Direito ao desenvolvimento: o fundamento constitucional para o desenvolvimento na perspectiva de Amartya Sen

Resumo: Existem muitas teorias que buscam definir o que é o desenvolvimento e estabelecer um método para alcançá-lo. O Estado pode fazer uso de qualquer das teorias já elaboradas, desde que no seu ordenamento jurídico hajam normas que o permita atuar no âmbito da teoria que escolhera. Tendo em vista essa situação, este artigo analisa se a Constituição Federal do Brasil, que é o pacto jurídico-político que funda o país e confere validade a todos os atos do poder público, permite o Brasil pensar e executar as suas políticas públicas sob a luz da teoria do desenvolvimento pensada por Amatya Sen. Esta teoria concebe o desenvolvimento como um processo de expansão de liberdades reais, e conforme o estudo realizado, está em estrita consonância com o direito constitucional pátrio.

Palavras-chaves: Desenvolvimento. Liberdade. Direito Constitucional.

Sumário: 1 Introdução. 2 Rápida síntese das teorias sobre o desenvolvimento. 2.1 A ótica da escola clássica sobre o desenvolvimento. 2.2 O desenvolvimento para a escola marxista. 2.3 As perspectivas da escola neoclássica sobre o desenvolvimento. 2.4 A teoria schumpeteriana do desenvolvimento. 2.5 uma abordagem alternativa do desenvolvimento. 2.6.1 Ecodesenvolvimento. 2.6.3 Desenvolvimento Local. 2.6.4 Desenvolvimento Territorial. 2.7 O desenvolvimento como liberdade. 3 O desenvolvimento como liberdade: a perspectiva de Armatya Sen.  4 A relação da teoria do desenvolvimento com o direito constitucional : o desenvolvimento como um direito fundamental.   5 Interfaces entre a constituição federal de 1988 e a teoria do desenvolvimento como liberdade. 5.1 Liberdades Políticas. 5.2 Facilidades Econômicas. 5.3 Oportunidades Sociais. 5.4 Garantia de Transparência. 5.5 Segurança Protetora.  6 Considerações Gerais. Referências.

1 INTRODUÇÃO

O desejo de desenvolver-se é inato aos seres humanos. Em várias situações o anseio pelo desenvolvimento surge das necessidades da vida, outras em virtude do instinto de não-conformismo. A maioria das pessoas não aceita o estado estacionário e procuram sempre meios de crescer qualitativamente em todos os seus aspectos (espiritual, profissional, econômico, familiar, sentimental…).

Semelhantemente ocorre com o Estado, o qual diante da vasta necessidade de seus súditos, da impossibilidade de satisfazê-las plenamente e dos problemas delas decorrentes, procura, constantemente, desenvolver-se nas mais diversas áreas (crescimento econômico, garantias de direito, melhorias sociais…).

Ao longo da história muitos pensadores, inclusive no Brasil, têm estudado e debatido sobre o que é o desenvolvimento, qual a sua finalidade e qual o papel do Estado na sua promoção, elaborando conceitos que refletem suas percepções e atendem às preocupações políticas e ideológicas da sua época.

Em decorrências disso, são várias as correntes que elaboram modelos de desenvolvimento para serem aplicadas pelo Estado, desde as mais clássicas (com grande ênfase no crescimento econômico), até as mais recentes, as quais enfatizam o desenvolvimento da pessoa humana.

Desta forma, os governantes possuem um grande cardápio de teorias para optar. Embora, eles não estão totalmente livres para selecionarem um modelo em específico de desenvolvimento, estando limitados ao ordenamento jurídico do Estado ao qual se encontram vinculados, vez que a atuação dos mesmos sem uma norma que os autorizem pode configura-se como arbitrariedade de direitos dos cidadãos, em decorrência da possível ingerência de interesses particulares. E ainda mais, é necessário que na Constituição – que é o pacto jurídico-político que funda o Estado e confere validade a todos os atos públicos -, haja a previsão de que ele pode e/ou deve promover o desenvolvimento pelo qual escolhera.

Na Constituição da República Federativa do Brasil existem várias normas que autorizam o Estado a promover o desenvolvimento. Inclusive, algumas atribui-lhe um verdadeiro dever. Entretanto, difícil é para o Brasil estabelecer um modelo de desenvolvimento que consiga abarcar todas as suas necessidades, sobretudo, diante dos diversos tipos de interesses dos variados agentes e classes sociais que o compõe.

Nesse sentido, a Constituição Federal de 1988, apesar de tutelar o direito ao desenvolvimento, não indica qual o modelo que deve ser aplicado pelo estado Brasileiro, deixando isso a ser definido por meio dos agentes políticos.

Diante das várias propostas de desenvolvimento para o Brasil, busca-se com essa pesquisa analisar se a Magna Carta brasileira autoriza o Estado brasileiro pensar e executar as suas políticas públicas influenciada pela compreensão de desenvolvimento pensado por Amartya Sen.

Essa perspectiva foi escolhida, pois diferente das demais, não se preocupa em estabelecer um modelo propriamente dito de desenvolvimento, mais sim, de apontar a sua real finalidade, a qual está intimamente ligada ao espírito da Constituição, que é a promoção da liberdade humana.

Para tanto, realizou-se um pesquisa exclusivamente bibliografia, valendo-se de revisão de livros, artigos, dissertações e da Constituição Federal do Brasil.

Este estudo é organizado, além desta Introdução, em mais quatro capítulos. O capítulo 2 realiza uma rápida síntese sobre as teorias econômicas que influenciaram a compreensão sobre o desenvolvimento; o capítulo 3 aborda o desenvolvimento na perspectiva de Amartya Sen, informando os principais conceitos desta corrente; o capítulo 4 trata da relação entre o desenvolvimento e o direito constitucional; e por fim, o capítulo 5, tratará especificamente do tema do artigo.

2 RÁPIDA SÍNTESE DAS TEORIAS SOBRE O DESENVOLVIMENTO

As ideias sobre o desenvolvimento sugiram há muito tempo. Na antiguidade, por exemplo, existiram algumas reflexões de Platão e Aristofenes que buscavam criar meios para se alcançar uma sociedade mais justa, em que seus cidadãos tivessem suas necessidades satisfeitas (MASCARENHAS, 2010, p.63).

