I – Noções introdutórias.
1. Aspectos Gerais. Neste artigo será feita análise dos aspectos processual e material da Lei de Recuperação de Empresas e Falência (adiante denominada LREF), que entra em vigor no dia 09 de junho de 2.005. Justifica-se o emprego da expressão Direito Criminal justamente para agregar as duas vertentes legais na apreciação da legislação em tela. Revogado foi o anterior diploma legal – Decreto-Lei 7661/45 -, adiante denominado LFC.
As Disposições de cunho penal e processual penal do novo diploma estão contidas no Capítulo VII que, por sua vez, é dividido em três seções: I – Crimes em Espécie; II – Disposições Comuns; e III – Procedimento Penal. Didaticamente, seguiremos o modelo legal, dividindo-o em duas partes: Dos Crimes e Do Procedimento.
Interessante desde já consignar que o divórcio do novo diploma para com o anterior no campo criminal é visceral. Tínhamos um diploma vigendo há quase sessenta anos que necessitava de lapidação e ajuste à realidade nacional. Não obstante, para muitos doutrinadores, o avanço foi pífio no campo criminal, como veremos na Parte II destinada ao Procedimento Penal, mormente porque as chances de se avançar tecnicamente teriam sido relegadas a um procedimento arcaico como o dos crimes apenados com detenção previsto no CPP.
No campo penal, um dos grandes destaques foi o cálculo dos prazos prescricionais pelas disposições do CP em lugar do prazo bienal especial da antiga LFC, fonte de impunidade, pois nada justifica discriminar o criminoso falimentar do criminoso comum; a isonomia penal deve alcançar a todos, indistintamente.
No campo processual, a marca de destaque ficou por conta da singeleza ritual, abandonando-se fórmulas anacrônicas e desconformes ao processo penal moderno, como o inquérito judicial para apurar infrações falimentares que era presidido pelo juiz cível que passou para a autoridade policial.
2. A expressão “Crimes Falimentares”. Foi abolida. A lei refere-se tão-somente a crimes em espécie, afastando-se do modelo anterior, porquanto, agora, há crimes que podem ser cometidos após ou durante a recuperação judicial da empresa, antes da sentença declaratória de falência. Contudo, cremos que a expressão “crimes falimentares” é tradicional e deva permanecer no meio doutrinário e jurisprudencial, especialmente porque os tipos estão contidos na nova Lei de Falências, a despeito do novo instituto de recuperação judicial. Ademais, as condutas criminosas do devedor em recuperação, em regra, tendem a conduzi-lo para a falência.
3. Da natureza jurídica da sentença concessiva de recuperação judicial e declaratória da falência. Dispõe o art. 180, da LREF, que “A sentença que decreta a falência, concede a recuperação judicial ou concede a recuperação extrajudicial de que trata o art. 163 desta Lei é condição objetiva de punibilidade das infrações penais descritas nesta Lei”.
A ação penal, na LFC, exigia como pressuposto indissociável o decreto de falência, caracterizado pelo estado de insolvência do devedor. Atualmente, são três decisões que constituem condição de punibilidade: a sentença declaratória de falência, a concessiva de recuperação judicial e a homologatória de recuperação extrajudicial.
Muito se discutiu na doutrina a respeito da natureza jurídica da sentença declaratória da falência. Para uns, afigurava-se elemento constitutivo do crime, pois a sentença integrava a figura típica da incriminação legal[1]; para outros, seria condição objetiva de procedibilidade, pois o art. 507 da CPP pressupunha que a ação penal não podia iniciar-se antes de declarada a falência. Para uma terceira corrente, tratava-se de condição objetiva de punibilidade. Esta sempre foi a posição prevalente e, agora, concebida expressamente pelo legislador falitário.
Definem-se as condições objetivas de punibilidade como circunstâncias que se encontram fora do tipo do injusto e da culpabilidade, mas de cuja existência depende a punibilidade do fato[2]. Situam-se fora do dolo do agente e estão sujeitas a um acontecimento incerto e posterior ao fato criminoso[3]. Dizem ainda que condições de punibilidade do fato são os elementos objetivos extrínsecos à ação ou à omissão, concomitantes ou sucessivos à execução do próprio fato, e sem o concurso dos quais este não é punível porque não constitui crime[4]. As três sentenças declinadas funcionam como pressuposto de procedibilidade da ação penal e de punibilidade do devedor ou falido pelo cometimento da infração falimentar. São condicionantes da instauração de inquérito policial e, por via de conseqüência, de oferecimento de denúncia e da punição do agente.
Por serem condicionantes da punição do agente, caso sejam rescindidas ou revogadas, a extinção da punibilidade do devedor ou falido será viabilizada através de revisão criminal perante o Tribunal competente.
Indaga-se: qual a natureza jurídica dessas sentenças quanto aos crimes pós-falimentares ou pós-recuperação judicial? A questão é acadêmica, porém merece reflexão, porquanto na medida em que o devedor ou falido tem ciência de sua condição pessoal registrada em sentença, a conduta delitiva amoldada a uma figura típica falitária, faz com que a sentença integre, passe a ser elemento constitutivo da infração. É o caso de fraude a credores perpetrada pós-sentença, em que o devedor se vale de documentos falsos para justificar despesas inexistentes; existindo a sentença concessiva esta integrará o tipo penal falitário.
Outra indagação relevante: é possível, ante a concessão de recuperação judicial e a prática de crime do devedor não ser decretada a falência? Sustentamos que sim, porquanto o coração, o cerne, a alma da LREF reside na preservação da atividade produtiva. Preconiza o art. 47 da LREF que “A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica”. Como o primado do novel diploma é a manutenção da fonte produtiva, com a preservação da empresa, mecanismos foram previstos para alcançar tal desiderato, tanto que o processo e eventual condenação do devedor somente afetarão sua pessoa, restando inatacada a nascente, a fonte de toda a atividade econômica que ele não soube gerir. Sua reprimenda e eventualmente dos demais administradores, porém, será o afastamento da condução da atividade empresarial (art. 64 e incisos).
