Mediação de Conflitos e Políticas Públicas – A experiência com a mediação comunitária em distritos de alta vulnerabilidade da Grande São Paulo

É[1] sabido que as origens da Mediação de Conflitos remontam a tempos antigos. Confúcio em sua época já pregava que a melhor forma de resolução de controvérsias era com a utilização deste método. A partir da década de setenta no século passado, entretanto, experiências estritamente empíricas passaram a ser observadas e adaptadas à realidade atual, por intermédio de estudos da Escola de Direito da Universidade de Harvard, no âmbito do Projeto de Negociação, dando início, com isso, ao processo de torná-la uma teoria com a estruturação de mecanismos e técnicas de comunicação para sua institucionalização como método de resolução de conflitos. O objetivo à época foi o de atender à realidade pós-moderna, oferecendo uma roupagem teórica calcada na prática dos dias atuais. Nasceu, assim, o primeiro modelo de mediação, sendo seguido, posteriormente, por outros como o Circular Narrativo, o Transformativo e outros não menos importantes.


Na realidade, na década seguinte à de setenta, a mediação passou a se desenvolver como um movimento mundial vocacionado para o auxílio às pessoas envolvidas em controvérsias, constituindo-se fruto de uma tendência liberal em escala mundial, com a retirada cada vez maior do Estado nos assuntos afetos aos interesses dos particulares.  Resulta, também, do reconhecimento da plenitude do cidadão como objeto de deveres e direitos, que por si só poderá melhor administrar, transformar ou resolver seus próprios conflitos. Decorre da constatação de que fórmulas tradicionais formais de resolução de controvérsias não mais satisfazem os usuários, que cada vez mais se envolvem em conflitos de distintas naturezas e formas diante da complexidade das inúmeras inter-relações existentes nos tempos pós-modernos. E se enquadra, ainda, no momento atual identificado por Boaventura de Souza Santos como o movimento em prol do direito emancipador em contraposição ao direito regulador.


É bom lembrar que o método parte uma atitude de humildade do profissional coordenador do processo de mediação para com os envolvidos em controvérsias no sentido de que são os mais indicados para solucionar suas questões, pois sabem o que é melhor para eles próprios e o conflito momentaneamente os impede de melhor administrá-lo. A humildade, segundo Juan Carlos Vezzulla, pressupõe que o mediador sabe de que nada sabe e que desconhece a realidade daqueles envolvidos no conflito. Sua atuação é estruturada no eixo de auxiliar as pessoas a transporem as barreiras individuais parciais para o sentido coletivo. Em outras palavras, o cidadão deixa de ser parte no processo, passando a ser autor da co-construção da solução ou soluções da controvérsia. Resgata, com isso, o respeito e a responsabilidade, não somente gerada na inter-relação, mas também nos compromissos que assumirá a futuro.


Convém ressaltar que se pode fazer uso da mediação em diversos âmbitos.  Costuma-se afirmar que é eficaz na resolução de qualquer tipo de controvérsia, onde existam vínculos ou laços passados entre duas ou mais pessoas. Conduz a bons resultados em conflitos familiares (casais, pais e filhos, irmãos, primos, tios, sobrinhos, etc.) empresariais (contrato de diversas espécies, societário, etc.), cíveis (obrigações, marcas, patentes, etc.) trabalhistas (empresa e empregados, entidades profissionais e entidades patronais, entidades profissionais e empresas, etc.), profissionais (profissional de uma área e profissional originário de outra área), organizacionais (questões entre departamentos de uma mesma empresa, entre profissionais de uma mesma empresa), internacionais (estados e estados, organismos internacionais, bloco econômicos, etc.), escolares (alunos e escola, escola e pais, etc.), meio ambiente (entidades públicas e empresas, ambientalistas e entidades públicas, etc.) e comunitários (moradores de um mesmo bairro, rua ou quarteirão, grupos, etc.). Enfim, em todas as esferas que envolvam uma relação passada vinculativa e continuada ou não a futuro entre pessoas físicas, bem como pessoas jurídicas.


