Resumo: O fortalecimento da democracia, por meio de processos participativos, é um instrumento basilar da política urbana brasileira para a construção de cidades sustentáveis. Os municípios tem se mostrado protagonistas na construção de mecanismos de participação, ora por iniciativa política local (orçamento participativo), ora por influência normativa Federal (Agenda 21 e planos diretores). Tais iniciativas acabam determinando o surgimento de uma nova esfera pública na qual as experiências adquiridas patrocinam novas formas de pensar e agir da população com vistas a uma melhor qualidade de vida das cidades.
Palavras-chave: Agenda 21; Democracia Participativa; Desenvolvimento Sustentável; Orçamento Participativo; Planos Diretores.
Sumário: 1. Introdução; 2. Um Conceito de Desenvolvimento Sustentável; 3. Os Principais Instrumentos para a Construção da Sustentabilidade nas Cidades; 4. A Agenda 21 como Instrumento de Gestão Participativa das Cidades; 5. Considerações Finais; e 6. Referências Bibliográficas.
1. Introdução
Nos últimos anos, uma variável política tem sido incorporada pelas políticas públicas voltadas ao planejamento urbano e ao desenvolvimento: a sustentabilidade. A construção de cidades sustentáveis é elemento central da política urbana brasileira, e um imperativo normativo definido na Lei Federal n.º 10.257/2001, o Estatuto das Cidades. Esta pretensão estratégica assumiu ares paradigmáticos, dirigindo o discurso dos agentes políticos. Contudo, nem sempre será possível afirmar com certeza que os resultados obtidos estão no mesmo nível das pretensões mais otimistas.
Além dos elementos normativos, dois outros fatores influenciam a construção de cidades sustentáveis: a globalização e a crise ecológica. Estes dois processos, que muitas vezes são apresentados de forma neutra e determinista, têm influenciado diretamente o desenho político da organização das cidades. Fala-se em cidades globais (SASSEN, 2007), em cidades como atores políticos (BORJA, 1997), na nova esfera local, e uma série de outros conceitos que tentam retratar um crescimento de um novo universo que passa a ser ocupado pelas cidades, muitas vezes através de uma argumentação teórica que coloca estas em oposição ao estado nacional.
O presente artigo tem por objetivo realizar uma discussão sobre o conceito de sustentabilidade, as suas características mais importantes, e os três principais instrumentos utilizados para a implementação deste princípio nas cidades brasileiras: os planos diretores, o orçamento participativo e Agenda 21. Destes, será dado um enfoque maior à Agenda 21, instrumento político aprovado na Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento, na cidade do Rio de Janeiro, em 1992, propondo uma série de medidas que objetivam a melhorar a qualidade de vida das populações e a preservação dos recursos ambientais globais.
2. Um Conceito de Desenvolvimento Sustentável
A primeira vez que a palavra “sustentável”, como complemento de uma estratégia de equilíbrio ambiental foi utilizada, ocorreu por iniciativa de Lester Brown, fundador do Instituto WorldWatch, no início da década de oitenta, para conceituar como sociedade sustentável aquela capaz de satisfazer as suas necessidades sem comprometer as chances de sobrevivência das gerações futuras (PARIZZOTTO, 2003; FERREIRA e VIOLA, 1996).
Contudo, este conceito é uma construção antiga, que remonta aos primeiros movimentos em prol do enfrentamento dos problemas ambientais originados pela revolução industrial e pelo capitalismo. O uso intensivo de petróleo e carvão como fontes energéticas, a urbanização desorganizada do pós-guerra, e o desflorestamento provocado pelo avanço desregrado do agronegócio, são alguns principais elementos causadores de uma crise ecológica sem precedentes.
A resposta para a crise ambiental foi a proposição de um modelo de desenvolvimento sustentável, onde fosse possível combinar o exercício da atividade econômica com a preservação do meio ambiente e a justiça social.
Todavia, o discurso em torno do desenvolvimento sustentável, muitas vezes impulsionado por instituições multilaterais como o Banco Mundial e o próprio Fundo Mundial para o Desenvolvimento Sustentável (GEF), tem sido apresentado como um caminho de mão única, que deve ser seguido por todos os países, dentro de uma lógica de ajustes estruturais. Neste modelo discursivo, sustentável é apresentado como sustentar, manter o curso, preservar o estado das coisas (O’CONNOR, 2002, p.27), seja através da mera incorporação de novas tecnologias produtivas na engenharia econômica, assim como a retomada de fontes energéticas supostamente limpas, como nuclear, sem contar a terceirização das políticas ambientais, desincumbido o estado do seu papel de executor das políticas públicas, passando este à mera condição de gestor.
