Delação premiada: Do aspecto jurídico a sua eficácia.

Sumário:
1. Apresentação; 2. Introdução; 3. Conceito de delação premiada; 3.1. A
proteção dos delatores; 4. Delação premiada para os réus; 4.1.Da proteção dos
reus colaboradores; 5. Conclusão; 6. Referência bibliográfica.

1.  Apresentação

Assim como todo
trabalho monográfico, não quer o leitor que neste trabalho seja o tema
totalmente esgotado. As horas de estudo e dedicação para com esse trabalho foi
para comentar a Lei 9.807/99, elaborando uma interpretação sistemática e
moderna, alem de entender o sentido do instituto processual que, embora tenha
constituído muitos opositores, demonstra possuir um caráter inovador para o
Ordenamento Jurídico.

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Ainda hoje não é
pacífica na doutrina o caráter etiológico da delação, ou melhor, para que serve
realmente, por que traz tantas discussões contrarias ou qual as suas reais
conseqüências?

O presente trabalho,
além de fazer toda uma abordagem dos problemas, se fundamenta partindo do
princípio de que, assim como toda legislação, só terá bons resultados se os
operadores jurídicos possuírem o entendimento sistemático de todo ordenamento
jurídico. Entendemos que as críticas estão servindo para cada vez mais o instituto
seja aprimorado, para que se torne relevante no mundo jurídico, e assim, trazer
o real contexto da intenção do Legislador.

Foi com esse
entendimento que foi trabalhado o tema, e, de qualquer forma não se poderia
esquecer da interpretação dada às legislações pertinentes, principalmente a Lei
9.807/99, que trata do possível prêmio que as vitimas, testemunhas e acusados
de crimes podem obter através da delação.

2. Introdução

O legislador, influenciado principalmente pela
legislação italiana, criou uma causa de diminuição da pena para o associado ou
partícipe que entregar seus companheiros, batizada pela doutrina de “delação
premiada”.

 Lei n.º 8.072/90, art.8º, § único – O
participante que denunciar à autoridade o bando ou quadrilha, possibilitando
seu desmantelamento, terá a pena reduzida de 1 (um) a 2/3 (dois terços).

 Também aplicou a redução ao crime de extorsão
mediante seqüestro, através da adição do § 4º ao art. 159 do Código Penal.

 No § 4º – Se o crime é cometido em concurso,
o concorrente que o denunciar à autoridade, facilitando a libertação do
seqüestrado, terá sua pena reduzida de um a dois terços.

 A delação premiada vem sendo severamente
criticada. Sob o ponto de vista sócio-psicológico ela é considerada imoral ou,
no mínimo, aética, pois estimula a traição, comportamento insuportável para os
padrões morais modernos, seja dos homens de bem, seja dos mais vis criminosos.

 Sob o aspecto jurídico, indiretamente rompe
com o princípio da proporcionalidade da pena, já que se punirá com penas
diferentes pessoas envolvidas no mesmo fato e com idênticos graus de culpabilidade.

 Questiona-se ainda sua aplicabilidade, argüindo
que a delação premiada se revela um instrumento inócuo, de rara aplicação. Qual
o criminoso, em sua sã consciência, ainda que tentado pelos benefícios
oferecidos, se sujeitará a carregar a pecha de alcagüete, de traidor, ciente de
que no submundo – incluindo a prisão – receberá a morte pela delação?

 Em termos práticos, não basta a mera delação
para que o criminoso se beneficie, deve resultar a delação na efetiva
libertação do seqüestrado, ou, nos casos de quadrilha, associação criminosa ou
concurso de agentes, na prisão ou desmantelamento do grupo. Para melhores
esclarecimentos far-se-á necessário subdividir o tema partindo do seu conceito.

3. Conceito
de delação premiada

No sistema
penal codificado brasileiro, tendo como fundamento o “estímulo à verdade
processual” (Exposição de Motivos da Lei n. 7.209/84), está prevista a
“confissão espontânea” (CP, art. 65, III, “d”) como
circunstância atenuante.

