Sumário: 1. Evolucionismo Histórico da Sentença. 2. Definição de Sentença no Processo Civil Moderno. 2.1. Das críticas à definição de sentença no diploma processual. 3. Classificação das Sentenças. 3.1. Noções Gerais. 3.2. Classificação quanto à Tutela Pleiteada: Teorias Trinária e Quinária. 3.2.1. Sentenças declaratórias. 3.2.2. Sentenças constitutivas. 3.2.3. Sentenças condenatórias. 3.2.4. Sentenças mandamentais. 3.2.5. Sentenças executivas lato sensu. 4. Conclusões.
O presente artigo tem por escopo analisar a evolução histórica da sentença, remontando aos períodos romanos e gregos. Analisa as várias definições doutrinárias de sentença e procura demonstrar a que melhor corresponde à sistemática processual vigente. Por fim investiga a classificação das sentenças elegendo-se como parâmetro o tipo de tutela jurisdicional pleiteado.
1 Evolucionismo Histórico da Sentença1
O estudo da sentença remonta, principalmente, ao Direito Romano e ao Direito Alemão. À época do Direito Romano concebia-se a sentença (sententia) como ato que, acolhendo, ou não, a demanda deduzida em juízo, colocasse fim à litigiosidade existente em torno do bem da vida almejado pelos contendores.2 A sententia romana pressupunha, portanto, a solução do litígio material. Qualquer ato praticado no transcorrer do processo e que fosse emitido pelo juiz recebia a alcunha de interlocutiones (aduzam-se como exemplos: a determinação da citação do réu; a decisão que rejeita a apelação). Não se falava, dessa forma, em sentença interlocutória porque essas palavras, consideradas isoladamente (sententia; interlocutoriae), significavam atos distintos. Enfim, sententia contrapunha-se a interlocutoriae.3
Essa não é, entretanto, a única distinção entre esses atos jurisdicionais no processo romano. Tem-se que salientar, ademais, que somente as sententiae eram sujeitas ao recurso de apelação, isto porque transitavam em julgado. As interlocutiones, por outro lado, não estando acobertadas pela coisa julgada, não eram sequer recorríveis. Além do fato de não transitar em julgado, as interlocutiones, no Direito Romano, tinham como característica o fato de não acarretarem prejuízos às partes. Ausente o prejuízo não havia porque tornar o ato recorrível.
Acresçam-se a essa distinção que caracterizava o processo romano duas outras notas importantíssimas:
A) tratava-se de um processo preponderantemente oral, significando que o juiz era orientado (por meio dos éditos) a colher todas as provas pessoalmente, mesmo porque, prova coletada sem a participação direta do juiz recebia, quando de sua valoração para a formação da convicção do julgador, menor importância. Essa situação reflete-se, claramente, no édito de Adriano, mencionado por Chiovenda: “(…): ‘Alia este auctoritas’ diz ele, ‘praesentium testium, alia testimoniorum (atas) quae recitari solent’ (fr. 3, § 3.º, Dig. de test.): o valor das testemunhas que depõem em pessoa é muito diferente do valor das atas que se costumam ler.”4 Em função da oralidade exsurgiram outros subprincípios, a saber: subprincípio da imediação (segundo o qual o juiz que julgasse o processo deveria ser o mesmo que o acompanhasse desde o seu nascedouro); subprincípio da publicidade (todos os atos praticados no processo deveriam se dar com a participação das partes); princípio da concentração;
B) ainda no tocante às provas algumas considerações precisam ser feitas. No processo romano a sententiae era declaratória, isto é, a função do juiz era, analisando as provas produzidas no processo e valorando-as conforme sua consciência,5 a de subsumir a situação fática apresentada em juízo a uma das fórmulas editadas pelo pretor. Assim, conquanto se tratasse de um ato vinculado às fórmulas já existentes, ao juiz era resguardada a faculdade de “encaixar” a situação fática na fórmula que melhor se lhe adaptasse.
Enfim, apesar de o juiz se assemelhar, nessa época, nos dizeres de Montesquieu, à boca que pronuncia as palavras da lei, resguardou-se-lhe uma esfera de discricionariedade quando da colheita e valoração das provas produzidas, fato que se refletia nas sentenças.
Importa, neste momento, fazer uma ressalva.
Conquanto se tenha mencionado nos parágrafos acima que a discricionariedade do juiz romano se materializava quando da valoração das provas produzidas, não se pode afirmar, só por este fato, que a sentença romana era um ato volitivo e intelectivo, contrapondo-se, dessa forma, ao fato de ser a sentença um ato com cunho declaratório, onde, por coerência, a sentença deveria ser um ato intelectivo.
Assim sendo, e reforce-se, por coerência, a sententia romana era somente um ato de inteligência e não de vontade. Isso porque o juiz apenas aplicava a fórmula ditada pelo pretor sem poder influir no conteúdo da mesma, que já era definido. Portanto, a vontade do juiz se manifestava apenas sobre a valoração das provas. Por meio deste ato ele poderia tão somente decidir qual fórmula melhor se aplicaria ao caso concreto. Assim, a vontade do juiz era pré-sentencial, porque sua vontade não se estendia até a elaboração da sentença. Pode-se esquematizar essa situação da seguinte forma:
Vislumbra-se pela ilustração que duas fórmulas eram passíveis de aplicação (X e Y), sendo que seus conteúdos já estavam fixados. Valorando as provas o juiz optou por aplicar a fórmula Y em detrimento da fórmula X. A vontade do julgador se manifestou apenas no momento da escolha da fórmula a aplicar. Isso não se transmuda em uma fórmula (sentença) volitiva e intelectiva, mesmo porque o julgador poderia entender que nenhuma das fórmulas refletia, subjetivamente, a justiça (o fato de ele, intimamente, pensar diversamente do que está consignado na sententia não o autorizava a alterar-lhe o conteúdo, isto porque a sentença espelhava a vontade do príncipe ou soberano ou rei, nunca a vontade do julgador).
No Direito Grego, por sua vez, a sentença associava-se, nos primórdios, a um veredicto. O juiz concentrava, em si, a realização da justiça. Recorrer ao juiz era a forma para se solucionar o litígio com justiça (Justiça que, para os gregos, era o meio termo). Essa supervalorização da pessoa do juiz é retratada por Aristóteles, em sua obra Ética a Nicômaco:
Eis por que, quando ocorrem disputas, as pessoas recorrem ao juiz. Recorrer ao juiz é recorrer à justiça, pois a natureza do juiz é ser uma espécie de justiça animada, e as pessoas procuram o juiz como um intermediário, e em algumas cidades-Estado os juízes são chamados de mediadores, na convicção de que, se os litigantes conseguirem o meio-termo, obterão o que é justo. Portanto, justo é o meio-termo, já que o juiz o é.6
Assim como ocorria no Direito Romano, a sentença tinha um cunho declaratório. Insta consignar, todavia, que a declaração levada a efeito no Direito Grego diferenciava-se daquela do Direito Romano. Neste as partes dirigiam-se ao juiz postulando, com base em determinada lei, um bem jurídico. Outra situação ocorria no Direito Grego, no qual as partes vinham a juízo requerer que o juiz (destinatário das normas jurídicas) declarasse (revelasse) qual norma deveria regular o caso concreto. Ademais, no Direito Romano, ao contrário do que ocorria no Direito Grego, as normas jurídicas eram dirigidas diretamente aos particulares, e não aos juízes. Os juízes, no âmbito romano, não funcionavam como um intermediário para a aplicação das leis. Elas eram conhecidas e deviam ser respeitadas pelas partes. Os juízes somente atuavam para dirimir conflitos oriundos de sua aplicação.
Resumidamente, no Direito Romano os cidadãos sabiam qual norma deveria reger um fato (relação) litigioso(a), mas discutiam com relação a quem essa norma concedia tais direitos. No Direito Grego, as normas eram conhecidas pelo juiz e os cidadãos gregos sequer sabiam qual regra incidia sobre o caso litigioso. Os gregos buscavam o Judiciário e apenas apresentavam a situação fática.
