Das limitações de uso da arbitragem nas relações de consumo no Brasil: requisitos extrínsecos da cláusula compromissória em contratos de adesão

Resumo: Neste ensaio realizo breve análise dos limites impostos pela lei Brasileira ao uso da arbitragem nas relações de consumo e os requisitos extrínsecos da cláusula compromissória em contratos de adesão. Busco demonstrar a perfeita integração entre a Lei de Arbitragem de nosso país com nosso Código de Defesa do Consumidor.


Palavras Chave: Arbitragem, Cláusula Compromissória, Defesa do Consumidor, Contrato de Adesão.


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Introdução


Após o advento de nossa Lei de Arbitragem (Lei 9.307/96) muito se disse sobre a mesma, a favor ou em oposição a mesma. Dentre essas diversas vozes não foram poucos que se debruçaram em seus livros e estudos buscando evidenciar as limitações da lei para diversas áreas do direito, tais como Direito de Família, Direito do Trabalho entre outros.


Das diversas áreas em que muitos lutaram para limitar o uso da arbitragem, sem dúvida uma das mais destacadas foi o Direito do Consumidor. Infelizmente, no Brasil, essa área do direito é tratada a parte das outras áreas e são poucos que a estudam como uma área de vital importância do Direito Econômico. Salvo autoras do porte e importância para o direito em nosso país como a Professora Doutora Cláudia Lima Marques, e, a não menos importante Professora Doutora Nádia de Araújo, muitos tratam de forma assistemática o direito consumerista.


Não há dúvida que o tratamento assistemático dessa disciplina jurídica serve também para reduzir a real importância dessa área do direito, o que não deve ser permitido. Nesse ensaio pretendo demonstrar a forte correlação existente entre os direitos da arbitragem e o direito do consumidor e demonstrar o quanto a instituição da arbitragem pode ampliar a proteção ao consumidor.


1. Do direito do consumidor: princípios


Criado em 1988 por expressa disposição constitucional e havendo sido elencado a Direito Fundamental por nossa Magna Charta, o Direito do consumidor se materializou integralmente com a edição da Lei 8.078/90, também conhecido como Código de Defesa do Consumidor. Esse diploma legal sistematizou e garantiu novos direitos ao consumidor em nosso país, assim como estabeleceu uma principiologia própria que lhe confere autonomia didática e científica.


Logo em seu art. 4º, inc. I do Código nosso legislador sabiamente reconheceu a hipossuficiência do consumidor em relação ao fornecedor na relação de consumo. Esse reconhecimento evidencia o paradigma que deve nortear qualquer trabalho quando envolva essa relação. Não contente com isso o legislador achou por bem definir de forma clara os direitos básicos do consumidor estando eles dispostos no art. 6º da Lei.


São eles: a proteção da vida, saúde e segurança (inc.I), educação e divulgação sobre o consumo adequado de produtos e serviços (inc. II), informação adequada e clara sobre produtos e serviços (inc. III), proteção contra a publicidade enganosa (inc. IV), modificação de cláusulas contratuais que estabeleçam obrigações desproporcionais e sua modificação caso ocorram fatos  que as tornem excessivamente onerosas (inc. V), efetiva reparação de danos patrimoniais e morais (inc. VI), acesso a órgãos judiciários e administrativos para proteção de direitos (inc. VII), inversão do ônus da prova (inc. VIII), e, a eficaz prestação dos serviços públicos em geral (inc. X).


Esses direitos básicos descritos pela lei criam um padrão mínimo de conduta a ser seguido pelas empresas na relação de consumo o que é extremamente positivo para o consumidor, assim como o é também para as empresas. Um aspecto não percebido pelas pessoas é que a obediência dessas regras pelas empresas estabelece padrões mínimos para averiguação de concorrência perfeita entre elas.


