(Texto elaborado em setembro de 2001)
Sumário: 1.
Introdução; 2. Origem e desenvolvimento da superfície; 2.1 Conceito de
propriedade e os direitos reais e a superfície na visão do direito Romano; 2.2
A superfície no direito antigo, moderno e brasileiro; 3. Conceito de direito de
superfície; 4. Natureza jurídica do direito de superfície; 4.1 Teorias
apresentadas pela doutrina, nacional e estrangeira; 4.2 O direito de superfície
e arrendamento; 4.3 O direito de superfície e usufruto; 4.4 O direito de superfície
e servidão; 4.5 O direito de superfície e teorias estrangeiras; 5. Direito de
superfície – conteúdo; 5.1 Partes – cedente e cessionário- elementos
subjetivos; 5.2 Direitos e obrigações: concedente e do concessionário; 5.3
Objeto da superfície; 6 Constituição e transmissão do direito de superfície;
6.1 Meios constitutivos do direito de superfície; 6.2 Meios de transmissão do
direito de superfície; 7. Temporalidade do direito de superfície; 8. A proteção
do direito de superfície; 9. Extinção do direito de superfície; 9.1 Causas de
extinção da superfície; 9.2 Efeitos da extinção do direito de superfície; 10.
Conclusões.
Introdução
Em 10 de julho de 2001, o Congresso Nacional, após longos
11 anos, decretou e o Presidente da República sancionou parcialmente a lei
federal n. º 10.257, denominada de “Estatuto da Cidade”, estabelece não só as
diretrizes gerais para a implantação de uma “moderna” política urbana, mas,
também, regulamenta a aplicação de instrumentos para a persecução da verdadeira
função social da propriedade urbana, e, em especial, o artigo 4º que trata dos
instrumentos da política urbana, os quais destaco os seguintes: parcelamento,
do uso e da ocupação do solo; concessão de direito real de uso; concessão de
uso especial para fins de moradia; parcelamento, edificação ou utilização
compulsórios, usucapião especial de imóvel urbano; direito de superfície,
direito de perempção, outorga onerosa do direito de construir, operações
urbanas consorciadas.
Esclareço, que o Plano Diretor Decenal da Cidade do Rio de
Janeiro, aprovado pela Lei Complementar n. º 16, de
04/06/92, já trata de alguns dos instrumentos acima elencados, porém nunca
foram implantados.
Neste trabalho, tratarei especificamente do Direito de
Superfície, o qual, está regulado no Capítulo II, Seção VII, artigos 21 usque
24.
Origem e desenvolvimento da superfície
Conceito
de propriedade e os direitos reais – A
superfície na visão do direito Romano
O instituto da superfície surgiu no direito romano
no período classificado como “romano-helênico”[1],
originário dos arrendamentos de longo prazo, vale dizer, os locatio conductio rei, quando então
passou a se admitir a possibilidade de coexistirem, separadamente, a
propriedades do solo da propriedade das construções, “ainda que por força de
direito temporário e resolúvel por parte do proprietário do imóvel, em favor de
terceiro”, como ressalta a professora Rosane Abreu Gonzalez Pinto.[2]
Para uma melhor análise, entendo ser de válida importância
analisarmos o direito de superfície desde seu marco inicial -direito romano-
até os dias atuais.
José Guilherme B. Teixeira afirma que “os romanos
passaram a conceber a propriedade, a fim de verificar que não tinham eles
qualquer noção acerca de iura (direitos), concebendo e tendo o
entendimento apenas a respeito de coisas materiais, ou seja, de coisas
corpóreas.”[3]
Esclarece, ainda, o citado doutrinador, que, em
época mais remonta, os romanos não discerniam sequer as coisas corpóreas, tendo
o seu intelecto voltado apenas para tudo que podia ser tocado e apreendido,
vale dizer, entendiam, sem distinguir, a coisa do direito existente sobe ela.
Portanto, à época, os romanos não concebiam a
propriedade como um poder sobre as coisas, pois, tal poder achava-se englobado
no chamado “potestas do paterfamilias sobre tudo quanto estivesse a ele sujeito: mulher, filhos e
coisas, escravos inclusive”[4].
Passados alguns séculos, o direito romano evolui e,
querendo tornar-se uma potência mercantilista, ocorre o “desmembramento da
antiga potestas do pater famílias e sobre as demais coisas
(corpóreas sempre); sendo proproetas vocábulo que só veio a surgir mais tarde, com sinonímia perfeita a dominum”.[5]
Mesmo assim, consta noticiado pelo imortal Pontes
de Miranda[6],
que a conjectura das coisas incorpóreas ainda estava há séculos por ser
concebida pelos Romanos, pois, estes, só reconheciam as coisa materiais. Por
esse motivo, autores, como o antes citado, afirmam que “as servidões vêm do
mais antigo direito romano”.
Assim, podemos concluir que, no direito clássico de
Roma vigorou, de modo absoluto, a regra de que superfícies solo cedit, força
do qual tudo que era plantado ou edificado no solo passava a integrá-lo e ao
seu dono pertencia, não podendo ser objeto de transferência senão juntamente
com o solo.
Esclarece José Teixeira que “nesta época, o caráter
absoluto imperava”. Contudo, o mesmo doutrinador afirma, linhas à frente, “que
com o envolver do tempo, quando já admitida pelos romanos à existência de
coisas incorpóreas (iura) foi que tal caráter absoluto abrandou-se
e o domínio passou a sofrer certas limitações na sua plenitude impostas
por servidões, usufruto e uso”.[7]
A professora paulista Rosane Abreu Gonzalez Pinto,
compartilha do mesmo entendimento acima esposado, nos seguintes termos:
“somente com a admissão pelos romanos da existência de coisas incorpóreas (iura)
o domínio passou a sofrer certas limitações. Através do surgimento das
servidões, do usufruto e do uso admitiu-se a existência de iura in re aliena.”[8]
Não obstante a evolução do pensamento sobre a
propriedade em Roma, é certo que os romanos, ainda assim resistiram e, não
admitiram a existência, em separado, da propriedade do solo da propriedade da
construção ou da plantação[9],
pois, prevalecia o caráter absoluto do domínio. Roseane Gonzalez leciona que
“vigorava em Roma a regra de que tudo quanto fosse acrescido ao solo a ele se
agregava e ao dono do solo pertencia (superficies solo cedit)”[10]
.