No último século, surgiram várias correntes sobre o tema no campo das ciências econômicas, cujo conceito de desenvolvimento era confundido com crescimento econômico.

Com a realidade econômica e social dos países da América Latina, em que houve grande crescimento econômico alinhado a um quadro absurdo de problemas sociais, as teorias econômicas sobre o desenvolvimento, até então desenvolvidas, foram questionadas, dando origem a novas concepções, que além da ênfase no crescimento econômico, abarcam também questões política, sociais, ecológicas, culturais, entre outras.

Atualmente não existe um conceito pacífico entre os teóricos sobre o que é o desenvolvimento, sua finalidade e seu modelo, até porque, os conceitos elaborados estão vinculados à ideologia de sua época ou aos interesses políticos de seu local de origem.

Impossível é, em um trabalho como este, abordar exaustivamente todas as correntes já teorizadas, por isso, pretende-se com este tópico realizar um síntese, rápida e genérica, das principais escolas do pensamento econômico, que de alguma forma contribuíram para a definição do desenvolvimento, a fim de fornecer ao leitor um substrato teórico mínimo para se entender o que aqui é discutido.

Divide-se, para este estudo, as correntes do pensamento econômico que contribuiu para a concepção do desenvolvimento em: escola clássica, escola marxista, escola neo-classica, teoria schumpterina, abordagens alternativas do desenvolvimento e o desenvolvimento como liberdade.

2.1 A ÓTICA DA ESCOLA CLÁSSICA SOBRE O DESENVOLVIMENTO

A escola clássica é formada por vários pensadores que apesar de terem criado a sua própria teoria econômica, tinham em comum a noção básica de que o Estado não deveria intervir na economia e que os mercados tendem a encontrar um equilíbrio econômico em longo prazo, ajustando-se a determinadas mudanças no cenário econômico (BRUE, 2006, p.46-47).

Essa escola identifica o desenvolvimento com o aumento de riqueza de uma nação – esta compreendida como fluxo de bens produzidos em um determinado tempo. Nesse sentido, quanto mais bens uma nação produz e comercializa, mais desenvolvida ela será. Isso porque, quando há excedente de produção, há riqueza material suficiente para atender o consumo por parte do povo de um país, satisfazendo os seus interesses e necessidades (BRUE, 2006, p.49).

Todavia, essa escola ao relacionar o desenvolvimento à acumulação de capital, não defende que o desenvolvimento deve implicar, necessariamente, no bem-estar e no atendimento das necessidades básicas da maior parte da população (embora nisto acreditassem), pois a preocupação maior deles estar em analisar como a apropriação do excedente econômico beneficiará o aumento de riquezas.

Segundo essa escola, uma nação se tornava rica por meio do avanço da produtividade, haja vista que esta estenderia a riqueza de um país às camadas mais baixa da população (GENNARI; OLIVEIRA; 2009, p. 62). O avanço da produtividade seria potencializado em virtude da divisão do trabalho e da inovação tecnológica, vez que introduzem na cadeia produtiva melhores técnicas que levam a maiores ganhos na produção e reduzem custos. E na medida em que se aumenta a produtividade, o excesso por ela trazida refletirá nos salários, melhores taxas de lucros e aumento de renda nacional e distribuição de riquezas. Assim, no longo prazo, a sociedade ao atingir equilíbrio econômico (estado estacionário), conseguiria, simultaneamente, elevar o nível de vida da classe trabalhadora, com a relevante diminuição da miséria do seio da população (SOUZA, N., 2005, p. 134).

2.2 O DESENVOLVIMENTO PARA A ESCOLA MARXISTA

A escola marxista concebe o desenvolvimento por meio de uma visão subjetiva e abstrata da realidade.

Vê a sociedade como “[…] uma totalidade composta de vários complexos, complexamente articulados […] (BONENTE, 2014, p. 3)” e desta forma, compreende o desenvolvimento como o maior grau de complexidade e interligação de suas esferas constitutivas (economia, política, direito, arte, religião…) (BONENTE, 2014).

Ou seja, no pensamento marxista, “uma dada estrutura (totalidade) é objetivamente superior, ou mais desenvolvida, do que outra estrutura da mesma espécie, caso seja constituída por um maior número de componentes específicos, ou pelo mesmo número de componentes mais complexos” (MEDEIROS, 2013, p. 95).

Segunda análise feita por BONENTE (2014, p. 5) do desenvolvimento na perspectiva marxista, o aumento do grau de complexidade de uma sociedade é traduzido por crescimento da sociabilidade, aumento da força produtiva do trabalho e formação do gênero humano.

O crescimento da sociabilidade pode ser extensivo ou intensivo. O primeiro refere-se ao “aumento da quantidade de componentes predominantemente sociais como elementos mediadores da vida em sociedade” (BONENTE, 2014, p. 5). Já o segundo, trata-se do crescimento da complexidade dos componentes já existentes.

O aumento da força produtiva do trabalho trata-se da diminuição do tempo de trabalho necessário à produção e reprodução das condições de vida humana.  E a formação do gênero humano está relacionado com aquilo que é vital para preservação de uma espécie, que na concepção marxista, trata-se do trabalho (SAVIANI; DUARTE, 2010) o qual possibilita o homem elevar-se intelectualmente e culturalmente (SOUZA, J., 2013).

2.3 AS PERSPECTIVAS DA ESCOLA NEOCLÁSSICA SOBRE O DESENVOLVIMENTO

O ponto em comum entre os teóricos da escola neoclássica é que eles buscavam compreender a formação dos preços, a produção e a distribuição da renda através do mecanismo de oferta e demanda dos mercados (BRUE, 2006, p. 273).

No que se refere ao desenvolvimento, eles o entendiam como um processo lento, gradual e contínuo, assim como harmônico e acumulativo, garantido por mecanismos de equilíbrio automático, associado a um progresso econômico contínuo (SOUZA, J. 2016).

Assim, semelhantemente a abordagem clássica, os economistas neoclássicos, compreendiam que o crescimento econômico gera distribuição equitativa para todos os agentes econômicos segundo sua contribuição para o processo produtivo. Todavia, não acreditavam na existência de um estado estacionário futuro.

