Resumo: Abordar-se-á neste artigo os direitos dos animais sob o enfoque da tutela da legislação em vigor.
Abstract: One will approach in this article the Animals’ Rights under the Laws.
Palavras-chave: Animais. Direitos. Tutela legal.
Key-words: Animals. Rights. Laws.
Sumário: 1. Intróito, 2. Desenvolvimento, 2.1. Breve evolução histórica, 2.2 Conceituação, 2.3 Contrato social e bem-estarismo, 2.4 Da casuística de animais como instrumentos bélicos, 2.5 Legislação, 3. Conclusão, Referências bibliográficas.
SUMMARY: 1. Introduction, 2. Development, 2.1. Soon historical evolution, 2.2 Conceptualization, 2.3 Social contract and animal-welfarism, 2.4 Casuistry of animals used like weapons, 2.5 Legislation, 3. Conclusion, Bibliographical References.
1. INTRÓITO.
“Gostar de animal é um direito. Respeitá-lo é um dever!”.
A despeito dessa máxima ser popularmente conhecida, o rosário de agressões impingidas contra os animais continua a assolar a sociedade como um véu que recai sobre a humanidade num tom “noir”.
Nos últimos anos, viu-se a efervescente ebulição de um sem fim de produtos e serviços destinados aos animais domésticos. Entretanto, indaga-se qual razão e interesse que se esconde por trás desses mimos. Existiria um genuíno e sincero interesse em cuidar de tais animais ou tudo não passaria de mais um filão econômico cuja motivação seria basicamente pecuniária não ultrapassando as fronteiras de um simples business?
Todavia, a problemática é muito mais complexa do que se possa imaginar à primeira vista.
Nesse diapasão, o assunto alcança uma perspectiva global considerando-se o flagelo dos animais em decorrência da sua utilização como reles matérias-primas pelas Indústrias da Moda, do Entretenimento, da Gastronomia e Bélica, bem como pelo segmento das pesquisas científicas.
É dentro desse contexto que se situam atividades como a caça esportiva levada a cabo pelo ignóbil prazer primitivo de matar um ser vivo, as rinhas de briga de galo, a Farra do Boi, a Vaquejada, a Vivissecção, etc.
Não se pode olvidar igualmente a questão do tráfico e do abandono de animais.
Assim, o conjunto desses fatores acaba por dizimar e condenar à extinção inúmeras espécies da fauna no mundo inteiro.
Destarte, visa o presente artigo jurídico realizar um perfunctório exame dos direitos dos animais enfatizando a legislação concernente à matéria.
2. DESENVOLVIMENTO.
2.1. BREVE EVOLUÇÃO HISTÓRICA.
O tema dos direitos animais é debatido pela humanidade desde os primeiros filósofos.
No século VI a.C., Pitágoras já falava sobre respeito animal, por crer na Doutrina da Transmigração de Almas[1].
Theophrastus, coruscando um olhar contraditório ao palavrório de seu mestre Aristóteles (o qual dizia que os animais não-humanos não possuem interesses próprios por estarem muito abaixo dos humanos no ranking da Scala Naturae em virtude da alegada irracionalidade deles) sustentava que não se devia comer carne de animais, pois eles são seres pensantes e sensíveis como os humanos.
No século XVII, o filósofo francês René Descartes defendeu que os maus-tratos aos animais não eram errados, porque os animais, por não possuírem almas, não pensam e não sentem dor. No que foi contraditado por Jean-Jacques Rousseau em sua obra Discursos sobre a Desigualdade de 1754, a qual sustentava que os seres humanos são animais, embora ninguém “exima-se de intelecto e liberdade”. Contudo, como animais e seres sencientes “eles deveriam também participar do direito natural e que o homem é responsável no cumprimento de alguns deveres deles, especificamente “um tem o direito de não ser desnecessariamente maltratado pelo outro.” Voltaire igualmente retrucou Descartes no seu Dicionário Filosófico, in verbis:
“Que ingenuidade, que pobreza de espírito, dizer que os animais são máquinas privadas de conhecimento e sentimento, que procedem sempre da mesma maneira, que nada aprendem, nada aperfeiçoam! Será porque falo que julgas que tenho sentimento, memória, idéias? Pois bem, calo-me. Vês-me entrar em casa aflito, procurar um papel com inquietude, abrir a escrivaninha, onde me lembra tê-lo guardado, encontrá-lo, lê-lo com alegria. Percebes que experimentei os sentimentos de aflição e prazer, que tenho memória e conhecimento.Vê com os mesmos olhos esse cão que perdeu o amo e procura-o por toda parte com ganidos dolorosos, entra em casa agitado, inquieto, desce e sobe e vai de aposento em aposento e enfim encontra no gabinete o ente amado, a quem manifesta sua alegria pela ternura dos ladridos, com saltos e carícias.Bárbaros agarram esse cão, que tão prodigiosamente vence o homem em amizade, pregam-no em cima de uma mesa e dissecam-no vivo para mostrarem-te suas veias mesentéricas. Descobres nele todos os mesmos órgãos de sentimentos de que te gabas. Responde-me maquinista, teria a natureza entrosado nesse animal todos os órgãos do sentimento sem objectivo algum? Terá nervos para ser insensível? Não inquines à natureza tão impertinente contradição”[2].