Mais tarde, Roma, com a necessidade de fixar as
pessoas nas terras para manter o domínio pleno, passou a arrendar as suas terras
a particulares, por meio do instituto do “ius in agro vectigali, ou ager vectigalis” – espécie de
arrendamento perpétuo ou de longo prazo (cem ou mais anos)- mediante o
pagamento de cânon anual[11].
Registra-se, que consoante as lições de Rosane Pinto “com a finalidade de
solucionar o problema do plantio e do
cultivo de imensas glebas de terras (latifundia) os latifundiários também arrendaram as suas
propriedades, ampliando-se a forma da
ocupação e do cultivo das terras particulares, nos moldes dos arrendamentos
praticados pelo Estado e outras pessoas
jurídicas.”.
No mesmo sentido posiciona-se o professor Ricardo
Pereira Lira leciona que “a propriedade romana dos chamados bens de raiz era
quase como se fora um pequeno um
pequeno território independente. Tudo o que a ele acresce ou nele se incorporasse pertenceria (ratione naturali),
por acessão, ao proprietário. Conseqüentemente, a edificação erIgIda sobre o solo não poderia ser de outrem que não o seu dono. Essa
rigidez de princípios se tornou inconveniente na medida em que cresciam as
cidades e se desenvolviam as obras públicas. O solo romano vale lembrar, bem
cedo se havia reduzido a ser
propriedade de corporações e de uns poucos particulares.”[12]
Eis, em última análise, a causa do nascimento do direito
de superfície: necessidade de adaptação às condições econômicas da época.
Esclarece José Guilherme Braga Teixeira que “esses
arrendamentos, a princípio concedidos em longo prazo, vieram, por vezes, a
sê-lo perpetuamente, impondo, sempre a contrapartida, ao arrendatário a
obrigação de construir em terreno locado e a de pagar um cânon anual (pensio
ou solarium) ou uma quantia única pela locação do solo. O arrendatário não
tinha mais do que o uso e a fruição da edificação, uma vez que, mesmo sob
Justiniano, vigorou no Direito Romano, sem embargo de poder haver opiniões em
contrário, o princípio da acessão, ou seja, de que superfícies solo cedit.”[13]
Após todo esse desenvolvimento, “a superfície
tornou-se no direito justinianeu um direito real de uso e fruição sobre edifício construído em terreno de
outrem, tratando-se, outrossim, de direito alienável e transmissível aos
herdeiros.”[14]
Registre-se que o Ministro José Carlos Moreira
Alves, citado pela professora da Universidade de Ribeirão Preto, também partilha
do mesmo entendimento ao afirmar que: “no direito justinianeu como direito
real, alienável e transmissível aos herdeiros, que atribui a alguém (o
superficiário) amplo direito de gozo
sobre edifício construído em solo alheio”.
Portanto, embora os romanos tenham formalmente preservado
a inteireza do princípio de que tudo o que a propriedade era acrescido ou nela
era incorporado pertenceria, por acessão, ao proprietário, foi mitigado pela
necessidade de adaptação às condições sociais dos novos tempos vividos à época
pelos romanos, surgindo, então, o direito de superfície.
A superfície no direito antigo, contemporâneo e brasileiro
Direito antigo
O direito de superfície, no período denominado pela
doutrina de “direito intermédio”, teve grande desenvolvimento graças ao direito
germânico, “que atribuía maior valor ao trabalho do construtor do que o direito
de propriedade do solo, aliada ao interesse da igreja em legitimar as
construções feitas sobre os terrenos de propriedade eclesiástica.” Porém, não
obstante essa afirmação, José Guilherme Braga Teixeira esclarece que “se de um
lado o direito canônico procurou dar, como realmente deu, enorme aplicação à
superfície e ao seu desenvolvimento, de outro lado é correto afirmar que os
chamados povos bárbaros, por serem nômades e não prenderem a terra,
abandonavam-na depois de colhidas as plantações.”
Nesse período, se podia encontrar em estatutos e costumes
itálicos a admissão da propriedade separada de construções e plantações. Porém,
por influência da Escola de Bolonha, a qual, com base nos estudos romanísticos,
fez surgir em muitos desses costumes e estatutos a regra romana de que superfícies
solo cedit. Mas, o regime feudal da época contribuiu em muito na concepção
da divisão do domínio da propriedade, pois, deu grande importância e valia à
superfície e à enfiteuse.[15]
Desta forma, a superfície, neste período, foi concebida
como verdadeira propriedade paralela à propriedade do solo. Este entendimento
durou até a Revolução Francesa, quando então, devido aos abusos cometidos pelos
senhores feudais – escravidão dos homens a terra e altos preços dos censos que
eram obrigados a suportarem pelo uso da superfície – a enfiteuse, quanto à
superfície foram banidas, restaurando-se a unidade da propriedade na pessoa do
proprietário do solo.
Direito Contemporâneo
Foi afirmado anteriormente que a Revolução Francesa pois
fim ao direito de superfície e à enfiteuse, orientação esta seguida pela
primeira grande codificação da época, ou seja, o Código Civil francês,
promulgado no ano de 1803. Entretanto, não obstante o código não ter tratado
expressamente do direito de superfície, há registro de que doutrina e
jurisprudência, valendo-se do contido no artigo 553 do mencionado estatuto,
sustentaram a existência do mencionado direito.
Registre-se, que outros códigos não admitiram em seus
textos o direito de superfície, exceção do código civil austríaco de 1.811 que
admitiu a superfície, aplicável às construções quanto as plantações.
Logo após, em 1900, com a entrada em vigor do código
alemão, o instituto surgiu como direito real e limitado às edificações. Em
seguida – 1907 – foi contemplado pelo código civil suíço, o qual também limitou
às edificações. Neste passo, a China, por meio de seu código civil de 1929,
referiu, de forma expressa, ser o superficiário proprietário das construções e
outras obras que fizesse.[16]
Especificamente sobe a então União Soviética, há autores,
como por exemplo Ricardo Lira, que afirmam ter havido a existência de um
direito de construção, nos moldes à superfície, para tanto o festejado
doutrinador afirma que “as relações entre o Estado e o concessionário, expirado
o contrato, estavam definidas no art. 83 do cód. Civil soviético : toas às
construções deviam ser entregues ao Estado
em boas condições e o Estado pagava ao edificador o valor das construções no
momento em que delas se apossava.”[17]
Outros, com por exemplo Orlando Gomes, entendiam tratar-se de efetivo direito
de superfície, o qual foi abolido em 1949.