Isso porque, para os teóricos neoclássicos, “novas necessidades de consumo geram novos investimentos e excessos de produção em relação ao consumo, induzindo novas poupanças e novos investimentos. Há um círculo virtuoso entre consumo, produção e desenvolvimento contínuo” (SOUZA, N., 2005, p. 137-138). Portanto, o desejo de consumo e a propensão de poupar, são, concomitantemente, geradores da acumulação de capital, crescimento econômico e desenvolvimento.

2.4 A TEORIA SCHUMPETERIANA DO DESENVOLVIMENTO

Para Schumpeter o desenvolvimento não poderia ser designado como mero crescimento da economia por meio do acumulo de riqueza, assim como, ele não se tratava de um processo lento e gradual.

Este teórico defende que o desenvolvimento são mudanças da vida econômica que não lhe são impostas de fora, mas que surgem de dentro, por sua própria iniciativa, e que se trata de processo rápido e cíclico, decorrente da atuação conjunta de empresários individuais, que por meio de ações inovadoras, faz a economia mover-se de um ponto de equilíbrio a outro (GENARI; OLIVEIRA, 2009, p. 265-266).

Segundo essa teoria, sem a atuação do empreendedorismo inovador, o fluxo econômico estacionaria, pois haveria a diminuição do lucro, dos juros e do acúmulo de capital. Dessa forma, o empreendedor criativo, buscando o lucro com a inovação, produz novos produtos e adota processos produtivos mais eficientes, o que lhes confere lucros excessivos e transforma a economia em um processo dinâmico de desenvolvimento econômico (BRUE, 2006, p. 466). 

À medida que a inovação idealizada pelo o empreendedor criativo se universaliza no campo empresarial, o seu lucro e investimento diminui, o que lhe gera recessão. Em razão disso, ele é motivado a criar outros produtos inovadores e, dessa forma, a recessão econômica que sofreu o leva outra vez ao equilíbrio. Assim, o desenvolvimento passa a ser concebido como um processo cíclico e rápido (GENARI; OLIVEIRA, 2009, p. 266-267).

2.5 UMA ABORDAGEM ALTERNATIVA DO DESENVOLVIMENTO

Na década de 1970 surgiram novas abordagens sobre o desenvolvimento, sobretudo na América Latina, que diferem completamente das anteriores, pois deixaram de centrar-se na acumulação de capital para ter como objeto principal a satisfação das necessidades básicas do homem, assim como passaram a analisar o desenvolvimento sobre outras perspectivas, tais como: a ecológica e ambiental, a local e endógena.

Essas novas teorias podem ser categorizadas em quatro vertentes: ecodesenvolvimento, desenvolvimento sustentável, desenvolvimento local e desenvolvimento territorial.

Passa-se a expor essas correntes:

2.6.1 ECODESENVOLVIMENTO

O Ecodesenvolvimento é definido por Sachs (Apud MONTIBELLER FILHO,1993, p. 133) como um “desenvolvimento endógeno e dependente de suas próprias forças, tendo por objetivo responder a problemática da harmonização dos objetivos sociais e econômicos do desenvolvimento com uma gestão ecologicamente prudente dos recursos e do meio”.

Ou seja, continua-se a preocupar-se com o aspecto econômico, só que o associando aos problemas sócioambientais. Busca-se com este desenvolvimento “[…] promover o progresso voltado para o bem-estar do homem e valorização da natureza, dentro de uma visão sistêmica do meio ambiente/homem/ natureza […]”(ANDRADE, 1996, p. 158.).

Entende-se que por meio de projetos relacionados à qualidade de vida e preservação do meio ambiente, levando-se em conta um método de planejamento localizado (onde cada “eco-região” terá seus recursos valorizados e voltados para os problemas sociais), pode-se alcançar um estado de equilíbrio, em que as necessidades básicas de cada pessoa sejam satisfeitas e que todos tenham igual à oportunidade de realizar seu potencial humano individual (VALLEJO, 1988).

2.6.2 DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

A diferença entre ecodesenvolvimento e desenvolvimento sustentável reside no fato de que este busca conciliar o progresso e a ecologia, dando ênfase a uma política ambiental, na responsabilidade com gerações futuras e na responsabilidade comum com os problemas globais; enquanto que aquele “volta-se ao atendimento das necessidades básicas da população, através de tecnologias apropriadas a cada ambiente, partindo do mais simples ao mais complexo” (MONTIBELLER FILHO, 1993, p.137).

Segundo Raynaut e Zanoni o desenvolvimento sustentável busca responder “[…] às necessidades do presente sem comprometer as possibilidades das gerações futuras de satisfazer suas próprias necessidades” (Apud MONTIBELLER FILHO, 1993, p. 137).

Acredita-se que o crescimento econômico pode continuar indefinidamente no mesmo ritmo, desde que ocorram modificações tecnológicas no sentido de tornar, sobretudo, os insumos energéticos mais econômicos e eficientes” (LAYRARGUES. 1997, p. 5).

2.6.3 DESENVOLVIMENTO LOCAL

O desenvolvimento local “[…] é um processo endógeno registrado em pequenas unidades territoriais e agrupamentos humanos capaz de promover o dinamismo econômico e a melhoria da qualidade de vida da população” (BUARQUE, 1999, p.10).

Resulta da atuação conjunta de todos setores da sociedade que explora as suas capacidades e pontecialidades específicas, e está relacionado com a expansão da cidadania, haja vista que envolve a criação de “[…] um locus interativo de cidadãos, recuperando a iniciativa e a autonomia na gestão do bem comum” (MARTINS, 2002), de forma que o governo poderia estar ao alcance das mãos dos cidadãos.

2.6.4 DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL

Semelhantemente ao desenvolvimento local, o desenvolvimento territorial não se exaure no aspecto da melhoria da qualidade de vida de uma população e na conservação do meio ambiente, mais tem peculiares próprias, pois, como ensina Pires […] é um processo de mudança social de caráter endógeno, capaz de produzir solidariedade e cidadania comunitária, e de conduzir de forma integrada e permanente a mudança qualitativa e a melhoria do bem-estar da população de uma localidade ou de uma região(PIRES, 2007).

