autor não há jurisdição e ne procedat iudex ex officio, que significa o juiz não procede de ofício. Ele foi adotado com regra no sistema processual brasileiro.
De maneira categórica, ele impediria que o juiz promovesse de ofício a abertura de um processo, dando início à demanda judicial, sem que seja provocado pela parte. A lógica de tal ação é a proteção à imparcialidade do juiz. Não seria conveniente que aquele que iniciasse o procedimento julgasse o mesmo litígio, uma vez que ao propor a demanda já teria vislumbrado a existência de direito para a parte autora.
A idêntica conclusão chegam Ada Pellegrini Grinover, Cândido Rangel Dinamarco e Antônio Carlos de Araújo Cintra (1999, p. 58):
“Tanto no processo penal como no civil a experiência mostra que o juiz que instaura o processo por iniciativa própria acaba ligado psicologicamente à pretensão, colocando-se em posição propensa a julgar favoravelmente a ela. Trata-se do denominado processo inquisitivo, o qual se mostrou sumamente inconveniente pela constante ausência de imparcialidade do juiz”.
A inércia é uma das características da jurisdição. A livre iniciativa de provocação da atividade jurisdicional pertence à parte. É o que está previsto no art. 2º, do CPC.
No campo do direito processual do trabalho, no entanto, esta regra comporta algumas exceções. Seriam as hipóteses da reclamação trabalhista instaurada por ofício oriundo da DRT (art. 39, da CLT) e da execução promovida de ofício pelo juiz (art. 878, CLT). Nesses exemplos, seria permitido ao magistrado uma certa dose de inquisitoriedade. No processo civil, permite-se também a abertura ex officio de processo de inventário (art.989, do CPC).
Em oposição ao princípio da demanda, encontra-se o princípio inquisitivo, pelo qual não estaria o magistrado paralisado, aguardando a requisição das partes para agir. O mesmo também foi implementado em nossa ordem jurídica processual nos arts. 262, do CPC, que dispõe que, após o ajuizamento da ação, o processo se desenvolverá por impulso oficial, tendo o julgador ampla liberdade para dirigir e velar pelo andamento rápido da causa, podendo determinar qualquer diligência necessária ao esclarecimento delas, ou ainda, ter iniciativa na produção de provas(art. 130, do CPC).
3 PRINCÍPIO DA CONGRUÊNCIA. CONCEITO
O princípio da demanda tem como corolário o princípio da congruência (CÂMARA, 2006, p. 71), também conhecido como da adstrição da sentença ao pedido, da correlação, da correspondência e da simetria. Segundo ele, ao julgar, o juiz deverá declarar o provimento ou o improvimento do pedido do autor, jamais podendo ir além deste, deixar de se pronunciar sobre a totalidade da pretensão do demandante ou ainda conceder bem da vida diverso do pleiteado. Caso viole qualquer dessas afirmativas estará o juiz proferindo, respectivamente, sentenças ultra, citra e extra petita.
A congruência da decisão judicial tem que ser analisada por dois âmbitos: interno e externo. A congruência interna reflete diretamente os requisitos da petição inicial. Quando se olha a extensão do pedido e a extensão do provimento jurisdicional, para que a congruência interna seja respeitada, ambos devem ser coincidentes. Assim, por esse viés, é dado ao juiz julgar naquele processo, vinculado somente àquelas partes, causa de pedir e pedido. Por sua vez, a congruência externa relaciona-se com o cotejo da sentença, o objeto da demanda e a defesa do réu. O juiz é obrigado a decidir de acordo com o que foi demandado, mas observando também os pontos suscitados pela defesa.
O pedido, juntamente com as partes e a causa de pedir, é elemento da ação. Através desses elementos é que se dá o fenômeno da individualização e estabilização da demanda, por conseguinte, identificando-a. Não há que se cogitar a existência de ação sem que haja pedido previsto na petição inicial, baseado em determinada causa de pedir igualmente expressa na peça incoativa, pelo qual uma parte busca a prestação jurisdicional em face do réu.
