Delação premiada nos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro no âmbito da operação lava jato

Resumo: A pesquisa discute a eficácia do instituto da Delação Premiada para o desmantelamento de organizações criminosas nos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro, atentando-se especialmente à Operação Lava Jato, o maior caso de corrupção apurado no Brasil. Se o instituto é necessário no ordenamento jurídico pátrio ou se seria antiético e/ou inconstitucional. A pressão da população e da mídia, faz deflagrar a operação. Os procuradores prestam eficaz condução dos trabalhos, tendo no uso da Delação Premiada, o crime da perspectiva dos criminosos. Apresenta-se aqui dados e opiniões acerca da constitucionalidade e eticidade do instituto, bem como a aplicação deste ao caso concreto[1].

Palavras-Chave: Corrupção, Delação Premiada, Lavagem de Dinheiro, Operação Lava Jato, Organizações Criminosas.

Abstract: The research debates the efficacy of the Plea Agreement institute for the dismantling of criminal organizations on corruption and money laundering crimes, focusing specially on the Lava Jato Operation, the biggest corruption case to be investigated in Brazil. If the institute is necessary in the national legal order or if it would be unethical and/or unconstitutional. The pressure made by the population and media engender the operation. The prosecutors provide effective conduction of the work, having in the Plea Agreement, the crime from the criminals’ perspective. Data and opinions are presented here concerning the constitutionality and ethics of the institute, as well the applications of this on the concrete case.

Keywords: Corruption, Criminal Organizations, Lava Jato Operation, Money Laundering, Plea Agreement.

Sumário: 1 Introdução; 2 Delação premiada; 2.1 Ética na delação; 2.2 Constitucionalidade da delação premiada; 3 Crimes de corrupção e lavagem de dinheiro; 4 Delações abrem portas?; 5 Considerações finais; Referências.

1. INTRODUÇÃO

O Brasil atravessa o que se pode chamar de a maior crise político-financeira da história do país; uma verdadeira corrupção sistêmica enraizada nos Poderes Executivo e Legislativo.

Revelações de crimes de corrupção envolvendo parlamentares, o maior interesse da população brasileira na política nacional e procuradores cautelosos deflagraram e agora sustentam a Operação Lava Jato, a maior investigação sobre corrupção conduzida até hoje no Brasil.

A referida operação é transformadora e nos leva a análise de um instituto em específico dentro das investigações: a delação premiada.

O instituto surge como um elemento chave para o desmantelamento do que talvez seja o maior escândalo de corrupção do qual o país já se deparou. A repercussão dos casos de corrupção envolvendo a Petrobrás, o surgimento da Operação Lava Jato, fez com que a colaboração premiada viesse à tona nos meios de comunicação, provocando uma análise mais profunda do instituto, que é peça fundamental de auxílio nas investigações. Adentra-se ao mérito adiante, cumprindo ressaltar, pontualmente, as posições quanto ao ora analisado instituto.

A Lava Jato não chegou ao seu fim, tampouco ele deva estar próximo. O fato é que, as pessoas antes imaginadas como intocáveis passam a ser palpáveis aos olhos da Justiça, e o instituto da delação premiada guarda íntima relação com essa realidade.

2. DELAÇÃO PREMIADA

Para que se configure a delação premiada, é necessário que, em um crime praticado em concurso de agentes necessário (organizações criminosas) ou eventual (roubo), um desses investigados confesse sua pratica delitiva e, além dessa confissão, atribua a prática delitiva a outra pessoa. Isso é a delação em si.

A delação, no entanto, pode ser obtida com ou sem benefícios premiais. Toda vez que há agregação de vantagem àquele que delata, é o que, na pratica se convencionou chamar de delação premiada.

A Lei nº 12.850 de 2013 a chama de colaboração premiada. Entende-se que a denominação delação premiada seria muito pesada, levando em consideração que não se trata apenas de uma delação, mas de uma colaboração.

A delação ou colaboração premiada é uma técnica de investigação criminal, consistente na oferta de benefícios por parte do Estado àquele que confessar e/ou prestar informações úteis ao esclarecimento do fato delituoso. Em que pese alguns estudiosos tentem diferenciar a colaboração da delação, iremos tratar como sinônimos, haja vista o mesmo resultado prático.

O nome do instituto por si só é sugestivo, pois o agente do tipo penal, confessando o crime, divulga informações que até então eram ignoradas ou secretas e, em troca, o Estado oferece, ao agente delator, um prêmio, sendo que este pode consistir pode consistir em diminuição de pena ou mesmo a absolvição, o que irá depender do caso em concreto.

Vale ressaltar que a confissão, para a grande maioria da doutrina, passa a ser condição da delação, não havendo esta se o acusado apenas negar o fato criminoso imputado a ele, atribuindo-o a outra pessoa.

Caso o acusado passasse a revelar elementos ou fatos que são alheios ao que se lhe imputa, sua função seria muito mais de testemunha do que de delator. Sendo assim, a admissão de culpa, seja ela parcial ou total, é requisito essencial para a constituição da delação (ESSADO, 2013, p. 210).

Vale ressaltar, contudo, que o acusado não é obrigado a delatar. O silêncio é uma garantia constitucional de todos os indivíduos. Os aspectos constitucionais serão estudados em tópico próprio.