4 – Do Juízo Competente. O art. 183 da LREF reza que: “Compete ao juiz criminal da jurisdição onde tenha sido decretada a falência, concedida a recuperação judicial ou homologado o plano de recuperação extrajudicial, conhecer da ação penal pelos crimes previstos nesta Lei”. Uma leitura desarmada e desatenta ao dispositivo conduz, inexoravelmente, à conclusão de que o legislador ordinário definiu que o processo-crime haverá de ser processado e julgado perante a justiça criminal do local da quebra. Ledo engano. As Leis de Organização Judiciária é que devem definir a competência em razão da matéria na esfera criminal. Não é por outra razão que o art. 74 do CPP estatui que “A competência pela natureza da infração será regulada pelas leis de organização judiciária, salvo a competência privativa do Tribunal do Júri”.
Antes mesmo de vir a lume a Lei 11.101/05, o arguto Tourinho Filho já criticava o legislador, vez que afrontada nossa Carta Magna e pedia que fosse reparado o equivoco[5].
Explicava o mestre que o art. 24, XI, da Constituição Federal prevê competir à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre procedimentos em matéria processual e o § 1º complementa que “No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais”. Portanto, “as normas especiais (distribuição de competência aos juízes) são dos Estados e do Distrito Federal. Desse modo, cabe à Lei de Organização Judiciária dos Estados e do Distrito Federal, e não à União, estabelecer a competência para a ação penal, em face da natureza da infração (art. 74 do CPP). No Estado de São Paulo, a Lei de Organização Judiciária atribuía e atribui aos Juízes das Varas de Falências da Capital competência para o processo e julgamento dos crimes falimentares. Os frutos foram tão bons que posteriormente, a Lei estadual n. 3.947, de 8-12-1983, no art. 15, estendeu essa competência às Varas de Falências de todo o Estado. Houve argüição de inconstitucionalidade e conflitos de competência, e o Supremo Tribunal Federal decidiu, com acerto, que o diploma paulista era constitucional por se tratar de mera regra de organização judiciária (RT 629/418, 611/449 e RTJ 119/133)”.
Do exposto, alinhamo-nos a Tourinho Filho para reputar inconstitucional o art. 183 da LREF. Destarte, se algum Estado-membro ou o Distrito Federal dispuser diferentemente, em sua lei de organização judiciária, quanto ao juízo competente para o processo e julgamento dos crimes em espécie estatuídos na LREF, estarão acobertados pela Carta da República, sem se olvidar que o juízo competente – cível ou criminal – será aquele da jurisdição onde foi decretada a falência ou a recuperação.
Em São Paulo, através da Resolução nº 200/2005, o Tribunal de Justiça, por seu órgão especial, visando primacialmente a especialização do serviço judiciário do Estado criou três Varas de Falências e Recuperações Judiciais, com competência para processar, julgar e executar os feitos relativos a falência, recuperação judicial e extrajudicial, principais, acessórios e seus incidentes, incluídas as ações penais (art. 15, da Lei Estadual nº 3.947/83). Em conseqüência, ficam os juízes cíveis das Comarcas do interior com competência idêntica.
Nos demais Estados, se a competência for mantida na justiça criminal, como aventado pelo legislador falitário, existirão dois processos: um cível e um criminal. Aquele com trâmite na esfera cível e o outro terá distribuição livre, competindo a um Juiz Criminal da comarca o processo e o julgamento; quanto ao órgão do Ministério Público a oficiar, disciplina administrativa ou lei de organização judiciária disporá a respeito.
PARTE I – DOS CRIMES
1. Os crimes falimentares. Como é cediço, às vésperas da quebra, o devedor, pessoalmente ou em co-autoria, pode lançar mão de expedientes ilícitos para minimizar os efeitos financeiros da bancarrota. O comportamento criminoso pode ocorrer antes ou depois de qualquer das sentenças e contar, inclusive, com o conluio de credores.
Enquanto os tipos penais não forem aglutinados em um único diploma, o que cada ano mostra-se improvável, leis extravagantes existirão contemplando-os. A LREF trata dos crimes em espécie nos arts. 168 usque 178 e oferece regras de cunho penal em suas Disposições Comuns, relativas a concurso de pessoas (art. 179), natureza jurídica da sentença proferida pelo juiz cível (art. 180), efeitos da sentença condenatória penal falimentar (art. 181) e prescrição (art. 182).
Já feita a abordagem inicial quanto à natureza jurídica das sentenças no processo de recuperação ou falência, restam as demais referências.
2. Objetividade Jurídica. A doutrina e a jurisprudência até a data atual não chegaram a um consenso acerca da natureza jurídica das infrações da LFC e agora da LREF. Para uns penalistas eram crimes contra a fé pública (Carrara e Siqueira), contra a economia pública (Persina e Carfora), contra a administração da justiça, contra o patrimônio (Carvalho de Mendonça), pluriobjetivos e contra o comércio. Posiciona-se o eminente autor Rubens Requião[6] ao lado de Sady Cardoso de Gusmão no sentido de que os crimes são pluriobjetivos, porquanto observando os tipos penais conclui-se que mesclam crimes contra a fé pública, contra o comércio e a economia, bem como contra a administração da justiça e contra a propriedade. Filiamo-nos, também, à corrente que defende a objetividade jurídica plúrima.
Atualmente, os tipos falimentares estão mais bem distribuídos, com lógica e racionalidade, embora as condutas guardem grande similitude com os da LFC que era um amontoado.
3. Direito Intertemporal. O legislador foi mais rigoroso, criando tipos penais com penas mais exacerbadas e fixando o prazo prescricional com esteio nas regras do CP. A conseqüência desse rigor é de que tanto os novos tipos como o prazo prescricional, somente terão aplicabilidade aos fatos ocorridos a partir de 09 de junho de 2.005, posto que a lei mais severa é irretroativa, na garantia constitucional canonizada no art. 5º, XL, da CF, verbis: “a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”. Portanto, os fatos perpetrados até o dia 08 de junho de 2.005 serão processados e julgados consoante os ditames do diploma anterior e contarão com o prazo prescricional bienal, amplamente mais favorável, admitido pelo art. 199 da LFC[7].
4. Classificação Doutrinária. É o nome dado ao fato delituoso pela doutrina. Os crimes previstos da LREF podem ser classificados quanto ao agente; quanto ao momento da ação ou omissão; e quanto ao resultado.