Posteriormente, no século XVIII, o filósofo britânico Jeremy Bentham (1748-1832), considerado um dos escritores que ampliaram as fronteiras para a ulterior elaboração dos direitos animais e um dos fundadores do utilitarismo moderno, passou a argumentar que em face da dor animal ser tão real e moralmente relevante como a dor humana a capacidade de sofrer e não a capacidade de raciocínio, deve ser a medida para nortear as tratativas com outros seres, pois caso a habilidade da razão fosse critério, certos Seres Humanos dentre os quais bebês e pessoas especiais, teriam que ser tratados como coisas. Eis sua célebre sentença acerca da questão: “A questão não é eles pensam ? Ou eles falam? A questão é: eles sofrem“.
Atingindo o século XIX, Arthur Schopenhauer sustenta que os animais têm a mesma essência que os humanos, apesar da falta da razão. Embora não considere moralmente necessário o vegetarianismo, posiciona-se contra a vivissecção, como uma expansão da consideração moral para os animais. Sua crítica à ética Kantiana se notabilizou como uma polêmica contra a exclusão dos animais em seu sistema moral.
Em 1892, o reformista britânico Henry Salt, defensor do banimento da caçada como esporte, tratou do conceito de direitos animais em seu livro intitulado “Animals’ Rights: Considered in Relation to Social Progress”.
Contemporaneamente, o movimento pelos direitos animais tem como seu background a década de 1970, sendo um dos poucos exemplos de movimentos sociais que foram criados por filosófos e que remanescem de vanguarda.
Peter Singer, em 1975, lançou o livro “Libertação Animal” tido como a “bíblia” do movimento de direitos animais[3].
Cite-se também como uma das figuras pioneiras do movimento em defesa dos animais a médica, escritora e mística britânica Anna Bonus Kingsford, que lutou a favor do vegetarianismo e contra a vivissecção de animais durante as experiências científicas e nas salas de aula.
Nos derradeiros decênios do século XX, o movimento granjeou uma vasta gama de adeptos e simpatizantes entre diversos grupos de profissionais e acadêmicos.
Vale ressaltar que nos Estados Unidos da Americas, diversas Faculdades de Direito já ofertam cursos de lei animal, nos quais é trazida à baila a idéia da extensão da qualidade de pessoas, ou seja, dos animais enquanto sujeitos de direito.
Não se pode deixar de pontuar também a eclosão de inúmeras ONG’s em defesa dos direitos animais, destacando-se a PETA (People for the Ethical Treatment of Animals. Em português, “Pessoas pelo tratamento ético dos animais”), uma organização não governamental fundada em 1980, cujo lema é “Animals are not ours to eat, wear, experiment on, or use for entertainment” (em português, “animais não são nossos para comer, vestir, usar em experiências ou para entretenimento”) e que promove educação sobre o assunto, investigações, pesquisas, resgates de animais, envolvimento de celebridades e campanhas de protesto, embora bastante criticada por sua atuação extremista e campanhas agressivas.
2.2 CONCEITUAÇÃO.
Direitos Animais é um conceito que significa que todos ou determinados animais são capazes de serem senhores de suas próprias vidas em face de blasofarem (ou deverem blasofar) certos direitos morais, devendo alguns direitos básicos serem disciplinados juridicamente.
Desse modo, o prisma dos defensores dos direitos animais refuta o conceito no qual os animais são meros bens de capital ou propriedade destinados ao benefício do homem.
Todavia, às vezes o conceito é interpretado e empregado de forma atabalhoada e confusa com o bem-estar animal, o qual consiste numa filosofia que acredita que a crueldade perpetrada contra animais é um problema, mas que não confere direitos morais específicos à esse seres.