Na era da globalização as mudanças na ordem social, política, econômica e cultural tem demonstrado ser cada vez mais profundas, impactantes e paradigmáticas. Os imaginários, ilusórios, preconceitos e paradigmas sociais existentes são substituídos por outros de uma maneira tão rápida que as pessoas muitas vezes se surpreendem pela dinamismo e radicalismo. Esta situação acaba por promover transformações permanentes na forma de sociabilidade entre os indivíduos pertencentes à população de uma cidade, região, comunidade ou sociedade. Resulta em um convívio diversificado oferecido pelas múltiplas inter-relações entre os indivíduos e acaba por se constituir em uma fonte inesgotável de conflitos que exigem respostas imediatas para que a convivência seja baseada no respeito, reconhecimento mútuo de diferenças e harmonia nas inter-relações. Cabe aqui nesta altura salientar que, no presente artigo, os termos comunidade e sociedade, muito embora distintos como pontua Max Weber, que considera a primeira como uma ordem de estamentos com seus  valores e fontes próprios de satisfação, vinculados por laços afetivos e personalizados, já a segunda como uma somatória pactuada de indivíduos com relações baseadas em uma racionalidade instrumental, serão empregados sem qualquer preocupação teórica, como determina a sociologia moderna, pois serão utilizados ambos os termos indistintamente pelo autor.


A Mediação Comunitária, ou Social como defendem alguns especialistas, na qualidade anteriormente mencionada como uma das diversas áreas de utilização do método, promove a busca das respostas acima pontuadas e contribui para a criação de espaços de diálogo em que as pessoas apresentam suas diferenças e redesenham de maneira participativa, dinâmica e pacífica seus respecitvos papeis na sociedade. Permite também estabelecer canais facilitadores da articulação política, institucional e social. Ao mesmo tempo convida a todos para uma reflexão responsável sobre a diversidade das temáticas da realidade atual, constituindo-se num verdadeiro desafio para preservação da sociedade pluralista, equitativa e integradora. Em outras palavras como ressalta Jean François Six proporciona um espaço de criatividade pessoal e social, possibilitando a realização da cidadania plena.


A propósito da cidadania, vale enfatizar que ela não significa tão somente o desfrutar de direitos e o cumprir deveres e obrigações, mas sobretudo o  compartilhar e participar de espaços públicos em uma comunidade, região ou cidade. Tal fato nos revela a multiplicidade de temas a ela ligados, os quais geram conflitos que necessitam ser administrados de maneira mais pacífica, já que o convívio entre os cidadãos requer harmonia e todos almejam  tranquilidade e paz. Nesse sentido, a mediação comunitária passa a ser uma resposta eficaz, pois contribui com o restabelecimento de laços rompidos entre as pessoas e grupos, estimula a  participação ativa dos cidadãos na solução de conflitos, não se esquecendo que propicia também a inclusão social. Ao mesmo tempo confirma o que ensinam Nató, Querejazu e Carbajal, em ser um instrumento cívico com o qual os integrantes de uma sociedade podem administrar suas diferenças e gerir seus conflitos quer em ambientes públicos quer em ambientes privados, proporcionando a participação da construção da sociedade que integram. Consiste, também,  na introdução da ferramenta da mediação no cotidiano de uma comunidade ou sociedade, região ou cidade, proporcionando no local onde proliferam os conflitos de diferentes ordens o desenvolvimento de uma cultura de paz, por intermédio da inclusão de um sistema próprio de resolução ou transformação em espaços institucionais chamados centros, câmaras ou mesmo casas.


Nos espaços acima citados as pessoas encontrarão mediadores à disposição dos cidadãos para auxiliar na construção de soluções por elas buscadas. Na maioria dos programas desenvolvidos em diversas partes do mundo, o papel do mediador é desempenhado por moradores da própria comunidade, os quais obrigatoriamente são convidados a participar de uma capacitação mínima a partir do interesse despertado por eles ou por indicação da própria comunidade. Esta capacitação requer uma atenção especial para as habilidades do mediador, fazendo com que este se auto-observe quanto ao preenchimento de requisitos mínimos para exercer a função, que só poderá ser desempenhada por ele quando o atingir. Além disso, o profissional que desenvolve o método, na grande maioria dos projetos, o faz sem ser remunerado, desenvolvendo assim um trabalho voluntário junto a sua comunidade.  


