Direito de Superfície – Breves insights

O Código Civil de 2002 prevê, nos arts. 1369 ao 1377, o Direito de Superfície, que pode ser conceituado, sucintamente, como o direito real, autônomo e temporário, de plantar ou construir sobre imóvel alheio. Ele não é transmitido pelo contrato apenas, pois, sendo direito real sobre imóvel, é exigida uma forma solene, que é o registro no Cartório de Registro de Imóveis competente, o que lhe confere oponibilidade “erga omnes”.

Há muito o que se comentar sobre este instituto, já previsto anteriormente na Lei 10.257/2001 (Estatuto da Cidade), tendo em vista as possibilidades de novos tipos de negócios imobiliários que ele propicia. Um exemplo interessante é o das incorporações imobiliárias. Geralmente nos contratos pelos quais se adquire o direito a uma unidade autônoma em um edifício residencial, ainda a ser construído (conhecida popularmente como “compra na planta”), há uma cláusula dispositiva que alerta o contratante que a incorporadora ou construtora (ou ambas, ou o grupo responsável) tomarão empréstimo no mercado, perante determinada ou determinadas instituições financeiras para construírem o edifício, e que a garantia hipotecária do pagamento será o imóvel por inteiro (solo e acessões). No caso do não repasse das parcelas pagas pelos compradores à instituição financeira, a execução recairá sobre o imóvel como um todo, mesmo estando os contratantes/compradores das unidades autônomas em dia com os pagamentos das prestações. Na vigência do novo código, contudo, com a possibilidade do desmembramento da propriedade, é possível que se dê em garantia, pela hipoteca, apenas o terreno onde será erguida a construção, sem o comprometimento do direito real dos compradores das unidades sobre a superfície. Isso ocorre porque o instituto da superfície afasta o princípio da acessão.

Esta é, claro, apenas uma das muitas possibilidades de negócios jurídicos que vislumbramos para o instituto da superfície.

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O contrato pode ser puro ou condicional; deve ser a termo, necessariamente; pode ser sujeito a encargo (modal); e é permitida a forma gratuita ou onerosa. Sendo onerosa, o pagamento do superficiário ou concessionário ao proprietário ou concedente chama-se “solarium” ou pensão superficiária.

O instrumento de constituição da superfície deve contemplar todos os pormenores do negócio jurídico, tais como prazo para edificar ou plantar, se houver (como condição resolutiva, p.e.), circunstâncias de extinção (além daquelas circunstâncias legais), forma de pagamento etc., em suma, todos os direitos e obrigações devem ser consignados com clareza no instrumento a ser registrado na matrícula do imóvel.

Em havendo co-propriedade do imóvel, é necessária a anuência de todos para que seja concedido o direito de superfície. Também não é descartada a hipótese do “condomínio superficiário”, quando houver mais de um concessionário, desde que o exercício do direito por um dos proprietários superficiários não exclua o direito do outro (a lei silencia a respeito, mas não repudia a modalidade).

O primeiro modo de aquisição, prescrito no art. 1.369 do Código Civil, é o contrato. O segundo é o testamento ou disposição de última vontade. Neste último, vislumbramos a possibilidade de o proprietário transmitir a propriedade do solo para um herdeiro e a propriedade superficiária para um legatário e vice-versa, por exemplo, preestabelecendo o termo, assim como as condições e/ou encargos. Para tanto, é importante assinalar que o formal de partilha deve ser registrado no Cartório de Registro de Imóveis, a fim de que seja conferida a oponibilidade “erga omnes” ao direito transmitido.

Quanto às causas de extinção, destacamos as seguintes: i) advento do termo, quando então passará a vigorar novamente o princípio da acessão (o contrato pode ser renovado, contudo); ii) renúncia, que deve ser por escritura pública, registrada na matrícula do imóvel no Registro de Imóveis competente; iii) confusão, na hipótese em que tanto a propriedade do solo quanto à da construção ou plantação confundirem-se na mesma pessoa (como, por exemplo, no caso da transmissão da propriedade superficiária ao herdeiro, falecendo o proprietário do solo); iv) resolução do contrato, em razão do descumprimento de alguma cláusula (falta de pagamento etc.); v) distrato, que deve ser averbado no RI; vi) pelo não uso, em havendo estipulação expressa de prazo no contrato de superfície para a realização da construção ou plantação; vii) pelo abandono (por parte do proprietário superficiário, obviamente); e viii) pela desapropriação.