Entretanto, esta é uma perspectiva que sofre a confrontação com outras visões de mundo, que veem o modelo capitalista em contraposição ao equilíbrio ambiental, e que contestam a efetividade do crescimento econômico como gerador de oportunidades e bem-estar, tornando esta uma arena de lutas conceituais ainda bastante aberta.
De acordo com o americano James O’Connor
“Se bien las perspectivas de um capitalismo sostenible son precárias podría haber motivos de esperanza para algún tipo de socialismo ecológico – uma sociedad que preste verdadera atención a la ecologia y a las necessidades de los seres humanos em su vida cotidiana, así como a temas feministas, a la lucha contra el racismo e los problemas generales de la justicia social y la equidad. Globalmente, es en torno a estos temas que existe movimiento y organización, agitación y acción, lo cual puede ser explicado em términos de las contradiciones del capitalismo y de la natureza del estado capitalista antes discutidas” (O’CONNOR, 2002, p. 47).
Para este ecossocialista, o capitalismo não está apenas em contradição com o trabalho, mas com a natureza. Neste sistema, o meio ambiente é objetivado e apropriado como mero insumo produtivo, sendo conduzindo a um processo de degradação e destruição permanente.
A solução para este problema passa, no pensamento de O’Connor, pela construção de uma nova esférica pública comum, um espaço político dual, onde as diversas organizações e movimentos sociais possam trabalhar econômica e politicamente para a construção de uma nova sistemática produtiva. Para ele, é necessário construir uma sociedade civil forte que se defina em termos de bens comuns, de solidariedade, e lutas contra o sistema capitalista dominante.
Por conseguinte, torna-se necessária a construção de uma nova economia social, que tenha como foco a diversidade e a preservação da natureza. Ocorre que James O’Connor não vislumbra as bases desta nova economia, limitando-se a apontar a necessidade de criação de espaços coletivos e democráticos de inovação política e econômica. Fala na importância da democratização dos centros de trabalho e da administração do estado, como um instrumento para situar dentro da democracia liberal conteúdos substantivos de tipo “ecológico progressivo”.
Assim, a nova economia ecossocialista de O’Connor, é um “vir a ser”, fruto de uma ampla construção coletiva, numa sociedade democrática e participativa, e em constante processo de aperfeiçoamento. Percebe-se, portanto, uma abordagem utopista radical e aberta, com uma certa influência do pensamento iluminista, dada a preocupação em demonstrar que este é um projeto de construção continua.
Trilhando os mesmos caminhos de James O’Connor, ainda que com bases instrumentais diferentes, Enrique Leff exercita o pensamento de como seria esta nova esfera pública.
Para Leff, o novo modelo democrático não será instaurado por um golpe de estado sobre o modelo de racionalidade dominante. Ele será estabelecido dentro de um processo de transição,que
“abre nuevos espacios de concertación, que para complementar la economia de mercado a nível nacional y mundial, com espacios de autogestión fundados em el manejo integrado de los recursos a nível local y provincial” (1996, p.91).
Ele destaca que a questão ambiental ressignifica os conceitos de soberania nacional, de autodeterminação cultural e de solidariedade popular, criando uma interdependência entre diversos estilos de desenvolvimento.
“La cultura ecológica enriquece así las perspectivas de la transición democrática y de la intengración a los procesos de globalización através de proyectos diversos de desenvolvimento sustentable. Ello no sólo plantea nuevos derechos humanos vinculados con la preservación de la diversidad cultural y ecológica, sino um proyecto de democracia que articule las demandas de participación de la sociedad em um proceso político plural y de descentralización econômica, capaz de integrar a la población marginada em proyectos de autosuficiencia productiva” (LEFF, 1996, p.92).
O que se pode perceber tanto no pensamento de James O’Connor, como no de Enrique Leff, é que o atual status do desenvolvimento tende a levar a sociedade para um colapso ambiental, como prova, por exemplo, a crescente explosão de mudanças climáticas em todo o planeta.
Sendo assim, torna-se imperioso que a sociedade seja chamada para debater o seu destino. Assim, a radicalização democrática seria um dos primeiros passos para instrumentalizar a efetivação de uma sociedade sustentável, posto que a participação, mais do que um mecanismo de decisão, também cumpre um importante papel educativo, além de permitir que vozes outrora não ouvidas possam se manifestar quanto ao novo modelo de sociedade. Nesse sentido, as iniciativas de planejamento participativo introduzidas em várias cidades brasileiras nos últimos anos podem ser importantes pontos de partida para este caminho.