José Guilherme registra que o código civil Italiano de 1865
– já revogado – não admitia a superfície entre as suas disposições. Contudo,
doutrina e jurisprudência, aproveitando uma ressalva consignada no artigo 448[18]
do mencionado código, sustentavam a permanência do direito de superfície.
A Espanha, por sua vez, segundo a professora Roseane Abreu
Gonzalez Pinto, não disciplinou a matéria em seu código civil de 1889, mas, uma
lei ordinária publicada em 1956 criou a modalidade urbanística de direito de
superfície.
Portugal, o último pais do continente europeu a promulgar
um novo código civil – 1966 – foi, quem melhor regulamentou o direito de
superfície, pois, sistematizado em
título próprio e em disposições claras e abrangentes, permitindo sua
concretização tanto para construções quanto plantações.
Direito Brasileiro
No Brasil, temos o registro de Gonçalves, L.C., in
“Princípios de Direito Civil
Luso-Brasileiro” Vol I, p. 341, citado por José Guilherme Braga Teixeira, de que enquanto colônia de Portugal, o
direito de superfície vigorou até o advento da lei publicada em 20 de outubro
de 1823.[19]
Ensina a professora
Roseane Gonzáles que mesmo após a “proclamação da independência política em
1822, por falta de leis próprias, a Assembléia Constituinte, através da Lei de
20/10/1823, determinou que continuasse a vigorar no Brasil as Ordenações
Filipinas, de Portugal, embora alteradas por leis e decretos esparsos, até que
se elaborasse o Código Civil Brasileiro, razão pela qual o direito de
superfície continuou a viger no direito Pátrio”. Entretanto, por força da Lei n.º
1.237, de 24 de setembro de 1864, o direito de superfície foi extinto,
entendimento este corroborado pelo professor Ricardo Lira.
Assim, diante da necessidade de se substituir à
codificação estrangeira– Ordenações Filipinas – os juristas encarregados da elaboração
do projeto de código civil, quando se sua elaboração, não incluíram a
superfície no elenco dos direitos reais.
Segundo os apontamentos dos doutrinadores citados neste
estudo, o prestigioso Teixeira de Freitas, quem primeiro elaborou uma Consolidação
das Leis Civis, a qual foi aprovada em 1858[20]e
autor do primeiro esboço do código civil brasileiro, também não contemplou a
superfície entre os direitos reais.
Por sua vez, o imortal Clóvis Bevilaqua, ao apresentar seu
“Projecto de Código Civil Brazileiro” em 1900, o qual mais tarde se
transformaria no vigente Código Civil Brasileiro, manteve-se fiel à velha e
clássica regra romana de que superfícies solo cedit . Entretanto, não
obstante a ausência da regulação do direito de superfície, Jose Guilherme Braga
Teixeira[21], Roseane
Gonzáles[22] e Ricardo
Lira Pereira[23],
esclarecem, em voz única, que a “Comissão Revisora do projeto de Clovis
Bevilaqua, a qual era formada pelos juristas Aquino e Castro, Costa Barradas,
Bulhões Carvalho, Freire de Carvalho e Lacerda de Almeida, houve por bem
incluir entre os direitos reais na coisa alheia, apresentado novo capítulo – Da
Superfície – contendo sete artigos, redigidos por Costa Barradas.” Contudo,
a “Comissão Especial da Câmara dos Deputados, em parecer subscrito por Benedito
de Souza, pronunciou-se desfavoravelmente
à inclusão da superfície no rol
dos direitos reais sobre as coisas
alheias.”[24]
Assim, fiel à determinação de seu idealizador – Clóvis
Bevilaqua – o código civil foi promulgado em 01 de janeiro de 1916, por meio da
Lei 3.071 sem elencar no rol dos
direitos reais o direito de superfície.
Resistentes, os defensores do direito de superfície
insistiram na idéia de ainda, assim, existir o direito de superfície como
direito real, sem embargo de sua revogação tácita do ordenamento jurídico,
ocorrida pela Lei n.º 1.257, de 24/09/1864.
Em contraposição, os seguidores do mentor do código civil, afirmavam que
por serem os direitos reais numerus apertus, era impossível sustenta a
existência de direito não relacionado no artigo.[25]
Mediante a apresentação do anteprojeto elaborado pelo
mestre baiano Orlando Gomes, tentou-se, novamente, introduzir o direito de
superfície no código civil, para tanto foi o mesmo inserido no rol dos direitos
reais, cumprindo assim posição da teoria dominante de que os direitos reais são
numerus claurusus.
Orlando Gomes, citado por José Teixeira, fundamentou a
introdução do direito de superfície no corpo do código nos seguintes termos:
“Códigos recentes retomaram-na, dando-lhe novos traços, admitindo a sua
utilidade para certos fins, dentre os quais, como se reconhece na Alemanha, o
de facilitar as construções, principalmente os terrenos de domínio do Estado,
concorrendo para a solução do problema da habitação”.
O mencionado anteprojeto ao ser analisado por comissão
formada por Caio Mário da Silva Pereira, Orozimbo Nonato e Orlando Gomes foi
modificado para excluir, do rol de direitos reais admitidos, o direito de
superfície. E assim, foi aprovado o projeto e, logo após, enviado ao Congresso
Nacional e arquivado. Porém, como o advento do Decreto-lei n.º 271, de
28/02/1967, foi instituído, como direito real resolúvel, a concessão de uso de
terrenos públicos ou particulares, de forma remunerada ou gratuita, por tempo
certo ou indeterminado, para fins específicos de urbanização, industrialização,
edificação, cultivo da terra, ou outra utilização de interesse social,
materializado por instrumento público ou particular ou, ainda, por termo
administrativo, inscritíveis no cartório
do registro imobiliário e transmissíveis por ato inter vivos ou por
causa de morte.