A primeira aparição do instituto foi nas Ordenações Filipinas, que trouxe, em seu Livro V, dois dispositivos acerca da Delação Premiada. O primeiro, foi disposto no Título VI (Do Crime de Lesa Magestade), item 12, e o segundo, no mesmo livro, Título CXVI (Como se perdoará aos malfeitores, que derem outros à prisão). Contudo, é na Itália que a colaboração premiada ganha força e aplicabilidade, mais precisamente a partir de 1970, quando a imprensa italiana cria o conhecido pentinismo. Nessa época, as máfias italianas tinham uma forte incidência no país, o que levou os italianos a adotarem a medida da delação. Uma pena menos rigorosa para aqueles que cooperavam para combater delitos como terrorismo e extorsão mediante sequestro (comuns à época). Os delatores então, na Itália, eram chamados de colaboradores da justiça. Vale ressaltar que aqui já existiam requisitos para obter o benefício da colaboração.

Em 1980, surge a Operação Mãos Limpas, cuja finalidade era exterminar a máfia que aterrorizava o país, sendo certo que em consonância com a legislação italiana, aquele que aceitasse colaborar com o desmantelamento de organizações criminosas teria como recompensa a redução da pena. Curiosamente, a Operação Mãos Limpas foi base para a condução da Operação Lava-Jato no Brasil, segundo o condutor da Operação, Juiz Federal Sérgio Moro, em entrevista dada para o Exame Fórum 2015.

Na Espanha, a delação premiada surge com o fim de combater o Terrorismo no país, e, posteriormente, em razão de sua eficácia, é ampliado aos crimes de tráfico de drogas, fazendo surgir uma série de requisitos para a concessão do benefício. Eis o que dá origem a expressão delincuente arrepentido.

Nos Estados Unidos, mais precisamente no ano de 1960, o instituto é introduzido pela Lei Ricco, onde a delação compreende como sendo um acordo entre o Ministério Público e o réu no que concerne à redução da sanctio legis. Vale ressaltar que, posteriormente, para que o acordo produza seus efeitos legais, deve ser homologado pelo juiz.

A exemplo do que se verifica na Itália, a delação também teve sua inclinação bastante voltada para o combate à Máfia, que, indubitavelmente, revela o crime organizado.

Sendo assim, criou-se um prêmio, que consistia na redução ou cumprimento da pena em regime especial, ao acusado que colabora com a persecução delatando seus comparsas de crime. Os resultados a partir daí foram satisfatórios, já que se conseguiu levar muitos mafiosos à prisão. E foi por esse sucesso que o modelo italiano fora copiado por diversos países (MOSSIN, 2016, p. 34).

Diante da eficácia do instituto em ordenamentos jurídicos de outros países, o Brasil passa a adotar a utilização da delação premiada. A primeira norma a prever essa colaboração foi a Lei de Crimes Hediondos (Lei nº 8.072/90). Prevê, no art. 8º, parágrafo único, a redução de um a dois terços da pena do participante ou associado de quadrilha voltada à prática de crimes hediondos, tortura, tráfico de drogas e terrorismo, que denunciar à autoridade o grupo, permitindo seu desmantelamento.

No crime de extorsão mediante sequestro, o benefício aparece com um fim específico, que é de facilitar a libertação da vítima. Assim, se o crime for cometido em concurso, o concorrente que o denunciar à autoridade, facilitando a libertação do sequestrado, terá sua pena reduzida de um a dois terços. É o que dispõe o art. 159 § 4º do Código Penal Brasileiro.

Em seguida, houve a integração da delação premiada nos crimes contra o Sistema Financeiro Nacional (Lei nº 7.492/86) e contra a Ordem Tributária (Lei nº 8.137/90). “Nos crimes previstos nesta Lei, cometidos em quadrilha ou coautoria, o coautor ou partícipe que através de confissão espontânea revelar à autoridade policial ou judicial toda a trama delituosa terá a sua pena reduzida de um a dois terços. ” (art. 16, parágrafo único da Lei nº 8.137/90).

O instituto, no entanto, somente ganha aplicabilidade prática com a Lei nº 9.613/98, que regula o combate à lavagem de dinheiro. O diploma legal passa, então, a prever a possibilidade de condenação a regime menos gravoso, e a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos (art. 1º, § 5º, Lei nº 9.613/1998, redação alterada com a Lei nº 12.683, de 9 de julho de 2012). A Lei 9.807/1999, que trata da proteção de testemunhas (arts. 13 e 14, Lei nº 9.807/1999) segue o mesmo viés.

Foram regulamentadas, posteriormente, a colaboração premiada nos crimes de Tráfico de Drogas e nas Infrações contra a Ordem Econômica (art. 41 da Lei n º 11.323/2006 e arts. 86 e 87 da Lei n º 12.529/2011).

Com exceção à lei que regula as infrações contra a ordem econômica, os demais diplomas, embora trouxesse a aplicabilidade da delação premiada, isto é, embora regulamentam o instituto, não trazem um procedimento completo quanto à técnica de investigação, o que gerava certa dúvida quanto à aplicabilidade do instituto.

Diante das antigas omissões no que diz respeito as técnicas de investigação, foi pontual a lei que trata do combate às organizações criminosas (Lei n º 12.850/13), traçando um procedimento completo para aplicabilidade do instituto, variando os benefícios trazidos pela delação.

A delação já existia em diversas leis, contudo, esses mecanismos eram de direitos materiais, pois se limitavam a dizer os benefícios penais. Então, a Lei n º 12.850/13, pela primeira vez estabeleceu requisitos de disciplina processual, dizendo como é feito o acordo, quem participa, obrigação de falar a verdade em suas colaborações, entre outras peculiaridades.