3. Os Principais Instrumentos para Construção da Sustentabilidade nas Cidades Brasileiras
Conforme destacamos anteriormente, vários são os instrumentos adotados no Brasil para propiciar a participação cidadã e influenciar no modelo local de desenvolvimento das cidades. Todos, de uma forma ou de outra, podem apontar para um futuro mais ou menos sustentável.
Destacamos aqui três destes mecanismos: o orçamento participativo, o plano diretor e a Agenda 21. Todos em sua gênese estão fundados na exigência de participação efetiva da população nas suas deliberações, sendo inclusive, em alguns casos a participação, como na elaboração do orçamento e do plano diretor, condição de validade dos seus respectivos produtos de elaboração, ou seja, as Leis.
O Orçamento Participativo – OP é o mais referenciado de todos estes instrumentos em face do sucesso obtido após a sua adoção pela Prefeitura de Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul. As características principais do OP residem na realização de audiências públicas nas várias regiões administrativas da cidade, onde deliberadas as demandas prioritárias de atuação da prefeitura e eleitos os delegados que irão acompanhar a implementação do orçamento municipal.
O sucesso do OP não se limitou ao efeito redistributivo das ações da administração e da implementação de políticas públicas, as quais passaram a ser interiorizadas nos bairros da cidade. Também permitiu uma maior transparência na atuação da administração pública com relação à aplicação do orçamento, motivo pelo qual, além de organizações políticas e cidades com governos de esquerda, haja vista que foi introduzida na administração do Partido dos Trabalhadores na referida capital, tal proposta de gestão pública passou a ser recomendada pelo Banco Mundial nos seus financiamentos para as cidades.
O Orçamento Participativo criou assim uma onda em prol da abertura das contas públicas para a população que foi referendada em instrumentos normativos como o Estatuto das Cidades e a Lei Complementar Federal 101/2001, conhecida como Lei de Responsabilidade Fiscal.
A Lei de Responsabilidade Fiscal exige que os orçamentos públicos sejam submetidos à realização de prévia audiência pública antes de sua votação, e o Estatuto das Cidades impõe tal exigência também ao Plano Plurianual, à Lei de Diretrizes Orçamentárias, e da Lei Orçamentária Anual.
Na Lei de Responsabilidade Fiscal o OP é visto como um instrumento de transparência. No Estatuto das Cidades como instrumento de gestão democrática das cidades.
Logo, o orçamento participativo, ao abrir a gestão dos recursos públicos para a população, e tornar possível a transferência dos investimentos administrativos para locais de maior carência, também é um instrumento fundamental para o desenvolvimento de uma cidade sustentável, promovendo uma verdadeira desconcentração dos recursos públicos.
O Plano Diretor, por outro lado não possui nem a trajetória nem a mesma unanimidade referencial do OP. Aliás, como ressalta Ermínia Maricato (2002), o Movimento Nacional em Prol da Reforma Urbana nunca o teve em alta conta como instrumento fundamental de política urbana.
Na verdade, os movimento sociais sempre defenderam políticas de descentralização administrativa, focados em ações diretas, e não um conjunto de regras formalizadas que apontam para um modelo idealizado de cidades.
Mas a resposta dos legisladores brasileiros, no que se refere a políticas urbanísticas, sempre foi de fortalecer a centralidade do Plano Diretor, o que está reproduzida tanto na Constituição Federal de 1988, como no recente Estatuto das Cidades. Contudo, esta última lei inova ao exigir a participação popular em todo o processo de elaboração do Plano Diretor.