– Quanto ao sujeito ativo: podem ser próprios ou impróprios. Crime próprio é aquele que só pode ser cometido por uma determinada categoria de pessoas, pois pressupõe no agente uma particular condição ou qualidade pessoal[8]. Na Lei 11.101/05, próprios são os crimes perpetrados pelo devedor ou pelo falido, equiparando-se a eles, na medida de sua culpabilidade, os sócios, diretores, gerentes, administradores e conselheiros, de fato ou de direito, bem como o administrador judicial (art. 179). Crime impróprio, no sentido inverso, são os crimes em que a lei não exige uma condição especial do agente, que na LREF são sujeitos ativos: o juiz, o representante do Ministério Público, o administrador judicial, o gestor judicial, o perito, o avaliador, o escrivão, o oficial de justiça ou o leiloeiro que, por si ou por interposta pessoa, adquirirem bens de massa falida ou de devedor em recuperação judicial ou, em relação a estes, entrarem em alguma especulação de lucro, quando tenham atuado nos respectivos processos.
– Quanto ao momento da ação ou omissão: podem ser crimes pré-recuperação ou pré-falimentares e crimes pós-recuperação ou pós-falência. Quando perpetrados antes da decisão respectiva, vimos que a sentença funciona como condição específica de punibilidade; já, quando perpetrados após a prolação da sentença, esta funciona como elemento constitutivo do crime perpetrado.
– Quanto ao resultado ou ao efeito. Podem ser de dano ou de perigo. Na visão de Rocco, citado por Miranda Valverde, dano é a modificação do mundo exterior que produz a perda ou a diminuição de um bem ou de um interesse humano; perigo é a modificação do mundo exterior (resultado), voluntariamente causada ou não impedida (ação ou omissão), contendo a potencialidade (idoneidade, capacidade) de produzir a perda ou a diminuição de um bem, o sacrifício ou a restrição de um interesse (dano).[9]
Para Capez, o crime de dano exige uma efetiva lesão ao bem jurídico protegido para sua consumação (homicídio, furto, dano etc.). Já o crime de perigo para sua consumação, basta a possibilidade de dano, ou seja, a exposição do bem a perigo de dano (crime de periclitação da vida ou saúde de outrem – art. 132 do CP). Subdivide-se em: a) crime de perigo concreto, quando a realização do tipo exige a existência de uma situação de efetivo perigo; b) crime de perigo abstrato, no qual a situação de perigo é presumida, como no caso da quadrilha ou bando, em que se pune o agente mesmo que não tenha chegado a cometer nenhum crime.[10]
Em nossa ótica: Perigo abstrato se dá quando a realização da conduta descrita no tipo é suficiente para a punição, sendo desnecessário que dela advenha perigo concreto. Não precisa ser provado, pois a lei presume-o jure et de jure. Perigo concreto ocorre quando o perigo precisa ser provado. Não há presunção, exigindo-se prova do perigo de dano à coletividade ou a pessoa determinada.
Assim, nos crimes de dano, a ação ou omissão do empresário devedor produz, efetivamente, um dano ou uma lesão; nos crimes de perigo, essa ação ou omissão se traduz numa potencialidade de acarretar dano ao bem jurídico tutelado. Exemplos: a) crimes de dano (art. 168 – fraude a credores; art. 174 – aquisição, recebimento ou uso ilegal de bens); b) crimes de perigo (art. 168, § 2º – contabilidade paralela; art. 169 – violação de sigilo empresarial; art. 170 – divulgação de informações falsas).
Outras classificações serão referidas quando da análise individualizada de cada tipo penal específico.
5 – Unidade de Crimes. Nas palavras de Fábio Ulhoa Coelho, característica essencial do crime falimentar é a sua unidade. Vale dizer, ainda que o agente incorra em mais de um comportamento tipificado, aplicar-se-á, somente, a pena do crime mais grave[11]. Explica-se. A doutrina e a jurisprudência prevalentes no Brasil defendem o princípio da unicidade penal falimentar, impedindo a dupla sanção privativa de liberdade, ainda que várias sejam as incidências. Todas as infrações praticadas nada mais são do que um complexo unitário de fatos através dos quais se exterioriza um só comportamento, dirigido a um só evento de perigo. O número de crimes e suas conseqüências junto à coletividade de credores podem ser considerados pelo juiz no cálculo da pena-base. Porém, havendo concurso entre crime ou crimes falimentares e crime ou crimes comuns, a pena privativa de liberdade será fixada de acordo com a regra do art. 70 do CP, qual seja, concurso formal de delitos, podendo haver cúmulo material de penas, se decorrerem as infrações penais e falimentares e as comuns de desígnios autônomos (RT 738/619).
6. Das sanções penais. A LREF estabeleceu duas espécies de penas privativas de liberdade: reclusão e detenção, além da pena de multa nos preceitos secundários das normas penais incriminadoras previstas do art. 168 usque 178. Somente o crime previsto neste último dispositivo, consistente na “omissão dos documentos contábeis obrigatórios”, é punido com pena detentiva de um a dois anos, e multa. Os demais recebem pena reclusiva e multa.
Causas de aumento de pena: são duas hipóteses contidas no crime de fraude contra credores (art. 168, §§ 1º e 2º). No parágrafo primeiro, acresce-se um sexto a um terço, se o agente elabora escrituração contábil ou balanço com dados inexatos; omite, na escrituração ou no balanço, lançamento que deles deveria constar, ou altera escrituração ou balanço verdadeiro; destrói, apaga ou corrompe dados contábeis ou negociais armazenados em computador ou sistema informatizado; simula a composição do capital social; e destrói, oculta ou inutiliza, total ou parcialmente, os documentos de escrituração contábil obrigatórios. Já, no parágrafo segundo, majora-se a pena fundamental de um terço até metade se o devedor manteve contabilidade paralela (vulgarmente denominada caixa dois).