Com relação ao Direito Alemão, duas modalidades de sentenças podiam ser constatadas: uma sentença, de cunho processual, que era prolatada ao final da fase instrutória; e outra sentença, prolatada ao final do processo,7 para decidir a controvérsia. Isto se dava porque os romanos concebiam duas fases bem distintas num processo: a fase instrutória e a fase decisória, e ao ato que as encerrava denominavam, respectivamente, sentença interlocutória e sentença definitiva. Além disso, ambas as decisões eram sujeitas ao recurso de apelação.
Aos poucos novas concepções de sentença surgiram. Deixou-se o caráter meramente declaratório de sentença e começou-se a aventar seu fito constitutivo. O juiz não era um mero aplicador das leis existentes, passando, sob a ótica dessa nova corrente, a auxiliar na criação do Direito. O maior expositor desse pensamento foi Hans Kelsen, que o sintetizou com as seguintes palavras:
Do ponto de vista de uma consideração centrada sobre a dinâmica do Direito, o estabelecimento da norma individual pelo tribunal representa um estado intermediário do processo que começa com a elaboração da Constituição e segue, através da legislação e do costume, até a decisão judicial e desta até a execução da sanção. Este processo, no qual o Direito como que se recria em cada momento, parte do geral (ou abstrato) para o individual (ou concreto). É um processo de individualização ou concretização sempre crescente. (…).
Uma decisão judicial não tem, como por vezes se supõe, um simples caráter declaratório. O juiz não tem simplesmente de descobrir e declarar um direito já de antemão firme e, cuja produção já foi concluída. A função do tribunal não é simples ‘descoberta’ do Direito ou juris-‘dição’ (‘declaração’ do Direito) neste sentido declaratório. A descoberta do Direito consiste apenas na determinação da norma geral a aplicar ao caso concreto. E mesmo esta determinação não tem um caráter simplesmente declarativo, mas um caráter constitutivo. (…).8
Sob o influxo dessas idéias, especialmente as romanas, o legislador pátrio optou, quando da elaboração do Código de Processo Civil de 1939, por criar um regime próprio para os atos que considerou sentença e outro regime para as chamadas decisões interlocutórias. As principais diferenças são:
a) a sentença colocava fim ao processo, com ou sem julgamento de mérito, enquanto as decisões interlocutórias eram os atos pelos quais os juízes decidiam, no curso do processo, questões incidentes;
b) a sentença estava submetida ao recurso de apelação e as interlocutórias ao agravo de petição.
Atualmente, sob a égide do Código de Processo Civil de 1973, as disparidades propostas em 1939 se mantêm, alterando-se apenas o sistema recursal, pois, a sentença continua submetida ao recurso de apelação enquanto a decisão interlocutória é atacável por meio do agravo de instrumento.
2. Definição de senteça no processo civil moderno
A sentença é o ato processual mais relevante no processo. Por este motivo foi intitulada, pelo professor Luiz Fernando Bellinetti, de ato jurisdicional magno,9 por meio da qual a jurisdição concretiza seu papel mais significativo.
No Direito italiano, donde o professor Bellinetti extraiu a base para sua formulação, a definição de sentença é bem exposta por Liebman:
La sentenza. – Con la sentenza culmina e si conclude il processo di cognizione: è l’atto del giudizio e contiene l’enunciazione formale e solenne della regola giuridica concreta destinata a disciplinare il caso sottoposto al giudice dalle parti.
Essa è pertanto l’atto giurisdizionale per eccellenza, l’atto a cui tende e con cui si compie il procedimento, l’atto alla cui pronuncia tutti gli atti del processo sono preordenati. Con la pronuncia della sentenza, lo Stato adimpie nella sua forma più importante e più delicata (il processo di cognizione) la funzione giurisdizionale, rendendo giustizia tra i consociati e attuando nei loro confronti la tutela giuridica.10 (negrito nosso).
Vislumbra-se pela leitura desse excerto que Liebman é adepto da teoria dualista (ou declaratória) do processo. Apregoa essa corrente que o juiz, ao prolatar a sentença, simplesmente declara a norma jurídica aplicável ao caso concreto. Sua atividade não lhe permite, portanto, criar direitos que já não estejam previstos no ordenamento jurídico. Assim, na sentença o juiz apenas apresentaria a norma jurídica que melhor se adaptasse ao caso concreto deduzido em juízo, sem apresentar conclusões valorativas subjetivas.11
O legislador pátrio, seguindo a esteira italiana à época, adotou uma definição topográfica, finalística, pragmática de sentença. Isto se explica pela simples leitura da exposição de motivos ao Código de Processo Civil, no excerto atinente aos recursos:
33. Diversamente do Código vigente, o projeto simplifica o sistema de recursos. Concede apelação só de sentença; de todas as decisões interlocutórias, agravo de instrumento. Esta solução atende plenamente aos princípios fundamentais do Código, sem sacrificar o andamento da causa e sem retardar injustificavelmente a resolução de questões incidentes, muitas das quais são de importância decisiva para a apreciação do mérito. O critério que distingue os dois recursos é simples. Se o juiz põe termo ao processo, cabe apelação. Não importa indagar se decidiu ou não o mérito. A condição do recurso é que tenha havido julgamento final no processo. Cabe agravo de instrumento de toda a decisão, proferida no curso do processo, pela qual o juiz resolve questão incidente. (negrito nosso).
Fixadas as premissas na exposição de motivos, a definição de sentença proposta pelo legislador não poderia ser outra senão aquela que a vinculasse à extinção do processo, pouco importando a solução do litígio que fora deduzido pelas partes em juízo. Assim, legalmente, sentença “(…) é o ato pelo qual o juiz põe termo ao processo, decidindo ou não o mérito da causa” (art. 162, § 1.º, do Código de Processo Civil).
Optou o legislador, portanto, por uma definição formal-processual.12
Semelhante posicionamento não ficou, porém, alheio às críticas, conforme se procura demonstrar nos subtópicos abaixo.
2.Das críticas à definição de senteça no diloma processual
A sentença não põe fim ao processo, que pode continuar em 2.º Grau de Jurisdição, dês que seja interposto algum recurso (em especial, o de apelação). Os prosélitos dessa argumentação propuseram, assim, que a sentença seria o ato processual que encerraria o processo em 1.º Grau de Jurisdição, com ou sem julgamento de mérito.
Parece, todavia, que não houve uma alteração substancial na definição de sentença, perdurando, ainda, seu aspecto formal-processual, finalístico; enfim, a sentença continua com a característica indelével de ser o ato que encerra o processo, mesmo sem prestar uma tutela jurisdicional efetiva, entendida esta como a solução do conflito de interesses contrapostos apresentado, pelas partes, em juízo.
A sentença, como ato jurisdicional superior, não pode deixar de concretizar os escopos da jurisdição, entre os quais se aponta a pacificação social, o que pressupõe, portanto, a solução do litígio. Por isso, apesar das adequadas objeções, a segunda definição apontada tampouco fornece uma visão uniforme de sentença que possa ser aplicada em todos os dispositivos do Código de Processo Civil. As incongruências permanecem.
Urge enfatizar, ainda, que nas sentenças mandamentais e executivas lato sensu não há que se cogitar sobre a interposição, ou não, de recurso de apelação para que o processo continue a existir. Isto ocorre porque, nestas situações, a fase executiva se realiza no mesmo processo. Nesse sentido, afirma Luiz Rodrigues Wambier, et alli:
(…). Tal outro reparo se faz necessário em face da existência das ações mandamentais e executivas lato sensu. Nesses casos, como já se viu e se torna a examinar logo adiante, a sentença é efetivada dentro do mesmo processo em que foi proferida. Vale dizer: não há um subseqüente processo de execução. Daí que, à parte da possibilidade de apelação, as sentenças mandamentais e executivas lato sensu não põem fim ao processo nem mesmo se não houver recurso, já que, depois dela, o processo prossegue em sua fase de efetivação da tutela.13
Aduza-se, por outra vertente, que visualizar a sentença como ato que extingue o processo, com ou sem julgamento de mérito,14 importa em um raciocício tautológico, circular, como bem apontam Luiz Rodrigues Wambier, et alli:
Dizer que a sentença é o ato do juiz que põe fim ao procedimento em primeiro grau de jurisdição é uma tautologia, ou seja, um raciocício circular. Explicando. Pergunta-se: qual é o ato do juiz que põe fim ao procedimento em primeiro grau de jurisdição? Responde-se: a sentença. Por outro lado, ao se perguntar o que é uma sentença, tem de responder-se que é o ato do juiz que põe fim ao procedimento em primeiro grau de jurisdição.15
A professora Teresa Arruda Alvim Pinto, após tecer alguns comentários e críticas à escolha legislativa e a algumas manifestações doutrinárias arremata que a nota diferenciadora da sentença é o seu conteúdo. Defende que todo o ato jurisdicional que tiver como conteúdo as matérias previstas nos artigos 267 e 269 do Código de Processo Civil poderão ser apontadas como sentenças. Esse seria, para a estudiosa, um critério seguro no campo da definição de sentença. Seu pensamento resta caracterizado nos seguintes excertos:
Como se disse há pouco, há que dar voltas à tautologia, a que dá azo a própria lei e, certamente, o único elemento por meio do qual se podem identificar as sentenças é seu conteúdo. (…).