A mediação comunitária poderá ser utilizada em diversos contextos, mas os mais comuns podem ser agrupados em três  grandes eixos, como sustentam  Nató, Querejazu e Carbajal. O primeiro referente a conflitos existentes dentro de uma comunidade, os quais são caracterizados pela qualidade e intensidade dos vínculos inter-pessoais, marcados pela interdependência recíproca entre seus atores e decorrentes das condicões materiais ou físicas que impõe a proximidade dos atores envolvidos. Por outro lado, importante seria enfatizar que tais conflitos acarretam polarizações extremadas que se convertem em obstáculos difíceis de serem superados, exigindo intervenções mais amplas e aprofundadas a fim de revertê-los.  Nele se incluem questões entre vizinhos, questões familiares, questões de gênero, para exemplificar alguns que bem ilustram suas peculiaridades e dificuldades apontadas acima.


O segundo, por eles chamados de conflitos públicos, se referem a um grande número de atores e interesses envolvidos, que repercutem com grande imapcto sobre a comunidade, sociedade, região ou cidade.  Poderão, eventualmente, envolver órgãos de governo, grupos ou associações de moradores de bairros, empresas, sendo que as consequencias dos mesmos podem atingir um número grande de pessoas e as vezes poderão se prolongar no tempo. Como exemplo um grupo de vizinhos, que cansados de vivenciar acidentes ou atropelamentos em uma determinada rua ou avenida, decidem bloqueá-la para chamar atenção das autoridades para que tomem providências relativas a segurança no trânsito daquele local ou região. A idéia de utilizar a mediação nestes casos é evitar medidas extremadas e violentas como estas, propocionando aos moradores locais a possibilidade de usufruir de um canal de comunicação permanentemente aberto para exposição de seus anseios e preocupações.


O terceiro e último chamado de conflitos interculturais envolvem temas como etnia, minorias, imigração e exclusão social, são frutos da diversidade cultural, das deferentes identidades, religiões, idiomas, desigualdade social e cultural existentes em uma sociedade, comunidade, região ou cidade. Tais diferenças exigem a busca consciente da própria identidade a partir do reconhecimento e respeito com relação a todas as demais identidades. Por isso, há que se ter em conta que tais conflitos se caracterizam por situações complexas que transcendem fronteiras, demandando tratamento diferenciado. A mediação comunitária ou social nestes casos, por intermédio de sua gestão acolhedora em todos os sentidos, proporciona um aprendizado de convivência mais harmônica e pacífica entre essas diferenças, que será tomado como modelo a ser seguido a partir de sua intervenção.


Há que se oferecer sobre o tema mediação comunitária, algumas considerações pelo entendimento de algumas áreas no Brasil, que sustentam ser tal tipo de mediação destinada à população menos favorecida de recursos monetários, que por enfrentarem maiores dificuldades de acesso a justiça e, por isso, necessitam ser assistidas por diferentes mecanismos que promovam a melhoria daquele acesso. A mediação e, sobretudo a da área objeto do presente artigo, não faz qualquer distinção em sua atuação, como demonstrado acima, pois envolve um grande universo de segmentos sociais que exigem tratamento diferenciado por suas próprias características, as quais são provenientes de diferentes credos, raças ou classes sociais. Assim é que, se ela estivesse restrita as classes menos favorecidas economicamente, estaria se implementando um sistema contrário a sua própria base teórica, denotando uma incoerência impar em sua própria formulação. Evidentemente, não se almeja dizer com isso que devam ser minimizadas as carências das classes sociais menos favorecidas economicamente. Elas efetivamente precisam de muitos cuidados e tratamento diferenciado  por inúmeras  e óbvias razões, mas ao mesmo tempo devem ser reconhecidas que as demais também o são. Nesse sentido o que deve ser legitimado de forma indistinta é o pressuposto básico da razão de existir de tais projetos que é o de privilegiar a resolução ou transformação dos conflitos por intermédio de um sistema pacífico que estabelece ou restabelece o diálogo entre todos os membros da sociedade como um todo, não fazendo qualquer distinção com relação a credos, raças e em especial classes sociais.


Em razão do motivo acima descrito, já há algum tempo vêm sendo defendido por especialistas brasileiros a importância de a mediação comunitária ser inserida em diversos contextos em especial em políticas públicas a exemplo de países como Inglaterra, França, Espanha, Portugal, Argentina, Colômbia, Austrália, Africa do Sul, para não dizer outros. Todos esses países vêm se utilizando da meciação comunitária com a implementação de projetos direcionados para cidades, regiões, comuinidades ou sociedades específicas, apresentando resultados alentadores. Com a iniciativa tornou-se possível reais inovações nas comunidades, sociedades, regiões ou cidades com inúmeros benefícios, resultando consequentemente a diminuição da violência em áreas consideradas perigosas para a população. Além disso, incorporou-se a cultura da mediação na rotina dos cidadãos comuns. Tal fato acabou por promover a  elaboração de extensa doutrina sobre o tema no exterior, sendo objeto de temas centrais em congressos e eventos diversos na área e fora dela.