Com a evolução dos tempos e aumento
da criminalidade, cada vez mais sofisticada, aos poucos se foi introduzindo
“delação premiada” como forma de estímulo à elucidação e punição de
crimes praticados em concurso de agentes, de forma eventual ou organizada, como
se vê em diversos textos, como § 4º, do art. 159, do Código Penal, com redação
dada pelas Leis ns. 8.072/90 e 9.269/96; § 2º, do art. 24, da Lei n. 7.492/86,
acrescentado pela Lei n. 9.080/95; par. único do art. 16, da Lei n. 8.137/90,
acrescentado pela Lei n. 9.080/95; art. 6º, da Lei n. 9.034/95 e § 5º, do art.
1º, da Lei n. 9.613/98).

No entanto, dificilmente se
encontrava algum agente, ou mesmo vítima ou testemunha capaz de delatar na
linguagem corrente, “esta palavra adquiriu conotação pejorativa,
tomando o sentido de acusação feita a outrem, com traição da confiança
recebida, em razão de função ou amizade”
[1],
porquanto não havia qualquer forma de garantia ou sistema de proteção da
segurança do próprio delator ou de sua família, que ficava jogado à própria
sorte; a doutrina reclamava a instituição de programa específico para proteção
das vítimas e testemunhas, pois o “código do silêncio” revelou-se ser
uma das principais dificuldades no combate à criminalidade, diante do temor das
pessoas em testemunhar fatos delituosos presenciados ou dos quais tenham sido
vítima ou deles participado[2].

As raras testemunhas que assim o
fizeram, em crimes de repercussão, “geralmente eram levadas para conventos
ou igrejas” enquanto outro, com ajuda da Anistia Internacional, foi
retirado do país.

Com a publicação e vigência imediata
da Lei n. 9.807, de 13.7.99, foram estabelecidas “normas para a
organização e a manutenção de programas especiais de proteção a vítimas e a
testemunhas ameaçadas
“, instituiu-se “o Programa Federal de
Assistência a Vítimas e a Testemunhas Ameaçadas
” e dispôs-se “sobre
a proteção de acusados ou condenados que tenham voluntariamente prestado
efetiva colaboração à investigação policial e ao processo criminal
.

Conquanto tenha sido esperada como
mais um elemento de apoio à apuração e punição de crimes, cada vez mais
complexos e/ou violentos, a lei está direcionada às vítimas, testemunhas e réus
colaboradores, silenciando sobre os agentes e servidores do aparato policial/judicial
que eventualmente sejam coagidos ou sofram graves em virtude de suas atuações
nas investigações ou processos criminais, não fosse a possibilidade de também
figurarem como vítimas além das hipóteses mais comuns de serem as raras
testemunhas.

Ao denominar “réus
colaboradores” os acusados ou indiciados que tenham voluntariamente
colaborado com a investigação e o processo criminal (art. 13), utiliza-se de
eufemismo para evitar termos como ‘delator’ ou mesmo ‘traidor’, cabendo
ressaltar, como enfatizou Damásio E. de Jesus ao referir-se à delação premiada
na Lei 9.034/95, que não é pedagógica, porque ensina que trair traz benefícios;
sendo eticamente reprovável (ou, no mínimo, muito discutível), deve ser
restringida ao máximo possível.

É partindo desse entendimento que os
estudiosos admitem que o instituto da delação premiada seria a “infelicidade
cometida mais uma vez pelo legislador brasileiro, muito demagogo e pouco cuidadoso
quando se trata dos aspectos jurídicos de seus respectivos projetos de lei”.
Não é só isso. Acrescenta também que, estaria incentivando os indivíduos de uma
nação a prática de traição como meio de se obter um prêmio ou um beneficio jurídico.