Essa é a impressão que se pode ter à primeira vista, se não se leva em conta uma circunstância: o legislador especificou quais são os conteúdos que fazem com que se possa identificar um pronunciamento judicial como sentença. (…).
Cremos, portanto, ser esta a nota marcante das sentenças, ou seja, é o seu conteúdo, preestabelecido por lei de forma expressa e taxativa, que as distingue dos demais pronunciamentos do juiz.16
O legislador cometeu, segundo um outro enfoque crítico, um equívoco ao mencionar que a sentença extingue o processo. A jurisdição é, simplificadamente, o meio pelo qual o Estado-Juiz se subtrai à vontade das partes e soluciona o conflito de interesses contrapostos por elas deduzida em juízo. Ocorre, porém, que o juiz somente consegue fazê-lo por meio do processo. Assim, extrai-se que o processo é a instrumentalização da Jurisdição. O procedimento, por sua vez, é o aspecto formal do processo. É, estruturalmente, sua engrenagem, isto é, aquilo capaz de movimentá-lo, impulsioná-lo. Portanto, assim como a Jurisdição atua por meio do processo, este atua por meio do procedimento.
O procedimento é, por isso, inexorável ao processo, mas a recíproca não é verdadeira: se não pode existir processo sem procedimento, não é válida a assertiva que afirme inexistir procedimento sem processo. O procedimento pode ser visto, ainda, como o conjunto de atos praticados no transcorrer do processo, seja pelo juiz ou pelas partes, tendentes a solucionar o conflito instaurado judicialmente.
Assim, entendido o processo como meio para o exercício da Jurisdição, e considerando que existem, salvo algumas exceções, dois graus de jurisdição, todos os atos praticados na primeira instância tem seu desfecho final com a sentença. Dessa monta, a sentença põe termo ao procedimento em 1.º Grau de Jurisdição, isto porque o processo pode continuar, caso algum recurso seja interposto, por exemplo, em uma instância superior, o que ocasionará, para tanto, o aparecimento de um novo procedimento que se exaurirá com a prolação do acórdão.
Esse posicionamento é mencionado por parcela da doutrina, como, por exemplo, pelos autores Luiz Rodrigues Wambier, et alli,17 e Flávio Cheim Jorge.18 Para este autor, todavia, não basta a simples extinção do procedimento em 1.º Grau de Jurisdição para se delinear uma precisa definição de sentença, sendo necessário acrescer, também, a extinção da relação jurídica processual,19 conforme se depreende da leitura de seu texto:
Imprescindível, então, para que exista sentença, que tanto a relação jurídica processual quanto o procedimento sejam extintos. Se somente a relação jurídica processual ou somente o procedimento for extinto, essa decisão não será sentença, mas sim decisão interlocutória. (…).
Pensamos, assim, que o conceito mais apropriado seria considerar a sentença como o pronunciamento do juiz, que tem por conteúdo preponderante a resolução da relação jurídica submetida ao Poder Judiciário (relação jurídica e procedimento). É exatamente esse conteúdo preponderantemente que faz com que a sentença produza externamente um efeito peculiar de levar ao trânsito em julgado.20 (itálico e negrito nossos).
Para entender o pensamento do professor Flávio Cheim Jorge urge fixar os seguintes conceitos: a relação processual pode ser encerrada de duas formas: I – quando se verificar quaisquer das hipóteses do artigo 267 do Código de Processo Civil (extinção sob o aspecto formal) ou; II – quando ocorrerem as situações do artigo 269 do mesmo Codex (neste caso também a relação de direito material discutida pelas partes será solucionada – extinção sob o aspecto material). Sentença, para o autor, portanto, seria aquela que ocasionasse a extinção, formal ou material, da relação jurídica e do procedimento
Apesar da coerência no raciocínio do professor Flávio Cheim Jorge, tem-se que entender que a relação jurídica a ser apreciada pelo juiz é aquela de direito material, pois, o que a parte requerente deduz em juízo é o conflito de interesses contrapostos. O que é submetido à apreciação e resolução do Poder Judiciário, ab initio, não é a relação processual (sob o aspecto formal – análise dos pressupostos formais imprescindíveis ao correto desenvolvimento processual), que é intraprocessual e surge concomitantemente ao processo, mas sim a divergência quanto ao direito posto em discussão.
Assim, conquanto a relação jurídica de direito processual contenha, também, mas não só, a de direito material,21 a tutela jurisdicional efetiva-se, concretiza justiça e atua para a pacificação social, quando, ao cabo do ato jurisdicional supremo, dirime o conflito fático e encerra o procedimento em 1.º Grau de Jurisdição.
Portanto, apesar de muito bem elaborada e calcada em fundamentos sólidos, a definição apresentada por Flávio Cheim Jorge tampouco merece acolhida, uma vez que a decisão que extinguisse o procedimento sem julgamento de mérito, em 1.º Grau de Jurisdição, também receberia a denominação de sentença, apesar de dirimir a relação jurídica processual apenas sob seu aspecto exclusivamente formal, conclusão com a qual se discorda.
Luiz Fernando Bellinetti, em sua obra já mencionada, vislumbra a sentença como todo ato processual capaz de solucionar um litígio material autônomo,22 podendo, via de conseqüência, extinguir, ou não, o processo. Nota-se, dessa forma, a adoção do conceito formal-material de sentença, em detrimento às definições formais-processuais, formais puras, ou simplesmente materiais.
Com essa ideologia o professor Bellinetti apregoa que as sentenças podem resolver os problemas formais e materiais do processo. Ou seja, podem dirimir os conflitos de interesses contrapostos – nova conotação dada à definição de lide exposta por Carnelutti e adotada pelo legislador pátrio quando da elaboração do Código de Processo Civil – aspecto material; e extinguir o processo – aspecto formal. Mas nunca se poderá intitular de sentença um ato processual que, conquanto extinga o processo, não resolva o litígio material autônomo. Ter-se-á, nesse caso, uma decisão terminativa, hipótese na qual se encaixa a extinção do processo sem julgamento de mérito.
A solução, neste caso, seria dada apenas ao aspecto formal do processo, em detrimento ao material.
Portanto, sempre será designado por sentença, pela ótica da construção apresentada pelo professor Bellinetti, o ato processual que:
I – simplesmente resolva o aspecto material do processo e concretize uma tutela jurisdicional efetiva, dirimindo o conflito de interesses contrapostos, mesmo que não seja satisfeito o aspecto formal (extinguindo o processo);
II – solucione os aspectos formais e materiais.
Assim, como já foi dito, quando apenas os aspectos formais forem solucionados, ter-se-á uma decisão terminativa.
Ao formular sua tese o professor Bellinetti busca espancar as incongruências existentes no sistema processual civil brasileiro, no qual pairam incertezas quanto ao correto entendimento que se deve dar às palavras utilizadas pelo legislador.
Essa dificuldade avulta-se, ainda mais e em especial, quando se analisa o termo sentença que, sob a construção jurídica reinante, não tem um significado unívoco em todos os artigos em que é mencionado. Ora significa ato processual que extingue o processo em 1.º Grau de Jurisdição (aplicando-se-lhe, assim, a definição dominante na atualidade), ora significando ato processual que, conquanto receba essa designação, não tem o condão de extinguir, por si só, a relação jurídica principal, não se lhe aplicando, por isso, a definição legal (cite-se como exemplo a decisão que julga a ação declaratória incidental – artigo 325 do Código de Processo Civil.