Causa de diminuição de pena: no mesmo dispositivo, parágrafo quarto, permite-se a redução de um a dois terços e a substituição da pena privativa de liberdade em se tratando de falência de microempresa ou de empresa de pequeno porte, em que não se constatou prática habitual de condutas fraudulentas por parte do falido. Houve falha redacional na parte final do parágrafo quando o legislador consignou que o juiz, quanto à pena privativa de liberdade, pode: “substituí-la pelas penas restritivas de direitos, pelas de perda de bens e valores ou pelas de prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas”. A redação é ininteligível. Com um esforço de interpretação, arriscamo-nos a sugerir que o legislador pretendeu delimitar, fixar parâmetros sobre quais penas restritivas de direitos são cabíveis em crimes falimentares: perda de bens e valores e prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas. Acreditamos que estas são as modalidades que mais se amoldam ao sujeito ativo dos crimes falimentares. Não obstante, no caso concreto, se o magistrado perscrutando as condições pessoais do réu, perceber que outra pena restritiva se amolde mais adequadamente para retribuir o fato, poderá adotá-la. É o caso, por exemplo, de impor limitação de fim de semana, com freqüência a cursos e palestras a um empresário portador de deficiência física que não possua recurso algum para receber a pena substitutiva de perda de bens e valores ou prestação de serviços.
O correto seria o parágrafo se restringir à redução da pena privativa de liberdade entre um e dois terços e fixar a modalidade de pena restritiva de direitos aplicável, de vez que a pena substitutiva é obrigação judicial na fixação da pena.
7. Concurso de Pessoas. O devedor ou falido é o sujeito ativo principal dos crimes ante-recuperação ou ante-falimentares. Estes são, em sua maioria, crimes monossubjetivos, ou seja, podem ser praticados por uma só pessoa – por exemplo: (art. 168) ato fraudulento para prejudicar credores e obter vantagem pessoal – porém, admite co-autoria podendo o devedor contar com a colaboração de terceira pessoa, como o contador, técnico contábil, auditor, gerente, sócio, credor etc. De outro lado, nos crimes pós-recuperação ou pós-falência, dificilmente o devedor ou falido será sujeito ativo; em regra figurarão pessoas que atuaram direta ou indiretamente no processo, como o juiz, o administrador judicial, o MP, o leiloeiro e outros. Do mesmo modo, esses crimes, em sua maior parte, são monossubjetivos e terceiras pessoas podem concorrer. Assim, se o perito adquire bens da massa falida, valendo-se de interposta pessoa, ambos responderão, em concurso, pelo crime de violação de impedimento (art. 177).
8. Efeitos da sentença condenatória penal. Processado e julgado o devedor ou falido, o trânsito em julgado da sentença condenatória produz os seguintes efeitos: a) inabilitação para o exercício da empresa; b) inabilitação para o exercício de cargo ou função administrativa ou de direção em sociedades empresárias ou cooperativas; c) impossibilidade de exercer a empresa por mandato ou gestão de negócio.
Qualquer desses efeitos devem ser declarados em sentença, de forma fundamentada e perdurarão por cinco anos após a extinção da punibilidade, podendo, contudo, cessar antes em face de reabilitação penal.
Preocupou-se o legislador em dificultar o retorno do empresário criminoso.
Não é só. Após o trânsito em julgado, o juiz notificará o Registro Público de Empresas para que sejam tomadas as medidas necessárias para impedir novo registro em nome dos réus que foram declarados inabilitados.
De se citar, outrossim, os seguintes efeitos penais: a) revogação facultativa ou obrigatória da suspensão condicional da pena ou do livramento condicional anteriormente concedido; b) configuração da reincidência pelo crime posterior; c) aumento do prazo da prescrição da pretensão executória quando caracterizar a reincidência; d) a inscrição do nome do condenado no rol dos culpados; e) é pressuposto da reincidência; f) são suspensos os direitos políticos do condenado (CF, art. 15, III).
Alguns efeitos secundários de natureza extra-penais podem derivar automaticamente da sentença condenatória por crime falimentar: a) a obrigação de indenizar o dano (CP, art. 91, I); e b) o confisco (art. 91, II). Efeitos não automáticos – dependentes de motivação na sentença – são: a) perda do cargo ou função pública; e b) inabilitação para condução de veículos.
9. Prescrição. Não mais se cogita do prazo bienal para o reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva ou executória dos crimes falimentares. Agora, o prazo é o previsto no CP. Estatui o art. 182 da LFRE que: “A prescrição dos crimes previstos nesta Lei reger-se-á pelas disposições do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, começando a correr do dia da decretação da falência, da concessão da recuperação judicial ou da homologação do plano de recuperação extrajudicial. Parágrafo único. A decretação da falência do devedor interrompe a prescrição cuja contagem tenha iniciado com a concessão da recuperação judicial ou com a homologação do plano de recuperação extrajudicial”.
Os prazos vêm fixados no art. 109 do CP.
Considerando que, pelo novel diploma, a disciplina da contagem dos prazos prescricionais é aquela estabelecida no diploma penal, convém anotar que a data inicial não é exatamente a concernente à data da concessão ou homologação da recuperação ou do decreto de falência, mas sim a data do fato delitivo. Assim, se entre a data do fato e a prolação da sentença concessiva, homologatória ou declaratória, sobrevém a causa extintiva da prescrição da pretensão punitiva, o Estado perde o direito de punir e, conseqüentemente, estará extinta a punibilidade do agente, não se cogitando de ação penal. No entanto, se a data do fato não puder ou não for apurada, o prazo prescricional terá início no dia da publicação de uma das sentenças apontadas. Caso ao devedor beneficiado com a concessão ou homologação de recuperação extrajudicial, por qualquer razão, for decretada sua quebra, teremos duas causas interruptivas, aquela – da sentença concessiva ou homologatória – e esta – sentença declaratória da falência –. Foi criterioso o legislador, visando mitigar a freqüente impunidade que grassa nos processos de falência.
Importante lembrar que as demais causas interruptivas previstas no art. 117 do CP incidem nos crimes falimentares, conforme Súmula 592 do STF, em especial a data de recebimento da denúncia e a data de publicação da sentença condenatória por crime falimentar.
PARTE II – DO PROCEDIMENTO PENAL
1. Considerações iniciais. Publicada em 09 de fevereiro de 2.005, entrará em vigor cento e vinte dias após, ou seja, no dia 09 de junho de 2005. A LFC (Decreto-Lei 7661/45) continuará sendo aplicada aos processos de falência e concordata ajuizados anteriormente à vigência do diploma em comento (LFRE, art. 192).