Não há
dúvida de que a norma jurídica de um Estado de Direito é um refugio de seu
povo, no sentido de que as proposições enunciativas nela contidas, nas quais
representam um parâmetro de organização ou conduta das pessoas, são definidoras
dos limites de suas atuações. Portanto, não se concederia a idéia de que esse
mesmo regramento jurídico preveja a delação premiada. Segundo os reacionários
opositores, ela denunciaria um flagrante incitamento à transgressão de
preceitos morais intransigíveis que devem estar, em última análise, embutidos
nas regras legais exsurgidas do processo legislativo.

Inevitáveis
as acusações que partem da premissa da traição para se confrontar o instituto
com a moral e com a ética, mas, inevitáveis também são os resultados alcançados
através do instituto permitindo desde a libertação da vítima até a
identificação dos criminosos, o que afasta a certeza da impunidade. 

Que o novo
apavora não é novidade, mas a necessidade de se mudar é gritante. É impossível
extirpar a criminalidade do meio social, posto que ela é inerente à própria
coexistência humana. O que pode ser feito dentro dos limites toleráveis no
ordenamento jurídico e adequado aos cânones constitucionais deve ser bem-vindo,
ainda mais quando se pode contar com uma integração institucional de toda uma
Justiça Criminal.

Ora se é o
Estado que cabe o ônus do exercício do controle social e do direito de punir, e
que por inúmeras razões já não consegue cumprir tais proezas, imperiosos são os
motivos que sobressaltam para prestigiar o instituto da delação premiada, que
conta com a ajuda dos próprios criminosos no combate a impunidade e na
repressão do fenômeno criminógeno.

Outros países, como a Itália e os Estados
Unidos, por algum tempo já se observa a utilização do instituto em seu
ordenamento jurídico. São países desenvolvidos que não questionam a moralidade
da delação, pelo contrario, a utiliza como forma eficaz de resolução dos
conflitos sociais no âmbito processual penal.

3.1. A proteção dos delatores

Um dos pontos mais discutidos pelos
os opositores da Delação Premiada é sobre as medidas decorrentes e a proteção
dos colaboradores. Assim, elas deverão ser consentidas e levar em conta a gravidade
da coação ou da ameaça à integridade física ou psicológica, a dificuldade de
preveni-las ou reprimi-las pelos meios convencionais e sua importância para a
produção da prova, podendo ser estendidas ao cônjuge ou companheiro,
ascendentes, descendentes e dependentes que tenham convivência habitual com a
vítima ou testemunha, excluindo-se expressamente os “indivíduos cuja
personalidade ou conduta seja incompatível com as restrições de comportamento
exigidos pelo programa, os condenados que estejam cumprindo pena e os
indiciados ou acusados sob prisão cautelar em qualquer de suas modalidades
“,
sem prejuízo a eventual prestação de medidas de preservação da integridade
física desses indivíduos por parte dos órgãos de segurança pública “(§ 2º,
art. 2º).

A lei tem como ponto distintivo das
medidas de proteção em relação às testemunhas e vítimas dos réus colaboradores,
a impossibilidade de anonimato dos últimos, deixando-os mais
“desprotegidos” do que aqueles, ainda que sejam mantidos em
dependências separada dos demais presos.

A este respeito cabe destacar os
importantes comentários do juiz federal Élio Wanderley de Siqueira Filho sobre
a Lei n.9.034/95:

“A delação é uma figura jurídica que, caso bem empregada,
muito auxiliará na busca da verdade material acerca das infrações penais,
devendo o legislador procurar disciplinar a adoção de tal expediente em outras
hipóteses, além das acima consignadas. De qualquer maneira, deve-se reconhecer
que, para que possa ser plenamente utilizada, é fundamental que se garanta a
própria segurança do delator, já que, pela sua estrutura, em regra, as
organizações criminosas conseguem, sem maiores obstáculos, eliminar os
eventuais “traidores´´, praticando a “queima de arquivo´´. Nesta
situação, caso detido o colaborador, tal eliminação seria ainda mais fácil,
diante dos tentáculos que estas organizações mantêm no interior dos estabelecimentos
prisionais. Aliás, na prática, tem-se constatado que uma das principais
dificuldades em se combater a criminalidade reside no temor das pessoas que
presenciaram os fatos delituosos em testemunhar. Talvez,
caso se assegurasse o anonimato, a delação fosse viabilizada como um
instrumento mais eficaz para a instrução criminal. Mas tanto a legislação
antecedente como a Lei 9.034/95 nada trazem no sentido de se garantir dito
anonimato. Eis um ponto a reclamar um disciplinamento detalhado, sob pena de se
tornar letra morta a regra e sem conseqüências práticas positivas a modificação
introduzida no ordenamento jurídico pátrio”.[3]