Hoje, o Brasil vem dando seus primeiros passos nesse sentido. Está incorporando o tema de forma gradual em nível estadual e municipal já há algum tempo. Exemplos regionais e pontuais deste tipo de iniciativa merecem destaque, por  se constituirem verdadeiras ações pioneiras em termos de iniciativas efetivas para as populações de cidades como Joinville, Fortaleza, Recife, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e São Paulo. E mais recentemente, há que se enfatizar pelo ineditismo no País em nível federal, a proposta do Ministério da Justiça pela Secretaria da Reforma do Judiciário que com o Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania – Pronasci combina ações de segurança pública com políticas sociais, propondo ações denominadas de Redes de Mediação pretendendo prover a estruturação de um processo de formação à pacificação social no âmbito das lides  judicializadas ou não com cursos de aperfeiçoamento sobre a ferramenta da mediação e outras ações, a fim de construir um novo paradigma cultural.  Consiste em uma forma de contribuição do Poder Executivo como incentivador, articulador ou mesmo implementador do desenvolvimento da cultura da paz e dos direitos humanos, com a promoção, sensibilização e capacitação de membros das comunidades para a importância das soluções negociadas e não adversariais de conflitos com enfase na mediação.


Outro importante aspecto a ser salientado com relação às iniciativas acima descritas, quer nacionais, quer estrangeiras, é que se constituem, como dito acima, em política pública. Entendido aqui como iniciativa de Órgãos Públicos do Poder Executivo em implantar, articular ou incentivar ações próprias em locais determinados a partir de projetos específicos com objetivos determinados. Ao se traduzir estas palavras tomando-se em conta a mediação de conflitos, constituem-se em um conjunto de iniciativas e ações governamentais com vistas a se alcançar respostas a problemas gerados pela administração negativa de conflitos na sociedade ou comunidade referentes ao próprio sistema de resolução de conflitos seja como resultado da existência da litigiosidade contida ou outra forma mais impositiva ou violenta de dirimi-los. Não se confunde, portanto com iniciativas do Poder Judiciário no sentido de inserir a mediação ou conciliação em momentos diversos no âmbito do processo judicial ou mesmo antes dele. Tais iniciativas não são uniformes e às vezes são desprovidas de conexões entre os diversos órgãos daquele poder. Ao mesmo tempo não são tomadas como uma política propriamente dita, mas sim iniciativas às vezes isoladas, apoiadas pelo órgão maior os Tribunais de Justiça Estaduais. Neste aspecto cabe ressaltar que o Poder Judiciário muito embora seja um órgão público ao adotar tais ferramentas, as incorpora a título de incluir como mais um dos serviços aos seus jurisdicionados. A propósito deste tema, incumbe observar a existência de uma verdadeira revolução ou melhor evolução silenciosa em curso no País, em diversos Estados, onde a proposta é tentar pacificar as lides em curso no Poder Judiciário. Proposta em que a conciliação e mediação ocupam lugar de destaque. Cada vez mais se tem notícia de iniciativas que incluem ambos os institutos, provenientes dos Órgãos ligados ao Poder Judiciário.


A partir das considerações acima, cabe oferecer algumas observações sobre um projeto inovador em andamento na cidade de São Paulo, a maior  das metrópoles brasileiras, tanto em termos econômicos, quanto em relação ao volume e dimensão de seus problemas, que afetam o dia a dia de sua população. Tal projeto se inseri num contexto de política pública conclamando a mediação de conflitos como sua ação prinicipal voltada essencialmente para as comunidades sobretudo aquelas expostas a grande vulnerabilidade, onde a violência atinge índices alarmantes.


A partir do final do ano passado, a cidade de São Paulo sediou a solenidade de assinatura de um Protocolo de Intenções, que reuniu quase todas as Secretarias Municipais, Estaduais e alguns órgãos técnicos da sociedade civil. Visava o referido protocolo, dentre outros, os objetivos de promover a solução pacífica de conflitos por meio da cultura da Paz, bem como viabilizar mecanismos sociais de prevenção à violência, com a utilização da  mediação de conflitos como instrumento base para alcançar este propósito. Incluiu, também, a prevenção e resolução de conflitos ambientais e o estabelecimento de projetos sociais de recuperação de espaços urbanos para promoção da convivência pacífica nas comunidades ou sociedades comtempladas pelo projeto.