Nesse contexto, o desenvolvimento territorial pode ser entendido como um estágio de mudança estrutural empreendido por uma sociedade organizada territorialmente, sustentado na potencialização dos capitais e recursos (materiais e imateriais) existentes no local, com vistas à melhoria da qualidade de vida de sua população (DALLABRIDA; SIEDENBERG; FERNÁNDEZ, 2014, p. 11).

O desenvolvimento territorial não é uma imposição externa, outorgada, distributiva e consentida pelo território, pelo contrário é ele é desejado, partilhado e produtor de riquezas, sendo “[…] resultado da integração de vários agentes, inclusive o próprio território, passando pelo governo, políticas públicas, empresas e organizações não governamentais” (VEIGA, 2002).

2.7 O DESENVOLVIMENTO COMO LIBERDADE

A teoria do desenvolvimento como liberdade foi idealizada por Amartya Sen, o qual concebe desenvolvimento para além do crescimento econômico, entendendo-o como um processo contínuo de expansão da liberdade.

Para Sen, embora o crescimento do PIB ou das rendas individuais sejam muito importante como um meio de expandir as liberdades desfrutadas pelos membros da sociedade, as liberdades dependem também de outros fatores determinantes, como as disposições sociais e econômicas, tais como os serviços de educação e saúde, e os direitos civis.

No próximo tópico há uma melhor descrição dessa teoria.

3 O DESENVOLVIMENTO COMO LIBERDADE: A PERSPECTIVA DE ARMATYA SEN

Armatya Sen concebe “[…] o desenvolvimento como um processo de liberdades reais que as pessoas desfrutam […]” (SEN, 2010,p.17), sendo que a expansão das liberdades são tanto a finalidade primordial do desenvolvimento como o principal meio para alcança-lo (SEN, 2010, p. 52). Logo, o êxito de uma sociedade deve ser avaliado, não por meio de seu crescimento econômico, mas através das liberdades que os indivíduos dessa determinada sociedade desfrutam (MARQUES, 2010).

Para se compreender melhor o conceito do desenvolvimento como liberdade, faz-se necessário entender a própria definição que Armatya Sen atribui à liberdade, haja vista que o referido teórico a ver numa dimensão totalmente diferente das concepções clássicas (as quais a concebem como ausência de dominação, ou em um sentido positivo e negativo) (XAVIER, 2015, p. 388).

A liberdade é vista por Sen numa perspectiva mais ampla possível. Para ele liberdade significa expansão das capacidades de um individuo (XAVIER, 2015, p. 390), ou seja, a liberdade vai além do livre arbítrio de se escolher o que se deseja ou de se locomover ou expor seu pensamento e fé, estando relacionado a “ […] capacidade das pessoas levarem o tipo de vida que elas valorizam […]” (SEN, 2010, p. 32). Nesse sentido “ter a capacidade de fazer algo se aproxima de ter a liberdade de fazê-lo” (MASCARENHAS, 2010, p. 67). A essa concepção da liberdade ele atribui-lhe o nome de liberdade substantiva (XAVIER, 2015, p. 390).

O termo “capacidade” para Sen difere totalmente do sentido comum e está ligado as condições que o individuo possui de fazer aquilo que quer, isto fica bem claro no exemplo de MASCARENHAS (2010):  No sentido usual, se “João é capaz de nadar”, isso implica que ele sabe como fazer para nadar, porém não necessariamente tem a oportunidade de nadar. Para Sen, o termo capacidade implica necessariamente que há também condições externas para sua realização, ou seja, João é capaz de nadar, se souber nadar e tiver oportunidade para isso, podendo escolher nadar ou não nadar. Dessa forma, as capacidades necessariamente refletem as liberdades (MASCARENHAS, 2010, p. 67).

O raciocínio de Sen obedece a seguinte lógica: ter a opção de escolher ou possuir ou ser algo ou alguma coisa, não significa, necessariamente, possuir ou ser o que se escolheu. Logo, a liberdade não é, apenas, o arbítrio de decidir sobre as opções, mais também, possuir os meios suficientes de se chegar ao que se escolheu.

Uma pessoa pode intencionar uma graduação, mas só a conquistará se lhe forem ofertados os mecanismo imprescindíveis para que ela a alcance. Dessa forma, as liberdades são oportunidades reais que as pessoas possuem, considerando suas circunstâncias pessoais e sociais. 

Cita-se mais um exemplo (apud XAVIER, 2015, p. 390): Um executivo e um operário que vão de bicicleta para o trabalho. O primeiro realiza esse ato por lazer ou consciência ecológica, pois poderia ir com o seu próprio carro, ou contratar um taxi. Já o segundo o faz por necessidade, haja vista não possuir outro meio de transporte individual, ou onde reside, não ser ofertado um sistema de transporte coletivo eficiente. Veja que no primeiro caso o leque de liberdades do executivo é maior, haja vista que ele pode escolher ir ao trabalho de bicicleta, carro próprio, taxe e, inclusive, de transporte público. Já o operário possui um leque de liberdades menor, não lhe é oferecido outras formas de chegar ao trabalho, além do que ele próprio dispõe.

A partir dessa perspectiva, o Autor defende que o que deve ser igualado não são as rendas, utilidade ou felicidades, como propõe as outras teorias econômicas, mas sim as capacidades (liberdade) (SEN, 2010, p.51), isso porque a igualdade em uma determinada esfera tende a gerar desigualdade em outras, vez que há diferenças entre as relações que os seres humanos constroem, o ambiente natural em que vivem, entre outros fatores.

Sen exemplifica: Uma pessoa incapacitada [disabled] não pode realizar funcionamentos [function] do modo que uma pessoa com o ‘corpo hábil’ pode, ainda que ambas tenham exatamente a mesma renda. Portanto, a desigualdade em termos de uma variável (p.ex., renda) pode nos conduzir no sentido, bem oposto, da igualdade no espaço de outra variável (p. ex., o potencial para realizar funcionamentos ou o bem-estar). (SEN, 1992, p.51)

Desse modo, uma pessoa que padece de algum tipo de deficiência, embora possua a mesma renda que uma pessoa hábil, não possuirá condições financeiras para exercer todas as funcionalidades como esta, o que revela uma verdadeira desigualdades entre elas, apesar da igualdade econômica.