No caso do presente artigo são especialmente importantes o disposto nos incisos III, que trata do direito a informação, e, IV, que trata da modificação de cláusulas. Importa também o inc. VIII que dispõe sobre o direito a inversão do ônus da prova. Tais artigos possuem vital importância no que se refere a arbitragem, isso porque são elementos impostos pela lei para validar a cláusula compromissória, assim como o inciso VIII impõe uma regra procedimental para o juízo arbitral.


2. Da lei de arbitragem brasileira


Como anteriormente dito, a Lei de Arbitragem é relativamente recente em nosso país, tendo sido criada apenas em 1996. Apesar desse fato, a mesma só começou a ser efetivamente utilizada em 2002 quando foi declarada a constitucionalidade da lei pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Desde então sua utilização vem se ampliando anualmente.


A lei garante em seu art. 1º que qualquer pessoa capaz de contratar pode utilizar da arbitragem para dirimir conflitos sobre direitos patrimoniais disponíveis. A definição dessa competência garante a possibilidade da utilização da arbitragem em praticamente todas as possibilidades de relação consumerista, excluindo-se desse rol, por óbvio, elementos de ordem pública, tais como transigir sobre regras de vida, saúde, segurança e informação adequada.


Um dos pontos mais sensíveis da lei é seu art. 4º que dispõe sobre as formalidades da cláusula compromissória, tendo em vista que essa após redigida e aceita por ambas as partes ela exclui a competência do Poder Judiciário para apreciar o fato em litígio. O que, em princípio, desprotege o consumidor.


Devemos lembrar a importância da cláusula compromissória. Redigida da forma correta e com ciência total de ambas as partes ela estabelece a competência do procedimento arbitral, ou seja, estabelece haver esse procedimento em caso de inadimplemento do contrato.


Em virtude dessa característica muitos autores alegaram não ser aplicável a Lei de Arbitragem a relação de consumo, tendo em vista que nossa lei arbitral consagra a autonomia da vontade e o fato de o Direito do Consumidor ter natureza cogente, ou seja, não disponível. Ainda analisando a cláusula compromissória iremos notar que essa colisão entre normas é apenas aparente.


Nossa lei definiu diversas concepções dentre elas as regras básicas a ser seguidas no procedimento arbitral (arts. 19 a 22), requisitos, impedimentos e forma de definição dos árbitros (arts. 13 a 18), requisitos de validade da sentença arbitral (arts. 23 a 33), dentre outros elementos. Todavia iremos nos concentrar na cláusula compromissória, em especial a contida em contratos de adesão e sua compatibilidade com o Código de Defesa do Consumidor.


3. A Lei de Arbitragem e os contratos de adesão


Urge definir o que seja um contrato de adesão dentre as diversas espécies de contratos existente em nosso país. O Código de Defesa do Consumidor definiu em seu art. 54 o conceito de contrato de adesão da seguinte forma:


“é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo.


§1º A inserção de cláusula no formulário não desfigura a natureza de adesão do contrato.


§2º Nos contratos de adesão admite-se cláusula resolutória, desde que alternativa, cabendo a escolha ao consumidor, ressalvando-se o disposto no §2º do artigo anterior.


§3º Os contratos de adesão escritos serão redigidos em termos claros e com caracteres ostensivos e legíveis, de modo a facilitar sua compreensão pelo consumidor.


§4º As cláusulas que implicarem limitação de direito do consumidor deverão ser redigidas com destaque, permitindo sua imediata e fácil compreensão.