Após o advento do diploma legal acima mencionado, parte da
doutrina – ex: Caio Mario Pereira da Silva – afirmou, à época, que o direito de
superfície estava reintroduzido no ordenamento pátrio. Outros, porém, refutaram
tal assertiva –José Guilherme Braga Teixeira e Ricardo Lira. Este último
esclarece que “a concessão de direito real de uso, outorgada por pessoa de
direito público ou por particular, não se confunde com o direito de superfície.
Os princípios gerais conduzem necessariamente a essa conclusão. Basta
considerar que não ocorre, na espécie tratada, a suspensão do princípio superfícies
solo cedit, não se verifica o amortecimento do princípio da acessão. Ainda
que assim pudesse admitir que, no caso, se criaria uma propriedade separada do
concessionário do relativamente ao quid novum incorporado ao solo, não
se teria propriedade separada
superficiária. Direito real de uso
e direito real de superfície são categorias diversas de direitos reais
limitados, cada uma com a sua carga conceptual específica”.[26]
Em 1972, foi elaborado um novo Anteprojeto por comissão de
notáveis juristas, supervisionados por Miguel Reale que ora se encontra em
votação no congresso nacional.
É de se registrar que a redação primitiva do capítulo
relativo ao Direito das Coisas, elaborado por Ebert Chamoun, não contemplava o
direito de superfície mas, quando da sua transformação em projeto de lei, esse
capítulo foi revisto e, finalmente, incluído o direito de superfície.[27]
Por surpresa nossa, aos 10 dias do
mês de julho de 2001, o Congresso Nacional, após longos 11 anos de tramitação,
decretou, e o Presidente da República sancionou parcialmente a lei federal n.º
10.257, a qual estabelece diretrizes gerais da política urbana.
Esta lei,
também denominada de “Estatuto da Cidade”, estabelece não só as diretrizes
gerais para a implantação de uma “moderna” política urbana, mas, também,
regulamenta a aplicação de instrumentos para a persecução da verdadeira função
social da propriedade urbana, dentre eles, o direito de superfície – artigo
4º.
Assim, temos hoje o direito de superfície regulamentado em
lei especial, que apesar de não estar inserido no rol das hipóteses do artigo
578 do Código Civil Brasileiro, é um direito real definido por lei, gozando seu
titular de todos os poderes, vale dizer, usar, gozar e dispor da coisa que lhe
pertence.
Conceito de direito de superfície
O conceito de direito de superfície, como direito real,
pode variar em razão da forma como ele é regulado pelos ordenamentos dos países
que o admitem.
José Guilherme Braga Teixeira, afirma que “alguns
ordenamentos limitam o direito de superfície a obras e plantações sobre o solo,
alguns compreendem na superfície as plantações, ao passo que outros o proíbem”.
Entre os autores brasileiros, podemos destacar as
seguintes conceituações:
– Clóvis Bevilaqua[28]:
“…consiste no direito real de construir, assentar qualquer obra, ou
plantar em solo de outrem.
– Washington de Barros Monteiro[29]:
“…. o direito de construir….consiste no direito construir, assentar
qualquer obra, ou de plantar em solo de
outrem.”
– Wilson de Souza Campos Batalha[30]:
“….o direito de superfície….consiste no direito real de ter plantações (plantatio),
fazer semeaduras (satio) ou construir edifícios (inaedificatio)
em terreno de propriedade alheia..”
– Orlando Gomes[31]:
“Superfície é o direito real de ter uma construção ou plantação em solo alheio”
– José Oliveira Ascenção[32]”…superfície
pode ser simplesmente definida como o
direito real de ter coisa própria incorporada em terreno alheio”.
O Professor Ricardo Pereira Lira define o direito de
superfície como sendo o “direito real autônomo, temporário ou perpétuo, de
fazer e manter construção ou plantação sobre ou sob o solo alheio; é a
propriedade – separada do solo – dessa construção ou plantação, bem como é a
propriedade decorrente da aquisição feita ao dono do solo de construção ou
plantação nele já existente”.[33]
Saliente-se, que apesar de ser enquadrado como espécie de
direito real, a verdade que até a entrada em vigor da lei federal nº 10.257,
de julho de 2001, esta classificação somente poderia ser acatada no âmbito
doutrinário, vez o atual e vigente Código Civil Brasileiro não ter previsto tal
direito em seus artigos 674[34] e
seguintes.
Na legislação comparada, vale ressaltar a conceituação
dada pelo Código Civil Português – artigo 1.524, a saber:
“Art. 1.524- (Noção) O direito de superfície consiste na
faculdade de construir ou manter, perpétua ou temporariamente, uma obra em
terreno alheio, ou de nele fazer ou
manter plantações”.
A lei n.º 10.257/2001, dispõe em seu artigo 21
assim trata do direito de superfície:
“Art. 21. O proprietário urbano poderá conceder a outrem o
direito de superfície do seu terreno, por tempo determinado ou indeterminado,
mediante escritura pública registrada no cartório de registro de imóveis.
§ 1o
O direito de superfície abrange o direito de utilizar o solo, o subsolo ou o
espaço aéreo relativo ao terreno, na forma estabelecida no contrato respectivo,
atendida a legislação urbanística.
§ 2o
A concessão do direito de superfície poderá ser gratuita ou onerosa.
§ 3o
O superficiário responderá integralmente pelos encargos e tributos que
incidirem sobre a propriedade superficiária, arcando, ainda, proporcionalmente
à sua parcela de ocupação efetiva, com os encargos e tributos sobre a área
objeto da concessão do direito de superfície, salvo disposição em contrário do
contrato respectivo.
§ 4o
O direito de superfície pode ser transferido a terceiros, obedecidos os termos
do contrato respectivo.
§ 5o
Por morte do superficiário, os seus direitos transmitem-se a seus herdeiros.”
Natureza jurídica do direito de superfície
Evidencia-se que o direito de superfície é um direito real
autônomo, não podendo ser reduzido à categoria dos demais direitos reais
limitados sobre o imóvel alheio. Assim, uma vez concedido, o edifício
construído ou a plantação feita pertencem exclusivamente ao superficiário,
enquanto o solo continua a pertencer ao seu proprietário.