Cabe ressaltar que o referido protocolo determinou, dentre várias iniciativas, esforços conjuntos a serem realizados de maneira coordenada e harmônicas para se estabelecer, executar e avaliar políticas públicas necessárias a prevenção da criminalidade, a garantia dos direitos humanos, a preservação das liberdades fundamentais, dos princípios de justiça social, da dignidade e valor da pessoa humana. Além disso, estabeleceu a promoção e resgate da cidadania, assim como a garantia do desenvolvimento sustentado das populações onde se encontram os CICs e mais os três distritos da grande São Paulo, considerados os mais perigosos em termos de incidência e reincidência criminal. Ao mesmo tempo preceituou a articulação conjunta de cuidados e atenções para a redução dos riscos sociais, prevenção dos seus impactos nos territórios de maior vulnerabilidade social, buscando garantir o desenvolvimento humano, social e os direitos de cidadania para famílias e indivíduos em situação de risco pessoal e social.


Inseriu-se no Programa em curso chamado São Paulo em Paz e foi acoplado ao conjunto de iniciativas do Estado  com os Centros Integrados de Cidadania – CICs, localizados em diversos pontos do território paulistano e algumas cidades do interior do Estado. Neste centros já existiam os serviços de mediação, prestados por voluntários moradores das redondezas no âmbito das chamadas Câmaras de Mediação. A atividade, portanto, já se encontrava institucionalizada, restava somente aprimorar os serviços, proporcionando maior qualidade em sua prestação.  Por outro lado nas localidades em que inexistia o serviço, necessário seria outras ações a serem desenvolvidas com as acima citadas.


Nesse sentido, as entidades participantes do protocolo se comprometeram em oferecer recursos humanos e tecnológicos com vista a viabilizar a realização de ações voltadas para os norteadores acima citados por meio do incentivo e implementação da mediação de conflitos com base em quatro eixos prioritários de atuação:


1) Capacitação e reciclagem de mediadores comunitários, destacados dentre os que já atuavam e aqueles designados pela comunidade onde residem;


2) Reativação dos serviços gratuitos de mediação potencialmente onde já existem tais serviços, bem como novos a serem implantados em local de alta vulnerabilidade social;


3) Monitoramento e supervisão do processo de capacitação, dos serviços prestados pelos mediadores e outros pontos relevantes para o aprimoramento daqueles serviços, por meio da constituição de um grupo de trabalho permanente composto por representantes dos órgãos signatários, e


4) Ampliação da rede de parceiros que tenham interesse naquele instrumento.


O primeiro eixo partiu do pressuposto básico de que para tornar a mediação de conflitos uma realidade concreta nas regiões beneficiadas pelo projeto, deveria se praticada com qualidade e eficiência. Fundamental, portanto, seria a capacitação daqueles que tivessem interesse em desenvolver o trabalho de estar a frente do processo junto as pessoas envolvidas em conflitos. Tomou por base, também, não desrespeitar o trabalho já existente aqueles que possuiam experiência na função de mediar das Câmaras de Mediação existentes junto aos CICs. Buscou-se com isso desenvolver uma capacitação que primasse pelo equilíbrio entre o saber e a experiência vivenciada, que privilegiasse novas práticas, respeitando as já existentes e ao mesmo tempo aprofundasse a ambas. Importa observar que a ação procurou, e ainda procura já que a capacitação está em curso ainda e o é de maneira permamente, mesclar teoria e prática quase que simultaneas a fim de aprofundar conceitos e experiencias adquiridas em casos reais vivenciados logo após as primeiras horas teóricas. Passou ou melhor esta passando por estudos aprofundados sobre o conflito, seu reflexo na individualidade de cada capacitando. Está priorizando a conscientização da individualidade face a coletividade e vice-versa, pois caberá ao futuro mediador apontar as limitações naturais em que o conflito impõe as pessoas. Está privilegiando o aprendizado que percorre passo a passo o processo de mediação como um todo, proporcionando vivencia de dificuldades internas pessoais e absorva os conceitos de maneira aprofundada, a fim de incorporá-las em sua atitude diária e se autoobserve permanentemente.  Está passando também pela copreensão de valores inegociáveis  de sua conduta ética, que não poderá ser inquestionada em qualquer momento como a imparcialidade, no sentido de evitar qualquer privilégio a uma das partes em detrimento da outra; independência,  entendendo-se não estar  vinculado a  qualquer das partes envolvidas na controvérsia e mantendo eqüidistância permanente de ambas; competência,  no sentido de envidar todos os esforços para gerir o conflito de maneira pacífica;  diligência, pressupondo-se que não poupará esforços para proceder da melhor maneira possível quanto à investigação dos fatos relacionados à controvérsia, e discrição, no sentido não revelar a ninguém qualquer fato ou documento trazido ou produzido em mediação. São inúmeros os relatos apresentados pelos participantes no sentido do conhecimento adquirido ser compartilhado com toda a comunidade ou sua vizinhança, que em muitos casos identificavam diferenças substanciais naquelas pessoas como estarem menos ansiosas e mais tranquilas. Ao mesmo tempo, eram relatados constantemente  experiências pessoais de utilização dos conceitos e técnicas na rotina diária daquelas pessoas, o que demonstrava a incorporação do aprendizado bem como a crença em seus resultados positivos.