Acerca do Procedimento do instituto da delação premiada em que estão presentes organizações criminosas, far-se-á necessário um relato do seu procedimento de acordo com o que traz a Lei n º 12.850/13, visto ser um procedimento probatório tipicamente voltado à delação premiada, porquanto, traz uma forma mais ampla e mais detalhada da utilização do instituto.

O artigo 4º diz que a colaboração deve ser voluntária e efetiva. O benefício então, depende da efetividade da colaboração, ou seja, de nada adianta o delator apenas prestar informações que de nada servirão à persecução penal, da delação deve-se ter resultado. Assim, a delação pode consistir em revelação do local de funcionamento da organização criminosa, identificação de cúmplices, prevenção de novos crimes, recuperação de dinheiro, enfim, todas as hipóteses previstas do inciso I ao V do art. 4º. Ainda, o § 6º do dispositivo em exame prevê que o juiz não deve participar das negociações para a formalização do acordo de delação premiada, sendo que os participantes serão apenas o advogado, o delegado de polícia e o representante do Ministério Público. Tal previsão se dá para manter a imparcialidade do magistrado. Após a formalização do acordo, então, seu termo será encaminhado ao juiz, com cópia da investigação e das declarações do colaborador, como prevê o § 7º do art. 4º. Homologado o acordo, se dará início as medidas de colaboração propriamente ditas (§ 9º do art. 4º).

Uma parte fundamental do acordo e, que merece destaque, é que o colaborador renuncia ao seu direito de silêncio, ficando compromissado a dizer a verdade (§ 14 do art. 4º). Vale dizer que a delação premiada não é obrigatória, mas a partir da aceitação de fazê-la, o delator automaticamente renuncia o seu direito de ficar em silêncio. Em todos os atos de negociação, confirmação e execução da colaboração, o colaborador deverá estar assistido por seu advogado, em conformidade com a ampla defesa (art. 4º § 15).

O juiz proferirá então a sentença, que apreciará os termos do acordo homologado e sua eficácia (§ 11 do art. 4º), sendo que nenhuma sentença condenatória será proferida com fundamento apenas nas declarações de agente colaborador (§ 16 do art. 4º), e isso traz este aspecto importante, do qual os delatores só deverão ser premiados caso as informações prestadas por eles tenham procedência, do contrário, é inviável o benefício. Logo, a delação é apenas mais um meio de prova, não sendo o único.

A figura da delação premiada vem sendo aplicada desde a edição das primeiras leis, contudo, ganhou mais visibilidade e uma maior aplicabilidade com a deflagração da Operação Lava Jato. Na medida que se começa a vislumbrar a eficiência do instituto no ordenamento jurídico brasileiro, gerando bons resultados tanto para a administração quanto para o colaborador, a investigação e o processamento de crimes envolvendo esses tipos de grupos criminosos passam a gerar uma maior curiosidade acerca do instituto. Consequentemente, diversas posições jurídicas passam a ser discutidas naquilo que envolve a colaboração premial.

2.1. ÉTICA NA DELAÇÃO

Há uma grande gama de autores que sustentam a ideia de que o instituto seria antiético por premiar o traidor, e que o Estado, além de premiar a traição, estaria ferindo o princípio da proporcionalidade da pena, porquanto às vezes aquele que delata o crime participou mais ativamente e recebe uma pena mais branda que aquele que teve uma participação mais tímida.

Seria possível tratar do aspecto ético da colaboração premiada durante todo o trabalho, o que seria razoável, haja vista diversas opiniões sobre sua eticidade. Entretanto, deve-se entender que a colaboração premiada não sairá do nosso ordenamento jurídico, e não seria interessante a sua saída.

O instituto é necessário e eficaz, principalmente nos crimes mais sigilosos em que são de difícil investigação, como nos crimes de organizações criminosas e de cartel. Assim, entendendo que a delação premiada não sairá do ordenamento jurídico, devemos trabalhar para melhorá-la, laborando quanto aos seus aspectos práticos.

Por ora, focando no aspecto ético, entende-se que os agentes inseridos num tipo penal que suporta a delação premiada, seja aqueles praticados com concurso de agentes necessário (organizações criminosas) ou eventual (roubo), estão além de um comportamento ético-moral, logo, não seria razoável entender que esse tipo de agente tenha em consideração os preceitos morais e éticos dos quais vivem o chamado homem médio ou homem comum.

Nesse diapasão, as pessoas que tem o crime em seu cotidiano estão completamente à margem de um comportamento minimamente ético e moral. Por esse motivo, não há sentido em falar que a delação tem por escopo incentivar a traição, sendo este argumento insuficiente para que se deixe de utilizar o instituto (PARANAGUÁ, 2013, online).

E ainda, além do instituto da ética e da moral serem defasados no mundo do crime, não é razoável fazer a presunção de que todo agente delator use do instituto com o único fito de denunciar os comparsas. É completamente viável que o ativo do tipo penal use a delação como forma de, com a oportunidade trazida pelo Estado, sair do mundo do crime. Aquele que fora perdoado de um mal que cometeu poderia não resistir a chance de compensá-lo com uma boa postura futura.

Aliás, o motivo da colaboração premiada prestada por cada um é intrínseco ao agente que a presta. Sendo assim, o melhor caminho a ser seguido deve ser no sentido de não se prender ao que o acusado busca ao delatar, isto é, não se ater ao porquê de a pessoa dar elementos do crime ao Estado, senão à sua efetiva contribuição para a persecução penal, devendo ser vislumbrado o benefício que a delação trará à sociedade como um todo, não pressupondo os motivos que levaram à delação.