Segundo o art. 200 ficam revogados a LFC e os arts. 503 a 512 do Código de Processo Penal – relativos ao rito dos crimes falimentares –. Em seu lugar, o legislador entendeu mais conveniente a adoção do rito sumário dos crimes apenados com detenção (CPP, arts. 531 a 540), objetivando processo e julgamento mais céleres e maior rapidez na prestação jurisdicional. Pouco importa seja o crime próprio ou impróprio, presente a condição objetiva de punibilidade, autoriza-se o processo e julgamento perante o juízo da recuperação/falência ou criminal.[12]
2. Juízo Competente. Abordamos acima (I, 4) acerca da inconstitucionalidade do art. 183 da LREF. Independentemente da posição assumida, emerge claro do diploma legal que a intenção do legislador foi fixar duas instâncias judiciais distintas para a solução dos conflitos derivados do processo de recuperação ou de falência do empresário devedor. Pretendeu que a Justiça Criminal fosse competente para processar e julgar os crimes em espécie e conexos. Como já visto, o Tribunal de Justiça de São Paulo, através de seu órgão especial, considerou a norma inconstitucional, tanto que editou Resolução dando competência para as Varas privativas de Recuperação e de Falências para processo e julgamento das questões cíveis e criminais, na capital e, por via reflexa, para as Varas cíveis no interior, ao processo e julgamento dos crimes falimentares. Com a devida vênia, entendemos que o juiz cível deveria se cingir às questões correlatas à sua especialidade, eis que não é afeito às questões criminais e à evolução pela qual tem passado a área criminal, em especial após a Constituição Federal de 1.988. Como chamou a atenção Guilherme de Souza Nucci, ao sustentar que os processos criminais deveriam ficar nas varas criminais, que são especializadas: “muitas são as decisões condenatórias proferidas no juízo cível, ao cuidar dos delitos falimentares, extremamente sucintas, sem apego ao devido processo legal e olvidando princípios fundamentais de direito penal”.[13]
3. Crimes de ação pública incondicionada. Assistente da acusação. A ação penal relativa aos crimes falimentares continua sendo pública incondicionada (art. 184, caput). O Promotor de Justiça é o único legitimado a acionar o devedor, o falido e os que de algum modo cooperaram para a prática de crime falimentar próprio ou impróprio. De sua desídia, caberá a queixa-crime subsidiária promovida pelo administrador judicial ou por qualquer credor habilitado (art. 184, parágrafo único). Fica superada a dúvida que suscitava a redação do parágrafo único do art. 108 da LFC, sobre a possibilidade de ação subsidiária mesmo quando o MP opinasse pelo arquivamento.
O ofendido ou ofendidos, vitimados pelos danos financeiros do crime falimentar, pode(m) se habilitar como assistente(s) da acusação. Conquanto o instituto da assistência não esteja previsto no diploma atual, a aplicação subsidiária do Código de Processo Penal autoriza esta interpretação[14]. No entanto, na esteira das críticas e da preocupação externada por Cezar Roberto Bitencourt[15], havendo um grande número de credores interessados em figurar ao lado do órgão acusatório, competirá ao magistrado administrar caso a caso, evitando tumulto processual pelo excesso de pretendentes.
4. O Ministério Público e a opinio delicti. O fim do inquérito judicial. Tanto o art. 186, quanto o 187, trazem momentos processuais do processo de recuperação ou falimentar, nos quais o órgão ministerial precisa estar atento para a prática de crime falimentar pelo devedor ou falido.
a) A previsão do art. 186 e seu parágrafo[16], diz respeito a processo falimentar propriamente dito. Uma das muitas tarefas do administrador judicial, na falência, vem assentada no art. 22, alínea “e”, e consiste em apresentar, em quarenta dias, contado da assinatura do termo de compromisso, relatório sobre as causas e circunstâncias que conduziram à situação de falência, no qual apontará a responsabilidade civil e penal dos envolvidos. Esta exposição circunstanciada tem como apoio laudo pericial contábil sobre a escrituração do devedor. Em face dos argumentos expendidos pelo administrador judicial, o MP pode concluir pela existência de crime pré ou pós-falimentar e crimes conexos.
b) A previsão do art. 187 é mais abrangente[17], pois alcança, também, a recuperação judicial. Prolatada sentença concessiva de recuperação judicial ou declaratória de falência, o membro do parquet será intimado pessoalmente de seus termos. Vislumbrando a ocorrência de crime, poderá, valendo-se do complexo probatório documental acostado ao feito cível, de plano, ajuizar a ação penal competente. Caso as provas sejam insuficientes para a formação de sua opinio delicti, requisitará a instauração de inquérito policial em complementação.
No diploma anterior, o síndico opinava pela instauração de inquérito e acompanhava-o passo a passo. Entendemos que, hoje, ainda pode opinar, mas a decisão de requisitar o inquérito policial e acompanhá-lo é exclusivamente ministerial.
Criticam muitos a adoção do inquérito policial e o abandono do inquérito judicial, presidido pelo juiz cível, mais afeito às questões falitárias, sob o fundamento de que a polícia civil é despreparada material e tecnicamente e mal consegue dar cabo do acervo que possui e certamente não terá êxito neste novo mister. Malgrado a crítica, entendemos que o legislador falitário agiu corretamente. O juiz civil ou penal não deve exercer função investigativa. A função anômala de presidir o inquérito judicial, apesar de justificável, deve ser abolida de nosso ordenamento, já que o magistrado inquisidor será o destinatário da ação penal a se instaurar. O inquérito judicial tinha natureza inquisitória, mas o falido podia discutir o mérito das imputações, de sorte que sempre se criava o contraditório e, conseqüentemente, um vínculo entre o juiz e a causa, formando-se um obstáculo natural à imparcialidade, prejudicial à isenção e regular prestação jurisdicional. Defendemos que a mudança é salutar, cabendo à polícia se aparelhar e aperfeiçoar suas atribuições, compatibilizando-as com a nova tarefa.