§5º vetado”


 Fica evidente pela definição legal que a principal característica do contrato de adesão  é a impossibilidade de o consumidor modificar suas regras escritas, em virtude desse fato a lei amplia a proteção sobre o consumidor, tendo em vista sua reduzida autonomia em decidir detalhes do contrato. Diferentemente do que muitos afirmam, a Lei de Arbitragem foi sensível a essa realidade e dispôs em seu art. 4º, § 2º de acordo com o disposto no Código de Defesa do Consumidor. Dispõe a lei de Arbitragem:


“Art. 4º, §2º. Nos contratos de adesão, a cláusula compromissória só terá eficácia se o aderente tomar a iniciativa de instituir a arbitragem ou concordar, expressamente, com sua instituição, desde que por escrito em documento anexo ou negrito, com a assinatura ou visto especialmente para essa cláusula”  


O disposto na Lei de Arbitragem se coaduna integralmente com a filosofia do Código de Defesa do Consumidor, tendo em vista que impõe que a cláusula compromissória seja tratada em anexo ao contrato, ou seja, tratada individualmente. A preocupação contida na Lei de Arbitragem evidencia a importância dada pelo legislador em legitimar o instituto da arbitragem.


Percebe-se pela leitura atenta de ambas as leis que as mesmas não são excludentes. Os cuidados tomados pela lei de arbitragem garantem o direito a informação, e, o direito a modificação de cláusulas, princípios basilares da proteção ao consumidor em nosso país. A não obediência a esses dispositivos legais tornam nula “ab initio” a cláusula compromissória por vício insanável.


4. Do procedimento arbitral


Outro argumento oposto por aqueles que entendem não ser aplicável a arbitragem as relações de consumo é o fato de que o Poder Judiciário garante maior integridade a decisão, tendo em vista que o árbitro, por ser privado, teria interesse em decidir favoravelmente a parte mais forte. Argumento fácil de ser destruído.


Apesar de garantir a autonomia da vontade, a Lei de Arbitragem limita o uso dessa autonomia na escolha da lei a obediência aos bons costumes e a ordem pública (art. 2º da Lei 9.307/96), ou seja, é inviável se excluir as regras protetivas do Direito do Consumidor face ao fato de estas serem imperativas e irrenunciáveis. Dentre as normas o pleno uso do direito de inversão do ônus da prova conforme dispõe o art. 6º, inc. VIII do Código de Defesa do Consumidor.


A desobediência a essa disposição legal em procedimento arbitral torna o mesmo nulo a partir do momento em que houve a lesão ao consumidor, inaplicável, portanto, qualquer decisão derivada desse julgado arbitral. Além disso, a Lei de Arbitragem prevê também, em seu art. 2º, § 2º, a utilização como fonte de direito as regras internacionais de comércio, cada vez mais fundadas na boa-fé objetiva.


A alegação de que a Arbitragem não garante a imparcialidade do julgador é improcedente, visto que a lei de arbitragem prevê o direito as partes a impugnar árbitros, além disso, obriga o arbitro a se declarar impedido caso o seja, possibilitando a anulação da sentença arbitral sob esse fundamento como pode ser visto no art. 32, inc. II da Lei 9.307/1996.


Além disso, é desconsiderado por muitos o fato de que o procedimento arbitral deve possuir prazo para a decisão no compromisso arbitral (art. 11, inc. III da Lei 9.307/96), fato que no Poder Judiciário jamais pode ser previsto. Qual é o mais positivo para o consumidor: ter um resultado definitivo de qualquer demanda de forma breve ou aguardar anos sob expectativa?


Considerando o fato de que a Lei de Arbitragem não permite a não utilização de normas cogentes quando aplicáveis ao caso, ou seja, o consumidor em sede de juízo arbitral permanece integralmente sob a proteção do Código de Defesa do Consumidor. Frente a isso descabe afirmar que não se aplica a Lei de Arbitragem as relações de consumo.


5. A cláusula compromissória como garantia jurídica


Um ponto desconsiderado por boa parte da doutrina é o fato de que a cláusula compromissória independe do contrato que a integra possuindo total autonomia em relação a esse como dispõe o art. 8º da Lei 9.307/96. Essa autonomia lhe garante uma estabilidade “sui generis” em nosso ordenamento jurídico. No caso em especifico que estamos estudando, essa estabilidade é de profunda utilidade, visto que se trata de contratos de adesão.