Partindo da premissa de que o agente delata não tão-somente para acusar seus comparsas e se beneficiar do instituto, é preciso analisar que este instrumento chamado delação pode ser uma saída efetiva para o arrependimento daqueles que contribuem prestando informações ao Estado. O fato de o Ente Administrativo possibilitar que o delator colabore com a Justiça pode fazer despertar um arrependimento sincero no beneficiado, contribuindo assim para os próprios fins da aplicação da pena (NUCCI, 2006, p.417).

Supondo que o universo do crime tenha valores éticos e morais a serem preservados, passar-se-ia a analisar que a falta de ética, nesses casos, seria a afirmação de que o instituto da delação premiada seria apenas uma barganha macabra oferecida pelo Estado, desprovido do interesse de recuperar o agente criminoso e de ressocializá-lo (que é a finalidade da pena no direito penal), e ainda, um desmerecimento ao direito punitivo. Se chegássemos a essa conclusão estaríamos deslocando a falta de ética e de moral do agente criminoso e transferindo a culpa ao Estado. Isto é, trocaríamos as figuras, na qual o agente do crime passa a ser a vítima e o Estado o criminoso. A conclusão seria absurda.

2.2. CONSTITUCIONALIDADE DA DELAÇÃO PREMIADA

Quando se trata da compatibilização constitucional da delação premiada temos, de um lado, a eficiência do sistema de persecução penal, ao qual a delação premiada parece corresponder muito bem, e de outro a preservação dos princípios e garantias que regem a legitimidade do sistema penal e processual penal. Parece, então, que a maior problematização do tema seria no sentido de saber até que ponto um se contrapõe ao outro, isto é, até que posição é possível avançar na efetividade de uma persecução penal sem infringir direitos e garantias individuais.

Cumpre ressaltar, primeiramente, que, quando se pensa nas garantias individuais e coletivas, devendo ser respeitadas, há de se entender que não existe, num sistema penal, apenas proteção ao réu. É importante que a coletividade também seja protegida.

O direito de várias pessoas (da sociedade) deve se sobrepor ao direito de um indivíduo. Pereira (2013, p. 56) ao tratar do assunto diz que o sistema judiciário penal não possui unicamente o fim de garantir direitos fundamentais aos acusados em geral, mas de fazer valer as imposições de investigação, bem como o acertamento dos fatos delituosos, punindo, assim, os responsáveis criminais.

É entendendo que o problema gira em torno da compatibilidade do instituto da colaboração premiada com a ordem constitucional que se faz necessário passar por alguns pontos debatidos pela doutrina acerca do tema.

A colaboração premiada possui três fases. A primeira delas é negociação do acordo, em que as partes (Ministério Público e réu) estabelecem as condições a serem cumpridas pelo acusado para se ver amparado pelo benefício estatal. Após, há a Homologação do acordo, que consiste no papel do Magistrado de tão-somente reconhecer oficialmente o que foi acordado entre as partes, podendo discordar de aspectos absurdos (como renúncia ao direito a vida pelo réu). Então, passa-se a fase de apreciação, que consiste em observar se o colaborador atingiu o que a lei prevê e o que foi estipulado na negociação e, consequentemente, aplicar os benefícios que a lei estabelece ao colaborador em maior ou menor grau, a depender do nível de colaboração do delator com a persecução penal. É o que estabelece o art. 4º da Lei n º 12.850 de 2013.

O primeiro problema sustentado pela doutrina contrária à prática da delação premiada, seria o seguinte: o colaborador, ao confessar os fatos nos quais tenha atuado (que é condição da delação), teria sofrido eventual violação do direito constitucional de não produzir prova contra si mesmo, isto é, violaria então, o direito a não Autoincriminação.

Dispõe o art. 4º § 14 da Lei das Organizações Criminosas que nos depoimentos que prestar, o colaborador renunciará, na presença de seu defensor, o direito ao silêncio e estará sujeito ao compromisso legal de dizer a verdade.

Ressalta-se que o direito a não autoincriminação é um direito plenamente renunciável, pois o réu é sujeito do processo e pode ou não dispor do seu direito constitucional de colaborar.

Ademais, com a devida venia aos que sustentam a inconstitucionalidade do dispositivo, se for considerado que o dispositivo é inconstitucional, os réus em audiência de instrução e julgamento, em consulta com os seus advogados não poderiam exercer a estratégia de defesa da confissão visando atenuar a pena, porque violaria o direito a não Autoincriminação, o que seria absurdo.

Quanto ao direito ao silêncio é pertinente lembrar que outro direito constitucional diz respeito a liberdade de expressão. O acusado tem direito ao silêncio, o que não configura o dever de falar, e sim a faculdade.

Aliás, não só é direito renunciável, como o dispositivo serve para oportunizar o exercício do direito ao confronto pelo delatado, isto é, aquele que é citado pelo delator deve também ter o direito de confrontar aquilo que lhe foi acusado pelo colaborador, é inerente ao seu próprio exercício de ampla defesa e contraditório, que também devem ser assegurados. Assim, não há como delatar e ficar silente.