O segundo eixo está mais ligado aos objetivos finais do próprio programa, como um dos resultados tanto da capacitação, quanto do interesse despertado na mediação pelos integrantes da comunidade. Consiste em tentar tornar uma realidade a utilização desta ferramenta nos locais designados, a fim de que a população possa ter conhecimento de sua existência, seus benfícios e com isso usufruir do serviço. Desta maneira se promoveria simultaneamente a incorporação da cultura do diálogo pelas mãos da mediação de maneira institucional em todos os locais, o que certamente levaria ao desenvolvimento da gestão pacífica dos conflitos naquelas localidades. Convêm destacar que sob este aspecto há que ser apontada uma diferença muito grandre entre os distritos que possuem CICs e aqueles que inexistem este serviço do Estado. Nos primeiros o esforço inicial foi o mobilizar os mediadores para com a necessidade de participar da reciclagem a eles destinada a fim de aprofundar seus conhecimentos e posteriormente manter a troca de experiências entre eles com a inclusão da supervisão, para ao final se pensar na continuidade de seu serviço já com a qualidade mínima garantida. Nos segundos distritos, buscou-se inicialmente instituir um local, pois alguns deles não dispunham. Por isso, foram utilizadas escolas ou mesmo sede de ONGs ligadas a aquelas comunidades, onde se vislumbrou em conjunto com os participantes a possibilidade de instituição do serviço naquele local.  Em outras palavras onde nada existia, buscou-se possibilitar a instituição de um serviço que não somente fosse uma referência para a localidade mas sobretudo fosse sinônimo de pacificação. Muito embora ainda restem alguns meses para a conclusão do Projeto, já é possivel afirmar que o intento está se concretizando, pois os membros da comunidade já procuram o serviço a partir de breves informações divulgadas pelos integrantes da comunidade. Tal fato superou todas as previsões, podendo se atribuir à escuta atenta e acolhedora dos mediadores junto as pessoas da comunidade, que ao se sentirem ouvidas acabam por aceitar o questionamento que leva a reflexão de suas ações.


O terceiro eixo se refere ao permanente acompanhamento dos trabalhos de mediação e sua interface com o usuário, isto é  a prática supervisionada. Esta deve ser entendida não como o apontamento de incorreções ou equívocos, nem a conceituação da crítica negativa do acerto e do erro. Pelo contrário deve ser embasada na observação de características pontuais individuais que resgatem a auto-observação permanente do trabalho desenvolvido pelo mediador, com vistas ao aprimoramento das habilidades pessoais, que posteriormente ao longo de  um determinado tempo possa iniciar a construção conjunta supervisor e aprendiz, o aprimoramento de ambos, que resultará na legitimação da sociedade deste profissional na qualidade de profissional da mediação. Isso tudo isso deve ser efetivado em favor daqueles que elegeram a mediação como método de resolução de conflitos, razão principal da atividade. Ao mesmo tempo não deverá ser esquecida a universalidade que envolve esta atividade, pois a supervisão também deverá dele se ocupar no sentido de conhecer suas sensações, sentimentos, dificuldades, evolução ou eventuais descuidos. Nestas ações, foram incluídas, também, a realização da supervisão não presencial ou à distância, em que um mediador de maior experiência acompanha  e auxilia o de menor experiência na reflexão e complementação do trabalho já efetivado concomitante a estabelecimento do processo como um todo ou em paralelo a ele. A iniciativa permitiu que a mediação pudesse auxiliar vizinhos residentes em um mesmo lote, que brigavam há mais 5 anos quanto aos espaços as serem ocupados pela suas habitações. Na verdade eram irmãos que haviam recebido por herança do pai e desejavam cumprir sua vontade, mas desentendimentos que remotam a infância dificultavam o diálogo entre eles.  Ou mesmo um casal com mais de 30 anos de casados, cansados das dificuldades em lidar com os filhos atribuam a eles próprios o fracasso em educá-los e, por isso, resolveram se separar e ao se desenvolver o dialoga se aperceberam claramente que o sentimento que os unia ainda vigorava e que a mediação possibilitou exergarem uma outra vida em comum a futuro.