Apesar da clareza da natureza jurídica do direito de
superfície, há autores que não se mostram concordes no que concerne à natureza
do direito de superfície, apresentando diversas teorias com que visam
explicá-las.
O mesmo entendimento é compartilhado por Rosane Gonzáles,
ao afirmar que “quanto à natureza jurídica do direito de superfície, ainda que
os autores não se mostrem concordes, apresentando-se diversas teorias que
pretendem explicá-la, e o fato de que se assemelha a outros direitos reais
limitados, como as servidões e o usufruto, o direito de superfície se apresenta
como direito autônomo, não se confundindo com nenhum outro”
Dentre todas, nos deteremos as mais importantes, a saber:
arrendamento; enfiteuse, usufruto e servidão.
Direito de superfície e arrendamento
O arrendamento encontra-se disciplinado não só no Código
Civil Brasileiro – artigos 1.211 até 1.215, como também no Estatuto da Terra –
artigos 92 até 95.
Os defensores
dessa corrente sustentam ser o direito de superfície um arrendamento, pois a
cessão de uma coisa para uso de outra pessoa, mediante o pagamento de um
aluguel, assim é a superfície a cessão de uma coisa para uso e gozo de outra
pessoa, mediante o pagamento de um aluguel, denominado pelos romanos de solarium.
Esclarece José Teixeira que “a natureza jurídica desses
dois institutos- arrendamento e superfície – é diversa, bastando-nos mencionar
que se a superfície tem caráter real e confere ao superficiário a propriedade
da construção ou plantação, o arrendamento tem caráter estritamente
obrigacional, não podendo jamais conduzir o arrendatário a tornar-se dono da
coisa arrendada.”
Entendemos que a diferença maior entre os dois institutos
é o fato de que no arrendamento o pagamento é requisito necessário para sua
configuração, diferentemente o que ocorre no direito de superfície onde não é
necessário para a sua caracterização.
Direito de superfície e à enfiteuse
A enfiteuse, o aforamento, ou emprazamento estão reguladas
em nosso código civil nos artigos 678 e seguintes. Ocorre, quando o
proprietário, mediante ato entre vivos, ou de última vontade, atribui a outrem
o domínio útil do imóvel, mediante o pagamento ao “senhorio direto” de uma
pensão, ou foro, anual, certo e invariável.
Outra
característica é que o contrato de enfiteuse é perpétuo. Se por acaso for
tratado por tempo determinado, nos termos do artigo 679 do código civil
brasileiro, não mais será considerada a enfiteuse, mas, sim, arrendamento, e
como tal será regido.
Registre-se,
que somente podem ser objeto de enfiteuse terras não cultivadas ou
terrenos que se destinem à edificação.
Temos,
ainda, o fato de que o enfiteuta, ou foreiro, não pode “vender nem dar em
pagamento o domínio útil, sem prévio aviso ao senhorio direto, para que este
exerça o direito de opção; e o senhorio direto tem 30 (trinta) dias para declarar,
por escrito, datado e assinado, que quer a preferência na alienação, pelo mesmo
preço e nas mesmas condições. Se, dentro no prazo indicado, não responder ou
não oferecer o preço da alienação, poderá o foreiro efetuá-la com quem
entender.”
Compete
igualmente ao foreiro o direito de preferência, no caso de querer “o senhorio
vender o domínio direto ou dá-lo em pagamento. Para este efeito, ficará o dito
senhorio sujeito à mesma obrigação imposta, em semelhantes circunstâncias, ao
foreiro.”
Nos
casos em que for realizada a transferência do domínio útil, por venda ou dação
em pagamento, “o senhorio direto, que não usar da opção, terá direito de
receber do alienante o laudêmio, que será de 2,5% (dois e meio por cento) sobre
o preço da alienação, se outro não se tiver fixado no título de aforamento”.
Quanto
à extinção, podemos dizer que a enfiteuse extingue-se “pela natural
deterioração do prédio aforado, quando chegue a não valer o capital
correspondente ao foro e mais um quinto deste; pelo comisso, deixando o
foreiro de pagar as pensões devidas, por três (três) anos consecutivos, caso em
que o senhorio o indenizará das benfeitorias necessárias e falecendo o
enfiteuta, sem herdeiros, salvo o direito dos credores.”
Diante do acima exposto é que José Guilherme Braga
Teixeira, leciona que “superfície e enfiteuse nasceram praticamente ao mesmo
tempo e caminharam lado a lado pelo Direito Romano pós-clássico e Bizantino”.
Sem embargo da opinião daqueles que contrariamente
sustentam ser o direito de superfície uma enfiteuse, entendemos, como a
maioria, no sentido de que a enfiteuse não se confunde, pois, conforme já
demonstrado, no direito de superfície o pagamento não é substância do ato de
concessão, diferentemente ocorre com a enfiteuse, onde, se o enfiteuta não pagar
o “foro”, extingue-se a enfiteuse.
Direito de superfície e o usufruto
Seus defensores sustentam ser o direito de superfície um
usufruto. Alegam que “ao constituir-se o direito de superfície, tem origem, em
favor do superficiário, um direito de uso e fruição do solo, com a finalidade
concreta e específica de nele o superficiário construir.” Registre-se, que
segundo José Teixeira, essa posição sofreu forte influência do direito
Italiano, principalmente antes do código civil de 1942.
Ora, como visto quando da conceituação, o usufruto é
constituído intuito personae, vale dizer, é intransferível, seja entre
vivos ou por causa de morte. Diferentemente ocorre com o direito de superfície,
onde o direito é transferível por ato de alienação ou por morte. Outra diferença
está em que o usufrutuário é obrigado a respeitar a substância da coisa cedida
a usufruto. No direito de superfície não. Aqui, o superficiário pode utilizar a
superfície como melhor lhe aprouver, respeitando, apenas, o objeto da avença.
Assim, diante dos argumentos acima, podemos afirmar que
não assiste razão àqueles que sustentam a natureza jurídica do direito de
superfície no usufruto.
Direito de superfície e servidão
Dispõe o artigo 695 do código civil brasileiro:
“Art.695. Impõe-se
a servidão predial a um prédio em favor de outro, pertencente a diverso dono.