4. Delação premiada para os réus

Para os réus colaboradores, a lei prevê, no art.
13, que o juiz lhes poderá, de ofício ou a requerimento das partes (inclusive
dos próprios réus), conceder perdão judicial com a conseqüente extinção
da punibilidade, desde que, sendo primários, tenham efetiva e voluntariamente
colaborado com a investigação e o processo criminal, desde que dessa
colaboração tenha resultado” na identificação dos demais co-autores ou
partícipes da ação criminosa; localização da vítima “com a sua integridade
física preservada” e “recuperação total ou parcial do produto do
crime.

Não há previsão sobre a cumulatividade dos
resultados, pois bem pode ser que os demais co-autores já tenham sido
identificados, mas em crimes com vítima desaparecida (seqüestro, etc…) esta
não tenha ainda sido encontrada; ou, sem o desaparecimento de vítima pessoa
física (casos de assalto a banco), se saibam os co-autores, mas ainda não se
recuperou total ou parcialmente o “produto do crime”.

A colaboração do réu deve ser voluntária, e não
induzida. Mas, e se o réu não colaborou na fase policial e posteriormente, em
juízo, auxilia na identificação dos demais co–autores ou partícipes com a localização
da vítima e recuperação do produto do crime, será possível agraciá-lo com o
perdão judicial?

Poderão surgir, em tese, três correntes de
entendimento:

a) impossibilidade, pois sendo possível a
colaboração e eventual “retribuição” legal na fase de investigação, o
réu deverá colaborar espontaneamente desde o início, e, assim, a reticência na
fase policial afastaria a voluntariedade da colaboração;

b) possibilidade, sendo válida a colaboração pois
atingiu aos objetivos almejados previstos nos incisos I a III do art. 13,
constituindo–se direito público subjetivo do réu diante da delação eficaz consumada;

c) moderada, sendo possível a aplicação dos
benefícios legais se os co–autores ou partícipes foram identificados somente na
fase judicial, em virtude da colaboração do réu, alcançando-se também os demais
objetivos; ou já identificados, mas a vítima ainda não tenha sido localizada,
assim como o produto do crime.

Quanto à vítima, importante destacar que a lei
expressamente exige no inciso II, do art. 13, seja localizada com “sua
integridade física preservada
“, para que o agente faça jus ao perdão
judicial; caso contrário, se da colaboração voluntária resultar na
“identificação dos demais co-autores ou partícipes do crime, na
localização da vítima com vida e na recuperação total ou parcial
do produto do crime, no caso de condenação, terá pena reduzida de um a dois
terços”
(art. 14).

Assim, deve-se atentar para a pessoa da vítima com
sua integridade física preservada (= perdão judicial), ou somente sua localização
com vida, neste caso aliada à recuperação total ou parcial do produto do crime
(= redução da pena de um a dois terços).

Ponto interessante é que a lei não exige a recuperação
total do produto do crime podendo, eventualmente, o réu colaborador sigilosamente
“guardar” parte deste (não se sabe em que percentual – pode ser
mínima?) e, mesmo assim ser beneficiado tanto com a extinção de sua
punibilidade, via perdão judicial, como com a diminuição especial da pena.