Adotando-se a nova conotação apresentada, assim como a alteração nos fundamentos filosóficos proposta por Bellinetti, os dissídios interpretativos cessariam, e o que foi escrito pelo legislador representaria, fielmente, o objeto que ele tentou reproduzir. Enfim, o que o legislador chamou de sentença seria, definitiva e conceitualmente – uma sentença, e nada modificaria isso.
Portanto, ao fim dessas elucubrações pode-se apontar o seguinte quadro:
Com base nisso poder-se-ia propor o seguinte: a função jurisdicional emite decisões que podem ser interlocutórias (quando não encerram um litígio material autônomo e tampouco extinguem o processo); definitivas (quando resolvem um litígio material autônomo – sentenças) e terminativas (quando encerram o processo a despeito de não resolverem um litígio material).23
Urge consignar, todavia, e novamente com amparo nas lições de Luiz Fernando Bellinetti,24 os reflexos que essa nova ideologia produziria no campo dos recursos. As decisões interlocutórias permaneceriam sujeitas ao agravo de instrumento, enquanto que seriam apeláveis não apenas as sentenças, mas também as decisões que encerram o processo, mesmo não solucionando o litígio material autônomo (decisões terminativas).
Ao cabo desses apontamentos, e sem precipitação, pode-se afirmar que, atualmente, a teoria desenvolvida por Bellinetti é a mais consentânea com o ordenamento, podendo-se-lhe apontar, todavia, a mesma crítica adredemente mencionada à definição legal, qual seja, a de que a sentença encerra é o procedimento, e não o processo.
Elencados todos esses posicionamentos doutrinários entende-se que diante das formas de extinção do processo (com julgamento de mérito – artigo 269, do Código de Processo Civil; e sem julgamento de mérito – artigo 267, do Código de Processo Civil), somente se denominaria sentença aquela fruto de cognição exauriente (processo de conhecimento) ou sumária (tutelas de urgência), onde houvesse a extinção do procedimento e o julgamento de mérito.25 Não se está vinculando, portanto, o direito de ação à existência de uma relação jurídica material (teoria concreta do direito de ação), pois esse julgamento pode ser favorável ou não ao pedido do(a) autor(a).
Insta aclarar que se denomina de sentença ao ato processual que, resolvendo, definitivamente,26 e em 1.º Grau de Jurisdição, o litígio material autônomo, extinga, concomitantemente, o procedimento.
Diverge-se, portanto, do professor Bellinetti, por não se considerar sentença o ato que simplesmente resolva o litígio material autônomo, sem, contudo, extinguir o procedimento. Isto porque não se entende possível a continuidade de um procedimento sem a existência de um litígio autônomo.
Mesmo nos atos processuais incidentes não há o surgimento de um novo procedimento; o que ocorre é a utilização do procedimento principal para a resolução desse incidente, razão pela qual a extinção destes atos, mesmo que constituam litígios autônomos, não tem o condão de extinguir o procedimento, a não ser quando sejam solucionados no mesmo momento processual em que o litígio principal esteja sendo dirimido.27
Essa inaptidão para extingui-lo (o procedimento) se dá porque o procedimento ao qual são incidentes é constituído por atos que se referem aos litígios principal e acessório. Inexistente a exclusividade, a decisão que põe termo ao incidente não pode impedir o prosseguimento dos atos processuais principais e, conseqüentemente, do procedimento, conducentes à extinção do litígio material inicial (ou principal).
Desta forma extrai-se que a extinção do procedimento não é despicienda para a caracterização da sentença.
Poder-se-ia argumentar que a definição que ora se expôs é uma reprodução daquela defendida por Flávio Cheim Jorge, mas algumas distinções podem ser observadas: enquanto referido doutrinador entende que a extinção do procedimento, sem julgamento de mérito, também é uma sentença, forçoso anotar que o pensamento desenvolvido neste tópico perfilha opinião oposta. Isto tudo porque o professor Flávio Cheim Jorge aceita que a resolução da relação processual, sob seu aspecto meramente formal, basta para a caracterização do ato como sendo uma sentença, premissa não aceita para a posição ora sob enfoque porque o litígio material permanece pendente.
Assim, aos atos que extinguirem o procedimento em 1.º Grau de Jurisdição, sem julgamento de mérito (sem resolver o litígio material autônomo), denominar-se-ia, como o fizeram os professores Giuseppe Chiovenda28 e Luiz Fernando Bellinetti,29 de decisão terminativa, sujeita, contudo, ao recurso de apelação.
Seria mantido, dessa forma, o que o legislador explicitou sobre recursos na exposição de motivos (n. 33). Da decisão que encerrar o procedimento cabe recurso de apelação. Os dizeres iniciais (Concede apelação só de sentença) é que seriam desconsiderados porque não é apenas a sentença que tem a força extintiva do procedimento, gozando desse efeito, também, a decisão terminativa.
Modificando esse pensamento o legislador estaria excluindo a sentença como único ato capaz de encerrar o procedimento.
Poder-se-ia criticar a proposta desta última corrente sob a alegação de que as incongruências existentes no sistema processual civil não foram eliminadas. Isso é verdade!
O que ocorre, verdadeiramente, é que o legislador errou ao utilizar o termo sentença em alguns artigos. Definição alguma poderá ser formulada para adaptar-se, perfeitamente, às disposições do Código de Processo Civil na forma como estão, atualmente, redigidas.
Ao invés de fazer com que os estudiosos digladiem-se com o ordenamento jurídico e contorçam suas definições, o legislador deveria rever a redação do texto legal e revisar, no nosso caso específico, o termo sentença, mantendo-o onde reflita, semanticamente, o que quer significar, ou alterando-o para outros mais adequados, como, por exemplo, para decisão terminativa, quando se aventarem situações onde apenas o litígio autônomo foi solucionado, sem que o procedimento tenha sido extinto.
Contudo, se houvesse uma congruência semântica entre o termo sentença e o objeto que ele tenta retratar não haveria dúvidas em afirmar que a definição do professor Bellinetti seria a mais adequada.
Ademais, aponte-se entre as vantagens que as acepções dos professores Luiz Fernando Bellinetti e Flávio Cheim Jorge revelam, assim como aquela que fora analisada neste tópico, o afastamento da tautologia detectada na definição tradicional. Exemplificando com a definição que se propôs ter-se-ia, ao se perguntar qual é o ato do juiz que põe fim ao procedimento em 1.º Grau de Jurisdição?, a seguinte resposta: depende, isto porque tanto as decisões terminativas quanto as sentenças podem fazê-lo.
Por outro lado, quando se questionasse sobre a definição de sentença, a resposta seria: ato processual que, julgando o litígio material autônomo, definitivamente, e em 1.º Grau de Jurisdição, seja resultado de um ato intelectivo-volitivo do juiz, calcado em cognição exauriente (processo de conhecimento) ou sumária (no processo cautelar), capaz de extinguir o procedimento.
3. Classificação das senteças
3.1. Noões gerais
O estudo da classificação das sentenças é bastante denso e já foi alvo de enorme celeuma doutrinária. Antes, porém, de imiscuir-se diretamente neste campo urge ter em mente o que significa classificar e qual a importância que a classificação das sentenças produz no mundo prático.
Classificar significa agrupar, organizar em classes, objetos, coisas, segundo critérios previamente estabelecidos.
Classificar as sentenças, portanto, indica organizar as sentenças (de procedência – objeto de análise deste trabalho) pautando-se em critérios variados, tais como: o tipo de tutela jurisdicional pleiteado, os efeitos produzidos pela sentença, etc.
Tem que se ter em mente que o mais importante em uma classificação é sempre se manter coerente com os critérios escolhidos.
3.2. Classificação quanto a tutela pleiteada: Teorías Trinária e Quinária
Expostas estas premissas pode-se afirmar que, tradicionalmente, a doutrina processual costuma classificar as sentenças segundo a tutela jurisdicional pleiteada.