Esta inovação legislativa produziu uma grande modificação na concepção sobre a forma como devem ser pensadas as cidades, permitindo que o cidadão deixe de ser mero objeto da ação normativa da administração, para ser um ator importante no planejamento e desenvolvimento da cidade, posto que historicamente os planos diretores sempre foram tratados como um produto de técnicos e especialistas, principalmente de empresas de consultoria. Como a nova dinâmica legal, os próprios tribunais passaram a invalidar tanto as propostas de planos diretores do executivo, como as emendas dos vereadores que não contaram com a participação popular, como demonstra o acórdão abaixo do Tribunal de Justiça de Minas Gerais:
“Ementa: ADIN. PLANO DIRETOR. PARTICIPAÇÃO POPULAR. HARMONIA E INDEPENDÊNCIA ENTRE OS PODERES. VÍCIO DE INICIATIVA. Se, de um lado, o inciso V do art. 170 da Carta Estadual prevê a competência do Município para legislar sobre plano diretor, seu parágrafo único, determina a observância de norma geral respectiva, no caso a lei nº 10.257/2001, que determina a participação de entidades comunitárias no planejamento e controle da execução dos programas pertinentes à elaboração, implementação e alteração do plano diretor do município, sendo caso de se acolher representação e declarar a inconstitucionalidade de Lei Complementar Municipal que afronta aos artigos 6º, 66, III e suas alíneas, 170, V, parágrafo único, 172 e 173 caput e § 1º, todos da Carta Estadual, por parte da Lei Complementar nº 12/2005 eis que fere os princípios da harmonia e separação dos poderes, além de afrontar ao pacto federativo, ao invadir a competência privativa do Poder Executivo. Representação acolhida.”
(ADIN 4346026, Desembargador Cláudio Costa (Rel.), jul. 31/10/2007)
E, de forma mais constante, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:
“Ementa: AGRAVO REGIMENTAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI MUNICIPAL. LIMINAR CONCEDIDA. Suspensão da Lei Municipal nº 4.195/08, do município de Torres. Regularização de obras e edificações realizadas em desacordo com o Plano Diretor Municipal. Falta de participação das entidades comunitárias no processo legislativo. Possível vício formal na lei. Art. 177, § 5º, CE. Demolição ou adequação de obras irregulares. Danos de incerta ou difícil reparação. Periculum in mora e fumus boni iuris configurados a autorizar a concessão de liminar. Suspensão dos efeitos da lei impugnada. NEGARAM PROVIMENTO AO AGRAVO REGIMENTAL. UNÂNIME. (Agravo Regimental Nº 70034631754, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Carlos Rafael dos Santos Júnior, Julgado em 04/10/2010)”
“Ementa: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI Nº 456/2006, DO MUNICÍPIO DE SÃO JOSÉ DO NORTE, QUE INSTITUI O PLANO DIRETOR. EMENDA LEGISLATIVA Nº 005/2006, QUE ALTERA SUBSTANCIALMENTE A REDAÇÃO ORIGINAL DO ART. 38, QUE DISPÕE ACERCA DO ZONEAMENTO URBANO. DESRESPEITO, PELO LEGISLADOR NORTENSE, À NORMA QUE DETERMINA A PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE NO PLANEJAMENTO URBANO, EM TODAS AS FASES DO PROCESSO DE FORMAÇÃO DA LEI. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL. VÍCIO QUE AFETA UNICAMENTE O DISPOSITIVO LEGAL ALTERADO PELA EMENDA MODIFICATIVA. OFENSA AOS ARTIGOS 29, XII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E ARTIGO 177, PARÁGRAFO 5º, DA CARTA POLÍTICA DO ESTADO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE JULGADA PARCIALMENTE PROCEDENTE. (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70022471999, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Osvaldo Stefanello, Julgado em 02/06/2008)”
“Ementa: ADI. LEI MUNICIPAL. REGULARIZAÇÃO DE EDIFICAÇÕES. FALTA DE PARTICIPAÇÃO DE ENTIDADES COMUNITÁRIAS. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL. É inconstitucional a Lei Complementar nº 333-2006 do Município de Santa Cruz do Sul que versa sobre matéria típica de plano diretor ou de lei que fixa diretrizes do território. Trâmite sem qualquer consulta popular. Ofensa ao art. 177, § 5°, da Constituição Estadual. Precedentes. JULGADA PROCEDENTE. UNÂNIME. (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70020527149, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Maria Berenice Dias, Julgado em 12/11/2007)”
Como pode ser observado nos Acórdãos acima, a exigência de participação popular atinge não apenas o Plano Diretor, como as emendas ao texto, inclusive as apresentadas pelos vereadores na Câmara durante a sua discussão e aprovação, e as leis decorrentes do instrumento de planejamento.
Esta participação da população não deve ficar restrita ao processo de elaboração da Lei do Plano Diretor, mas atingir todo o seu processo de implementação, inclusive em uma série de instrumentos da política urbana, como as operações urbanas consorciadas, o estudo de impacto de vizinhança, o estudo de impacto ambiental, além da já citada execução orçamentária. Com relação a este aspecto, o orçamento público municipal deverá sempre obedecer às deliberações da população contidas no Plano Diretor.