Por ela perde o proprietário do prédio serviente o exercício de alguns de seus
direitos dominicais, ou fica obrigado a tolerar que dele se utilize, para certo
fim, o dono do prédio dominante.”
Temos em doutrina que a servidão não se presume e, as servidões não aparentes, só
podem ser estabelecidas por meio de transcrição no Registro de Imóveis.
Segundo
a regra contida no artigo 698 do CCB, “a posse incontestada e contínua de uma
servidão por 10 (dez) ou 15 (quinze) anos, nos termos do art. 551, autoriza o
possuidor a transcrevê-la em seu nome no Registro de Imóveis, servindo-lhe de
título à sentença que julgar consumado o usucapião”.
Observe-se,
que se o possuidor não tiver título, o prazo da usucapião será de 20 (vinte)
anos.
Outra
característica marcante da servidão é o seu dono ter “direito a fazer todas as
obras necessárias à sua conservação e uso”.
As
servidões podem ser de vários tipos, contudo, para este estudo trataremos
apenas das prediais. As servidões prediais são indivisíveis e subsistem, mesmo
no caso de partilha, em benefício de cada um dos quinhões do prédio dominante,
continuando, assim a gravar cada um dos do prédio serviente.
Uma
vez transcrita, sua extinção ocorre, salvo nas desapropriações, com respeito a
terceiros, quando cancelada. Porém, nada obsta que o dono do prédio serviente
questione, judicialmente, o cancelamento da transcrição, embora o dono do
prédio dominante impugne. Eis algumas hipóteses do cancelamento do registro:
renuncia à servidão; sendo a
servidão de passagem, tenha cessado pela abertura de estrada pública, acessível
ao prédio dominante ou quando o dono do prédio serviente resgatar a
servidão.
As
servidões prediais se extinguem pela reunião dos dois prédios no domínio
da mesma pessoa; pela supressão das respectivas obras por efeito do
contrato, ou de outro título expresso ou pelo não uso, durante 10 (dez)
anos contínuos.
Extinta,
poderá o dono, no caso de servidão predial, cancelar sua inscrição, mediante a
prova da extinção.
Não
obstante a regulamentação acima, o certo é que no direito passado vários
defensores trataram o direito de superfície como sendo uma servidão, a ponto de
o Código Civil suíço estabelecer, expressamente, ser o direito de superfície
uma servidão.[35]
José Guilherme Braga Teixeira
e Ricardo Pereira Lira lecionam, em síntese, que a servidão, em sua concepção
mais pura, exige a existência de prédios distintos pertencentes a donos
diversos, exigência que nenhuma legislação, exceto a anteriormente citada,
dispensou de seus ordenamentos. A mesma sorte ocorreu com a servidão de
terreno, pois, a equiparação da superfície à servidão nos casos de terrenos sem
construção, “resultaria numa incongruência pois, a concessão ad aedificandum não teria existência
jurídica imediata e poderia não tê-la
jamais se ela não se seguisse à construção.”
O direito de
superfície e teorias estrangeiras
Além das teorias já
mencionadas neste estudo, temos o registro de outras, que ao lado dessas,
tentaram equiparar o instituto do direito de superfície a diversas situações
jurídicas, tais como “domínio dividido” previsto no código civil Austríaco; a
“propriedade do espaço aéreo”, a qual defendia ser o solo coisa diversa do
solo, que é alienado separadamente deste ao superficiário; “a copropriedade do
solo pelo superficiário”; “limitação legal do direito de vizinhança” criticada
por José Teixeira por se “impróprio falar de limitação legal em se tratando de
vínculo que tem origem e alcance na vontade particular do concedente. Demais
disso, não explica a natureza do instituto”;“superfície como direito de
propriedade de construção com a faculdade de utilizar o solo”.
Direito de superfície – conteúdo
Partes – cedente e cessionário- elementos subjetivos
Quanto aos modos de aquisição e de transmissão da
propriedade superficiária, foi verificado neste estudo que diversas são os
tratamentos conferidos pelo direito comparado ao instituto. Contudo, podemos
observar que, de modo geral, para se adquirir o direito de superfície, não basta,
por si só, o acordo de vontades, necessário se faz o seu registro no cartório
imobiliário.
Assim, nos dias atuais, em regra o direito de
superfície se constitui mediante contrato, devida e regularmente inscrito do
registro de imóveis, e por disposição de última vontade[36].
Estabelecendo-se mediante contrato, podemos dizer
com segurança que os sujeitos da relação jurídica superficiária são: o
proprietário do solo, na qualidade de cedente e o superficiário, este, na
qualidade de cessionário.
Por meio desse contrato é concedido ao
superficiário o direito utilizar a propriedade superficiária separadamente da
propriedade do solo, que remanesce do domínio do proprietário do terreno.
Ricardo Lira Pereira, ao responder indagação por
ele mesmo elaborada – “Quem poderá constituir o direito de superfície?”-
afirma, que “poder-se-ia, a uma primeira vista, aceitar a criação pelo
enfiteuta de direito de superfície em favor de terceiro. Parece-nos, contudo,
que é exclusivamente em favor do proprietário que opera a acessão, somente ele
poderá suspender os efeitos do princípio superfícies solo cedit e não o
titular de um direito real limitado.
Por fim, apontamos que nos casos de a propriedade
pertencer a mais de uma só pessoa, como, por exemplo, o condomínio, o direito de
superfície somente poderá ser concedido mediante a anuência de todos. Na
hipótese de co-propriedade, entendemos que bastará a autorização da maioria ou
daquele que possuir a maior cota parte.
Direitos e obrigações: concedente e concessionário
Em nosso direito positivo vigente temos a lei
federal n.º 10.257, 10 de julho de 2001, a qual estabelece diretrizes gerais da
política urbana. Denominada de “Estatuto da Cidade”, ela estabelece não só as
diretrizes gerais para a implantação de uma “moderna” política urbana, mas,
também, regulamenta a aplicação de instrumentos para a persecução da verdadeira
função social da propriedade urbana. Contudo, o legislador, achou por bem
regular apenas o necessário, deixando as especificidades ao livre arbítrio das
partes.