Assim, a sentença tem a mesma natureza da tutela jurisdicional requerida pelo demandante. E, dependendo da tutela jurisdicional escolhida o demandante pode pretender uma sentença que:
1. emita um juízo de declaração acerca de uma relação jurídica ou sobre documentos;
2. crie, modifique ou extinga uma relação jurídica;
3. ou, ainda, que obrigue alguém a entregar algo ou a fazer ou deixar de fazer alguma coisa.
O professor Humberto Theodoro Júnior reflete essa predileção na seguinte passagem:
A classificação realmente importante das sentenças (considerando tanto a decisão do juiz singular como o acórdão dos tribunais) é a que leva em conta a natureza do bem jurídico visado pelo julgamento, ou seja, a espécie de tutela jurisdicional concedida à parte.30
Esse pensamento também é exposto pelo professor Dinamarco:
É muito cara à doutrina clássica do processo civil a classificação das ações segundo a espécie de sentença que se pede no exercício de cada uma delas. Daí, ação meramente declaratória, com o pedido de sentença meramente declaratória (positiva ou negativa); ação constitutiva, cujo pedido é de sentença constitutiva (também positiva ou negativa); e ação condenatória, voltada à sentença de condenação. Essa classificação tem o mérito de ser puramente processual, evitando os critérios herdados da tradição romana e impregnados de elementos inerentes ao direito subjetivo afirmado pelo autor (real, pessoal etc.: supra n. 557). Ainda assim, mais coerente com a moderna visão do processo civil é classificar as demandas, como concretas iniciativas de pedir a tutela jurisdicional. […].31 (negrito nosso).
Pautando-se neste critério as sentenças seriam classificadas de três formas: declaratórias (positivas ou negativas), constitutivas e condenatórias. É por isso que se fala em classificação trinária das sentenças.
Essa divisão da sentença em três espécies exerceu enorme influência no direito processual pátrio, tanto que o Anteprojeto do Código de Processo Civil elaborado pelo professor Alfredo Buzaid, em seu artigo 499, assim dispunha: “A sentença, que julga a ação, é: I – condenatória, se impõe ao réu uma prestação, cujo inadimplemento autoriza a execução forçada; II – constitutiva, se cria, modifica ou extingue relação ou situação jurídica; III – meramente declaratória, se se limita a afirmar a vontade da lei.”
A classificação trinária se disseminou e angariou inúmeros adeptos. Todavia, aos poucos se observou que, em nosso ordenamento, também existiam as chamadas tutela mandamental e tutela executiva lato sensu, razão pela qual se passou a defender uma classificação quinária das sentenças, conforme a modalidade de tutela jurisdicional almejada. O professor Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda, fiel defensor da teoria quinária, é bastante contundente no tema da classificação das sentenças:
As ações ou são declarativas (note-se que as relações jurídicas, de que são conteúdo direitos e pretensões ou de que direitos ou pretensões derivam, antes de tudo existem); ou são constitutivas (positivas ou negativas; isto é, geradoras ou modificativas, ou extintivas); ou são condenatórias; ou são mandamentais; ou são executivas.
[…].
As classificações de ações de que usaram os juristas europeus estão superadas. Assim, a classificação binária como a classificação ternária (ação declaratória, ação constitutiva, ação condenatória) não resistem às críticas e concorreram para confusões enormes que ainda hoje estalam nos espíritos de alguns juristas […].32
Sob esse novo enfoque as sentenças seriam: declaratórias (positivas ou negativas), constitutivas, condenatórias, mandamentais e executivas lato sensu.
Há que se ressaltar, ainda, que a classificação tríplice das sentenças, nos dizeres de Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart, é fruto da influência do Estado Liberal, não intervencionista e marcadamente despreocupado com a proteção de direitos não patrimoniais. Aduz, inclusive, que, hodiernamente, essa classificação, justamente por negar tutela a esses direitos não patrimoniais, não merece mais aceitação. Suas palavras são:
As sentenças de classificação trinária são absolutamente incapazes de garantir tutela genuinamente preventiva, ou tutela adequada aos direitos não patrimoniais. Isso porque através de nenhuma delas o juiz pode ordenar.
[…].
De fato, a classificação trinária das sentenças tem nítida relação com um Estado marcado por uma acentuação dos valores da liberdade individual em relação aos poderes de intervenção estatal, revelando, ainda, nítida opção pela incoercibilidade das obrigações.
O processo liberal, permeado pelos princípios da abstração dos bens e sujeitos e da equivalência dos valores, não estava preocupado em assegurar o adimplemento in natura, ou em assegurar ao credor o bem que lhe era devido, mas apenas em garantir o natural funcionamento da economia de mercado, e para tanto bastava a sentença de condenação (o pagamento de dinheiro).33
Na tentativa de justificar a classificação trinária, os estudiosos procuraram demonstrar que essas novas modalidades de tutelas jurisdicionais nada mais seriam do que subespécies das condenatórias, sendo inadequada, portanto, a classificação quinária. As sentenças mandamentais, por exemplo, para os adeptos da corrente trinária, não constituem uma tutela diferenciada, porque elas se reduziriam, na verdade, às sentenças de condenação. Os professores CINTRA & GRINOVER & DINAMARCO trazem o seguinte ensinamento:
Pode-se dizer que a classificação quíntupla das ações – em oposição à clássica tripartição – não obedece ao mesmo critério por esta adotado, que se funda na natureza peculiar da prestação jurisdicional invocada (condenação), de modo que a sentença mandamental e a executiva lato sensu poderiam ser reconduzidas à sentença condenatória.34
Lançados esses apontamentos mostra-se relevante analisar com maior retidão cada modalidade de sentença, afim de justificar a filiação à corrente trinária em detrimento da quinária, ou vice-versa.
3.2.1. Sentenças declaratórias
A sentença declaratória encontra fundamento legal no artigo 4.º do Código de Processo Civil, onde se encontra expresso que: O interesse do autor pode limitar-se à declaração: I – da existência ou da inexistência de relação jurídica; II – da autenticidade ou falsidade de documento. Admite-se, ainda, a ação declaratória quando já tenha ocorrido a violação do direito do demandante.
Denota-se, assim, que a sentença meramente declaratória somente pode ter como objeto uma relação jurídica ou a análise de um documento.
Infirma-se, ainda, que a sentença declaratória se coaduna com o juízo de certeza. O demandante, ao pleitear uma tutela declaratória busca a declaração de certeza acerca da existência de uma relação jurídica, ou a declaração de certeza quanto à autenticidade ou falsidade de algum documento. Os dizeres do professor Moacyr Amaral Santos refletem com clareza essa situação:
O interesse, nesse tipo de ações, será a certeza quanto à existência ou inexistência de uma relação jurídica, ou quanto à autenticidade ou falsidade de documento. O autor não pretende nada mais que a própria certeza; o seu pedido será o de declaração de certeza; o bem pretendido será a própria certeza. Pedido imediato – declaração de certeza; pedido mediato – a certeza quanto à existência ou inexistência da relação jurídica ou quanto à autenticidade ou falsidade do documento. Pedido imediato e pedido mediato se confundem.35
O juiz, após julgar o pleito do demandante, já esgota a sua função jurisdicional.
Pode-se dizer, ainda, que a sentença declaratória já satisfaz, por si só, os desejos do requerente, uma vez que prescinde de outros atos para compor, com justiça, o conflito de interesses deduzido em juízo e entregar, a quem tenha razão, o objeto almejado, qual seja, a certeza acerca do documento ou da relação jurídica. Dessa forma, se o demandante desejar a satisfação de seu direito deverá mover uma nova ação, agora de natureza condenatória.
Nada obstante, como outrora mencionado, a sentença declaratória pode ser analisada sob dois ângulos. Ela pode conter uma declaração de procedência (declaratória positiva) ou de improcedência (declaratória negativa).
Tenha ela cunho positivo ou negativo, é possível afirmar que as sentenças declaratórias gozam de efeito ex tunc, isto é, retroagem à data em que a relação jurídica declarada se formou, ou à data em que a falsificação do documento se consumou.
Produz, assim, um efeito declaratório.
3.2.2. Sentenças constitutivas
As sentenças constitutivas são bastante semelhantes às sentenças declaratórias. Aquelas, a teor destas, também possuem uma declaração em seu comando. Não se limitam, porém, apenas à declaração. Apresentam um elemento a mais, um traço diferenciador.