É nessa perceptiva de compreender a liberdade como a capacidade das pessoas levarem a vida que valorizam, que Armatya Sen compreende a expansão da liberdade como fim e o principal meio do desenvolvimento. Essas duas funções da liberdade são nomeadas por Sen, respectivamente, como constitutiva e instrumental.

As liberdades constitutivas são aquelas intrínsecas ao comportamento humano: agir livremente e escolher o que se deseja (MASCARENHAS, 2010, p.68). Trata-se das liberdades relacionadas com a determinação das ações e vontades do próprio indivíduo.

Já as liberdades instrumentais, são aquelas “que contribuem direta ou indiretamente, para a liberdade global que as pessoas têm para viver como desejam” (SEN, 2010, p.54), ou seja, tratam-se dos meios para se alcançar as liberdades substanciais. “Por exemplo, para atingir a liberdade substantiva de ter boa saúde, eu busco as liberdades instrumentais de me alimentar bem, repousar, fazer exercícios físicos, viver em um lugar livre de poluição etc” (PINHEIRO, 1990, p.15).

SEN (2010, 54) divide essa liberdades em cinco tipos: 1) Liberdades políticas  – tratam-se dos direito civis relacionados a escolha de quem vai governar, de como vai governar, na fiscalização do governo, no direito a expressão, participar da elaboração de políticas públicas, etc.; 2) Facilidades econômicas – “[…] são as oportunidades que indivíduos têm para utilizar recursos econômicos com propósito de consumo, produção e troca” (SEN, 2010, p. 54); 3) Oportunidades sociais  – acessibilidade a educação, saúde, trabalho, etc.; 4) Garantias de transparência – garantias relacionadas a publicidade dos atos públicos, que possibilita o cidadão fiscalizar o governo e evitar a corrupção; 5)  Segurança protetora – trata-se de uma rede de segurança social que evita que parte da população atinja a miséria, ela envolvem benefícios aqueles que são carentes.

Tais liberdades complementam-se umas as outras, e neste mutualismo contribuem diretamente para o aumento das capacidades das pessoas (SEN, 2010, p. 57). SEN exemplifica esse mutualismo da seguinte forma:

“Liberdades políticas (na forma de liberdade de expressão e eleições livres) ajudam a promover a segurança econômica. Oportunidades sociais (na forma de serviços de educação e saúde) facilitam a participação econômica. Facilidades econômicas (na forma de oportunidades de participação no comércio e na produção) podem ajudar a gerar a abundância individual, além de recursos públicos para os serviços sociais. Liberdades de diferentes tipos podem fortalecer umas às outras” (SEN, 2010, p. 25-26).

O Autor compreende que as liberdades substanciais e instrumentais podem ser expandidas por meio de políticas publicas específicas, assim como, tais liberdades podem potencializar e tornar mais eficazes essas mesmas políticas públicas, existindo uma verdadeira relação de mão dupla entre elas (SEN, 2010, p. 46). Além do que “cabe ao povo formatar seus desejos e, juntamente com o Estado, construir as políticas públicas adequadas à persecução dos mesmos” (MANIGLIA; POSSAS, 2013, p. 641).

 Assim, para se desenvolver uma sociedade precisa, por meio de políticas púbicas específicas, incentivar as liberdades instrumentais e remover as principais fontes de privação dessas liberdades, as quais são: 1) pobreza e tirania; 2) carência de oportunidades econômicas e  destituição social sistemática; e, 3) negligência dos serviços públicos e intolerância ou interferência excessiva de Estados repressivos (SEN, 2010, p. 35).

Isso porque, em alguns casos, a ausência de liberdade substantiva está diretamente relacionada à pobreza econômica, que usurpa dos indivíduos a liberdade de satisfazer as suas necessidades básicas. Em outras situações, a privação da liberdade está relacionada com a ausência dos serviços públicos, que retira da pessoa o acesso a direitos fundamentais a sua existência e desenvolvimento de sua personalidade. Assim como há casos da privação da liberdade decorrente de restrições impostas as pessoas de participar da vida social, política e cultural de seu país.

Portanto, a tese advogada por Amartya Sen é que a liberdade ocupa uma finalidade central para o desenvolvimento, haja vista que ela assume, nesse contexto duas funções: avaliadora e eficácia. A primeira consiste em avaliar o progresso do desenvolvimento a partir do aumento real das liberdades pessoas. A segunda, é que a liberdade possibilita a realização do desenvolvimento.

4. A RELAÇÃO DA TEORIA DO DESENVOLVIMENTO COM O DIREITO CONSTITUCIONAL: O DESENVOLVIMENTO COMO UM DIREITO FUNDAMENTAL

Os direitos fundamentais são definidos por Ingo Wolfgang Sarlet como todos os direitos inerentes a pessoa humana reconhecidos internacionalmente e positivados na esfera do direito constitucional de determinado Estado (SARLET, 2012, p. 29), que além de “[…] dizerem respeito à tutela e promoção da pessoa na sua individualidade, considerada como titular de direitos, representam valores da comunidade no seu conjunto […]” (SARLET, 2012, p. 227).

Eles desempenham funções múltiplas na sociedade (CUNHA JUNIOR, 2011, p. 559-560), pois consagram princípios informadores de toda a ordem jurídica, fornecendo-lhes os mecanismos de tutela (permitindo ao particular reivindicá-los do Estado) (BULUS, 2014, p. 526), assim como vinculam os poderes executivo, legislativo e judiciário, inclusive a atuação do particular (MENDES, 2009, p. 288).

 Nesse contexto, o poder legislativo deve editar normas em coerência com os direitos fundamentais reconhecidos, assim como regulamentar os direitos fundamentais dependentes de concretização. O poder executivo deve realizar os seus atos irradiados pelos direitos fundamentais e buscando os promoverem. O poder judiciário deve defender esses direitos. E, por fim, o particular, na suas ações, devem atuar nos limites estabelecidos pelos direito fundamentais (SARLET, 2012, p. 372).