Por outro lado, além de contar com a participação popular na sua construção, os Planos Diretores obrigatoriamente deverão atender uma série de requisitos que caracterizam uma cidade sustentável, como a garantia de transporte coletivo para toda a população, de acesso igualitário equipamentos urbanos, de moradia, de saneamento ambiental, dentre outros.
Tais características criam a necessidade de combinação e articulação dos vários instrumentos de política urbana que promovam também a educação cidadã, como o orçamento participativo, o plano diretor e a Agenda 21. Esta última, instrumento mais utilizado no âmbito internacional para a construção de um modelo de desenvolvimento sustentável, será abordada com mais ênfase no próximo tópico.
4. A Agenda 21 como Instrumento de Gestão Participativa das Cidades
A Agenda 21 é um documento derivado de acordo internacional firmado por 179 países, na Conferência Internacional sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento realizada no Rio de Janeiro, em 1992. Tal documento é constituído de 40 capítulos e 115 áreas prioritárias, contendo mais 2.500 recomendações práticas que deve ser seguidas pelos seus signatários.
Entre os vários capítulos da Agenda 21 existe um específico, o de número 28, dirigido à implementação deste compromisso em âmbito local. Conforme a própria justificativa do capítulo, como muitos dos problemas e soluções tratados na Agenda 21 têm suas raízes no ambiente local, a participação e cooperação das autoridades locais será um fator determinante na realização dos objetivos por ela previsto.
Ainda segundo a Agenda 21
“as autoridades locais constroem, operam e mantêm a infraestrutura econômica, social e ambiental, supervisionam os processos de planejamento, estabelecem as políticas e regulamentações ambientais locais e contribuem para a implementação de políticas ambientais nacionais e subnacionais. Como nível de governo mais próximo do povo, desempenham um papel essencial na educação, mobilização e resposta ao público, em favor de um desenvolvimento sustentável” (ONU, 1996). – sic
Nesse sentido, cabe a cada autoridade local estabelecer um diálogo com seus cidadãos, organizações da sociedade civil e com setor econômico e aprovar uma Agenda 21 própria da sua comunidade.
Este diálogo deverá ser realizado por meio de consultas e da promoção de consensos, onde as autoridades locais ouvirão todos os atores sociais, obtendo as informações necessárias para a construção coletiva das melhores estratégias. O processo de consultas também deverá aumentar a consciência das pessoas em relação às questões do desenvolvimento sustentável e mobilizá-las para o alcance das metas acordadas.
Outra questão essencial ao bom funcionamento da Agenda 21 consiste na proposição e execução dos programas, políticas, leis e regulamentos das autoridades locais destinados ao cumprimento dos objetivos socialmente pactuados, os quais estarão em permanente processo de revisão e avaliação. Ainda segundo o documento deve ser buscado financiamento para implementação das propostas, como uma forma de concretizá-las.
É importante destacar que o Capítulo 28 ao falar na necessidade de realizar “consultas” junto à população, orienta a promoção de consensos entre os diversos setores da sociedade na formulação de estratégias e ações. Como estes consensos deverão ser obedecidos, as consultas não possuem caráter meramente informativo como pode ser pensado à priori, mas deliberativo. Ou seja, o papel da população na construção e implementação da Agenda 21 vai muito além de uma mera exposição de demandas.
Apesar de propositiva e ampla, a Agenda 21 não goza do mesmo status jurídico impositivo de Leis como o Estatuto das Cidades e Plano Diretor. Sua força consiste na sua legitimidade e no reconhecimento por parte dos setores interessados. Está fundamentada num compromisso ético político, o que não impediu, entretanto, a sua colocação em prática em diversas partes do mundo.
Segundo pesquisa realizada pela ONG canadense “Internacional Council for Local Institute – ICLEI” (2002), numa pesquisa intitulada “Second Local 21 Surve”, realizada entre 2000 e 2001, mais de 6.000 municípios/localidades de 113 países já desenvolveram a sua Agenda 21. Tais dados, entretanto, já sofreram grande modificações, posto que naquela época nem o governo brasileiro havia ainda aprovado a sua Agenda 21 Nacional, o que ocorreu apenas em 2002.
No Brasil, de acordo com dados do Ministério do Meio Ambiente existiam, em 2007, 544 processos em andamento, mas na época da realização da pesquisa do ICLEI, este número ainda estava reduzido a 2801. Contudo, com a inclusão da Agenda 21 como programa do Pano Plurianual Federal a partir de 2004, e realização de uma consulta pelo Fundo Nacional do Meio Ambiente – FNMA em 2003, além do efeito derivado da aprovação da própria Agenda 21 Brasileira, ocorreu aumento significativo de processos locais.