Assim, além da declaração, as sentenças constitutivas criam, modificam ou extinguem uma relação jurídica. A declaração, portanto, de existência ou inexistência de uma relação jurídica é antecedente lógico para que se possa processar a modificação ou mesmo a extinção de uma relação jurídica anteriormente existente para que se justifique a criação de uma nova relação jurídica.
Nessa linha de pensamento a sentença constitutiva pode ser: constitutiva criativa, constitutiva modificativa e constitutiva extintiva.
O professor Dinamarco esclarece estes pontos em sua obra:
Nesse quadro, sentença constitutiva é a decisão judiciária de mérito que reconhece o direito do autor à alteração pedida e realiza ela própria a alteração. Eis seus dois momentos lógicos sucessivos e entrelaçados, sendo o segundo estritamente dependente do primeiro (supra, n. 889). Amoldando-se às espécies de alterações que essa sentença pode produzir, ela será constitutiva positiva (inclusive por reconstituição da situação), constitutiva modificativa ou constitutiva negativa.36
É importante registrar, também, que o juiz, ao prolatar sentenças constitutivas já exaure sua função jurisdicional. Isto quer dizer que as sentenças constitutivas também já satisfazem, por si sós, a pretensão do demandante, sendo desnecessária a impetração de outra ação para que o demandante seja satisfeito.
No tocante à distinção entre sentenças declaratórias e sentenças constitutivas costuma-se apontar que, ao contrário da primeira, a sentença constitutiva produz efeito ex nunc, isto é, não retroage ao momento em que a situação foi criada, modificada ou extinta. A modificação, a criação ou a extinção somente se processam com a prolação da sentença. Esse argumento, todavia, é alvo de críticas do professor José Maria Rosa Tesheiner:
Quanto à distinção entre declarar e constituir. As sentenças declaratórias e constitutivas têm de comum a circunstância de que ambas são bastantes em si: ‘satisfazem por si mesmas a pretensão processual, sem necessidade de qualquer ato material futuro’. As sentenças constitutivas criam estado jurídico novo. É escassa a utilidade da distinção entre essas sentenças, mesmo porque a certeza jurídica decorrente da sentença declaratória pode ser considerada como novo estado jurídico.
Não se diga que as sentenças declaratórias produzem efeitos ex tunc e as constitutivas, efeitos ex nunc, porque estas podem produzir efeitos desde a data da propositura da ação, ou da citação, da sentença, de seu trânsito em julgado, ou de qualquer outro momento previsto em lei ou fixado pelo juiz. Mas as sentenças, ditas declaratórias da constitucionalidade ou inconstitucionalidade de norma jurídica, devem ser classificadas como constitutivas, já que admitida, por lei, a possibilidade de produzirem efeitos ex nunc.37
Ao contrário do que ocorre nas sentenças declaratórias, o Código de Processo Civil não faz menção às sentenças constitutivas. Sua aceitação deflui, assim, da análise da redação dada a alguns artigos do referido codex, podendo-se mencionar, ilustrativamente, os seguintes textos: a) artigo 10, IV – que tenham por objeto o reconhecimento, a constituição ou a extinção de ônus sobre imóveis de um ou de ambos os cônjuges; b) artigo 259, V – quando o litígio tiver por objeto a existência, validade, cumprimento, modificação ou rescisão de negócio jurídico, o valor do contrato.
Seu efeito é, portanto, constitutivo.
3.2.3. Sentenças condenatórias
A terceira modalidade de sentença (e última para os prosélitos da corrente trinária) é a condenatória.
Por meio da sentença de condenação o juiz declara a existência da relação jurídica afirmada pelo demandante (caráter declaratório da condenação) e aponta a sanção que incidirá sobre o demandado se ele se recusar a cumprir a sentença.
Essa sanção nada mais é do que a possibilidade de autorizar o demandante a iniciar, com fulcro na sentença prolatada e não cumprida, o processo de execução, a fim de satisfazer o direito reconhecido e declarado na decisão. Essa dupla finalidade é ressaltada pelo professor Moacyr Amaral Santos:
Tem, portanto, a sentença condenatória dupla função: uma, que é comum a todas as sentenças, ao declarar o direito existente – função declaratória; outra, que lhe é própria, consistente na aplicação da sanção – função sancionadora. Como é esta função que a distingue das demais sentenças e a caracteriza, tem-se que a sentença condenatória formula a especificação da sanção prevista na lei. Isso quer dizer que a sentença condenatória atribui ao vencedor um titulo executivo, que lhe confere o direito de executar o devedor no caso de não cumprir a obrigação.38
A sentença de condenação funciona, portanto, como título executivo e, ao contrário das sentenças meramente declaratórias e das sentenças constitutivas, não satisfaz, por si só, a pretensão do autor, pois este precisará mover o processo executivo para que o bem da vida requerido lhe seja definitivamente entregue.
O efeito dessa sentença seria, assim, condenatório.
A priori, pode-se afirmar que a distinção entre as sentenças declaratórias e condenatórias é bastante simples. Esta viabiliza o processo executivo enquanto aquela não tem esse efeito. Este fator de discrímen é, outrossim, incipiente conforme se demonstrará.
Resumidamente se observa que a doutrina procura no conteúdo e nos efeitos o elemento capaz de fornecer uma distinção satisfatória entre sentenças declaratórias e sentenças condenatórias.
No que concerne ao conteúdo, nas palavras de José Carlos Barbosa Moreira,
[…] já se sustentou que a existência da condenação reside numa ordem, que ora se concebe como dirigida ao litigante vencido, ora ao órgão de execução, ora a ambos; ou que reside no objeto da declaração (declaração de ato ilícito, ou declaração de responsabilidade); ou, ainda, que reside na aplicação de uma sanção.39
Se se tomar como apanágio da sentença de condenação a existência de uma ordem, o primeiro passo a ser perscrutado seria sua distinção para com as sentenças mandamentais. Por este motivo, essa análise será relegada para o tópico vindouro. O que se pode dizer, neste momento, é que se se vislumbrar, na sentença de condenação, a existência de uma ordem, algumas situações restariam sem respostas. Diz-se isto porque se o demandado não cumprisse a sentença espontaneamente seria possível responsabilizá-lo criminalmente? A resposta é negativa, pois o descumprimento voluntário não traz conseqüências penais ao demandado.
Percebe-se, assim, que não se trata, verdadeiramente, de uma ordem judicial dirigida a alguém, pois sua observância é voluntária.40
Por outra vertente, pretender pautar a distinção no objeto da declaração é absurdo.
Sob esse enfoque a sentença declaratória incidiria sobre relações jurídicas e sobre documentos, ao passo que as sentenças condenatórias declarariam a prática de um ato ilícito ou a responsabilidade oriunda desse ato ilícito.
Não se pode, porém, deixar de questionar: qual seria o ato ilícito declarado pelo juiz?
Em alguns casos o ato ilícito seria de fácil constatação. Como exemplo pode-se mencionar a condenação do demandado pela prática de atos atentatórios ao exercício da jurisdição (artigo 14, V, parágrafo único, do Código de Processo Civil – contempt of court).
Em outras situações, porém, a condenação não seria conseqüência de ato ilícito algum. É o que ocorre, exempli gratia, quando o juiz condena o demandado ao pagamento dos ônus sucumbenciais. Qual seria o ato ilícito declarado nesta situação?
Nota-se, assim, que a tese da condenação como declaração de ato ilícito ou da responsabilidade decorrente de sua prática também se mostra insatisfatória.
Há, ainda, uma terceira posição.
A condenação teria como característica o fato de possibilitar aplicação de uma sanção,41 qualidade ausente nas sentenças declaratórias.
Que sanções seriam estas e qual o fundamento legitimante para sua aplicação?
A condenação da parte vencida ao pagamento das despesas processuais (honorários advocatícios e ônus sucumbenciais) seria sanção? A resposta a esta pergunta somente pode ser negativa, pois, está claro que o pagamento das despesas processuais pelo vencido tem fulcro principiológico (princípio da sucumbência), e não se reveste de sanção, mesmo porque não há ato ilícito algum em sair derrotado do processo.