5. A denúncia. “Art. 187 (…). Parágrafo primeiro – O prazo para oferecimento da denúncia regula-se pelo artigo 46 do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal, salvo se o Ministério Público, estando o réu solto ou afiançado, decidir aguardar a apresentação da exposição circunstanciada de que trata o artigo 186 desta Lei, devendo, em seguida, oferecer a denúncia em 15 (quinze) dias”.
A denúncia, via de regra, virá instruída com a exposição circunstanciada oferecida pelo administrador judicial, acompanhada da perícia contábil. Equivale dizer, o promotor de justiça aguardará e se louvará do relatório e da prova técnica para oferecer a denúncia. Raramente se valerá de outra fonte probatória como a investigação policial, em inquérito.
Com ou sem inquérito policial e não sendo o caso de apensamento (arquivamento), o MP oferecerá denúncia contra quem de direito pelo(s) crime(s) falimentar(es) e conexo(s), se houver. Caso o falido e/ou administradores estiverem presos preventivamente em decorrência da sentença declaratória de falência (LREF, art. 99, VII), o prazo para oferecimento da denúncia será de 5 dias; se solto ou afiançado, o prazo será de 15 dias (CPP, art. 46).
Discordando o juiz do pedido de apensamento (arquivamento), fará uso do princípio da devolução, aplicando o disposto no art. 28 do Código de Processo Penal, a fim de que o chefe da instituição, o Procurador Geral de Justiça, afira o pleito do promotor de primeiro grau, mantendo o pedido arquivamento, denunciando ou nomeando outro para tanto.
Ainda que seja redundante, dispõe a LREF, em seu art. 187, § 2º que “Em qualquer fase processual, surgindo indícios da prática dos crimes previstos nesta Lei, o juiz da falência ou da recuperação judicial ou da recuperação extrajudicial cientificará o Ministério Público”. Ora, o juiz é o dominus processus e dentre seus poderes anômalos, estão o de requisitar inquérito policial e levar diretamente ao Ministério Público a notitia criminis. Como leciona Mirabete “o juiz que tenha a notícia da prática de um crime que se apura mediante ação pública incondicionada deve comunicar o fato ao Ministério Público (art. 40 do CPP) ou requisitar diretamente a instauração do inquérito policial”.[18]
Caso o juiz rejeite a denúncia oferecida, admite-se o recurso em sentido estrito, consoante art. 581, I, do CPP.
6. Os procedimentos aplicáveis. Rito Sumário dos Crimes apenados com detenção. Juizado Especial Criminal. Crítica. Segundo o art. 185 da LREF “Recebida a denúncia ou a queixa, observar-se-á o rito previsto nos artigos 531 a 540 do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal”. Como já apontado, o rito sumário para processo e julgamento mais célere e, conseqüentemente, maior rapidez na prestação jurisdicional foi uma tentativa do legislador de intimidar o empresário com tendência criminosa.[19]
Contudo, deslembrou-se o legislador que o rito sumário vem contido nos arts. 538 e 539 do CPP e que os arts. 531 a 537 restaram revogados tacitamente pelo texto constitucional quando o constituinte conferiu legitimidade exclusiva ao MP para ajuizar ação penal em crimes de ação pública (CF, art. 129, I). Assim, a seqüência de atos ordenados deve obedecer ao disposto nos arts. 538 e 539 do diploma processual penal. São nove tipos penais, dos quais, oito crimes punidos com reclusão e apenas um com detenção.
O legislador não cooperou com a melhoria da área criminal. Ao contrário, desprezou sugestões atualizadas e moldadas a um processo penal moderno e comprometidas com princípios constitucionais correlatos. Na verdade, fez ouvidos moucos à área criminal, focado que estava na preservação da empresa ao optar pelo rito mencionado.[20]
Assim, os crimes punidos com reclusão previstos nos arts. 168 usque 177 devem seguir o rito sumário com número máximo de testemunhas igual a cinco.
O encadeamento de atos que segue o disposto no art. 539 do CPP, é o seguinte:
1) Oferecimento da denúncia ou queixa. 2) Recebimento da denúncia ou queixa, em que o Juiz, designa data para o interrogatório do réu e determina sua citação, bem como notifica o MP ou querelante. Após o recebimento da inicial, pode(m) o(s) assistente(s) da acusação se habilitar. 3) Interrogatório do réu. Caso citado não comparece, será decretada sua revelia. 4) Defesa prévia, com requerimento de diligências e rol de testemunhas, até o número de cinco. 5) Audiência das testemunhas arroladas pela acusação. 6) Despacho saneador, após sanar as nulidades, se houver, o juiz designa data de audiência de julgamento para inquirição das testemunhas de defesa, debates e julgamento. No despacho, ordena a intimação das testemunhas de defesa e das partes. 7) Audiência de julgamento. Inquiridas as testemunhas de defesa, a palavra é dada às partes para alegações orais, pelo tempo de vinte minutos, prorrogáveis por mais dez, seguindo-se a sentença oral. Caso o magistrado não se sinta habilitado a proferir a sentença em audiência, pode ordenar que os autos lhe venham conclusos e no prazo de cinco dias sentenciará.
Já, o crime de omissão dos documentos contábeis obrigatórios, punido com detenção de um a dois anos e multa, é infração de menor potencial ofensivo, em face da derrogação do art. 61 da Lei 9099/95 provocada pela redação do art. 2º, parágrafo único, da Lei 10.259/01 que instituiu os Juizados Federais no Brasil, razão pela qual o rito adotável é o estatuído naquela, com os institutos despenalizadores pertinentes (composição civil de danos – se for o caso –, transação penal e sursis processual), admitindo-se até cinco testemunhas.
Destarte, a despeito da previsão legal, temos dois ritos aplicáveis às infrações previstas na nova Lei de Falências: a) o sumário dos crimes apenados com detenção fica destinado aos crimes punidos com reclusão; e b) o rito dos Juizados Criminais destina-se, unicamente, para o crime do art. 178.