Na história do processo penal, se antigamente o direito era assegurador do dever de falar do imputado para buscar a verdade real, mesmo que isso fosse feito à custa de torturas físicas e psicológicas, atualmente o direito ao silêncio é uma garantia fundamental e conquista imprescindível para a proteção da dignidade da pessoa humana. No entanto, se o acusado livre e voluntariamente manifesta-se, resolvendo colaborar de qualquer forma para com a atividade estatal da persecução penal, entende-se que encontra amparo na ordem constitucional, que garante a liberdade de expressão como sendo direito fundamental (ESSADO, 2013, p. 211 e 212).

É importante salientar que o STF não retira a possibilidade de que seja firmado o acordo de colaboração premiada com o réu provisoriamente preso, já que os requisitos da consciência e liberdade na escolha colaborativa independe da condição de cárcere (PEREIRA, 2013, p. 64).

Outra problematização colocada em debate fora quanto ao princípio da culpabilidade, isto é, a proporcionalidade da pena à gravidade do delito. O questionamento giraria em torno da subjetividade do Magistrado na aplicação da pena, já que, com a colaboração, o agente passa a ter direito a uma redução de pena, substituição de pena privativa de liberdade por restritiva de direitos ou até o perdão judicial nos moldes do caput do art. 4º da Lei das Organizações Criminosas, o que poderia gerar situações injustas.

À título de exemplo, imagina-se a hipótese particular colocada por Luigi Ferrajoli (apud, PEREIRA, 2016, p. 65), quando os maiores beneficiados seriam os que estivesse em uma condição mais ascendente na Organização Criminosa, já que possuem mais informações e mais elementos que podem ser utilizados para com a persecução penal. De outro modo, aqueles imputados numa posição de menor escala dentro da Organização receberiam o benefício em uma escala menor, já que o que têm a colaborar é menos do que os primeiros. Sendo assim, tendo nada ou pouco para revelar, receberiam os menores benefícios e as maiores penas.

Cumpre dizer que, o exemplo concreto estaria transbordado de inconstitucionalidade, principalmente no que diz respeito à dignidade da pessoa humana. Ademias, percebe-se que foi feliz a Lei das Organizações Criminosas ao estabelecer critérios objetivos para ser possível a aplicabilidade do instituto, quais sejam: a identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais por eles praticadas; a revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa; a prevenção de infrações penais decorrentes das atividades da organização criminosa; a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa; e/ou a localização de eventual vítima com a sua integridade física preservada. A Lei n º 12.850/2013 estabelece também critério subjetivos de aplicação de pena quando estabelece no § 1º do art. 4º, onde o juiz, da análise do caso concreto, deve observar que a concessão do benefício levará em conta a personalidade do colaborador, a natureza, as circunstâncias, a gravidade e a repercussão social do fato criminoso e a eficácia da colaboração.

Trata-se de um caso de equidade. Cabe ao julgador analisar o caso concreto afim de que não se cometa injustiças na aplicação da Lei à um ou mais colaboradores. Todas as decisões do Poder Judiciário deverão ser fundamentadas, sob pena de nulidade. É o que estabelece o art. 93, IX, da Constituição Federal.

Contudo, o tema de fato mais debatido pela doutrina giraria em torno da seguinte questão: se as declarações do indivíduo colaborador poderiam, por si só, condenar os acusados delatados.

O art. 4º, § 16 da Lei das Organizações Criminosas, trata que nenhuma sentença condenatória será proferida com fundamento apenas nas declarações de agente colaborador. A letra da lei, por si só, deixa clara a impossibilidade de se afastar a presunção de inocência dos acusados delatados pelo colaborador.

Salienta-se, desde logo, que a posição majoritária é aquela que nega que seja possível uma condenação fundada exclusivamente em declarações de coimputado beneficiário do instituto premial. Esse elemento de prova não teria, isoladamente, o condão de sustentar uma condenação (PEREIRA, 2013, p. 74).

O dispositivo supramencionado diz que ninguém poderá ser condenado com base apenas na delação premiada, mas não diz se a delação seria motivo suficiente para ensejar a prisão, isto é, se a colaboração, embora não tenha a possibilidade de ensejar, de plano, uma condenação, teria ao menos motivos para ensejar uma prisão, mesmo que cautelarmente. De plano, entende-se que não, caso contrário chegaríamos ao absurdo de prender todo e qualquer indivíduo que fora apenas citado em uma delação sem observar qualquer garantia. É evidente que, se houverem requisitos a ensejar a medida cautelar da prisão, por óbvio, seria plenamente possível a prisão de um delatado, mas a prisão se daria pelo preenchimento de requisitos legais e não pura e simplesmente pela delação em si.

De qualquer modo, dada a devida venia às opiniões contrárias que dissertam sustentando a inconstitucionalidade do instituto, não parece que o maior problema da colaboração premiada esteja na sua adequação à Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB). Cumpre dizer, por mais que alguns autores sustentem que a inconstitucionalidade da delação premiada, não deve haver um sistema jurídico penal sem tal figura.

A observação de que o ordenamento jurídico brasileiro precisa da delação premiada inserido em seu meio não significa que se deve passar a usá-la em todo e qualquer crime, pois banalizá-la seria um perigo ao sistema penal misto (acusatório-inquisitório) adotado no Brasil.

Por óbvio, alguns crimes não necessitam da figura da delação premiada por serem plenamente passíveis de investigação policial. A título de exemplo, imagina-se que determinada pessoa vai a um bordel e envolve-se com três garotas de programa e é encontrado morto no mesmo local no dia seguinte. Não seria razoável que a autoridade policial aceitasse uma delação premiada de uma das três garotas de programa a fim de delatar as outras apontando a homicida. Trata-se de um concurso de agentes eventual, onde a investigação criminal é plenamente possível.

