Mais um ano chega ao fim e, como sempre, é hora de fazer retrospectivas e balanços. Não só quanto à vida pessoal, mas com relação a tudo, principalmente, no que diz com os acontecimentos que dizem com a área profissional.
E, para quem lida com o direito, é necessário sempre se manter atualizado, o que impõe atenção constante aos avanços legais e aos rumos da jurisprudência.
Como o Direito de Família – ou melhor, Direito das Famílias, expressão que se consolidou neste ano -, diz com a vida das pessoas, é o ramo do direito mais sensível às mudanças sociais. Por isso as alterações legais são mais frequentes e tem sempre uma repercussão maior.
O ano que ora finda não trouxe grandes novidades. Surgiram novas leis, mas de pouca expressão, e nem todas concretizam avanços.
A Lei nº 11.924, de 17 de abril de 2009, acrescenta um parágrafo à Lei dos Registros Públicos, autorizando o enteado a adotar o nome de família do padrasto ou madrasta. Como tal acréscimo não altera o vínculo de filiação com relação aos pais registrais, não surgem encargos e nem são assegurados direitos. Não há que se falar em poder familiar, obrigação de alimentos ou direito sucessório. Ou seja, a adoção do sobrenome não gera qualquer consequência jurídica, ainda que o desejo de mudança flagre a existência de uma filiação afetiva. Se algum mérito tem – se é que tem – é contornar o enorme percalço à adoção unilateral. Ora, no momento em que a lei continua exigindo a autorização do pai registral para a adoção pelo pai socioafetivo, deixa de atentar a tudo o que a doutrina tem construído priorizando a filiação socioafetiva. Ao menos agora, ainda que não admitida a adoção, socialmente o filho vai se sentir identificado com quem deseja chamar de pai ou de mãe. Nada além disso.
A Lei nº 11.965, de 3 de julho de 2009, dispõe sobre a participação do defensor público na lavratura da escritura pública de inventário e de partilha; de separação consensual e de divórcio consensual, que tratam destes procedimentos extrajudiciais. No entanto acaba por conceder o benefício da gratuidade a todos os atos notariais, a quem se declare pobre sob as penas da lei. Não só para os atos previstos no dispositivo do CPC referido, mas para os demais atos notariais. Basta a afirmativa da hipossuficiência para a isenção do pagamento dos emolumentos. Fora isso, ganho maior não traz a nova lei, pois, se a exigência para os atos extrajudiciais é a presença de advogado, outra não é a qualificação do defensor público. Desempenha a nobre missão de ser o representante de quem merece uma atenção especial da justiça. Assim, era desnecessário a lei fazer tal ressalva, ainda que o excesso a ninguém prejudique. Como certamente surgirão questionamentos sobre a extensão do benefício da gratuidade, melhor tivesse a lei se limitado a assegurar tal direito perante todos os serviços públicos, não só notariais, mas também cartorários.
É de que se chamar, no mínimo, de desastrosa a Lei nº 12.004, de 29 de julho de 2009 que, tentando avançar, só retroagiu. Ao trazer dois dispositivos à Lei nº 8.560, de 29 de dezembro de 1992, que regulamenta o reconhecimento oficioso da paternidade, cometeu dois pecados. Primeiro, autoriza o uso de meios legais “moralmente legítimos”, o que condiciona a valoração da prova a um subjetivismo judicial de todo desaconselhável. Ao depois, subtrai do exame do DNA a força probatória que contém, em face dos índices altíssimos de certeza, ao exigir sua apreciação em conjunto com o contexto probatório. De há muito a jurisprudência considera a negativa do réu de submeter-se à perícia como abandono da prova extintiva do direito postulado pelo autor. Assim, a resistência em submeter-se ao exame ensejava a procedência da ação sem a necessidade de buscar provas outras. Em face da nova lei, quando não houver algum adminículo de prova, a forma de o réu livrar-se da paternidade é se negar a fazer o exame. Muita gente vai ficar sem pai.
O total descaso do legislador para com a realidade da vida resta escancarada na chamada Lei da Adoção, a Lei nº 12.010, de 3 de agosto de 2009. Apesar do nome com que ficou conhecida, veio para entravar ainda mais o calvário a que são submetidas milhares de crianças e adolescentes. Não basta a desdita de não permanecerem junto a seus pais. Sequer lhe é assegurado o direito de encontrarem um lar sem amargarem por anos em abrigos e instituições. A sacralização exacerbada da família natural faz tão moroso o processo de destituição do poder familiar que as crianças deixam de ser crianças, o que diminui, em muito, as chances de serem adotadas. Ainda que a Lei traga alguns avanços, estes são insignificantes em face dos percalços impostos à adoção nacional e internacional.
Mais uma lei foi sancionada no ano que ora finda. Talvez a de mais efetividade. A Lei de Diretrizes e Bases impõe aos estabelecimentos de ensino o dever de informar a ambos os genitores sobre a frequência e rendimento do filho e a execução da proposta pedagógica da escola. Ao menos as manobras do guardião de alienar quem não convive com o filho sofreu um belo revés.
Além de parcimonioso o legislador se mostrou muito preconceituoso. A Comissão de Seguridade Social e da Família da Câmara Federal, ao apresentar 49 emendas ao Projeto de Lei nº 2.285/2007, acabou por desfigurar o Estatuto das Famílias. Elaborado pelo Instituto Brasileiro de Direito das Famílias – IBDFAM, o Estatuto busca a responsabilidade ética das estruturas familiares, de todas elas, independente de sua forma de constituição e sua dinâmica de funcionamento, segundo os valores e as concepções da atualidade.
A principal alteração foi excluir as uniões de pessoas do mesmo sexo, vetando, modo expresso, a possibilidade de adoção. Tais mudanças confrontam a jurisprudência que vem reconhecendo as uniões homoafetivas como entidades familiares e defere a adoção aos pares homossexuais. Aliás, os avanços da justiça são muito significativos. A reunião das decisões de todas as justiças e tribunais, bem como das sentenças dos juízes do primeiro grau[1], evidencia como a falta de lei não impede o Poder Judiciário de cumprir sua missão de fazer justiça. Assim, ainda que o legislador, de forma irresponsável, não ouça os reclamos sociais, a justiça não desampara quem bate às suas portas.
A postura omissiva do Poder Legislativo se evidencia também na resistência, de todo desarrazoada, em aprovar a PEC 33/2007, que institui o divórcio direto e extingue o inútil instituto da separação. Mais uma vez o legislador se mantém distante da realidade e, de modo injustificável, tenta impor a mantença do casamento. Carece o Estado de legitimidade para obrigar as pessoas a permanecerem casadas. A condição de separado é um nada, que não atende aos interesses de ninguém. Criar obstáculos por meio da imposição de prazos ou identificação de culpados, bem como a exigência de um duplo procedimento para uma só finalidade, gera restrições que afrontam a autonomia de vontade do par e mais um punhado de direitos e garantias constitucionais.
Assim, encerra-se um novo ano e mais uma vez sem grandes ganhos, pouco havendo a comemorar.
Advogada, Ex-Desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Vice-Presidente Nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM
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