Crítica. Com a devida vênia, sustentamos que, ad minimum, deveria ser adotado o rito ordinário dos crimes apenados com reclusão previsto no CPP aos novéis crimes punidos com reclusão. Até porque, para piorar, a previsão da LREF contraria a tradição processual penal brasileira, segundo a qual três (eram quatro) categorias de crimes – funcionais, contra a honra e contra a propriedade imaterial – mereceram rito específico no CPP. A estes ritos, nos quais se incluíam os crimes falimentares como quarta categoria, atendida uma medida específica prévia – defesa preliminar, audiência de reconciliação e perícia –, passa-se ao rito dos crimes punidos com reclusão, propiciando, claramente, maior amplitude de defesa. Quanto aos falimentares, revogado o rito especial do CPP, foi preconizado rito mais célere que reduz as possibilidades de defesa.
7. A decisão de recebimento da denúncia. Outra conseqüência relevante de que o crime falimentar perdeu as especificidades ante a adoção do rito sumário e revogação do procedimento especial do CPP é que não mais se cogita da fundamentação para o recebimento da denúncia. Assim, como já largamente decidido pelos tribunais pátrios em relação aos demais tipos penais, o juízo competente limitar-se-á a proferir decisão interlocutória simples que prescinde de fundamentação, não se aplicando a ela os ditames do art. 93, IX, da Constituição da República.[21]
8. A suspensão condicional do processo. Somente os crimes de exercício ilegal de atividade, punido com reclusão, de um a quatro anos, e multa, e de omissão dos documentos contábeis obrigatórios, punido com detenção de um a dois anos e multa, admitem o sursis processual. Instituto despenalizador criado pelo art. 89, da Lei 9099/95, que permite a extinção da punibilidade sem a imposição de pena privativa de liberdade. Ao denunciar, o representante ministerial oferece, em sua cota introdutória, proposta de suspensão. Recebida a denúncia, o juiz designa audiência de suspensão ou interrogatório. Citado, o réu comparecendo acompanhado de defensor e aceitando ambos as condições propostas, suspende-se o feito e o prazo prescricional, passando-se ao período de prova mediante fiscalização do cumprimento das condições impostas em autos apartados. Ultrapassado este período, sem sobressaltos, será extinta a punibilidade do acusado. Esta é a regra geral.
Se o MP, malgrado presentes os requisitos legais, negar-se a oferecer a proposta, deverá o magistrado, entendendo que é caso de concessão do benefício, remeter os autos ao PGJ para os fins do art. 28 do CPP, nos termos da Súmula 696 do STF.
Se o réu não aceitar a proposta de suspensão, será interrogado, seguindo-se os demais atos processuais do rito sumário.
Divide-se a doutrina quanto ao recurso cabível contra a decisão que concede o sursis processual, apelação ou recurso em sentido estrito. Os que se posicionam pela apelação fundam-se na impossibilidade do recurso em sentido estrito em sede de Juizados Especiais Criminais. Contudo, as mais recentes decisões dos tribunais pendem para o recurso em sentido estrito, ante a aplicação subsidiária do CPP, consoante permissivo do art. 92 da Lei 9099/95. Neste sentido: STJ (RESP 296343-MG; RESP 260217-SP; RESP 246085-SP; RESP 164387-RJ; REVJMG 146/465, RT 762/583, JSTJ 2/384).
9. A prisão preventiva. A prisão preventiva é a base e o eixo norteador de todas as prisões cautelares. E é uma cautelar típica porque congrega pressupostos e características imprescindíveis à privação da liberdade durante o inquérito policial ou processo. A medida vem prevista nos artigos 311 a 316 do diploma processual penal, nos quais se podem entrever seus pressupostos autorizadores: a) o fumus boni juris; b) o periculum in mora; e, c) natureza da infração. Aqueles atrelados ao artigo 312[22] e o último ao artigo 313.[23]
a) Fumus boni juris: Como toda providência cautelar, também a prisão preventiva exige a presença do fumus boni juris[24], consistente na prova da materialidade (existência do crime) e indícios suficientes de autoria. A prova do fato retrata a materialidade. Nos crimes que deixam vestígios, o laudo pericial quadra com exatidão a ofensa ao bem jurídico tutelado (vida, saúde, patrimônio etc.) e transmite certeza à sua existência material. Nos crimes falimentares, a perícia contábil será o embasamento seguro do magistrado em face do decreto prisional a ser externado.
b) Periculum in mora ou periculum libertatis: O segundo pressuposto das cautelares, o periculum in mora, vem tipificado na situação de necessidade descrita no artigo 312, in medio, do Código de Processo Penal, que retrata probabilidade de perigo e justifica a custódia do agente para a garantia da ordem pública ou econômica, por conveniência da instrução criminal e para assegurar aplicação da lei penal. É imperativa a custódia do falido, porquanto em liberdade porá em risco a tranqüilidade dos credores. Já decidiu o STJ, nos autos do HC 19.804/SC, em 21/03/2002, que “A prisão preventiva do falido ou de seu representante legal pode ser decretada quando houver provas que demonstrem a prática de crime falimentar, como garantia da ordem pública por conveniência da instrução criminal, sem que isso importe em ofensa a dispositivo constitucional”.
c) Natureza da infração: O último pressuposto a ser considerado e que admite a medida constritiva está no artigo 313 e incisos do Código de Processo Penal. Abarca, prioritariamente, crimes dolosos: punidos com reclusão; punidos com detenção, quando se apurar que o indiciado é vadio ou, havendo dúvida sobre a sua identidade, não fornecer ou não indicar elementos para esclarecê-la; se o réu tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado, ressalvado o disposto no parágrafo único do artigo 46 (atual art. 64, inc. I) do Código Penal.
Presentes os demais requisitos, fundamentalmente, admitir-se-á a prisão preventiva do falido ou seu representante legal quando se tratar de crime falimentar punido com reclusão, podendo ser agregado mais um fator negativo, se o mesmo for reincidente em crime doloso.
9.1 – Cautela Judicial. Sem os requisitos legais, não se decreta a prisão preventiva do falido. O magistrado deve ter sempre presente que a violação do direito de liberdade, que atinge a dignidade da pessoa humana, necessita de fundamentação serena quanto ao fato ou fatos imputados. O decisum há de conter dados concretos, não bastando meras referências ao texto legal. Por fim, o juiz deve apoiar-se em dados objetivos, com base em sua experiência comum, deve ter fundamentos sólidos. Resguardada esta cautela, a prisão preventiva deverá ser decretada.
