De todos os recursos ambientais a água é, inquestionavelmente, o mais importante. Não existe nenhuma forma de vida conhecida que não precise dela para sobreviver e para se desenvolver. Além de indispensável à vida, a água doce é o suporte da maioria das atividades econômicas e sociais, como abastecimento público, agricultura, geração de energia, indústria, pecuária, recreação, transporte e turismo. Historicamente, o desenvolvimento cultural e econômico das grandes civilizações sempre esteve relacionado à disposição desse recurso.
Conhecida coentificamente como “hidróxido de hidrogênio” ou “monóxido de di-hidrogênio”, a água é uma substância líquida composta por hidrogênio e oxigênio cuja fórmula química é H2O. É uma substância que existe de maneira abundante, chegando a cobrir três quartos da superfície planetária, podendo ser encontrada na forma de oceanos, calotas polares, nuvens, águas de chuva, aquíferos ou gelo. O problema é que, de toda a água existente, somente três por cento da água existente no planeta é salgada e, mesmo assim, parte significativa desse reduzido percentual está inacessível.
Faz algumas décadas que o uso e o consumo da água doce parece estar chegando a um impasse, principalmente por causa da degradação, do desperdício, da explosão demográfica, da má distribuição e do modelo insustentável de desenvolvimento econômico adotado pela maioria dos países. De fato, de todos os problemas ambientais a escassez quantitativa e qualitativa da água doce parece ser, incomparavelmente, o mais grave e urgente.
Enquanto a quantidade de água no planeta tem permanecido praticamente inalterada nos últimos quinhentos milhões de anos, o crescimento demográfico atinge proporções nunca alcançadas. O ciclo hidrológico, que é o processo de circulação das águas, incluindo os fenômenos de evaporação, precipitação, transporte, escoamento superficial, infiltração, retenção e percolação, é quase o mesmo de cem, duzentos ou dois mil anos atrás. Calcula-se que existem no planeta atualmente cerca de cinco bilhões e meio de pessoas e que, em vinte anos, haverá oito bilhões e meio, já que a população aumenta à razão de noventa milhões de pessoas a cada ano.
No entanto, faz um século que o consumo de água doce cresce em ritmo pelo menos duas vezes maior do que o aumento populacional. Isso significa que se uma das causas da escassez é o aumento populacional, de outro lado o aumento do consumo por pessoa também serve como causa disso. Além de quantitativa, a escassez também pode ser qualitativa, em virtude do lançamento de matérias ou energia na água em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos. Normalmente, a poluição hídrica é causada pelo lançamento de esgoto residencial, de resíduos industriais ou de fertilizantes agrícolas em quantidade acima da capacidade de resiliência do corpo hídrico em questão. Inclusive, a água contaminada é a maior causa de mortalidade infantil em todo o planeta.
Outro aspecto de grande relevância nessa problemática é a distribuição, pois enquanto em alguns países os recursos hídricos existem em abundância em outros há escassez – e, às vezes, o mesmo país possui áreas de abundância e áreas de escassez. Nos lugares de escassez a tendência é aumentar o número de conflitos, e nos lugares de abundância o desperdício e a poluição podem reduzir a disponibilidade desse recurso. Isso significa que, além de quantidade e da qualidade, a água precisa também ser bem distribuída.
A comunidade cientifica alerta que o acesso à água doce, que serve para o consumo humano e animal, será cada vez mais difícil. Infelizmente, é possível até imaginar, como aconteceu recentemente com o petróleo, que em poucos anos a água seja motivo para guerras de grande proporção. Em certo aspecto a guerra hídrica já é uma realidade, pois há tempos Síria, Líbano e Jordânia competem pelo acesso às águas do rio Jordão, Índia e Paquistão pelo acesso às águas do rio Indo e Índia e Blangadesh pelo acesso às águas do rio Ganges. Tais conflitos também ocorrem, e inclusive com maior intensidade, no âmbito interno de cada país, colocando em lados separados os vários atores políticos interessados na utilização da água.
Em vários países a falta de água doce é um processo crônico, a exemplo da Arábia Saudita, da Argélia, da Bélgica, do Egito, de Israel e do Kwait. No Brasil, a escassez é frequente em Estados como Alagoas, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Sergipe, além do Distrito Federal e da região metropolitana de São Paulo.
Diante desse quadro, faz-se necessário que cada Estado passe a controlar a utilização da água doce por meio de um sistema de gerenciamento de recursos hídricos eficiente, de forma a manter a quantidade e a qualidade desse bem e a promover o seu acesso por parte da população. Com esse objetivo foi editada a Lei n° 9.433/97, que instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos e o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, modificando significativamente o regime jurídico brasileiro da água.
Ao estabelecer o direito à água das gerações presentes e futuras e a utilização racional e integrada dos recursos hídricos, a lei em comento consagrou expressamente o desenvolvimento sustentável como objetivo da Política Nacional de Recursos Hídricos. Por sustentabilidade hídrica se deve compreender a disponibilidade quantitativa, a disponibilidade qualitativa e o acesso eqüitativo, dentro dos usos e das necessidades de cada bacia hidrográfica.
O Brasil, por ser detentor de quinze por cento da água doce existente no mundo e possuidor de bacias hidrográficas de enorme relevância, a exemplo do Amazonas, do Tocantins, do São Francisco, do Paraná, do Paraguai e do Uruguai, possui uma especial responsabilidade nesse tipo de assunto. Nesse sentido, a Lei n° 9.433/97 representou um passo importante, mas é preciso avançar em ações efetivas e na promoção de uma educação ambiental que alcance verdadeiramente a todos.
É sabido que a questão da água, seja no que diz respeito à quantidade, à qualidade e ao acesso eqüitativo, é a mais urgente de toda a problemática ambiental. Logo, a água não é um mero insumo dentro da cadeia produtiva, como os detentores do capital gostariam que fosse, devendo ser compreendida como um direito fundamental da pessoa humana, de forma que o seu acesso deve ter prioridade absoluta em relação ao orçamento público e às demais políticas públicas.
Advogado com atuação na Paraíba e em Pernambuco, Especialista Direito Processual Civil pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e em Gestão e Controle Ambiental pela Universidade Estadual de Pernambuco (UPE), Mestre em Direito Econômico pela Universidade Federal da Paraíba. Professor da Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas da Paraíba e da Universidade Estadual da Paraíba. Assessor jurídico da Coordenadoria de Meio Ambiente da Secretaria de Planejamento da Prefeitura de Campina Grande (PB).
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