Além disso, apesar da filosofia dos direitos animais não sustentar necessariamente a premissa de que animais humanos e não-humanos são iguais, existem várias controvérsias doutrinárias acerca do tema. Nesse sentido, enquanto um contingente de ativistas faz distinção entre animais sencientes e auto-conscientes e outras formas de vida, com a crença de que apenas animais sencientes ou talvez só animais que tenham um significante grau de auto-consciência devem ter o direito de possuir suas próprias vidas e corpos, independente do jeito como são valorizados pelos seres humanos, outro contingente estende esse direito à todos os animais incluindo aqueles que não tenham desenvolvido sistema nervoso ou auto-consciência.
É forçoso igualmente dizer que muitos defensores dos direitos animais defendem o veganismo[4] como meio de libertação dos grilhões da exploração animal de forma direta no cotidiano das pessoas.
Como se vê, o debate concernente aos direitos animais se complica pela dificuldade em estabelecer um limite entre a base moral-religiosa e os julgamentos políticos da pendenga, uma vez que o standard relacional humano/não-humano encontra-se arraigado aos costumes pré-históricos da humanidade.
2.3 CONTRATO SOCIAL E BEM-ESTARISMO.
Faz-se mister colocar que determinados críticos dos direitos animais argumentam que esses seres vivos não possuem a capacidade de entrar em Contrato Social. Doravante, não podem ser colocados como possuidores de direitos morais, por não terem capacidade de fazer escolhas morais e respeitar o direito alheio, não compreendendo conceitos de Direito. Tal posição é cognominada de Bem-Estarista.
No entanto, essa argumentação é veementemente não aceita, repelida e devolvida pelos defensores dos Direitos Animais como uma análise especista que somente implica num uso mais eficiente e vil da exploração animal.
2.4 DA CASUÍSTICA DE ANIMAIS COMO INSTRUMENTOS BÉLICOS.
Seguem-se alguns relatos:
a) Durante a Segunda Guerra Mundial, cachorros foram treinados pelas Forças Armadas Britânicas para deixar explosivos em território inimigo; e gatos amarrados a bombas foram jogados de aviões pelo Exercito dos EUA visando atingir navios alemães;
b) Emprego de animais para testar armas atômicas por parte da Marinha norte-americana;
c) Utilização de animais para “desarmar” campos de minas, inclusive em situação de combate.
d) “Animais-bomba” usados em ataques-terroristas por fanaticos religiosos do Extremo Oriente.
2.5 LEGISLAÇÃO.
Há autores como Gary Francione que sustentam que não existem leis de direitos animais em nenhum lugar do orbe, porque isso demandaria como pressuposto a abolição da condição de propriedade dos animais, existindo só leis bem-estaristas que “protegem” os animais como propriedade humana.
Controvérsias à parte, no cenário internacional, sobressai-se a “Declaração Universal Dos Direitos Dos Animais”[5], proclamada em assembléia da UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura[6]), na cidade de Bruxelas[7],em 27 de janeiro de 1978, que reza:
“ARTIGO 1º: Todos os animais nascem iguais diante da vida, e têm o mesmo direito à existência.”
“ARTIGO 2º: a) Cada animal tem direito ao respeito. b) O homem, enquanto espécie animal, não pode atribuir-se o direito de exterminar os outros animais, ou explorá-los, violando esse dirieto. Ele tem o dever de colocar sua consciência a serviço de outros animais. c) Cada animal tem direito à consideração, à cura e à proteção do homem.”
ARTIGO 3º: a) Nenhum animal será submetido a maus tratos e a atos cruéis. b) Se a morte de um animal é necessária, ela deve ser instantânea, sem dor ou angústia.
ARTIGO 4º: a) Cada animal que pertence a uma espécie selvagem tem o direito de viver livre no seu ambiente natural terrestre, aéreo ou aquático, e tem o direito de reproduzir-se. b) A privação da liberdade, ainda que para fins educativos, é contrária a este direito.
ARTIGO 5º: a) Cada animal pertencente a uma espécie, que vive habitualmente no ambiente do homem, tem o direito de viver e crescer segundo o ritmo e as condições de vida e de liberdade que são próprias de sua espécie. b) Toda modificação imposta pelo homem para fins mercantis é contrária a esse direito.
ARTIGO 6º: a) Cada animal que o homem escolher para companheiro tem o direito a uma duração de vida conforme sua longevidade natural. b) O abandono de um animal é um ato cruel e degradante.
ARTIGO 7º: Cada animal que trabalha tem o direito a uma razoável limitação de tempo e intensidade de trabalho, e a uma alimentação adequada e ao repouso.
ARTIGO 8º: a) A experimentação animal, que implica em sofrimento físico, é incompatível com os direitos do animal, quer seja uma experiência médica, científica, comercial ou qualquer outra. b) Técnicas substitutivas devem ser utilizadas e desenvolvidas.