O princípio da congruência está também intimamente ligado ao princípio do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa. Vislumbra-se este fato facilmente quando o juiz decide conceder bem da vida diverso do qual foi objeto de pedido ou ainda quando decide além do que foi pedido. O contraditório e a ampla defesa impõem que o julgador conceda a oportunidade de se manifestar sobre todos os temas que serão objeto do provimento jurisdicional final (contraditório em sentido formal), de maneira que potencialmente tenham as partes o poder de influenciar no convencimento do magistrado (contraditório em sentido material). No momento em que o juiz decide ultra ou extra petita, a parte que não se manifestou sobre o tema tem por prejudicado o exercício pleno de seu direito de defesa.
4 NEOCONSTITUCIONALISMO E NEOPROCESSUALISMO
A contribuição dos pensadores pós-positivistas Ronald Dworkin(2002) e Robert Alexy(1993), estupefatos pelos absurdos cometidos durante a segunda guerra mundial, legitimado pelo Direito da época do positivismo jurídico, conduziu a reformulação do paradigma interpretativo do Direito contemporâneo. A este movimento se denominou neoconstitucionalismo[1].
Impulsionou-se a reaproximação da ética com o Direito. Superando as doutrinas positivistas, estes doutrinadores defenderam a inclusão de valores como proporcionalidade, razoabilidade e dignidade da pessoa humana ao Direito, através de um novo tipo de norma no ordenamento jurídico, as chamadas normas princípio, que juntamente com as normas regras regulariam as condutas.
Aquelas, porém, gozam de um regime hermenêutico diferenciado, uma vez que veiculam mandados de otimização que devem ser realizados na maior medida possível de acordo com as circunstâncias fáticas e jurídicas existentes no caso concreto (ALEXY, 1993, p. 86). Justamente, por isso, não se submetem ao sistema clássico do regime de validez(fórmula do tudo-ou-nada – ou a norma é válida e deve ser aplicada ou a norma é inválida e deve ser expungida do ordenamento). A importância maior que determinado princípio receba numa situação específica, logo, não importa na exclusão do outro do sistema jurídico, nem mesmo a perda da qualidade normativa que assume (DWORKIN, 2002, p. 41-42).
Ao revés, como veiculam fins, mas sem determinar os meios pelos quais serão realizados, a depender do caso concreto, quando em confronto com outros princípios de maior peso, podem ter sua aplicabilidade mitigada com base na máxima da ponderação de interesses(princípio da proporcionalidade). Este raciocínio não impede que em outro caso, seja atribuído pesos diversos aos mesmo princípios. Por isso, em todos os casos os princípios continuam ilesos no campo da validez.
A Constituição Federal passou a assumir o centro do sistema normativo, “irradiando sua luz” a todos os outros diplomas que a partir de então devem ser interpretados conforme a carta magna. Sempre deve-se fazer o raciocínio da interpretação conforme a constituição. Assim, houve uma ampliação dos instrumentos para garantir a integridade da carta magna, através dos controles concentrados e difuso de constitucionalidade.
Os princípios constitucionais deixaram de ser meras exortações políticas ou normas programáticas para gozarem de força normativa e aplicabilidade imediata. Em razão desta qualidade, tornam-se mandados vinculantes à todas as funções estatais(legislativa, administrativa e jurisdicional).
O neoprocessualismo[2] é aplicação do neoconstitucionalismo dentro do processo, ou seja, a revisão dos institutos de direito processual sob a ótica constitucional. Para isso é necessário ter uma postura arrojada, mas indispensável para que se garantam os direitos fundamentais. Dá-se dimensão qualitativa ao princípio do devido processo legal e do acesso à justiça, para garantir ao jurisdicional o acesso à ordem jurídica justa, célere, efetiva e adequada. Nessa linha de interpretação é que se filia o presente trabalho.
5 DA REVISÃO DO CONTEÚDO DOS PRINCÍPIOS DA CONGRUÊNCIA E DA DEMANDA NO PROCESSO CIVIL A PARTIR DO NEOPROCESSUALISMO
5.1 Da interpretação quanto ao pedido
As máximas do neoprocessualismo propugnam um magistrado menos passivo e mais presente e atuante. A instrumentalidade do processo servirá como mandamento finalístico de otimização para uma atuação mais informal e diligente do magistrado. Desta forma, impulsiona o magistrado a providenciar qualquer diligência necessária para o andamento rápido da marcha processual. Logo, no âmbito processual, o julgador pode e deve suprir pequenas omissões das partes prevenindo ocorrências de nulidades e que se postergue a solução do litígio.