O desenvolvimento é um direito fundamental, pois está previsto em documentos internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil é signatário (PEIXINHO; FERRARO, 2003, p. 6963), assim como está previsto em várias normas da Constituição Federal.

O Brasil subscreveu a Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento da ONU, o qual prevê no seu artigo 1º:

“§1. O direito ao desenvolvimento é um direito humano inalienável, em virtude do qual toda pessoa e todos os povos estão habilitados a participar do desenvolvimento econômico, social, cultural e político, para ele contribuir e dele desfrutar, no qual todos os direitos humanos e liberdades fundamentais possam ser plenamente realizados.

§2. O direito humano ao desenvolvimento também implica a plena realização do direito dos povos à autodeterminação que inclui, sujeito às disposições relevantes de ambos os Pactos Internacionais sobre Direitos Humanos, o exercício de seu direito inalienável à soberania plena sobre todas as sua riquezas e recursos naturais.”

Assim como é um dos signtários da Declaração de Viena de 1993, a qual reafirma o direito ao desenvolvimento, conforme estabelecido na Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento, enquanto direito universal e inalienável e parte integrante dos Direitos do homem fundamentais.

Não obstante, o desenvolvimento é reconhecido pela Constituição Federal através de várias normas, entre todas cita-se: 1) o art. 3º, II o qual disciplina que é um dos objetivos fundamentais do Brasil  garantir o desenvolvimento nacional; 2) o art. 5º, XXIX, que busca assegurar o desenvolvimento econômico e social do país; 3) o art. 21, IX que institui a União como a responsável em promover o desenvolvimento econômico e social da nação.

Inclusive, no preâmbulo da Carta Magna, enuncia que o Estado democrático brasileiro, está compromissado, dentre outros fins, a assegurar o desenvolvimento da sociedade brasileira.

O desenvolvimento é um direito constitucional de caráter fundamental, de forma que  deve nortear toda a interpretação das demais normas constitucionais, bem como serem efetivados por meio dos atos dos órgãos públicos, sempre na busca da implementação de ações e medidas de ordem política, jurídica ou irradiadora que almejam a consecução de seus fins (PEIXINHO; FERRARO, 2003, p. 6963).

5. INTERFACES ENTRE A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E A TEORIA DO DESENVOLVIMENTO COMO LIBERDADE.

Não há dúvidas de que a Constituição Federal tutela o desenvolvimento.Todavia, cabe aos agentes políticos definir qual tipo de desenvolvimento irão aplicar ao país por meios das políticas publicas que desenvolvem.

As propostas de desenvolvimento para o país são tão multifacetadas quanto as correntes teóricas que os definem, basta se atentar para as sugestões que os partidos políticos oferecem: alguns são liberais seguindo a corrente das escolas clássicas e neo-clássicas, outros vão nas vertentes dos desenvolvimento alternativo, sobretudo do desenvolvimento sustentável, e ainda, existe aqueles que veem  o desenvolvimento numa perspectiva marxista.

Ocorre que só se poderá aplicar um modelo de desenvolvimento que esteja em consonância com o disposto nas normas constitucionais, pois são elas que definem toda e qualquer atuação do poder público e põe limites na atuação do particular.

Embora a teoria do direito como liberdade não seja um modelo de desenvolvimento propriamente dito, haja vista que ela busca principalmente é fornecer mecanismo para que se avalie a eficácia de um modelo de desenvolvimento, ela também fornece sugestões para que o desenvolvimento seja eficaz, e portanto, pretende-se com este tópico analisar se as normas constitucionais do Brasil, permitem este país pensar a sua atuação pública e privada na perspectiva da teoria citada.

Como restou demonstrado no capítulo 2, a teoria do desenvolvimento como liberdade propõe que um desenvolvimento é eficaz quanto mais ele garante a liberdade dos indivíduos, (liberdade esta, entendida como a capacidade deles exercerem a vida que desejam), e que os meios de se atingir essa liberdade, é garantido por outras liberdades, nomeadas por Amartya Sen como liberdades instrumentais, as quais são: liberdades políticas, facilidades econômicas, oportunidades sociais, garantia de transparência e segurança protetora. Dessa forma, as liberdades instrumentais são o mecanismo para se atingir o verdadeiro desenvolvimento.

A partir desta perspectiva, busca com este capítulo, demonstrar a conexão entre as liberdades instrumentais apontadas por Armatya Sen e a Constituição Federal, a fim de demonstrar que o desenvolvimento como liberdade pode ser aplicado nas tomadas de decisões e na execução das políticas pública do país.

5.1 LIBERDADES POLÍTICAS

Para Amartya Sen, as liberdades políticas vão desde aqueles que asseguram a escolha de quem vai governar, passando pela liberdade de expressão que possibilita exigir do governo atuação em determinada área, até a liberdade de participar das tomadas de decisões de um Estado e de fiscalizar os atos públicos.

A Constituição Federal de 1988 traz em seu texto, de forma explicita e implícita, várias previsões desse tipo de liberdade, a começar pelo princípio da soberania popular, previsto no parágrafo único do seu artigo 1º, consoante o qual “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”, e pelo regime democrático, previsto no caput do mesmo artigo.

O princípio da soberania popular é o fundamento das liberdades políticas na Constituição, todas as demais normas atinentes as liberdades políticas será dele decorrente. Ele deve ser interpretado e garantido na sua forma mais lata possível. Inclusive, Paulo Bonavides (2010) entende, que ele só será concretizado plenamente, quando a democracia brasileira estiver madura o suficiente para que seus cidadãos possa escolher de forma não apenas representativa os agentes públicos, assim como as leis.

 Marcelo de Andrade Cattoniti de Oliveira (in CANOTILHO, 2013, p.277), ao comentar a referida norma, dá-lhe o nome de princípio da democracia constitucional, e informa que o mesmo garante-se: a) pelo direito fundamental de dizer não; b) pelo respeito aos direitos das minorias; c) por meio das diversas formas de participação e de representação política dos vários pontos ideológicos presentes na sociedade; d) pelos mecanismos participativos e representativos de fiscalização do governo; e) por meio de direitos processuais de participação nas diversas e sociais; f) por ações afirmativas que visem à inclusão social e cultural.