ARTIGO 9º: Nenhum animal deve ser criado para servir de alimentação, deve ser nutrido, alojado, transportado e abatido, sem que para ele tenha ansiedade ou dor.
ARTIGO 10: Nenhum animal deve ser usado para divertimento do homem. A exibição dos animais e os espetáculos que utilizem animais são incompatíveis com a dignidade do animal.
ARTIGO 11: O ato que leva à morte de um animal sem necessidade é um biocídio, ou seja, um crime contra a vida.
ARTIGO 12: a) Cada ato que leve à morte um grande número de animais selvagens é um genocídio, ou seja, um delito contra a espécie. b) O aniquilamento e a destruição do meio ambiente natural levam ao genocídio.
ARTIGO 13: a) O animal morto deve ser tratado com respeito. b) As cenas de violência de que os animais são vítimas, devem ser proibidas no cinema e na televisão, a menos que tenham como fim mostrar um atentado aos direitos dos animais.
ARTIGO 14: a) As associações de proteção e de salvaguarda dos animais devem ser representadas a nível de governo. b) Os direitos dos animais devem ser defendidos por leis, como os direitos dos homens”[8].
No Brasil, a disciplina jurídica da fauna tem sua origem nas Ordenações Filipinas, na qualidade de primeira lei que regulamentou a matéria.
Ademais, há que se salientar os seguintes ordenamentos legais:
A) Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, in verbis:
“Artigo 225, parágrafo 1º, VII – Incumbe ao Poder Público proteger a fauna e a flora, vedadas na forma de lei as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, que provoquem a extinção de espécie ou submetam os animais à crueldade”.
B) Lei da Política Ambiental Nº. 6938/81.
Cabe aqui um parênteses para mencionar que a Lei da Política Ambiental Nº. 6938/81 com a nova redação dada pela Lei Nº. 7804/89 definiu a fauna como Meio Ambiente.
C) Lei 5197/1967.
A Lei N° 5.197 de 03 de janeiro de 1967, que versa sobre a proteção à fauna e dá outras providências, estabelece in verbis:
“Art.1º – Os animais de quaisquer espécies em qualquer fase do seu desenvolvimento e que vivem naturalmente fora do cativeiro, constituindo a fauna silvestre, bem como seus ninhos, abrigos e criadouros naturais são propriedades do Estado, sendo proibida a sua utilização, perseguição, destruição, caça ou apanha.
§ 1º – Se peculiaridades regionais comportarem o exercício da caça, a permissão será estabelecida em ato regulamentador do Poder Público Federal.
§ 2º – A utilização, perseguição, caça ou apanha de espécies da fauna silvestre em terras de domínio privado, mesmo quando permitidas na forma do parágrafo anterior, poderão ser igualmente proibidas pelos respectivos proprietários, assumindo estes a responsabilidade da fiscalização de seus domínios. Nestas áreas, para a prática do ato de caça é necessário o consentimento expresso ou tácito dos proprietários, nos termos dos artigos 594, 595, 596, 597 e 598 do Código Civil.
Art.2º – É proibido o exercício da caça profissional.
Art.3º – É proibido o comércio de espécimes da fauna silvestre e de produtos e objetos que impliquem a sua caça, perseguição, destruição ou apanha.
§ 1º – Excetuam-se os espécimes provenientes de criadouros devidamente legalizados”.
Vê-se pois que o artigo 1º caracterizou a fauna como sendo os animais que vivem naturalmente fora do cativeiro. Assim, a indicação legal para diferenciar a fauna selvagem da doméstica é a vida em liberdade ou fora de cativeiro.
Ressalta-se que a Lei N° 5.197/1967 já sofreu diversas alterações ao longo do tempo, sendo modificada pelas seguintes leis: Lei Nº. 7.584 de 1987; Lei Nº. 7.653 de 12.02.1988; Lei Nº. 7.679 de 23.11.1988; Lei Nº. 9.111/1995 e Lei Nº. 9.985 de 18.07.2000.
Dentre todas essas modificações feitas na Lei 5.197/1967 pinço a pertinente complementação efetuada pela Lei Nº. 7.653/1988, de acordo com a qual determinados crimes contra a fauna – v.g.:caça predatória, contrabando de pele ou abate de animais em extinção – tiveram sensível incremento da pena, pois o Legislador os considerou delitos inafiançáveis com pena prevista ao infrator, de 2 a 5 anos de reclusão e que não permite em tese que o transgressor responda ao processo em liberdade. Ademais, a Lei Nº. 7.653/88 criminalizou e proibiu a caça profissional, o comércio de espécies silvestres e a exportação de peles e couros (em bruto) de anfíbios e répteis.