Não obstante, em linhas gerais, podemos afirmar que esses são os
direitos e obrigações do proprietário do solo:
Direitos
Utilizar a parte do imóvel que não constitui objeto do direito de
superfície;
Receber o pagamento pela cessão, caso tenha sido ajustada;
Exercer o direito de preferência na aquisição da superfície; proceder à
resolução da superfície antes do advento do termo, se temporária, se o
superficiário não edificar ou plantar no tempo aprazado, ou se edificar em
desacordo com o convencionado ou, ainda, se der destinação diversa daquela
originariamente concedida; constituir gravames reais sobre o solo.
Obrigações
Não praticar atos que impeçam ou prejudiquem a
concretização, ou o exercício do objeto do direito de superfície;
Dar preferência ao superficiário na aquisição da
propriedade do solo, cão esta se faça a
título oneroso.
Os direitos e obrigações do superficiário são:
Direitos
Utilizar a
superfície do solo de outrem , nos termos da avença realizada;
Usar, gozar
e dispor da construção ou da plantação superficiária como coisa sua, separa da
propriedade do solo;
Onerar com
ônus reais a construção ou plantação, que entretanto se extinguirão com o termo
final da concessão da propriedade superficiária;
Exercer o
direito de preferência na aquisição do
solo, caso o proprietário pretenda aliena-la a título oneroso;
Reconstruir
a edificação ou refazer a plantação, em caso de perecimento.
Obrigações
São suas obrigações, dentre outras:
Pagar a remuneração ajustada, no caso de a avença ter sido pactuada de
forma onerosa;
Construir ou plantar exatamente conforme o acordado;
Pagar os encargos e tributos que incidirem sobre a obra superficiária e sobre o solo;
Conservar a obra superficiária ;
Dar preferência ao senhor do solo à aquisição da propriedade superficiária.
Objeto da superfície
O
objeto do direito de superfície pode ser a construção ou a plantação. Há
registro de que alguns ordenamentos estrangeiros limitam o exercício do direito
de superfície a uma ou outra hipótese. Outras, contemplam as duas hipóteses,
como por exemplo o Código Civil Português.
No
Brasil, diante da redação do artigo 21 da lei federal n.º 10.257/2001 abaixo transcrito, entendemos que o objeto
do direito de superfície poderá ser tanto a construção quanto à plantação. Tudo
ficará a cargo dos contratantes, que deverão respeitar os limites da avença.
“Art.
21. O proprietário urbano poderá conceder a outrem o direito de superfície do
seu terreno, por tempo determinado ou indeterminado, mediante escritura pública
registrada no cartório de registro de imóveis”.
Constituição e transmissão do direito de superfície
Meios constitutivos do direito de superfície
Dissemos linhas atrás que o direito de superfície é
adquirido, via de regra, por meio do registro do contrato no registro de
imóveis, ou, ainda, pela sucessão hereditária. Contudo, há quem entenda que
nada impede que tal direito seja adquirido por usucapião, como por exemplo,
José Guilherme Braga Teixeira, para quem, no usucapião ordinário, há
possibilidade “de aquisição da superfície, em razão de concessão anterior a non
domino. Nesta hipótese, o concessionário adquire o direito de superfície
contra o senhor do solo.”[37]
Ainda, sobe o usucapião, averbera Roseane Gonzáles que “a
superfície pode ser adquirida via usucapião, sendo essa modalidade rara e
difícil de ocorrer. Principalmente o usucapião extraordinário, em razão do
efeito aquisitivo da acessão, por força do qual a plantação ou a construção
feita no solo pertence ao proprietário
deste, o que só a superfície concedida pelo proprietário do solo poderia impedir. Por outro lado, pelo mesmo
prazo, o superficiário adquiriria a propriedade do imóvel. Já via usucapião
ordinário, em razão da concessão anterior non domino, pode o
concessionário adquirir o direito de
superfície, contra o proprietário do solo, se permanecer na posse pelo decurso
do prazo, desde que não careça de boa-fé”[38].
A mesma opinião partilha Benedito Silvério Ribeiro, in Tratado de Usucapião,
Vol.1 Editora Saraiva, 1992, pg.381.
Por esse motivo, José Guilherme alinha a ordem dos títulos
constitutivos da seguinte forma: contrato; testamento e a sentença judicial.
Portanto,
podemos afirmar que a substância do ato de concessão do direito de superfície é
o contrato escrito, exigindo-se, em certos ordenamentos, a forma solene da escritura
pública, como ocorre na Alemanha e na Espanha.[39]
Meios de transmissão do direito de superfície
A superfície pode ser transmitida pelo registro do
contrato de cessão no cartório de registro de imóveis ou, ainda, pela sucessão
hereditária e, por fim, quem a admite, por usucapião.
O título constitutivo da cessão, assim, será o
contrato, para a qual exige-se o registro; o testamento e a herança universal,
no caso de sucessão hereditária e, ainda, a transcrição no registro de imóveis
da sentença prolatada nos casos de usucapião.
Temporalidade do direito de superfície
Sobre a duração do direito de
superfície a lei federal n.º 10.257/2001, dispõe em seu artigo 21 que o “proprietário
urbano poderá conceder a outrem o direito de superfície do seu terreno, por tempo
determinado ou indeterminado, mediante escritura pública registrada no
cartório de registro de imóveis”.
Assim,
o direito de superfície pode ser pactuado com duração temporária ou indefinida,
ou perpétua, como alguns gostam de chamar.
Ao
nosso sentir, a duração do direito de cessão não acarretam maiores problemas. O
impasse pode surgir quando de sua extinção, como veremos mais adiante.
A proteção do direito de superfície
Linhas atrás, afirmamos que o direito real de uso é a
relação jurídica consubstanciada numa dominação direta do sujeito sobre a coisa
que constitui o seu objeto, atribuindo ao titular o direito de seqüela contra
os detentores da coisa. Tem ele por objeto uma coisa e, diferentemente da
obrigação, ele é exercido contra todos.
Assim é, porque as ações destinadas a protegê-lo
dirigem-se contra quem esteja na posse do bem da vida de seu titular.