Em relação à repercussão social do crime, ter-se-á
com circunstância legal de caráter duvidoso, cuja aplicação poderá determinar situações
absurdamente injustas. Exemplificando, determinado réu, arrependido de participado
de crime de extorsão mediante seqüestro, resolve “trair” seu grupo e
colaborar com a investigação policial, auxiliando na localização da vítima,
identificação dos co–autores e recuperação total do numerário já entregue à
quadrilha, sujeitando–se, por tudo isto, à futura vingança. Todavia, entendendo
existir repercussão social (leia–se: exploração noticiosa da mídia), o
magistrado deixa de conceder o benefício do perdão judicial, quando não fosse a
delação do agente nada teria sido alcançado. É situação subjetiva a ser bem
analisada.

Ao réu colaborador que não seja agraciado com o
perdão judicial, mas com a pena reduzida pela causa de especial prevista no
art. 14, deverá cumpri-la no regime determinado na sentença; assim,
provavelmente estará à mercê de seus ex–comparsas, mesmo que a lei determine
seja custodiado em local separado dos demais presos, medida que o princípio da
razoabilidade e as máximas de experiência ditadas pelo que normalmente ocorre
indicam que poderá ser inviável ou, então, insuficiente e ineficaz.

Tanto o perdão judicial, como a causa de especial
redução da pena, constitui-se, claramente, em institutos benéficos advindos com
lei posterior, aplicáveis aos fatos anteriores à vigência da lei, ainda que já
decididos por sentença condenatória transitada em julgado (CP, par. único do
art. 2º)[4].

4.1. Da Proteção aos Réus
Colaboradores

A Lei protege o co-réu ou partícipe
de forma diferente da vítima e da testemunha. Como já se disse, o programa de
proteção só existe para as vítimas e as testemunhas, mas não para os co-autores
e partícipes dos crimes que estão sendo investigados.

Não há inclusão em programa, com
todas as conseqüências, mas sim algumas medidas especiais de segurança e
proteção da sua integridade física (a Lei não fala em proteção da integridade
psicológica do co-réu ou partícipe), mas somente se houver ameaça ou coação
eventual ou efetiva à sua pessoa. As medidas principais serão: a) estando em
prisão cautelar, deverá ficar em dependência separada dos demais presos; b)
estando cumprindo pena em regime fechado, o juiz criminal determinará medidas
especiais para a segurança.

 Como é público e notório, as
nossas penitenciárias, cadeias públicas, colônias agrícolas, industriais ou
similares, casa do albergado, centro de observação, hospital de custódia e
tratamento psiquiátrico e cadeias públicas, quando existem realmente, estão em
condições animalescas, sem nenhuma atenção séria, de modo geral, do Poder
Executivo, havendo inúmeras fugas e crimes cometidos pelos fugitivos ou por
aqueles que conseguiram a progressão de regime ou estão em liberdade
condicional. Assim, seria até ilusão pensar em tratamento diferenciado a presos
em Cadeias Públicas ou em Penitenciárias, como lembra o art. 15 da lei em
análise.

A falta de estrutura,
obviamente, impedirá a realização da intenção da Lei, o que é uma lástima, mas
com a previsão legal, os operadores jurídicos, com criatividade e até com muita
sabedoria, saberão manter afastados os colaboradores dos demais presos (certamente
taxados de “traidores”, o que para o “Código Penal
Informal” dos presos merece até a morte), até mesmo porque interessará à autoridade
policial e à judicial a preservação do colaborador, para desvendar o crime.

A Lei estabeleceu normas penais
materiais importantes, e que precisam ser bem compreendidas.

Antes de qualquer coisa, considera-se
que, com a Lei 9.807/99, está superada a polêmica sobre a natureza jurídica da
sentença que concede o perdão judicial. Como se sabe, existe ainda a polêmica,
uns entendendo que se trata de condenação, mas sem aplicar a pena, com as
conseqüências naturais de possibilidade de reincidência, custas processuais,
lançamento do nome do réu no rol dos culpados e até na reparação dos danos (só
não se aplicaria os efeitos principais: pena privativa de liberdade, restritiva
de direitos e multa), já que o art. 120 do CP diz que só não se considera o
perdão judicial para a reincidência; outros entendem que se trata de sentença
absolutória, sem qualquer efeito secundário, pois trataria de sentença
declaratória da extinção da punibilidade. A divergência maior está entre o STJ,
que até já sumulou o assunto, no sentido da inexistência de efeitos
secundários, e o STF que, com supedâneo também nos ensinamentos de Damásio
Evangelista de Jesus, ainda mantém alguns posicionamentos no sentido da
existência dos efeitos secundários da sentença concessiva do perdão judicial.