9.2 – Momento processual. Na esfera cível. Prevê o art. 99, VII, da LREF que ao prolatar a sentença declaratória de falência do devedor, o juiz, dentre outras determinações poderá “ordenar a prisão preventiva do falido ou de seus administradores quando requerida com fundamento em provas da prática de crime definido nesta Lei”. Interessante observar que o decreto prisional em apreço tem como pressuposto pedido prévio do órgão acusatório. Somente o membro do parquet tem legitimidade para requerer a custódia do devedor. Já foi visto que uma das funções do administrador judicial consiste em apresentar relatório sobre as causas e circunstâncias que conduziram à situação de falência, apontando a responsabilidade civil e penal dos envolvidos (LREF, art. 22, e). No § 4º deste dispositivo, vem a determinação de que se for apontada responsabilidade penal de qualquer dos envolvidos, o “Ministério Público será intimado para tomar conhecimento de seu teor”. Isto é, o administrador pode opinar sobre a prisão preventiva, contudo a legitimidade para postular perante o juiz será do órgão acusador. Obviamente, o pedido de prisão deverá estar lastreado em fatos palpáveis demonstrativos de que a custódia do falido e/ou co-responsáveis pela provável quebra é imprescindível.
Na esfera penal. De outra parte, se houver inquérito policial ou ação penal em curso e sobrevir um dos motivos autorizadores da prisão cautelar, pode o magistrado decretar de ofício a prisão preventiva ou a requerimento do representante do Ministério Público, do querelante ou por representação da autoridade policial.
10. A inabilitação para o exercício do comércio. O art. 181 estabelece os seguintes efeitos da condenação penal: I – inabilitação para o exercício de atividade empresarial; II – o impedimento para o exercício de cargo ou função em conselho de administração, diretoria ou gerência das sociedades sujeitas à Lei de Falências; III – impossibilidade de gerir empresa por mandato ou por gestão de negócio. Estes efeitos não são automáticos, devendo ser declarados motivadamente na sentença, pois perdurarão por cinco anos após a extinção da punibilidade, salvo se anteriormente foi o condenado beneficiado por reabilitação criminal. Lembre-se que transitada em julgado a sentença penal condenatória, deve o juiz determinar notificação ao Registro Público de Empresas para que tome as providências cabíveis de molde a impedir novo registro em nome dos inabilitados.
11. A Reabilitação. Tecnicamente será possível ao devedor inabilitado a reabilitação após a recuperação judicial. Na prática, contudo, cremos que somente o falido (e demais pessoas envolvidas na quebra) chegará a ser considerado inabilitado para o exercício do comércio e sofrerá as demais conseqüências de uma sentença penal condenatória definitiva.
A reabilitação no direito empresarial tem feição híbrida: civil e penal.
A reabilitação civil, em não ocorrendo crime falimentar, fica a critério do juiz da falência.
Já, a reabilitação criminal é da alçada do juiz da condenação (que fora de São Paulo, em regra, é o juiz criminal). Vimos que a inabilitação para a atividade empresarial é efeito da condenação e somente se torna efetiva após o trânsito em julgado da sentença penal. Seu prazo de duração (cinco anos) começa a fluir do dia que extinguir a punibilidade (leia-se “pena”) do sentenciado, ou seja, da data de cumprimento da pena imposta.
Foi previdente o legislador ao estabelecer que se o condenado receber a benesse da reabilitação penal antes de expirado o prazo de cinco anos, prepondera aquela. Assim, se o condenado conseguir antes sua reabilitação penal, poderá voltar ao exercício da atividade empresarial, cargo ou função em conselho de administração, diretoria ou gerência das sociedades sujeitas a LREF e gerir empresa por mandato ou por gestão de negócio.
Contudo, para obter reabilitação penal, deverá o condenado comprovar o ressarcimento do dano causado pelo(s) crime(s) falimentar(es) (CP, art. 94, III). Em outras palavras, deverá ter extinguido suas obrigações e comprová-las perante o juízo da condenação. Merece elogios o legislador, pois amarrou a volta à atividade empresarial à solução dos débitos pendentes com a massa de credores. Não é por outra razão que, para punir o empresário criminoso, determina se aguarde o decurso do prazo de dez anos, contados do encerramento da falência, para pleitear a extinção de suas obrigações (art. 158, IV); se não foi condenado criminalmente, exige somente cinco anos (art. 158, III).
*Aplicação aos crimes falimentares previstos na Lei 11.101/05 e aos conexos.
PEÇA ou ATO PROCESSUAL |
PRAZOS E REGRAS |
Denúncia ou inquérito policial | 1 – Após intimado da sentença de falência ou de recuperação judicial, o MP verificando a ocorrência de crime falimentar, oferece denúncia imediatamente ou requisita a abertura de inquérito policial.
2 – Caso esteja o devedor ou falido solto ou afiançado, o MP pode aguardar a exposição circunstanciada (art. 186), para, se for o caso, em quinze dias, oferecer a denúncia. 3 – Denúncia – no prazo de cinco dias, se preso o devedor ou falido; e quinze dias, se solto. Pode requisitar a instauração de inquérito policial, se não for o caso de arquivamento. 4 – A inércia do MP viabiliza a queixa-crime subsidiária no prazo de seis meses (art. 184).
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Recebimento da denúncia ou queixa | Rejeitando a denúncia ou queixa, cabível o recurso em sentido estrito (CPP, art. 581, I). Recebida a denúncia ou queixa pelo juiz ou pelo tribunal que reformou a decisão de rejeição, segue-se o rito dos crimes apenados com detenção, com interrogatório, defesa prévia, testemunhas de acusação, saneador, testemunhas de defesa, debates e julgamento.
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juiz criminal, mestre em Processo Penal pela PUC/SP. Professor de Leis Especiais, Penal Especial e Processo Penal. Autor de artigos jurídicos e dos livros Prisão Temporária e OAB – 2ª Fase – Área Penal, ambos pela Editora Saraiva. Coordenador da Coleção OAB – 2ª Fase, pela mesma Editora. Foi coordenador pedagógico do Curso Triumphus – preparatório para Carreiras Jurídicas e Exame de Ordem, por 14 anos. Professor de Leis Especiais na Rede LFG
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