Roberta Lena Costa Jucá (JUCÁ, 2007, p. 84) em sua dissertação cita uma longa lista, que não é exaustiva, de remissões constitucionais que tutela a soberania popular:  a) Art 5º, XXXIV b) Art 5º, LXX ; Art 5º, LXXIII, Art. 10,  Art. 29, XII,  Art. 31, § 3º, Art. 37, § 3º, Art. 61, caput, e § 2º,  Art 74, § 2º; Art. 89, VII; Art. 103-B, XIII; Art. 130-A, VI; Art. 144; Art. 173, § 1º; Art. 194, VII, 61 Art. 198, III,  Art. 204, II , Art. 205, Art. 206, VI,  Art. 216, § 1º,  Art. 225, Art. 227 Art. 227, § 1º,  Art. 230, Art. 79, parágrafo único do ADCT e Art. 82 do ADCT.

Dentre todos os dispositivos citados, destaca-se aqueles que estão diretamente relacionados com as liberdades políticas na perspectiva de Amartya Sen:

a) O Art. 14 corresponde à dimensão da liberdade política referente a escolher de quem vai governar, e sob quais regras;

b) O arts. 5º, VIII, IV, V, IX, XII, XIV, LXIII e o art. 220 promovem a liberdade de expressão, e por consequência, a liberdade de criticar as autoridades e as expressões políticas, o que é necessário para pressionar o governo a realizar obras que aumente as capacidades do cidadão;

c) Os arts. 10, 29, XII;  89, VII; 130-A, VI; 130-B, XVI; 198, III, buscam promover a participação do cidadão no debate das políticas públicas, assim como o art. 195 visa incluir a participação popular no diálogo das políticas públicas relacionados a segurança social, e o art. 205 no diálogo das políticas relacionados a educação.

d) Os art. 37, parágrafo 3º; 197, VII e 206, VI buscam criar mecanismos que promovam a participação popular na gestão dos atos públicos. Inclusive, o art. 61, parágrafo 2º, possibilita a criação de projeto de lei, para ser votada pelo legislativo, por meio de iniciativa popular.

e) O art. 74, parágrafo 2º garante ao cidadão a possibilidade de fiscalizar os atos da gestão pública.

Portanto, percebe-se que existe uma clara correspondência entre o princípio da soberania popular e as liberdades políticas citadas por Amartya Sen, os quais extrapolam o âmbito da escolhas das pessoas na arena política, para tornar o cidadão com um agente político, seja na fiscalização da atuação pública, seja como executor dos atos públicos.

5.2 FACILIDADES ECONÔMICAS

Nos ensinamentos de Amartya Sen, a liberdade na dimensão das facilidades econômicas correspondem “ao poder de os indivíduos usarem os recursos econômicos, tais como os bens e serviços, as possibilidades de fazer transações, o acesso à renda e ao crédito, etc. Incluem as oportunidades tidas pelos indivíduos para fins de consumo, produção e troca.” (PINHEIRO, 1990, p. 16).

Tendo em vista que a Magna Carta tutelou um modelo de estado capitalista, não há dúvidas que este direto encontra-se integrado ao direito constitucional. Isso resta evidente por meio do Título VII que trata da regulamentação da Ordem Econômica e Financeira do País, especialmente através do art. 170, o qual informa:

“Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

I – soberania nacional;

II – propriedade privada;

III – função social da propriedade;

IV – livre concorrência;

V – defesa do consumidor;(…)

Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.”

Observa-se que o art. 170 no inciso I, tutela a propriedade privada, que é necessário para a existência do mercado, e no inciso IV, a livre concorrência, que possibilita o consumo, a produção e a troca, que são vetores importantes para as pessoas usarem os seus recursos na prática econômica.

E ainda, o parágrafo único deixa esses direitos ainda mais nítidos ao dispor que todo cidadão pode exercer qualquer atividade econômica, salvo aquelas que possuam alguma exigência legal.

Sobre o princípio da livre concorrência, Eros Roberto Grau (in CANOTILHO, 2013, p. 4177-4778) ensina que trata-se de um dos desdobramento da liberdade individual no âmbito econômico, e não é restrita apenas a liberdade da empresa, mais também dos indivíduos participarem da ordem econômica por meio das trocas e produção.

As facilidades econômicas pensada por Amartya Sen, como instrumento da liberdade substancial, pode ser fomentada pelo Estado brasileiro, em decorrência do princípio da livre concorrência e do art. 170 do seu texto constitucional, os quais visam garantir que os cidadãos brasileiro desfrutem de sua liberdade ao máximo possível na ordem econômica, seja como consumidor ou como agente fornecedor ou prestador. 

5.3 oportunidades sociais

As oportunidades sociais são liberdades instrumentais relacionadas às condições de saúde e educação, saneamento, moradia, e outros aspectos que podem melhorar a condição de vida da pessoa, como ter acesso a remédio, a vacinação, a habitação própria, etc. Na visão de Sen, essas liberdades são obtidas através de políticas públicas eficazes direcionadas para a melhoria de vida da população.

Esse tipo de liberdade são justamente os objetivos da República Federativa do Brasil, como pode-se perceber por meio do art. 3º:

“Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I – construir uma sociedade livre, justa e solidária;

II – garantir o desenvolvimento nacional;

III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.”

Inclusive, tais liberdades são posta na constituição como direitos fundamentais, integrando os direitos sociais previstos no capitulo II, do título II da Constituição Federal.

Por conta disso, há vários dispositivos na Constituição que determina a realização de políticas públicas para efetivar essas liberdades, vejamos alguns:

“Art. 227. § 1º. O Estado promoverá programas de assistência integral à saúde da criança, do adolescente e do jovem, admitida a participação de entidades não governamentais, mediante políticas específicas e obedecendo aos seguintes preceitos.

Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: (…) II – cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência; (…) V –  proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação, à ciência, à tecnologia, à pesquisa e à inovação; (…) IX – promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico; (…).

Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: (…) IX – educação, cultura, ensino, desporto, ciência, tecnologia, pesquisa, desenvolvimento e inovação; (…) XII – previdência social, proteção e defesa da saúde;(…).

