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Desconsideração da personalidade jurídica

É bem estabelecido que as pessoas
jurídicas tem existência distinta da dos seus membros
(art. 20, Cód. Civil). Tal autonomia patrimonial possibilita o surgimento e o
desenvolvimento de empreendimentos que necessitam da conjugação de recursos de
inúmeras pessoas. 

Há muitos atrás, no
sempre citado caso, Salomon v. Salomon,  julgado na Inglaterra por volta de
1897/98, iniciou-se a discussão doutrinária sobre o desvio de finalidade do
instituto da “pessoa jurídica”. Salomon
era um comerciante que, aproveitando-se da autonomia patrimonial oferecida pelo
instituto, protegeu seu patrimônio pessoal sob o manto da pessoa jurídica que
criou com a finalidade de fraudar seus credores.  A decisão de primeira
instância foi favorável em desconsiderar o caráter absoluto do instituto e
aplicá-lo com relatividade, desconsiderando a personalidade jurídica da empresa
e atingindo o patrimônio pessoal de Salomon.
Recorrendo à conservadora House of Lords, conseguiu a reforma
da decisão a quo

Estava lançada a longa discussão sobre
o assunto. Na alemanha no
início da década de 50, o professor Rolf Serik, da prestigiosa Universidade de Tubingen,
sistematizou pela primeira vez o tema.  A teoria da desconsideração da
personalidade jurídica, com grande desenvolvimento jurisprudencial no direito
anglo-americano é chamada de Disregard Doctrine, Disregard of Legal Entity, Piercing the Corporate
Veil, Lifting the Coporate Veil
. No Brasil, no
final da década de 60 (que diga-se passagem foi
marcada pelas novidades trazidas pelo direito anglo-americano e até japonês,
inovando a até então dominante cultura romano-continental do nosso direito com
a alienação fiduciária em garantia, o leasing, etc.) – o eminente
Professor Rubens Requião fala sobre o tema em conferência e, logo depois,
publica artigo histórico na Revista dos Tribunais.

Atualmente a desconsideração da
personalidade jurídica encontra-se prevista em lei. A primeira previsão
“expressa” foi no Código de Defesa do Consumidor (1990) – art. 28,
depois na Lei Antitruste e recentemente na nova Lei Ambiental. O projeto do
novo código civil, em seu artigo 50, trata da matéria. Importante ressaltar que
a desconsideração da personalidade jurídica não funciona contra o instituto, ao
revés, surgiu para aprimorá-lo. Dizer que a sociedade é “despersonalizada”
– isto é – deixa de existir, é estar em descompasso com a teoria. A alteração
no ref. art. 50, adequando-o
à teoria, é obra do programa de pós-graduação da UNESP – Franca/SP (Marcelo Gazzi Taddei).

Assim, atualmente,
desconsidera-se a personalidade jurídica para atingir o patrimônio pessoal de
seus sócios quando a sociedade é utilizada como instrumento para a fraude,
abuso de direito, for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados a
consumidores, meio ambiente, ilicitudes, (falência, insolvência e encerramento
irregular decorrentes de má administração – no sentido de irregularidade –
fraude – dolo) – A jurisprudência norte-americana fala até em 
negligência e imprudência graves na administração.
(reckless trading)

Pessoalmente entendemos que a
utilização da teoria deve ser presidida pela mais absoluta lucidez na
verificação real dos condicionantes de aplicabilidade. Não podemos
desestruturar toda uma legislação tradicionalmente assentada e sazonada
relativa à pessoa física e jurídica em razão da utilização inadequada da teoria
(que inclusive em nada prejudica os institutos citados)  – ao contrário, como dissemos, aperfeiçoa, moderniza,
melhora.

Processualmente discute-se
que a aplicação deve ser precedida de um processo de conhecimento a fim de se
apurar com o máximo rigor as questões probatórias condicionantes. Outros dizem
que seguir este caminho é tornar a teoria ineficaz em razão do perigo na
demora.

Somos pela correta aplicabilidade, isto
é, a verificação adequada de que o instituto foi utilizado de forma irregular,
com desvio da suas finalidades, para aí sim, desconsiderar. Lembrando sempre
que a empresa permanece. Levanta-se o véu corporativo (lifting the veil) para o caso concreto
onde há necessidade momentânea de se desconsiderar a autonomia patrimonial para
depois, recobrir-se novamente.  Suspende-se, não elimina-se.


Informações Sobre o Autor

Paulo Sá Elias

Advogado em São Paulo/SP


Equipe Âmbito Jurídico

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