O Código Civil e o Estatuto da Cidade: O novo Código derrogou a Lei 10.257/2001 (Estatuto da Cidade)?

Aprendemos nos bancos acadêmicos que a lei nova derroga a lei anterior, se aquela tratar do mesmo tema, integralmente. Se compararmos os artigos 1.369 ao 1.377 com os artigos 21 ao 24 da Lei 10.257/2001, somos tentados a aplicar o silogismo comum e afirmar que realmente o Código derrogou a Lei de 2001. Todavia, pelo princípio hermenêutico de que é sempre preferível que interpretemos as normas de maneira a harmonizá-las e manter as suas vigências, há que se ponderar sobre a intenção de cada diploma legal, suas peculiaridades e intenções, a fim de que possamos ponderar sobre o assunto.

No Estatuto da Cidade, o direito de superfície está inserido como um instrumento de política urbana, que visa permitir acesso à moradia e aos equipamentos sociais pelas classes menos favorecidas, alem de evitar a retenção especulativa dos terrenos urbanos.

O Código Civil, contudo, trata do direito de superfície apenas como um dos direitos reais, decorrente do desmembramento do direito de propriedade, mas de forma ampla e genérica, não somente como ferramenta de política urbana, até porque ele trata também das plantações, obviamente não prescritas pelo Estatuto da Cidade.

A doutrina não é pacífica a respeito, todavia penso que é possível que os dois textos legais possam viger concomitantemente.

É possível a aquisição da propriedade superficiária pela usucapião?

Este tema requer uma análise detalhada dos institutos da posse, propriedade e usucapião. A justaposição dos conceitos é imprescindível, apenas para o começo do raciocínio sobre o assunto. Portanto, não pretendo me alongar sobre esta seara, tendo em vista que meus exíguos conhecimentos de quartanista não me permitem maiores elucubrações a respeito.

Todavia, deixo aqui algumas idéias sobre hipóteses da aquisição da propriedade superficiária pela usucapião, para que os colegas profissionais e estudantes possam pensar a respeito e colaborarem com seus textos.

A usucapião se adquire com a posse. Sendo a posse o exercício pleno ou não de poderes inerentes à propriedade, e sendo a propriedade superficiária uma derivação do domínio pleno da propriedade imobiliária, é possível que ocorra, hipoteticamente, a usucapião da propriedade superficiária. Contudo, na prática fica difícil aceitarmos esta possibilidade, pois seria mais razoável ou factível que o prescribente pleiteie o domínio pleno do imóvel.

No caso da concessão gratuita, se um terceiro apossar-se da superfície e exercer a posse usucapional, é possível que o prescribente demande tanto a propriedade plena (solo e superfície), como a propriedade superficiária. Digo gratuita, pois se onerosa fosse, a propriedade superficiária se resolveria pelo não pagamento do “solarium” ou pensão superficiária (descumprimento de cláusula contratual) pelo concessionário, que não mais estaria na posse da superfície.

Poderíamos contemplar outras hipóteses. Se, por exemplo, a concessão da superfície se der por Compromisso/Promessa de Compra e Venda e ocorrer a morte do compromissário vendedor, ou se este se mudar para lugar não conhecido, não sendo possível ao compromissário comprador superficiário localizá-lo para lavrar escritura e registrá-la no RI, este poderá pleitear a aquisição da propriedade superficiária pela usucapião, se a sua posse atender aos requisitos essenciais (legais) da posse usucapional.

Deixo aqui minha tacanha contribuição para o site, embora escrita com singeleza e pobreza literária, a fim de que outros leitores profissionais ou estudantes dêem continuidade ao tema, acrescentando suas idéias sobre o instituto da Superfície, que considero muito interessante.

Nota:
Agradecimentos especiais às magníficas aulas ministradas por nosso querido professor, Mestre e Doutor Hamilton Elliot Akel, desembargador do TJ/SP.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Paulo Marcos de Almeida

 

Acadêmico ano de Direito no Centro Universitário Unifieo – Osasco/SP

 


 

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Equipe Âmbito Jurídico

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