Art. 30. Compete aos Municípios: (…) VII – prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população; (…);

Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social. (…) Parágrafo único. Compete ao Poder Público, nos termos da lei, organizar a seguridade social, com base nos seguintes objetivos:

Art. 21. Compete à União: (…) XX – instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transportes urbanos;(…)”

A ampliação das oportunidades sociais é um objetivo claro do Estado brasileiro, o qual tem contribuído com várias políticas publicas para facilitar o acesso das pessoas vulneráveis aos direitos sociais mais básicos. Portanto, a Constituição não só coloca a oportunidades sociais como um dever do Brasil, mais também como é uma verdadeira fomentadora desta políticas públicas, pois como percebe-se dos dispositivos acima, matérias que poderiam ser tutelada por leis, são especificadas em seus texto, a fim de que tenham maior observação por parte dos governantes.

5.4 GARANTIA DE TRANSPARÊNCIA

Trata-se da confiança mútua entre os indivíduos, em suas interações sociais, confiança que é fundamental para o sucesso dessas interações. As garantias de transparência incluem o direito à informação em todos os níveis, principalmente nas esferas públicas.

Apesar de no Brasil, mesmo com os esforços empreendidos, haver uma grande dificuldade de acesso do cidadão as contas públicas e as motivações dos atos públicos, a constituição federal consagra a publicidade dos atos públicos por vários dispositivos.

O primeiro e mais importante de todos é o art.37, que institui o princípio da publicidade dos atos públicos, seguido deste, vêm os seguintes incisos do art. 5º: LX – o qual determina que só pode haver limitação dos atos processuais em situação de defesa da intimidade ou do interesse social; XIV – garante a todos o acesso a informação, resguardado a fonte;  XXXIII – assegura a todos o direito de obter do poder público informações de seu interesse; XXXIV – assegura a todos o direito de petição e de certidão.

Ao comentar sobre o princípio da publicidade, José Afonsa de Souza disserta que ele abrange toda a atuação estatal, não somente no que se refere ao aspecto oficial dos seus atos, mais também no conhecimento da atuação interna dos agentes da administração pública, além de assegurar a todos o direito de obter dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, coletivo ou social (SILVA, 2005, p. 651-652).

Nesse sentido, José Carvalho filho ensina que em virtude deste princípio “os atos da Administração devem merecer a mais ampla divulgação possível entre os administrados, e isso porque constitui fundamento do princípio propiciar-lhes a possibilidade de controlar a legitimidade da conduta dos agentes administrativos.” (CARVALHO FILHO, 2014, p. 26) Haja vista que “só com a transparência dessa conduta é que poderão os indivíduos aquilatar a legalidade ou não dos atos e o grau de eficiência de que se revestem” (CARVALHO FILHO, 2014, p. 26).

Este princípio corresponde-se com a liberdade instrumental da garantia de transparência, vez que busca fazer com que os atos públicos sejam revestidos de publicidade.

5.5 SEGURANÇA PROTETORA

A segurança protetora, segundo Sen, trata-se de uma rede de segurança social que busca impedir que a população afetada negativamente pelo sistema econômico seja reduzida à miséria absoluta e, em alguns casos, até mesmo à fome e à morte. A esfera da segurança protetora inclui disposições institucionais fixas, como benefícios aos desempregados e suplementos de renda regulamentares para os indigentes, bem como, por exemplo, a distribuição de alimentos em crises de fome coletiva ou empregos públicos de emergência para gerar renda para os necessitados.

O Art. 1º da Constituição Federal, apesar de ser o suficiente para embasar a atuação do governo nesse sentido, pois prevê como um dos fundamentos do Brasil a dignidade da pessoa, existem outras normas constitucionais que conferem ao poder público prerrogativas para atuar ativamente e positivamente na promoção da segurança social, alguns deles são:

O art. 193 que dispõe sobre a ordem social, destacando que a mesma tem como base o bem-estar dos cidadãos. Os  arts. 193. 194, 195 § 10, os quais versam especificadamente sobre a segurança social e atribui ao poder público o dever de realizar ações que promovam a saúde, previdência e assistência social. E por fim, o art. 203 e 204, os quais se referem à assistência social do poder público.

Embora no Brasil ainda não exista uma rede de segurança protetora nos moldes do pensamento de Amartya Sen, pois o número das pessoas que vivem em estado de penúria é alarmante, vê-se que há dispositivos constitucionais que busca promover a segurança social do país.

6. CONSIDERAÇÕES GERAIS

A Constituição Federal, por meios de vários dispositivos, atribui ao desenvolvimento a característica de um direito fundamental, consequentemente as normas editadas pelo poder legislativo e as políticas públicas criadas e executadas pelo poder executivo não podem está desassociada deste direito.

São várias as teorias que buscam definir o que é o desenvolvimento e propõem um método para alcançá-lo. Essas teorias variam, desde aqueles que o vê como um processo de crescimento econômico, até as que estão relacionadas com a proteção ambiental ou aumento da cidadania. Em virtude deste amplo leque teórico, o diálogo políticos é marcado por grandes tensões sobre em qual perspectiva será elaborada e executadas a atuação do poder público, todavia só poderá ser utilizadas as teorias que estejam em sintonia com o ordenamento jurídico do país.

Neste contexto, restou-se verificado por meio da pesquisa realizada, que dentre todas as teorias existentes, a teoria de Amartya Sen, que concebe o desenvolvimento como um processo de expansão de liberdades, é uma das que se coaduna com a Constituição Federal.

Isso porque, as liberdades, que segundo Amartya Sen, são necessárias para se aumentar a capacidades dos indivíduos em realizar o que valorizam, são tuteladas pela Constituição Federal, as quais muitas vezes são colocadas como um verdadeiro dever do poder público. Além do que, a própria finalidade do desenvolvimento proposto por Amartya Sen possui fundamento constitucional. Ou seja, tanto os meios para se atingir o desenvolvimento como liberdade, quanto a própria finalidade desta teoria, são chancelados pela Carta Magna Brasileira.

 

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Informações Sobre o Autor

Samyr Leal da Costa Brito

Bacharel em direito pela UNEB, Especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela UNINTER e Pós-graduando em Gestão da Inovação e Desenvolvimento Regional pela UFRB


Equipe Âmbito Jurídico

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