Em algumas ocasiões ocorre de o juiz deparar-se com pedidos sucintamente redigidos utilizando expressões, que, individualmente consideradas, não significam o real objeto da busca do provimento jurisdicional.
Em um exemplo retirado da jurisprudência do STJ[3], ajuizou-se demanda pleiteando a rescisão de um compromisso de compra e venda de imóvel cumulada com perdas e danos, ao fundamento de falta de pagamento de duas parcelas do referido contrato. O autor apenas fez dois pedidos:a) rescisão do contrato; b) pagamento de perdas e danos. Todavia, ao longo da petição inicial tecia inúmeras ilações sobre os prejuízos que sofrera em razão do negócio, sem mencioná-los expressamente no petitório.
Com base na doutrina clássica, o magistrado deve proferir a decisão de acordo com as limitações impostas pelo pedido do autor e da defesa. Por essa razão, a interpretação que se dá ao pedido ganha grande relevância.
José Joaquim Calmon de Passos (2004, p. 209) demonstra a prática relativa aos pedidos no processo civil:
“Interpretar restritivamente o pedido é tirar dele tudo quanto nele se contém e só o que nele se contém, sem que se possa ampliá-lo por força da interpretação extensiva ou por consideração outra qualquer de caráter hermenêutico. Compreendido no pedido só o que expressamente contiver, não o que possa, virtualmente, ser o seu conteúdo.”
Entretanto, diversamente do que se poderia concluir da leitura exegética apenas dos pedidos da petição, ao pleitear no capítulo próprio apenas “perdas e danos”, o autor disse menos do que queria dizer. Nesses casos, o pedido deve se analisado em cotejo com a causa de pedir de forma a permitir se chegar a uma conclusão acerca da sua real extensão. Logo, com interpretação menos restrita, em oposição ao defendido pela doutrina clássica e pelo saudoso mestre baiano.
A prática da hipótese acima aventada é bastante comum, principalmente, no procedimentos dos juizados especiais, em que freqüentemente, seja por não estarem acompanhadas de advogado, seja pelo pouco espaço para elaboração da peça inicial(queixa), as partes são excessivamente sintéticas, sem exposição de teses jurídicas.
Essa atitude não implica em violação do princípio da congruência, nem mesmo do princípio dispositivo. O pedido continuará limitando a atuação do magistrado. Vale ressaltar que jamais a interpretação do pedido poderá ser abrangente ao ponto de se conceder algo que não foi objeto de pedido pela parte. Será cabível para aqueles casos quando do cotejo do pedido com a causa de pedir for visível a real intenção do autor. A limitação material da relativização da interpretação do pedido por esse viés serão os potenciais conflitos com os princípios do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal.
5.2 Exigência de pedido expresso
Regra geral, o juiz, ao proferir o comando sentencial, estaria limitado pelo quanto disposto no pedido da inicial (congruência interna) e o alegado pela defesa (congruência externa), não podendo conceder nada além, diverso do quanto pleiteado ou ainda deixar de analisar parcela deste.
Ainda assim, o princípio da congruência sofre mitigações. Em alguns casos a lei autoriza a que o julgador defira pedidos que não foram elaborados expressamente na petição inicial. A lei os estabelece em razão de sua importância, natureza ou caráter de ordem pública. Fredie Didier Junior (2007, p. 398) elenca alguns exemplos de pedidos implícitos:
“a) os juros legais (art.405 e 406 do CC-2002; b) ressarcimento das despesas processuais e dos honorários advocatícios (art. 20 do CPC); c) correção monetária (art.404 do CC- 2002); d) pedido relativo a obrigações com prestações periódicas, pois o autor está desobrigado a pedir as prestações vincendas: o magistrado deve incluir, na decisão, as prestações vincendas e não pagas (art. 290 do CPC, ver adiante). Importa frisar que os juros convencionais ou compensatórios não prescindem do pedido expresso do autor, não se constituindo pedido implícito”.
Não sendo previsto na lei, não há que se considerar a existência de pedido implícito, não podendo o magistrado apreciar nada fundamentado nessa premissa.
Entretanto, há discussão acerca da possibilidade de condenação de um réu ainda que não tenha sido formulado pedido expresso nesse sentido, quando implícita a intenção de pleitear bem da vida em face deste[4].