Por outro lado, em análise aos crimes onde se tem o concurso de agentes necessário, como as organizações criminosas e os crimes envolvendo cartel, a delação surge como elemento essencial para quebrar esses crimes, que, por sua natureza, são mais sigilosos, e é exatamente esse o ponto primordial da necessidade do instituto no ordenamento jurídico brasileiro.

3. CRIMES DE CORRUPÇÃO E LAVAGEM DE DINHEIRO

 Num aspecto geral, comumente o crime de corrupção pressupõe o de lavagem de dinheiro. Isso acontece porque há a necessidade do criminoso, ou da organização criminosa, ocultar a origem ilícita da riqueza obtida.

Ao partir dessa ótica, far-se-á necessário um apontamento sobre os aspectos gerais dos crimes de corrupção e em seguida dos crimes de lavagem de dinheiro.

Quanto aos crimes de corrupção, é equívoco pensar ser uma figura nova no Brasil e no mundo. Neste país, é sabido que a partir do final da década de 70, tal crime vem marcando a política brasileira e, atualmente, é marca registrada nesse cenário.

A corrupção consiste na prática de atos geralmente por dois tipos de agentes (ou grupos, já que podem figurar mais de um nos dois lados do crime). O primeiro que detém poder decisório na política e o segundo que detém poder econômico. Ambos agem em conluio para praticar um dano ao erário. Vale adiantar que a corrupção, tanto ativa como passiva, não exige a bilateralidade para sua consumação, isto é dizer que a existência de um corrupto não pressupõe a existência de um corruptor, e a recíproca é verdadeira.

Trata-se então, por óbvio, de um crime contra a administração pública, interferindo no seu normal funcionamento, no seu decoro, prestígio e em sua probidade.  A problemática, entretanto, não está tão somente em manter o prestígio do Estado. O mal funcionamento desencadeia uma série de danos que atingem diretamente a todos e com dimensões extremas e a sociedade não percebe.

Imagine-se os danos causados por um superfaturamento de uma obra pública. O dinheiro que fora desnecessariamente gasto nessa obra cria óbice para que sejam empregados recursos em setores considerados vitais à sociedade, como ocorre com a saúde, o que faz com que diversas pessoas morram em filas de hospitais à espera de um tratamento, haja vista que o Estado não possui os recursos suficientes para contratação adequada do número de profissionais, ou ainda, mesmo que atendidas nas hipóteses em que há médico, essas pessoas acabam por falecer por falta de medicamentos nas prateleiras (GRECO, 2015, p. 393).

É lúcida a lição do autor, e acertada quando conclui que várias das infrações praticadas contra a Administração Púbica são infinitamente mais graves do que aquelas que tratam dos crimes contra a pessoa.

O crime contra a pessoa gera dano a uma ou algumas pessoas, ao passo que o crime contra a Administração Pública gera danos a toda uma sociedade. E o que se pode considerar o mais lamentável é que o dano é da coletividade e o lucro apenas de um determinado grupo de agentes. A corrupção, portanto, gera, num mesmo lapso temporal, de um lado, a produção de um dano, e do outro um enriquecimento ilícito.

A Lei nº 12.846 de 2013, também conhecida como Lei Anticorrupção, prevê a responsabilização objetiva de empresas que praticam atos contra a Administração Pública, tanto em âmbito nacional como em âmbito estrangeiro. A referida Lei, além de preencher uma lacuna no ordenamento jurídico brasileiro, penalizando objetivamente e diretamente a conduta dos corruptores trouxe previsão do acordo de Leniência em seu Capitulo V.

O acordo de Leniência nada mais é do que um acordo de delação premiada, contudo, feito no âmbito das empresas. A Controladoria Geral da União (CGU) é a responsável pelos acordos de Leniência no âmbito do Poder Executivo Federal, tendo divulgado, inclusive, no primeiro dia de março de 2017, um documento com o passo a passo do procedimento dos acordos de Leniência de que trata a Lei Anticorrupção, o qual abrande alguns feitos na Operação Lava-Jato.

Nesse documento, a CGU divulga a fundamentação para os acordos de Leniência, que se baseiam em 4 (quatro) pilares, quais sejam: O objetivo de trazer novos elementos de prova; permitir a reparação dos danos causados pelo ilícito; atuação das empresas dentro de um padrão de integridade e compliance através de um contrato de conduta controlada (significa dizer que a assinatura do acordo depende de alguns requisitos, tais como a aprovação prévia pela CGU de um programa de integridade e a sujeição, por parte da empresa, ao respectivo programa) e; prevê ainda, a perda de todos os benefícios caso a empresa descumpra o acordo (CGU, 2017, online).

Quanto ao crime de Lavagem de Dinheiro, de uma maneira simplificada, podemos conceituá-lo como o ato de dar uma aparência legal àquilo que foi obtido ilegalmente.

No Brasil foi criada a Lei n º 9.613 de 1998 (Lei dos Crimes de Lavagem de Dinheiro), atribuindo uma maior responsabilidade na identificação de clientes, manutenção de registros e na comunicação de operações suspeitas, deixando sujeita tanto a pessoa natural quanto a pessoa jurídica às penalidades administrativas pelo descumprimento das obrigações ali trazidas.