Tem-se, assim, que as distinções quanto ao conteúdo não se mostraram satisfatórias.
Quanto aos efeitos, assevera-se que a sentença condenatória se distingue da declaratória porque serve de título executivo para que o demandante não satisfeito busque, na via executiva, a satisfação de seu direito já reconhecido.
Ocorre que este critério, à semelhante do anterior, é objeto de críticas. Argumenta-se que, em algumas situações, conquanto se trate de sentença condenatória, desnecessário se mostra o processo de execução porque aquilo em que o demandado foi condenado já se encontra nas mãos do demandante. É o que se verifica, exemplificativamente, quando alguém é condenado e perde, em favor do demandante, o valor do sinal (artigos 417 a 420, todos do Código Civil) que já fora adiantado. Observa-se que, no referido exemplo, o demandante já tem consigo o bem da vida que o demandado foi condenado a restituir. Não há interesse em mover o processo executivo. “[…]. Teremos de expulsá-la do recinto reservado às condenatórias, só porque, já estando a quantia em poder do autor, não haverá o que executar? […].”42
O professor Barbosa Moreira levanta observação interessante quando analisa a distinção entre sentenças condenatórias e sentenças declaratórias pautando-se no efeito executivo da primeira, conforme se depreende da passagem abaixo transcrita:
[…]? E a sentença que impõe a prestação de alimentos, nas hipóteses em que a prestação é integralmente descontada em folha de pagamento (Código de Processo Civil, art. 734)? Caso se responda que, nessas hipóteses, a sentença não é condenatória, senão mandamental, em razão da ordem emitida pelo juiz à repartição pública ou à empresa, nem por isso se evitará nova interrogação: quid iuris se, perdido amanhã o cargo ou o emprego, mas subsistente o dever de alimentar, for mister recorrer, para a cobrança, ao processo de execução, de corte tradicional? Tal circunstância acaso mudará a natureza da sentença, que – talvez muito tempo depois de proferida – se verá deslocada, sem mais aquela, de uma classe para outra? […].43 (negrito nosso).
Pelas idéias lançadas anteriormente resta observar que a distinção entre sentenças declaratórias e sentenças condenatórias não é simples, sendo que os critérios comumente apresentados pela doutrina (conteúdo e efeito) são insatisfatórios.
Mas, mesmo sabendo dessas implicações a doutrina costuma enfatizar que as sentenças condenatórias, em regra, não satisfazem por si sós a pretensão do demandante, servindo, outrossim, como título executivo que legitima o início do processo de execução no qual o credor insatisfeito buscará a satisfação efetiva de seu direito.
Estes seriam, reitere-se, os critérios de diferenciação entre sentenças declaratórias e sentenças condenatórias.
3.2.4. Sentenças mandamentais
As sentenças mandamentais, nos moldes preconizados pelo ordenamento jurídico pátrio atual, encontra origem remota na doutrina alemã, em especial na obra Georg Kuttner.
Ocorre, porém, que a sentença mandamental foi idealizada e concebida por Georg Kuttner para representar as decisões que emitiam uma ordem dirigida a outros órgãos estatais, a autoridades estatais ou mesmo a funcionários públicos de outros órgãos estatais. Este era, portanto, o traço distintivo entre as sentenças condenatórias e as sentenças mandamentais. Nas primeiras também existia uma ordem, cujo destinatário era, todavia, o próprio réu. Tem-se, assim, que duas notas essenciais caracterizam a sentença mandamental estruturada por Kuttner:
a) os destinatários (órgãos) eram estranhos ao processo;
b) os destinatários não podiam gozar de influência alguma no processo que estava em curso.
Para Kuttner, assim, as sentenças mandamentais seriam
[…] as sentenças em que o juiz, sem proferir decisão com força de coisa julgada sobre a própria relação jurídica básica de direito privado, dirige imediatamente a outro órgão estatal, a uma autoridade pública ou a um funcionário público, a ordem determinada de praticar ou omitir um ato oficial, mais precisamente designado na sentença e contido no âmbito das atribuições desse órgão, e isso mediante requerimento especial e novo da parte vencedora.44
Quando, entretanto, a sentença mandamental foi estrutura em nosso ordenamento jurídico, desprezou a limitação anteriormente mencionada, passando-se a admitir que o mandamento fosse dirigido a órgãos públicos e, inclusive, a pessoas físicas ou jurídicas. Esse pensamento foi retratado pelo professor Pontes de Miranda: “O mandado pode ser dirigido a outro órgão do Estado, ou a algum sub-órgão da justiça, ou a alguma pessoa física ou jurídica”.45
Nada obstante, resta incontestável que a sentença mandamental se traduz em uma ordem (de fazer, não fazer, dar), cujo descumprimento pode sujeitar o seu destinatário às responsabilidades criminais (crime de desobediência – artigo 330, do Código Penal).
Os adeptos à concepção trinária, todavia, preferem, por coerência, incluir as sentenças mandamentais entre as sentenças condenatórias, como se observa pela leitura dos ensinamentos do professor Dinarmarco:
As sentenças condenatórias mandamentais são dotadas da mesma estrutura lógico-substancial das condenatórias clássicas, compondo-se portanto de um momento declaratório, onde o direito do autor é reconhecido, e de um momento sancionador, que abre caminho para a execução forçada. A sentença mandamental é título para a execução forçada, tanto quanto a condenação ordinária – e portanto é também uma condenação. […].
[…]. Mas não se trata de uma quarta categoria sentencial, ao lado da meramente declaratória, da condenatória, e da constitutiva. Por sua estrutura, função e eficácia, as sentenças mandamentais compartilham a natureza condenatória (Cintra-Grinover-Dinamarco), sem embargo do reforço de eficácia que lhes outorga a lei.46
Argumentam, ainda, que o fato de o descumprimento da sentença mandamental ensejar responsabilidade criminal e, ademais, o fato de ela conter uma ordem, não são elementos suficientes para retirá-las da classe das sentenças condenatórias.47
Para o adequado deslinde dessa celeuma importa ter em mente o critério que está sendo utilizado para a classificação das sentenças. Como mencionado anteriormente, pauta-se no tipo de tutela jurisdicional almejado pelo autor. Sob esse prisma, o autor busca, na sentença condenatória, obrigar o demandado a fazer, deixar de fazer alguma coisa ou a entregar algo. O mesmo anseio o motiva quando pleiteia a sentença mandamental.
A forma como essas sentenças são traduzidas, seja por provimentos condenatórios ou ordens, não altera sua substância. Seja ordenando, seja condenando, o demandado estará obrigado a observar o comando contido na sentença, e a cumprir a ordem ou a condenação.48
Tampouco importa dizer que o descumprimento da sentença mandamental implica em responsabilidade criminal, ao passo que isso não se dá com a inobservância da sentença condenatória. Procurar esta distinção é furtar-se ao critério escolhido inicialmente, porque esta diferenciação teria como fator de discrímen a conseqüência imposta ao demandado pelo não cumprimento voluntário do comando sentencial.
A alegação de que a sentença mandamental pode ser executada no mesmo processo, enquanto a sentença condenatória exige a execução por processo autônomo também não se coaduna com o critério eleito. Essa distinção tem como parâmetro a forma como se procede a execução da sentença quando o demandante não logrou êxito em obter o bem da vida por outros meios, e pressupõe, portanto, o não cumprimento voluntário da decisão.
Por tudo o que se disse, e, reforce-se, utilizando-se como critério o tipo de tutela jurisdicional pleiteado, forçoso se mostra reconhecer, por coerência com o fator de discrímen escolhido, que, nas tutelas mandamentais, o demandante almeja uma tutela que obrigue alguém a fazer, deixar de fazer alguma coisa, ou a entregar algo, sendo que, por este motivo, é imperioso aceitar que a sentença mandamental se reduz à sentença condenatória.
3.2.5. Sentenças exectutivas lato sensu
As sentenças executivas lato sensu constituem a última modalidade de sentença para os adeptos da classificação quinária.