A Lei põe uma pá de cal na
divergência, pois diz expressamente que o perdão judicial extingue a
punibilidade, caracterizando que é uma declaração de extinção da punibilidade.
Não subsiste, deste modo, qualquer efeito condenatório secundário.

Para o co-réu ou partícipe
colaborador, a Lei concedeu duas benesses: o perdão judicial e a redução da
pena de um terço a dois terços.

O perdão judicial só será concedido pelo juiz se o
acusado for primário e tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação
e o processo criminal, desde que dessa colaboração tenha resultado a
identificação dos demais co-autores ou partícipes da ação criminosa, a
localização da vítima com a sua integridade física preservada e a recuperação
total ou parcial do produto do crime.

5. Conclusão

A delação é uma expressão que
encontra muitos opositores, eis que adquiriu conotação pejorativa, tomando o
sentido de acusação feita a outrem, com traição da confiança recebida, em razão
de função ou amizade, todavia, em nome do Direito Penal funcionalista, utilitário
e pragmático, vem ganhando a simpatia do legislador pátrio, inspirado na ordem
jurídica de outros países, como forma de fazer frente ao crime organizado.

Apontar críticas à delação premiada
sem ao menos identificar soluções não é o caminho mais apropriado, conquanto se
constata que o instituto vem se decantando paulatinamente no ordenamento
pátrio, sendo abordado nos legislações que versam sobre os crimes que
salvaguardam bens jurídicos da maior relevância sob a ótica da tutela penal.

A delação utilizada
adequadamente, muito auxiliará na busca da verdade material acerca das
infrações penais. De qualquer maneira, deve-se reconhecer que, para que possa
ser plenamente utilizada, é fundamental que se garanta a própria segurança do
delator, já que, pela sua estrutura, em regra, as organizações criminosas conseguem,
sem maiores obstáculos, eliminar os eventuais “traidores”, praticando a “queima
de arquivo”.

Exigi-se que se faça
um trabalho político, com destinação de verbas e com uma disponibilidade
orçamentária que, apesar dos pesares econômicos, não exigirá quantias nem mesmo
significativas dos cofres públicos. Tal conclusão é reforçada quando se lembra
da importância fundamental de proteção das testemunhas e das próprias vítimas
que nem mesmo chegam a ir à Polícia denunciar os crimes testemunhados. Quando
muito, apenas denunciam anonimamente, havendo uma investigação que, ao final,
acaba “não dando em nada”, isto é, sem subsídios probatórios para
identificar os criminosos e condená-los.

O problema é tão sério que na
condição de detido o colaborador, a sua eliminação (“queima de arquivo”) seria
ainda mais fácil, diante dos tentáculos que estas organizações mantêm no
interior dos estabelecimentos prisionais. Aliás, na prática, tem-se constatado
que uma das principais dificuldades em se combater a criminalidade reside no
temor das pessoas que presenciaram os fatos delituosos em testemunhar. Para
os réus colaboradores, a lei prevê, no art. 13, que o juiz lhes poderá, de
ofício ou a requerimento das partes (inclusive dos próprios réus), conceder
perdão judicial com a conseqüente extinção da punibilidade, desde que, sendo
primários, “tenham efetiva e voluntariamente colaborado com a investigação
e o processo criminal, desde que dessa colaboração tenha resultado” na
identificação dos demais co-autores ou partícipes da ação criminosa;
localização da vítima “com a sua integridade física preservada” e
“recuperação total ou parcial do produto do crime”.