Conforme já dito, a Lei que regula sobre os crimes de lavagem de dinheiro foi a que começou a dar uma maior aplicabilidade da delação premiada no ordenamento jurídico pátrio, principalmente no que dispõe seu art. 1º § 5º.

Brevemente conceituados os institutos, cumpre ressaltar que, especialmente no caso da Operação Lava Jato, os crimes de corrupção e lavagem de dinheiro, via de regra, abrangem uma organização criminosa, devido aos altos valores que circulam para diversas pessoas envolvidas no esquema.

A organização criminosa, segundo a definição esculpida no art. 1º, § 1º da Lei das Organizações Criminosas, é formada pelo conjunto de quatro ou mais pessoas, identificadas ou não, e estruturada com divisão de tarefas de forma organizada, ainda que informalmente.

O objetivo dessas organizações é obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais com pena máxima superior a quatro anos ou de caráter transacional.

Tem-se então, dois motivos pelos quais, para a aplicação do instituto da delação premiada na Operação Lava Jato, é utilizada como base a Lei nº 12.850/13, que trata das organizações criminosas. Inicialmente, porque a referida Lei traz o instituto da delação premiada com muito mais detalhes, tornando mais segura sua aplicação. Depois, porque, como já dito, os crimes de corrupção e lavagem de dinheiro, nesses casos, geralmente envolvem uma organização criminosa, sendo perfeitamente aplicável a delação prevista da Lei das Organizações Criminosas aos crimes de Corrupção e Lavagem de Dinheiro.

4. DELAÇÕES ABREM PORTAS?

O ano de 2015 foi extremamente conturbado para história da política brasileira, onde a junção de revelações de parlamentares com pendencias judiciais, um maior interesse da população brasileira na política nacional e a forte atuação da mídia deflagraram e agora sustentam a Operação Lava Jato, a maior investigação sobre corrupção e lavagem de dinheiro conduzida até hoje no Brasil.

A Operação Lava Jato tem seu início, ao menos oficialmente, numa segunda-feira, dia 17 de março de 2014, após a prisão de Alberto Youssef. Erika Mialik Marena, delegada de polícia, foi quem deu nome à operação.

Segundo a delegada, o nome Lava Jato foi pensado não somente pelo Posto de Gasolina, mas por ter a consciência de que ali não se tratava de coisa pequena. Não estariam, então, lavando um carro, mas sim um Jato (NETTO, 2016, p. 28).

Erika Marena, ao lado do delegado Felipe Hayashi, foi quem conduziu a primeira Delação Premiada no âmbito da Operação Lava Jato. Foi a de Paulo Roberto Costa, em 29 de agosto de 2014, que iniciou seus depoimentos na sede da Polícia Federal do Paraná. Paulo Roberto cumpriu os requisitos que exige a Lei das Organizações Criminosas quando trata da delação premiada, por exemplo, firmar o compromisso de dizer a verdade e que pretende colaborar de forma efetiva e voluntária.

Na mesma oportunidade Costa confirmou estar ciente de que sua colaboração dependia de resultados, como a identificação dos participantes, a estrutura, bem como a divisão de tarefas da Organização Criminosa. Confirmou também que a concessão do benefício levaria também em conta a personalidade do colaborador, bem como a gravidade do crime a repercussão do fato criminosa, além da eficácia da colaboração. Quanto aos seus direitos, Paulo Roberto Costa deteve o de ter seu nome e sua imagem preservados, além de ficar em cela separada em caso de prisão, e ainda, não manter contato visual com outros acusados nas audiências (NETTO, 2016, p. 62 e 63).

Na parte final do capítulo 2 do presente trabalho foi explicado quanto aos requisitos, para que o delator consiga os benefícios por parte do Estado, e aqui, na primeira delação premiada da Operação Lava Jato, é possível perceber que eles são preenchidos quando da aplicação ao caso concreto.

Na delação de Paulo Roberto Costa, foram apontados o nome de 27 políticos envolvidos em crime, entre governadores, senadores e deputados federais. Ao final da Delação ele foi liberado para cumprir prisão domiciliar. Essa delação abriu as portas.

O segundo a delatar foi Alberto Youssef, o doleiro tinha ciência de que, depois da fala do primeiro delator, não haveria outra saída senão a de fazer a delação. Foi então que, no final de setembro daquele ano, Alberto Youssef acorda com o Ministério Público Federal. Era o segundo a negociar uma delação premiada.

Após correr a notícia de que Paulo Roberto Costa e Alberto Youssef teriam feito acordos de colaboração premiada, iniciou-se uma reação em cadeia. Logo após, surgiram outros dois delatores e, depois deles, Pedro Barusco, ex-gerente executivo da Petrobrás, que, em situação de cargo, ficava abaixo de Renato Duque na diretoria de serviços da estatal. Barusco colocaria o esquema à mostra, devolvendo, de uma vez, quase 100 milhões de dólares que tinha na Suíça, tudo fruto de desvios na Petrobrás (NETTO, p. 81).

As delações premiadas desencadeadas abrem o caminho do que parece ser o maior esquema de corrupção já instaurado no País.