Essa espécie contratual é constantemente atacada judicialmente e em muitos casos sofre redução de seu conteúdo em virtude de ilegalidades contidas nos contratos. Caso ocorra essa situação em um procedimento arbitral o árbitro possui a capacidade de desconstituir ou desconsiderar integralmente o contrato, sem que a cláusula arbitral seja atingida. Com o advento do Novo Código Civil, o art. 183 desse diploma legal determinou que a invalidade do instrumento jurídico não induz a invalidade do negócio jurídico sempre que o mesmo possa ser provado de forma diversa.


Ou seja, da leitura correta de ambos os dispositivos legais vemos que a arbitragem quando instituída de forma correta possui estabilidade e segurança jurídica tão sólida quanto pode ser garantida pelo Poder Judiciário, acrescida pela celeridade definida pela lei e pelo sigilo inerente ao instituto da arbitragem. Obedecidas as regras legais contidas em nosso sistema jurídico vinculados a arbitragem, essa não terá como envolver risco ao consumidor


Nesse sentido, a Lei de Arbitragem garante um alto nível de segurança jurídica ao consumidor, tendo em vista que ele pode negociar amplamente as normas jurídicas que deseja aplicar, incluindo tratados internacionais, ampliando dessa forma seu campo de proteção normativa e tendo a garantia que essa decisão poderá ser cumprida nos mais diversos países do mundo.


Considerações Finais


Por óbvio que essa discussão não encerra aqui, porém espero haver conseguido demonstrar que existe plena compatibilidade da Lei de Arbitragem com nossa disciplina legal de defesa do consumidor. Fica evidente que não há hipótese legal da derrogação, tácita ou expressa, das normas consumeristas, mas também é evidente que a própria Lei de Arbitragem incluiu dispositivos que garantem a máxima lisura do procedimento, assim como reconheceu a hipossuficiência dos consumidores e, em razão disso, ampliou os requisitos da lei nessa espécie contratual.


Creio ser o maior desafio, daqueles que defendem o instituto da arbitragem, conseguir superar o que costumo chamar de “cultura de estado” que possuímos em nosso país. Não se cogita de substituir o Judiciário em todos os temas que exista, mas garantir que naqueles setores em que possa resolver conflitos sem interferência judicial isso seja feito.


Uma maior adoção da arbitragem em nosso país irá ter como resultado uma maior velocidade na resolução de conflitos nas áreas empresariais, incluso nesse item o Direito do Consumidor, assim como a redução de conflitos levados ao Poder Judiciário possibilitando uma sensível redução de demandas a esse Poder e fazendo com que o mesmo possa tratar daqueles direitos indisponíveis, os quais demandam, sem qualquer dúvida, uma ação pró-ativa do Estado.


 


Referências Bibliográficas:

ARAUJO, Nádia de. Contratos Internacionais – Autonomia da Vontade, MERCOSUL e Convenções Internacionais. 3ª Ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. 

CONSELHO REGIONAL DE ADMINISTRAÇÃO. Mediação, Conciliação e Arbitragem: Métodos Extrajudiciais de Soluções de Controvérsias. Porto Alegre: CRA/RS, 2008.

CRETELLA NETO, José. Comentários à Lei de Arbitragem Brasileira. Rio de Janeiro: Forense, 2004. 

GRINOVER, Ada Pellegrini et alli. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. 6ª edição. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2000.

MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. 4ª Ed. São Paulo: RT, 2002.

Informações Sobre o Autor

Sandro Schmitz dos Santos

Analista e Consultor Internacional. Diretor de Negócios Internacionais da Dealers Negócios Internacionais. Doutorando em Direito pela Universidad del Museo Social Argentino (UMSA). Membro do Comitê Brasileiro da Câmara de Comércio Internacional (CCI Brasil).


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Equipe Âmbito Jurídico

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