D) Decreto Nº. 24.645/34.
O qual dispõe:
“Artigo 1º – Todos os animais existentes no país são tutelados pelo Estado.
Artigo 2º – parágrafo 3º – Os animais serão assistidos em juízo pelos representantes do Ministério Público, seus substitutos legais e pelos membros das Sociedades Protetoras dos Animais.
Artigo. 16. As autoridades federais, estaduais e municipais prestarão aos membros das Sociedades Protetoras dos Animais, a cooperação necessária para se fazer cumprir a lei”.
Conforme doutrina Laerte Fernando Levai em seu percuciente artigo “A LEI, ORA A LEI?”
“Alguns anos mais tarde o legislador fez inserir, no corpo do Decreto-Lei Nº. 3.688, de 3 de outubro de 1941 (Lei das Contravenções Penais), um dispositivo intitulado crueldade contra os animais (artigo64), sujeitando seus infratores à pena de prisão simples ou multa (…)
(…) Importante ressaltar que o Decreto-Lei nº 24645/34 não foi revogado pelo artigo 64 da Lei de Contravenções Penais. É que ambos contemplam preceitos que visam à proteção dos animais contra atos de abusos ou crueldade. As normas jurídicas preconizadas no aludido decreto coexistem harmoniosamente, quase todas, com o tipo contraconvencional, como bem anotou Paulo Lúcio Nogueira: ‘As disposições do decreto-lei devem ser entendidas com os preceitos protetores das leis posteriores, que visam justamente tutelar todos os animais. Se não houve revogação expressa e muitos de seus artigos foram complementados, é de se admitir a sua vigência’ ”.
E) Lei das Contravenções Penais x Lei de Crimes Ambientais.
Prosseguindo na seara do Direito Penal, a prática de atos de abuso e crueldade contra os animais era tida como uma contravenção penal conforme o disposto no artigo 64 do Decreto-Lei Nº. 3.688/1941, in verbis:
“CAPÍTULO VII – Das Contravenções Relativas à Polícia de Costumes (artigos 50 a 65)
(…) – Crueldade contra animais
Art. 64 – Tratar animal com crueldade ou submetê-lo a trabalho excessivo:
Pena – prisão simples, de 10 (dez) dias a 1 (um) mês, ou multa.
§ 1º – Na mesma pena incorre aquele que, embora para fins didáticos ou científicos, realiza, em lugar público ou exposto ao público, experiência dolorosa ou cruel em animal vivo.
§ 2º – Aplica-se a pena com aumento de metade, se o animal é submetido a trabalho excessivo ou tratado com crueldade, em exibição ou espetáculo público”.
Dessa forma, essa lei tipificava a crueldade contra os animais, estabelecia medidas de proteção animal e previa atentados contra animais domésticos e exóticos, competindo o julgamento à Justiça Estadual.
Não obstante, com o advento da Lei Nº. 9.605, de 12 de Fevereiro de 1998 (Lei de Crimes Ambientais), tais atos passaram a ser tratados como crime, estabelecendo-se a pena de “prisão de três meses a um ano, além de multa” para quem maltratar um animal.
Nessa direção, há que se indagar: O que é considerado “maltratar um animal”[9]?
Eis as hipóteses elencadas pelo Legislador:
– Não prover-lhe alimentação adequada e água limpa;
– Deixá-lo ao relento sem abrigo, sob o sol, chuva ou frio;
– Mantê-lo em corrente curta;
– Não procurar um veterinário se o animal adoecer;
– Manter o animal em lugar anti-higiênico;
– Abandonar um animal doméstico à sua sorte;
– Mutilar um animal;
– Utilizar este animal em shows que possam lhe causar pânico ou estresse;
– Utilizar animais em experiências cruéis sem uso de anestésicos e sedativos adequados;
– Agredir fisicamente um animal indefeso;
– Matar um animal (exceto eutanásia, em caso deste animal estar muito doente e sem possibilidade de cura e aqueles destinados à alimentação. Neste caso, o abate deve ser de acordo com procedimentos humanitários, sem causar sofrimento ao animal.);
– Deixar seu animal vagar desacompanhado pelas ruas, sem uso de guias, permitindo que corra o risco de ser atropelado;
– Não dar atenção e carinho aos animais de estimação, privando-os da companhia e do atendimento humano.
F) A Lei Nº. 4591/64 e Código Civil.