A resolução dessa controvérsia perpassa obrigatoriamente pelo confronto principiológico dos princípios do devido processo legal, contraditório e a ampla defesa, dispositivo e congruência.
Se o juiz, em regra, apenas deve conhecer daquilo que lhe foi demandado por meio de uma petição inicial; se ao apreciar o litígio ele deve se ater ao quanto disposto no pedido do autor e o apresentado na defesa, não devendo deferir nada além ou diverso que foi pleiteado, nem deixar de analisar, ainda que parcialmente, nenhum dos pedidos; se ao réu deve ser oportunizada apresentação de defesa de forma que possa influenciar no livre convencimento do magistrado; se o réu para o exercício de seu direito de defesa tem como base o instrumento de formalização do direito de ação que é peça inicial; se os pedidos implícitos devem ser apenas aqueles expressamente previstos no texto legal; se dentro núcleo mínimo de formalidade impassível de serem ignorados encontram-se as garantias para o exercício pleno do direito de defesa.
Com base nesses fundamentos seria inviável a condenação de um réu caso não tenha sido formulado pedido expresso nesse sentido[5]. Contudo, conforme será tratado no tópico 5.3, apesar da necessidade de ser expresso, não há exigência de que seja formulado em capítulo próprio (petitório).
5.3 Pedido não formulado em capítulo próprio
Aconselha a boa técnica processual que na elaboração da petição inicial a mesma seja dividida em capítulos. Inicialmente, narram-se os fatos, passa-se ao direito e, ao final, redigem-se os pedidos e requerimentos que ficam no petitório. Todavia, algumas ponderações devem ser feitas.
A individualização da lide se dá através do reconhecimento de seus elementos estabilizadores, quais sejam, partes, pedido e causa de pedir. A partir deles são traçados os limites objetivos e subjetivos da coisa julgada. Assim, “o que não tiver sido objeto do pedido, por não integrar o objeto do processo, não será alcançado pelo manto da coisa julgada” (CÂMARA, 2006, p. 474).
Fazendo uma analogia, na sentença, existem parcelas que não têm caráter decisório. “O relatório, que obviamente não contém qualquer elemento decisório, não transita em julgado. Quanto à motivação da sentença, esta não é alcançada pela coisa julgada, como se verifica pela leitura do art. 469 do CPC” (CÂMARA, 2006, p. 474-475). Apenas a parte dispositiva da sentença é que transita em julgado. O dispositivo está para a sentença, assim como o petitório está para a petição inicial.
Expõe Carlos Henrique Bezerra Leite (2006, p. 548) uma prática comum na justiça do trabalho, mas que também ocorre com grande freqüência no rito processual civil:
“Por outro lado, a prática forense trabalhista tem revelado, não raro a existência de sentenças em que o dispositivo se limita a reportar-se à fundamentação. Há quem sustente que o decisum remissivo à fundamentação não invalida a decisão, pois a sentença, como norma jurídica que é, comporta interpretação e, com isso, o intérprete deve pesquisar no conjunto da sentença onde está a parte ou o item que realmente contempla o dispositivo.”
Se, na prática forense, é possível existir comandos dispositivos que se encontram espalhados ao longo da fundamentação da sentença, igualmente é possível havê-los na exordial.
Saliente-se ainda que, na sentença, por vezes, são abordadas matérias que são objeto de conteúdo decisório, mas que, contudo, não fazem coisa julgada. Seria a hipótese da declaração de inconstitucionalidade incidental promovida em controle difuso. Trata-se de um obter dictum (declaração incidental). Da mesma forma ocorre com a petição inicial.
Um técnico, servidor da União, ajuíza ação alegando desvio funcional (na prática, exercia funções de analista), pleiteando a título de indenização a remuneração de analista no período trabalhado e o retorno ao exercício das atividades típicas de seu cargo. Descreveu na exordial, todas as atividades que realizava(típicas de analista), inclusive com labor em sobrejornada para cumpri-las. Apesar de o fato de ter havido ou não prestação de serviço em horas extras poder ser objeto de prova e influir no convencimento do magistrado quanto à existência do desvio funcional, o mesmo em nenhum momento foi pleiteado pelo Reclamante, não podendo ser deferido judicialmente. Para que pudesse ser objeto do pronunciamento judicial, deveria ter ocorrido uma cumulação de ações nesta demanda, o que não houve.