O Brasil estava atrasado no que tange
à proteção das testemunhas e das vítimas, e até dos próprios co-autores e
partícipes da ação criminosa. E mesmo com o reclamo social efetivo e constante
por uma legislação e agora com a Lei n. 9.807/99, não se percebe uma
preocupação e uma sensibilidade para a importância dos programas protetivos
pelas autoridades competentes.

Ressalta-se finalmente que, os
benefícios propostos pela delação premiada estão em perfeita consonância com o
caráter despenalizador defendido pelo direito processual moderno de intervenção
mínima, se aproximando inclusive de uma proposta mais ressocializadora, já que
permite uma maior valorização do réu colaborador na historia delituosa, o qual
deve ter sempre preservado seus direitos fundamentais, e precipuamente sua
dignidade humana.

Enfim, clama-se tanto por soluções
neste país quando a matéria versada é segurança pública e impunidade que,
quando se apresentam alternativas viáveis, ainda sim, se encontra resistência
por parte dos reacionários.


Bibliografia:

FERNANDES, Antônio Scarance. Crime Organizado e a legislação
brasileira, in Justiça Penal
, coord. de Jaques de C. Penteado, vol.
3, SP: Ed. RT, 1995, p. 51/52.

GOMES, Luiz Flávio. Crime Organizado: enfoques criminológico,
jurídico (Lei 9.034/95 e político–criminal
, 2a ed., São Paulo:
Ed. RT, 1997, p.167).

DELMANTO, Celso. Direitos públicos subjetivos do réu no
Código Penal
, RT 544/466.

D’URSO, Luiz Flávio Borges. Programa de Proteção aos Colaboradores
da Justiça Criminal no Brasil – Vítimas e Testemunhas
, in Consulex –
Doutrina e pareceres, Jan/Dez 1996, p. 258/60).

SIQUEIRA FILHO, Élio Wanderley de. Crimes Praticados por
Organizações Criminosas – Inovações da Lei n.9.034/95
in RJ nº 217
– nov/95, p. 43).

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa, 1928 – Manual de Processo
Penal
– 5. ed. ver. atual e aum. – São Paulo : Saraiva, 2003.

SITE – JUS
NAVIGANDI
– Doutrina – Princípios do Processo Penal – Vladimir Aras
promotor de Justiça na Bahia Sumário: Introdução. Uma visão constitucional do
processo… dos institutos da delação premiada e da confissão
espontânea. – www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=2416.

SITE – JUS VIGILANTIBUS
Doutrina – A
delação no direito brasleiro –
Autor(a):
Rômulo de Andrade Moreira. Promotor de Justiça e Coordenador do Centro de Apoio
Operacional das Promotorias Criminais do Ministério Público do Estado da Bahia.
www.jusvi.com/site/p_detalhe_artigo.asp?codigo=557

ENCICLOPÉDIA
SARAIVA DO DIREITO
, vol. 23, p.
136-7, verbete “delatar”.


Notas:

* Trabalho monográfico apresentado a Universidade Estadual de Feira de Santana, tendo como objetivo a aprovação na disciplina Técnica da Pesquisa Jurídica.Orientador: Prof. Alexandre.

[1] ENCICLOPÉDIA
SARAIVA DO DIREITO
, vol. 23, p. 136-7, verbete “delatar”.

[2] FERNANDES,
Antônio Scarance. Crime Organizado e a legislação brasileira, in Justiça
Penal
, coord. de Jaques de C. Penteado, vol. 3, SP: Ed. RT, 1995, p. 51/52.

[3] SIQUEIRA FILHO, Élio Wanderley de. Crimes
Praticados por Organizações Criminosas – Inovações da Lei n.9.034/95
in
RJ nº 217 – nov/95, p. 43).

[4] DELMANTO,
Celso. Direitos públicos subjetivos do réu no Código Penal, RT 544/466.


Informações Sobre o Autor

Ricardo de Freitas Mello


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Equipe Âmbito Jurídico

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