No que tange a celeuma dos animais em apartamentos nos condomínios por planos horizontais, a Lei nº. 4591/64 e o Código Civil amparam qualquer animal que viva em tais condomínios. Mesmo havendo na convenção condominial cláusula proibindo animal em apartamento, tolera-se ali a permanência do bicho, quando desse fato não resultar prejuízo ao sossego, à salubridade e à segurança dos condôminos.
É o que dispõem o artigo 19 da Lei N.° 4.591/64 e o artigo 1.277 do Código Civil (antigo artigo 554 do Código Civil de 1916), os quais cito in verbis:
Artigo 19 da Lei N.° 4.591/64:
“Cada condômino tem o direito de usar e fruir com exclusividade, sua unidade autônoma, segundo suas conveniências e interesses, condicionadas, umas e outros, às normas de boa vizinhança, e poderá usar as partes e coisas comuns, de maneira a não causar dano ou incômodo aos demais condôminos ou moradores, nem obstáculo ou embaraço ao bom uso das mesmas partes por todos”.
Artigo 1.277 do Código Civil:
“O proprietário ou o possuidor de um prédio tem o direito de fazer cessar as interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos que habitam, provocadas pela utilização de propriedade vizinha
Parágrafo Único. Proíbem-se as interferências considerando-se a natureza da utilização, a localização do prédio, atendidas as normas que distribuem as edificações em zonas, e os limites ordinários de tolerância dos moradores da vizinhança”.
É imperioso mencionar que enquanto o caput do artigo 1.277 do Código Civil atual corresponde ao antigo artigo 554 do Código Civil de 1916, o parágrafo único do artigo 1.277 do Código Civil em vigência não encontra correspondente no Código Civil de 1916.
Além disso, o animal é tido como “bem de propriedade” pelo Legislador nacional, e, nessa qualidade, sua posse é um direito constitucional (art. 5°, XXII da Constituição Federal de 1988). Logo, o proprietário da unidade habitacional poderá ter seus animais em apartamento, considerando que a Convenção não se sobrepõe à Carta Magna ou à uma Lei Federal.
Todavia, o direito de ter um animal dentro do apartamento não é líquido e certo, porque se ele causar dano ou incômodo à coletividade, dificilmente logrará ser mantido no local.
Antes de passar ao próximo tópico, convém analisar alguns julgados para ver como os Fóruns e Tribunais pátrios têm se posicionado acerca da querela.
Eis uma pílula de jurisprudências brasileiras[10]:
“CONDOMÍNIO – ANIMAL (CÃO) EM APARTAMENTO – Liminar que possibilite a permanência de um cãozinho poodle toy em apartamento habitado par família com crianças, em prédio que possui regulamento proibitivo de presença de animais de quaisquer espécies, deverá ser emitida, inaudita altera parte (art. 804, do CPC), para garantia de executoriedade da provável sentença que favoreça a convivência do homem e animal. Provimento.”TJSP – AI 287.533-4/1 – 3ª CDPriv. – Rel. Des. ênio Santarelli Zuliani – J. 01.04.2003) CPC.804 – Fonte: www.tj.sp.gov.br)
“CONDOMÍNIO – CONVENÇÃO – Cláusula impeditiva da presença de animais. Cão da raça Lhasa Apso, de porte pequeno e dócil. Regra a ser interpretada de acordo com a finalidade preconizada nos artigos 10, III, e 19, da Lei n. 4.591/64, sob pena de configurar abuso. Ação movida pelo Condomínio para condenar o dono a retirá-lo do prédio julgada improcedente. Precedente da Corte. Recurso improvido.” (TJSP – AC 117.043-4 – 3ª CDPriv. – Rel. Des. Carlos Roberto Gonçalves – J. 30.01.2001- Fonte: www.tj.sp.gov.br)
“AÇÃO DE DESPEJO POR INFRAÇÃO CONTRATUAL CONSISTENTE NA MANUTENÇÃO DE CÃO DE PEQUENO PORTE EM APARTAMENTO EM CONTRADIÇÃO COM O REGULAMENTO DO CONDOMÍNIO – Sentença de improcedência. Julgamento antecipado da lide. Necessidade de produção de prova oral a fim de verificar se a presença do cão causa transtornos aos demais condôminos. Interpretação finalística da cláusula proibitiva. Procedência do recurso para cassar a sentença permitindo a produção de prova oral. (IRP)” TJRJ – AC 25957/2001 – (2001.001.25957) – 3ª C.Cív. – Rel. Juiz Subst. Gabriel Zefiro – J. 13.12.2001- Fonte: www.tj.sp.gov.br)