Uma matéria de 18 de julho de 2016, feita por Andreza Matias, do Estadão, informou que, até a data supra, foram instaurados 1.291 procedimentos em 32 fases até o momento, sendo 643 buscas e apreensões, 175 mandados de condução coercitiva, 74 prisões preventivas e 91 prisões temporárias. Até o início do mês de julho os procuradores da República que atuam na primeira instância já ofereceram 44 acusações criminais contra 216 pessoas pelos crimes de corrupção (ativa e passiva), organização criminosa, lavagem de dinheiro, entre outros. Os crimes envolvem o pagamento de propina de aproximadamente R$ 6,4 bilhões. Com o avanço dos trabalhos, o MPF já conseguiu bloquear R$ 2,4 bilhões em bens de réus e recuperar, por meio de acordos de colaboração premiada e de leniência, R$ 2,9 bilhões. Deste total, R$ 2,3 bilhões se referem à multas, renúncia e indenização; e outros R$ 659 milhões foram objeto de repatriação.

O esquema todo passa por dois tipos de corruptores: os agentes públicos e os donos de empreiteiras. São dois grupos poderosos no país, o de poder político e o de poder econômico, que se unem para prejudicar um só, o erário. Como já explicado ao decorrer do artigo, a delação premiada surge como instituto essencial para quebrar esses crimes mais sigilosos (que envolvem as pessoas mais poderosas do país) e é exatamente esse o ponto primordial do porque o instituto ser necessário no ordenamento pátrio.

Em relação à delação premiada e a sua aplicação, muitos podem questionar o motivo da colaboração não ter sido usada com mais ênfase anteriormente, como por exemplo, no caso do Mensalão, outro de corrupção instaurado no país. Dois são os motivos.

Primeiramente, o caso ocorreu antes da Lei 12.850/13, que dispõe sobre as organizações criminosas, e como já dito, a delação premiada não tinha um procedimento detalhado, como aconteceu com o advento da Lei, o que tornou sua utilização dificultada.

Outro motivo que pode ser colocado é o fato de que, anteriormente, era muito visível a impunidade dos grupos poderosos no país (tanto os políticos como os econômicos) e, em razão disso, não havia uma motivação para que essas pessoas colaborassem com a Justiça. A impunidade era certa e apenas questão de tempo.

Atualmente, com o detalhamento da aplicação do instituto da colaboração premiada, sua utilização está mais concreta, facilitada. E o mais importante: os que eram intocáveis às mãos da Justiça, passam agora a ser palpáveis. Não se está a dizer que isso trata exclusivamente da nova previsão da colaboração premiada. Mas o fato é que a coincidência fez com que aquelas pessoas agora temerem a justiça, e o temor delas faz com que busquem a colaboração com os agentes de estado na esperança de conseguir uma pena mais branda ou um melhor regime de cumprimento de pena.

O alcance da Lava Jato surpreende não só a sociedade como um todo, mas inclusive os procuradores, delegados, agentes e demais particulares dessa Operação. O país onde aqueles que tem dinheiro e poder eram poupados, agora mostra que a Lei definitivamente é para todos.

Até o fechamento deste artigo, o último grande acontecimento da Operação Lava Jato foi a Lista de Fachin, que conta com 108 nomes, sendo muitos desses de peso da política nacional.

Segundo matéria do G1 (11/04/2017), O Ministro Edson Fachin, relator da Operação Lava Jato no Supremo Tribunal Federal, autorizou a Procuradoria Geral da República (PGR) a investigar 8 ministros, 3 governadores, 24 senadores e 39 deputados. Os pedidos se baseiam na chamada lista de Janot, feita com base em delações de ex-executivos da Odebrecht.

A Operação que revoluciona o país chega a um momento importante e não se sabe se seu fim está próximo, tampouco deva estar. A Lava Jato coloca em xeque todo o sistema político, alimentando a esperança de não haver mais impunidade, já que a corrupção talvez nunca acabe, embora sua diminuição seja possível.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O artigo apresentou que a delação premiada é extremamente útil nos crimes de concurso de agentes necessário, que são os que envolvem as organizações criminosas.

A investigação policial, por si só, nunca foi suficiente para que as grandes quadrilhas fossem desmanteladas, e hoje, a individualização dos agentes da quadrilha e todo o seu funcionamento já são uma realidade, o que trouxe um importantíssimo resultado prático para o, até então, sucesso da Operação Lava Jato.

É extremamente importe que se vislumbre a importância da delação premiada nos resultados práticos que tem levado no âmbito da Operação. A investigação e condenação de políticos considerados intocáveis, só foram possíveis pelo temor dos denunciados, que, vendo a Lei sendo aplicadas também a eles, resolveram contribuir com a Justiça para obter um benefício, seja com a pena em si, seja com o cumprimento de regime desta.

Apesar da importância da aplicação da delação premiada, o instituto não é perfeito, e precisa de ajustes, por exemplo: quando tratamos da delação premiada estamos entrando no campo do direito consensual e saindo da legalidade estrita, assim, precisa haver mais equilíbrio do que está no acordo e é aceitável, e o que está no acordo e não é aceitável.

No entanto, por ora, fica claro a relevância da delação premiada nos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro no âmbito das organizações criminosas, principalmente porque ninguém melhor do que os próprios agentes do crime para indicarem os caminhos e todos os aspectos em torno da organização. O resultado prático quando da aplicação nesses crimes alcançados pela Operação Lava Jato ficou devidamente demonstrado, sendo instituto imprescindível ao ordenamento jurídico pátrio.

 

Referências
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Nota
[1] Trabalho orientado pelo Prof. Armando Formiga Professor da Faculdade Católica do Tocantins; doutorando em Ciências Jurídico-Históricas pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra; editor da Revista FACTUM;

Informações Sobre o Autor

Guilherme Genero

Acadêmico de Direito da Faculdade Católica do Tocantins – FACTO


Equipe Âmbito Jurídico

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