Deve-se ter em mente essa diferença. Assim como na sentença existem parcelas que não fazem coisa julgada, da mesma forma há temas tratados na inicial que não são objeto da demanda e são tratados apenas incidentalmente. Logo, o magistrado deve ser cauteloso para observar esse fato.
Acrescente-se ainda a necessidade de haver pedido expresso pleiteando ao juiz o provimento jurisdicional. A intenção precisa estar ressaltada na exordial. Não basta a menção do fato. Deve dizer o que pretende buscar. A ausência de formulação escrita nesse sentido viola os princípios que possibilitam o exercício do pleno direito de defesa.
6 Síntese conclusiva
Retoma-se para conclusão o exemplo trazido da jurisprudência do STJ citada acima, e o entendimento do tribunal neste paradigma.
“EMENTA: Direitos civil e processual civil. Compromisso de compra e venda.entrega de titulo ao devedor pelo credor. Presunção relativa possível de ser elidida. Remissão da divida. Inexistência do animo de perdoar. Descaracterização. Alegação de desvirtuamento do principio do livre convencimento. Não-explicitação dos motivos da insurgência. Desconsideração das provas produzidas. Inocorrência. Não-conhecimento dessa parte. Verbete n. 284 da sumula/STF. Matéria de prova. Reexame defeso em sede especial. Enunciado n. 7 da sumula/STJ. Advogado como testemunha. Possibilidade. Depoimento por ter presenciado o fato e não por ouvir dizer. Impedimento restrito ao processo em que assiste ou assistiu a parte. Julgamento extra petita. Não-caracterização. Pedido existente no corpo da petição. Embora não constasse da parte especifica dos requerimentos. CC arts. 945 e 1.053, CPC, arts. 125, 128, 131, 332, 334-IV, 405-parágrafo 2.e 460. Recurso desacolhido.[…]
VII – o pedido é aquilo que se pretende com a instauração da demanda e se extrai a partir de uma interpretação lógico-sistemática do afirmado na petição inicial, recolhendo todos os requerimentos feitos em seu corpo, e não só aqueles constantes em capitulo especial ou sob a rubrica "dos pedidos"[6]. [grifou-se]
Ajuizou-se demanda pleiteando a rescisão de um compromisso de compra e venda de imóvel cumulada com perdas e danos, ao fundamento de falta de pagamento de duas parcelas do referido contrato. O autor apenas fez dois pedidos:a) rescisão do contrato; b) pagamento de perdas e danos. Todavia, ao longo da petição inicial tecia inúmeras ilações sobre os prejuízos que sofrera em razão do negócio, sem mencioná-los expressamente no petitório.
No recurso especial, o réu sustentou a ocorrência de julgamento extra petita, que o magistrado ao condená-lo ao pagamento(perda) do sinal, estaria o fazendo sem que houvesse pedido.
O STJ, porém, em brilhante análise, de forma contundente optou por negar provimento ao recurso, dispondo que não violaria o princípio da congruência o deferimento do pedido de perda do sinal, uma vez que para interpretar o pedido, deve ser observada a petição como um todo, e não só o capítulo próprio(petitório)[7].
Diante do exposto nos tópicos anteriores, irretocável é o entendimento do STJ. Daí extraem-se três conclusões: a) Deve haver formulação expressa na forma de pedido em algum lugar da petição, ainda que fora do capítulo próprio; b) A interpretação do pedido deve ser feita análise lógico-sistemática de toda a petição, ou seja, pedido em cotejo com a causa de pedir, o que permite acolher todos os requerimentos formulados no seu corpo, bem como a definição completa do quanto disposto de forma sucinta no petitório; c) Não é possível condenação baseada em questão incidental, mas apenas aquelas que sejam pleiteadas principaliter tantum.
Mestrando em Direito Constitucional pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo- PUC-SP. Pós-graduado Lato sensu em Direito do Estado pela Faculdade Baiana de Direito/Jus Podivm. Bacharel em Direito pela Universidade Federal da Bahia-UFBA. Advogado sócio da Lima e Lima Advogados Associados. Professor de Direito Processual Civil e Direito Administrativo em cursos preparatórios da carreira jurídica. Aprovado em concurso para professor Auxiliar de Direito Civil e Direito Processual Civil da Universidade do Estado da Bahia- UNEB
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