“CONDOMÍNIO – Convenção – Vedação da manutenção de animal doméstico nas unidades autônomas – Regra, contudo, que deve ser interpretada em consonância com as regras gerais sobre condomínios – Artigos 10, III, e 19 da Lei 4.591/64 e 554 do Código Civil – Hipótese em que condicionada a observância da convenção à comprovação de eventos nocivos ao sossego dos condôminos – Ação improcedente – Recurso não provido. A manutenção de animal doméstico em apartamento só é vedada quando nocivo ou perigoso ao sossego, salubridade e à segurança dos condôminos.” (TJSP – Apelação Cível n. 251.579-2 – Jundiaí – Relator: RUY CAMILO – CCIV 15 – V.U. – 20.12.94- Fonte: www.tj.sp.gov.br)
“CONDOMÍNIO – Animal doméstico em apartamento – Convenção que é expressa ao proibir a presença de animais – Ação julgada procedente – Sentença confirmada – Recurso não provido.” (TJSP – Apelação Cível n. 24.869-4 – Bauru – 1ª Câmara de Direito Privado – Relator: Alexandre Germano – 22.12.98 – V.U. – Fonte: www.tj.sp.gov.br)
“CONDOMÍNIO – Convenção – Vedação da manutenção de animal doméstico nas unidades autônomas – Regra, contudo, que deve ser interpretada em consonância com as regras gerais sobre condomínios – Artigos 10, III, e 19 da Lei n. 4.591/64 e 554 do Código Civil – Hipótese em que condicionada a observância da convenção à comprovação de eventos nocivos ao sossego dos condôminos – Ação improcedente – Recurso não provido A manutenção de animal doméstico em apartamento só é vedada quando nocivo ou perigoso ao sossego, salubridade e à segurança dos condôminos.” (TJSP – Relator: Ruy Camilo – Apelação Cível n. 251.579-2 – Jundiaí – 20.12.94- Fonte: www.tj.sp.gov.br)
“CONDOMÍNIO – Convenção – Vedação da manutenção de animal doméstico nas unidades autônomas – Regra, contudo, que deve ser interpretada em consonância com as regras gerais sobre condomínios – Artigos 10, inciso III, e 19 da Lei Federal n. 4.591, de 1964, e 554 do Código Civil – Necessidade da comprovação de eventos nocivos e perigosos que pudessem ser atribuídos ao animal que o réu mantém em seu apartamento – Ação improcedente – Recurso não provido.” (JTJ 167/32- Fonte: www.tj.sp.gov.br)
“APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA. ANIMAL DOMÉSTICO. MANUTENÇÃO EM UNIDADE CONDOMINIAL. Inexistindo cláusula que vede a presença de animal no Condomínio, mas tão somente regras que criam restrições diante do inequívoco prejuízo causado aos demais condôminos, deve ser declarada a possibilidade de manutenção do animal quando a parte adversa, alheia ao princípio (art. 302, do CPC), não ataca a inexistência de comodidade aos demais co-proprietários. Recurso provido.” (TJRJ – Apelação Cível – n.2002.001.28128 – 01/04/2003 – 11a. Câmara Cível – Des. José C. Figueiredo – Julgado em 12/02/2003 – Fonte: www.tj.rj.gov.br)
“CONDOMÍNIO – Ação cominatória, compelindo condôminos a, com base em norma de regimento interno vedando a presença de animais, providenciar a remoção de cães das unidades de sua propriedade. Cães das raças “yorkshire” e “poodle”, de portes pequenos e dóceis, cuja presença nunca poderia acarretar incômodos ou prejuízos aos demais condôminos. Regras, no caso, ademais, estabelecida em prol dos próprios animais, a qual, de todo modo, haveria de ser interpretada de acordo com a finalidade preconizada na lei do condomínio (artigos 10, III e 19, da Lei n° 4.591/64), sob pena de constituir abuso e ser considerada ineficaz. Improcedência mantida. Apelação do condomínio improvida. Provimento da apelação do co-réu, para elevar a verba honorária e cancelar comunicação à ordem dos advogados do brasil.” (TJSP – AC 137.372-4/6 – Santo André – 2ª CDPriv. – Rel. Des. J. Roberto Bedran – J. 26.08.2003)
O TARS (Tribunal de Alçada do Rio Grande do Sul) –
“Condomínio. Manutenção de cão em apartamento. Mesmo que a convenção ou o regimento interno a proíbam, a vedação só se legitima se demonstrado o uso de forma nociva ou perigosa ao sossego, à salubridade ou à segurança dos demais condôminos” (Ap. 183023944; 3ª Câm.. Civ.; TARS – Porto Alegre; j. TARS 48/364).