Mas a Agenda 21 não pode ser vista apenas como um documento de compromissos, mas sim como um processo político aberto, que objetiva a transformação da sociedade através da construção de uma nova ética político-social que promova uma mudança de hábitos e comportamentos.
Não é um espaço onde se buscam atingir apenas objetivos ambientais e nem representa a elaboração de um plano de governo. Trata-se de um planejamento de futuro, que consiste na elaboração de ações concretas, de curto, médio e longo prazo, com a definição de metas, recursos e responsabilidades (KHOLER, 2003, p. 23)
Segundo Dione Maria Freitas (2003), o processo de elaboração da Agenda 21 inclui em suas etapas uma forma de planejamento pró-ativo, com o protagonismo da população, que é instigada a conhecer, compreender/diagnosticar a sua realidade e a pensar/priorizar ações que sirvam de ponte para a consolidação de objetivos comuns. Rubens Harry Born (2003, p. 23), por sua vez, afirma que “a Agenda 21, em qualquer esfera, constitui-se em processo e instrumento de transformações do conteúdo e das formas de elaborar e gerir políticas de desenvolvimento”.
Tal situação coloca a Agenda 21 no centro do debate das políticas públicas voltadas para o desenvolvimento local sustentável, especialmente quando enfocamos a realidade enfrentada pelas cidades em todo o globo.
5. Considerações Finais
Vários são os autores que destacam o poder das atuais tecnologias desenvolvidas pela humanidade, como Giddens, Lipietz, Habermas, Santos, dentre outros, ao ponto alguns afirmarem que vivemos em uma sociedade de risco (Conf. GIDDENS, 1991). Mas, se olharmos com calma, vivemos também em um momento de grandes oportunidades.
A construção de um modelo sustentável de desenvolvimento não pode ser considerado como um caminho fechado, único, determinista, mas sim como um processo aberto, um horizonte em construção, diversificado e indeterminado.
É neste sentido que colocamos o debate realizado neste artigo. O crescimento da esfera local como espaço de protagonismo político, além de várias outras características, sustenta-se na proximidade dos acontecimentos que nesta esfera se realizam em relação às pessoas e ao grau de concretude das ações.
O avanço do processo de globalização em curso fragilizou, em alguns aspectos, a estrutura do Estado-nação, motivo pelo qual alguns apontam que a esfera local é o novo ambiente para constituição de alternativas e, muitas vezes, o substituto daquele. Todavia este não é um processo inteiramente real, e uma prova disto é o avanço progressivo de políticas ambientais locais de planejamento impulsionadas por ações do estado nacional, como por exemplo o Estatuto das Cidades ou a Agenda 21 Brasileira, o que demonstra ainda há uma profunda dependência da esfera local do universo do ambiente nacional-estatal.
A prova do vigor do Estado-nação como formulador de políticas públicas pode ser comprovada no processo de desmonte de estruturas que compõem a administração pública durante o período das privatizações neoliberais das décadas de oitenta e noventa em todo o globo.
Mas este vigor do nacional não impede que as ações locais promovam efetivam transformações, inclusive com o fortalecimento da esfera pública. Os diversos processos participativos desenvolvidos no Brasil, como a Agenda 21, a elaboração de mais de 1.700 planos diretores entre 2001 e 2006, além do orçamento participativo, que se espalhou de Porto Alegre para vários recantos do mundo, também são prova de que a esfera local é uma grande formuladora de inovações no campo das políticas públicas, especialmente aquelas voltadas para a radicalidade democrática.
Mas não podemos esquecer que o tempo e o espaço em que vivemos são diferentes daqueles conformados pelas escalas oficiais. Por exemplo, o desenvolvimento de um Plano de Desenvolvimento Local Sustentável em uma cidade dentro de uma bacia hidrográfica não pode deixar de se relacionar com as demais cidades que ocupam o mesmo espaço ambiental, sob pena das ações por ela realizadas não surtirem os efeitos desejados. O mesmo ocorre quando uma fábrica poluidora é instalada nas margens de um rio, ou ao lado de um condomínio habitacional. Os impactos sempre são divididos com a vizinhança.
A lógica das políticas voltadas para a sustentabilidade e para a democracia participativa nos chamam para um novo compromisso, onde devemos reconhecer que não estamos sozinho neste mundo e que somos apenas passageiros neste amplo universo onde vivemos.
Advogado em Pelotas/RS Mestre em Ciências Sociais
Advogada
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