Esta modalidade de sentença também foi idealizada pelo professor Pontes de Miranda e tem como conseqüência inarredável o fato de transferir para o patrimônio de alguém algo que nele deveria estar mas que, por motivos outros, encontra-se em patrimônio alheio. O mentor dessas modalidades de sentença expõe que “A sentença favorável nas ações executivas retira valor que está no patrimônio do demandado, ou dos demandados, e põe-no no patrimônio do demandante. […].”49
Seu traço de distinção para com as sentenças mandamentais (adotando-se, nesta acepção, a teoria quinária) reside no fato de que ela incide sobre o patrimônio do demandado, ao passo que o mandamento é dirigido contra o comportamento do mesmo.
As sentenças executivas lato sensu também têm, como antecedente lógico, uma sentença condenando o demandado a fazer, não fazer alguma coisa, ou a entregar algo. Sua nota diferenciadora reside no fato de que, uma vez descumprido o preceito sentencial, o demandante poderá executar a sentença no mesmo processo em que ela foi prolatada, sem que, para tanto, precise iniciar, formalmente, um novo processo executivo.
A sentença será executiva lato sensu, portanto, quando autorizar, uma vez descumprida, sua execução imediata e no próprio processo em que foi formulada, sem se exigir, para tanto, que as partes iniciem um processo diferenciado para a execução.
Dessa definição já nasce um problema. O que se deve entender por processo executivo diferenciado?
Ficará tal designação reservada para o processo executivo cuja instauração depende da iniciativa da parte? Excluir-se-á a execução passível de ser iniciada de ofício pelo órgão judicial? Se for assim, teremos de remover desde já da classe das sentenças condenatórias para as sentenças executivas as que impõem prestação no processo trabalhista: segundo o art. 878, caput, da Consolidação das Leis do Trabalho, ‘a execução poderá ser promovida por qualquer interessado, ou ex officio pelo próprio Juiz ou Presidente ou Tribunal competente’.50
Por este motivo, assim como se falou com relação às sentenças mandamentais, pretender diferenciar a sentença executiva lato sensu da sentença condenatória com fulcro na forma como se processará a execução em caso de descumprimento do preceito sentencial implica em utilização de critério diferente daquele inicialmente adotado.
Portanto, mesmo nas sentenças executivas lato sensu, como reconhece a doutrina que se dedica ao tema, há uma fase pré-executiva com cunho condenatório, razão pela qual se pode afirmar que a modalidade de sentença ora sob análise, quanto ao tipo de tutela jurisdicional desejada pelo demandante, também se resume à sentença de condenação. Diz-se isso porque o demandante pretende, com sua pretensão, ver o demandado obrigado a fazer, deixar de fazer alguma coisa, ou ainda, a entregar-lhe o bem da vida pleiteado, pouco importando a forma como esse pleito será atendido pelo requerido.
Ademais, as sentenças executivas lato sensu não teriam razão de ser se os demandados cumprissem voluntariamente os preceitos mandamentais. Ausente o descumprimento por parte do demandado, qual a natureza da sentença prolatada? A resposta só pode uma: sentença condenatória, o que embasa a afirmação de que as sentenças executivas lato sensu nada mais são do que uma subespécie das sentenças condenatórias.
Conforme se procurou demonstrar, as sentenças, quando classificadas pelo tipo de tutela jurisdicional pleiteada pelo autor, podem ser resumidas a três modalidades: declaratórias (positivas ou negativas), constitutivas, condenatórias (abrangendo as condenatórias propriamente ditas, as mandamentais e as executivas lato sensu).
4 Conclusões
1. O resultado final da cognição desenvolvida pelo juiz, ou seja, do juízo de valor acerca do conflito de interesses e sobre os aspectos formais do processo, é materializado na sentença.
2. A sentença, assim, além de ser o ato jurisdicional onde a atividade cognoscente do juiz se concretiza, também tem o condão de extinguir o processo em 1.º grau de jurisdição, compondo o conflito de interesses.
3. Denota-se, desde já, que a sentença pode ser entendida como o ato jurisdicional que põe fim ao processo. A essa constatação o legislador pátrio acrescentou apenas que por meio da sentença o juiz extingue o processo, com ou sem julgamento do mérito.
4. Inúmeras críticas foram dirigidas a essa definição legal. Argumentou-se que a sentença não põe fim ao processo, que pode continuar em 2.º grau de jurisdição. Objetou-se, ainda, que a definição legal implica em um raciocínio tautológico e que, por meio da sentença o que se extingue, na verdade, é o procedimento em 1.º grau de jurisdição.
5. Ante essas críticas algumas definições novas foram expostas. A sentença seria, verdadeiramente, o ato por meio do qual o juiz extingue litígios materiais autônomos. Sob esse enfoque haveria sentenças interlocutórias (doutrina italiana e defendida, no Brasil, pelo professor Bellinetti).
Por outro pensamento, o ato jurisdicional somente poderia receber essa designação quando tivesse como conteúdo qualquer dos comportamentos elencados nos artigos 267 e 269, ambos do Código de Processo Civil.
Houve, ainda, definições que afirmavam que somente o ato que extinguisse o procedimento em 1.º grau de jurisdição e, concomitantemente, pusesse termo à relação jurídico-processual consubstanciar-se-ia numa sentença.
6. Ao cabo desse estudo propôs-se uma definição baseada na cognição. Sob este critério a sentença seria o ato processual que, fruto de cognição exauriente ou sumária, extinguisse o procedimento com julgamento do mérito.
7. Superada a fase das definições pode-se dizer, ainda, que a sentença assume duas modalidades quando se investiga a definição legal e seus consectários: decisões terminativas e decisões de mérito. Às primeiras reserva-se o conteúdo previsto no artigo 267 do Código de Processo Civil, enquanto às segundas relega-se o rol elencado no artigo 269, também do Código de Processo Civil.
8. Postas estas premissas as sentenças de procedência foram classificadas segundo o tipo de tutela jurisdicional pleiteada.
9. Quanto ao tipo de tutela jurisdicional pleiteada pelo demandante, ao que parte da doutrina equivocadamente chama de sentenças quanto aos efeitos, as sentenças podem ser classificadas em: declaratórias (positivas ou negativas), constitutivas e condenatórias (classificação trinária).
Ao lado dessas três modalidades costuma-se, também, incluir as sentenças mandamentais e as sentenças executivas lato sensu, razão para se falar, assim, em classificação quinária.
Nada obstante, quanto ao critério eleito como fator de discrímen, procurou-se demonstrar que assiste razão à classificação trinária, pois, as particularidades levantadas pela doutrina quinária para justificar sua classificação somente seriam admissíveis se outros fossem os critérios escolhidos para pautar a divisão.
Dessa forma, afirmou-se que, sob a ótica do tipo de tutela jurisdicional pleiteada, a classificação trinária é a mais adequada, sendo plenamente pertinente a inclusão das sentenças mandamentais e das sentenças executivas lato sensu entre as sentenças condenatórias.
10. Esse, aliás, também é o entendimento com o qual pactuamos. Com efeito, se se elevar como fator de diferenciação o tipo de tutela jurisdicional almejada pelo demandante é plenamente admissível que as decisões mandamentais e as decisões executivas lato sensu podem ser reduzidas às decisões condenatórias, isto porque com o requerimento daquelas o demandante pretende que o demandado seja condenado a fazer, deixar de fazer, ou a dar alguma coisa, o que reflete exatamente a finalidade para a qual se presta a decisão condenatória.
Desta feita, as sentenças condenatórias podem ser divididas em três modalidades: condenatórias propriamente ditas, condenatórias-mandamentais e, finalmente, condenatórias-executivas.
Por isso, parece-nos que a melhor classificação das decisões quanto aos efeitos continua a ser a clássica, sendo que a classificação quinária somente se justifica quando os fatores distintivos são distorcidos. Urge ressaltar, todavia, que não negamos a existência de provimentos mandamentais (cf., por exemplo, art. 14, V, do Código de Processo Civil). O que se defende é que esses provimentos, tanto quanto os executivos lato sensu, são, intrinsecamente, condenatórios.
Bacharel em direito pela Universidade Estadual de Londrina
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A simulação da aposentadoria é uma etapa fundamental para planejar o futuro financeiro de qualquer…
A paridade é um princípio fundamental na legislação previdenciária brasileira, especialmente para servidores públicos. Ela…
A aposentadoria por idade rural é um benefício previdenciário que reconhece as condições diferenciadas enfrentadas…