G) Decreto-Lei Nº. 221/67.
Estabelece o Código de Pesca discorrendo sobre a atividade pesqueira permitida, estabelecendo sanções administrativas aos infratores.
O seu artigo 35 já vedava a pesca predatória (mediante uso de explosivos e substâncias tóxicas), mas a Lei Nº. 7.679/1988 transformou essa conduta em crime, sujeitando seus transgressores à pena de 03 meses a 01 ano de reclusão, proibindo também a pesca durante a piracema (período de reprodução dos peixes).
H) Lei Nº. 6.638/79.
Regulamenta a Vivissecção, estabelecendo regras para as experimentações científicas envolvendo animais vivos como cobaias.
Essa lei veda expressamente a vivissecção nos seguintes casos: a) sem emprego de anestesia; b) em centros de pesquisas e estudos não-registrados em órgãos competentes; c) sem supervisão de técnico especializado; d) com animais que não tenham permanecido mais de quinze dias em biotérios; e) em estabelecimentos de 1º e 2º graus e em quaisquer locais freqüentados por menores de idade.
I) Lei Nº 7.173/83.
Normatiza o funcionamento de Jardins Zoológicos onde sejam mantidos animais silvestres, em cativeiro ou semiliberdade, para visitação pública, destacando-se in verbis:
“Art. 7º – As dimensões dos jardins zoológicos e as respectivas instalações deverão atender aos requisitos mínimos de habitabilidade, sanidade e segurança de cada espécie.
Art. 10 – Os jardins zoológicos terão obrigatoriamente a assistência profissional permanente de, no mínimo, um médico-veterinário e um biologista”.
L) Lei Nº. 7.347/85.
Trata-se da Ação Civil Pública de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente e a qualquer outro interesse difuso ou coletivo, consistindo num instrumento bastante usado pelo Parquet na defesa do patrimônio ecológico nacional.
M) Outras Leis.
No Município do Rio de Janeiro, a Lei Municipal Vigente Nº. 2284/95 proíbe a realização de eventos ou espetáculos que promovam o sofrimento ou sacrifício de animais.
Por seu turno, em Florianópolis, a Lei Municipal Nº. 1224/74 (Código de Posturas do Município), regulamenta a guarda e restringe a circulação de cães em logradouros públicos, considerando obrigação de todo cidadão, dono ou não de animais, conhecer e zelar pelo cumprimento de seus artigos.
Derradeiramente, cita-se também a Lei Nº. 2.155/96 em tramitação na Câmara Federal que visa proibir favores oficiais a Entidades que promovam ou ajudem no sofrimento ou sacrifício de animais.
N) Legislação Revogada.
Alguns dos pioneiros ordenamentos jurídicos legais que abordavam o tema se encontram revogados, exempli gratia, os antigos Código Florestal (Decreto Nº. 23.793/34), Código de Águas (Decreto Nº. 24.643/34), Código de Pesca (Decreto Nº. 794/38) e Código de Caça (Decreto Nº. 4.894/43).
3. CONCLUSÃO.
Em minha opinião, os diplomas legais que regulamentam o assunto apesar de profícuos e combativos deixam a desejar apenas em função de certos artigos lítero-poético-recreativos[11].
Num país como o Brasil, onde impera uma “hemorragia legislativa” que faz concretizar a “Hermenêutica do Possível”[12] a cada promulgação de uma nova legislação, gerando por vezes insegurança jurídica e tendência ciclotínica[13], creio que a normatização em relação à “terrível simetria”[14] da tutela legal dos animais é satisfatória, não havendo motivos para alterá-la, nem mesmo com pequenos up grades. O que falta tão-somente é cumpri-la.
Já no tocante à questão dos maus-tratos aos animais, acredito que devemos ensinar à nossas crianças desde tenra idade os valores de respeito, zelo e amor por esses seres vivos, pois, consoante a notória frase cunhada pelo poeta inglês William Wordsworth[15], “O menino é o pai do homem“.
Alfim, tendo em vista que a opressão aos animais por parte do ser humano remonta os primórdios da humanidade, só me resta humildemente reenviar o Leitor que professe à fé na Bíblia à passagem que evangeliza:
“O homem não tem preeminência sobre o animal, porque tudo é vaidade” (Eclesiastes 3:19).
Advogado/PA. Bacharelado em Direito pela Universidade Federal do Pará (UFPA) e pós-graduando em Direito Médico com capacitação para o ensino no magistério superior pela Escola Paulista de Direito (EPD).
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