O quarto e último eixo trata da abertura promovida  pelo Protocolo e referendada por todas as entidades e órgãos públicos envolvidos em permitir que novos parceiros ingressem no Projeto, a fim de possibilitar que outras iniciativas sejam planejadas e executadas, ou mesmo seja possível o desdobramento das que foram iniciadas até o momento. Está relacionada também ao acompanhamento passo a passo da ações para conhecimento da evolução alcançada, com o levantamento estatístico das mesmas a fim de definir uma metodologia específica que resultará no balizamento de uma política pública com o instrumento da mediação para a cidade de São Paulo. Permitirá ainda a própria sistematização do método voltado para aquelas localidades.  Além disso, inclui também a promoção da articulação de redes de informações nas comunidades a fim de que o cidadão exerça suas iniciativas de maneira plena.


 


Das considerações acima apresentadas depreende-se claramente que foram inúmeras as ações envolvidas, desde a assinatura do Protocolo, o início da primeira ação com a capacitação e desdobramento das demais iniciativas que continuam a serem realizadas e acrescidas de outras que só se findarão quando cultura da paz se tornar uma efetiva realidade naquelas regiões. Todas estas iniciativas convergiram, convergem e covergirão em priorizar o diálogo entre o saber e a bagagem de experiencias vivenciadas no dia a dia das comunidades. Privilegiam o reconhecimento das diferenças de graus de instrução multiplos e fatores interculturais diversos. Ao mesmo tempo promove a resolução, transformação ou atigimento de soluções para os conflitos sem qualquer tipo de judicialização, consagrando a prioridade na sua prevenção, que por sua vez promoverão a diminuição da violencia em níveis consideráveis naquelas regiões.


Por derradeiro, incumbe asseverar que as múltiplas definições relativas às políticas públicas levam a entendê-las como políticas governamentais e, assim, sujeitas, possivelmente, a interpretações político-partidárias. Dessa maneira, corre-se o risco de se submeterem às alterações cíclicas de mudanças do poder, ou, ainda, a compreendê-las como ações que envolvem múltiplos atores (governamentais e não-governamentais). E aí não serem estabelecidos os elementos mínimos para sua consecução. Por outro lado, ao se constatar o sucesso de experiências exitôsas da utilização da mediação comunitária em outros países, a notícia de se implementar no Páis sobretudo em nível nacional deve ser brindada com todo o seu vigor. Ao mesmo tempo há que se estar atento, pois o risco de descontinuidade e desconexão num Brasil de dimensões continentais é grande. Por isso, cabe aqui fazer um alerta sobretudo voltado para as necessidades da comunidades que vêm recebendo de braços bem abertos e respondendo de maneira muito positiva e dinamica a todas ações que envolvam a mediação naquelas comunidades, as quais deverão ser mantidas sob pena de se perder no tempo uma excelente uma iniciativa que em muito tem beneficado aquelas comunidades, benefícios estes que poderão ser levadas a outras regiões da cidade de São Paulo, do Estado ou mesmo do Páis.


 


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Notas

[1] Artigo de autoria do Professor Adolfo Braga Neto publicado na Revista Brasileira de Arbitragem Ano IV – nº 18 – Abr-Jun de 2008 pags 81 a 90


Informações Sobre o Autor

Adolfo Braga Neto

Advogado, Mediador, Professor Universitário, Presidente do Conselho de Administração do IMAB, Consultor da ONU e do Banco Mundial


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