O superficiário, titular de um direito real, goza, desde a
aquisição a superfície, da proteção possessória geral, possuidor que é da
superfície do solo. Por isso, cabem-lhe, as espécies de manutenção e de
reintegração de posse, dada a oponibilidade erga omnes que integra o direito real.
Registre-se que, por outro lado, depois de realizada a
construção ou plantação, torna-se o superficiário proprietário resolúvel[40]de
uma ou de outra espécie, cabendo-lhe, por essa característica, o direito de
exercício das ações petitórias, vale dizer, reivindicatória, negatória e a
confessória.
Por fim, entendemos que, por reunir o superficiário
a posse e a propriedade da superfície o poderá, ainda, se socorrer do embargos
de terceiro, da nunciação de obra nova e de dano infecto.
Extinção do direito de superfície
Causas de extinção da superfície
Seguindo orientação das diversas legislações que consagram o
direito de superfície a lei federal n.º 10.257/2001, em seu artigo 23, dispôs
que o mesmo se extingue: pelo
advento do termo e/ou pelo descumprimento das obrigações contratuais assumidas
pelo superficiário. Resta, ainda, a hipótese consignada no parágrafo primeiro do
artigo 24, a saber: “antes do termo final do contrato, extinguir-se-á o direito
de superfície se o superficiário der ao terreno destinação diversa daquela para
a qual for concedida”.
Registro, que existem
ordenamentos jurídicos que colocam ao lado das hipóteses acima citadas a
confusão (explica De Plácido e Silva que confusão, no direito civil,
tecnicamente, o usual sentido é o de reunião ou mistura) a qual, segundo José
Guilherme, pode ocorrer em três hipóteses distintas, a saber: aquisição da
superfície pelo senhor do solo; aquisição do solo pelo superficiário e
aquisição do solo e da superfície por terceira pessoa.
Outra hipótese indicada por José
Teixeira é a renúncia do superficiário e o perecimento do objeto.
Interessante notar,
que a extinção pode também ocorrer por causa diversa da vontade das partes,
vale dizer, pela desapropriação, quando a extinção opera não só em face da
propriedade do dolo, mas também do direito de superfície.
Efeitos da extinção do direito de superfície
Os efeitos da extinção do
direito de superfície estão regulados no artigo 24
do citado diploma legal. Nele, resta consignado que uma vez extinto o direito
de superfície, o proprietário recuperará o pleno domínio do terreno, bem como
das acessões e benfeitorias introduzidas no imóvel, independentemente de
indenização, se as partes não houverem estipulado o contrário no respectivo
contrato.
Assim, extinto o direito de superfície pelas causas
mencionadas anteriormente, salvo o perecimento do solo ou a desapropriação, a
extinção da superfície implica no término da suspensão do efeito aquisitivo da
acessão, que ressurge revigorado, passando a construção ou a plantação a
pertencer ao senhor do solo, salvo estipulação em contrário no contrato.
Conclusões
Podemos, concluir, em síntese apertada, que o direito de
superfície surgiu no Direito Romano, na fase do final do período clássico.
Inicialmente foi considerado mero direito obrigacional, tomando, em seguida, os
primeiros contornos de direito real, até se consagrar definitivamente quando
lhe foi atribuída ação própria, concomitantemente com o reconhecimento dos
meios d proteção próprios da propriedade.
Mais adiante o direito de superfície foi retomado
pelos Glossadores, momento pelo qual foi ampliado seu campo de atuação,
passando a englobar as plantações.
No entanto, com a revolução francesa em 1789 o
direito de superfície foi quase que totalmente eliminado, não obstante boa
parte da doutrina francesa afirmar sua existência.
No direito moderno, mesmo sob a forte influência do
código Civil francês, o direito de superfície obteve guarida em vários
ordenamentos jurídicos.
No Brasil, conforme esclarecido, o direito de
superfície foi banido pela Lei 1.257 de 24/09/1864[41]
e o Código Civil Brasileiro, promulgado em 01/01/1916 não o reintroduziu no
ordenamento jurídico pátrio.
Diante da necessidade da admissão da superfície em
nosso direito, por várias vezes se tentou inseri-la no Código Civil até que
admitida pelo Projeto de lei n. º 634/75, a qual encontra-se em fase final no
Congresso Nacional.
Não obstante o projeto de lei
do novo código civil brasileiro ainda, sequer ter sido aprovado, certo que o
legislador, prestigiando outro projeto tão importante quanto esse último, fez
aprovar, após longos 11 anos, a Lei Federal n.º 10.257, de 10 de julho de 2001, a qual estabelece
diretrizes gerais da política urbana. Denominada de “Estatuto da Cidade”, ela
estabelece não só as diretrizes gerais para a implantação de uma “moderna”
política urbana, mas, também, regulamenta a aplicação de instrumentos para a
persecução da verdadeira função social da propriedade urbana.
[1]
A professora de Direito Civil da Universidade de Ribeirão Preto, Roseane Abreu
Gonzáles Pinto, ensina que “os períodos de formação do sistema de direito
privado de direito romano, os autores, de forma geral, classificam em 3 fases:
1ª do direito antigo ou “pré-clássico clássico
– das origens de Roma até a Lei
de Aebuitia; 2ª do direito clássico até
o término do reinado de Diocleciano, em 305 d.C.; e a 3ª do direito
pós-clássico ou romano-helênico até a
morte de Justinianino, em 565 d.C.”
[2]
In “O direito real de superfície e a sistemática de novo código civil
brasileiro, RT-755/2000 pag. 79/95
[3]
Ob.cit.p.11
[4]
Ob.cit.p.12
[5]
Ob.cit.p.13
[6]
Tratado de Direito Privado vol.XVIII, p.184.
[7] Ob.Cit. pg. 16
[8]
Ob.cit.
[9]
Especificamente sobre a plantação há que registrar que não é pacífico na
limitada doutrina sobre o tema de que existiu no direito romano o direito de
superfície sobre plantações .
[10]
Ob.cit.
[11]
Segundo De Plácido e Silva, cânon “Canon enfiteutico: Assim se dizia,
antigamente, do foro anual que era pago
pelo enfiteuta ao senhor direto do prédio aforado”
[12] In Elementos de Direito Urbanístico, Editora
Renovar, 1997, pg.20
[13] Ob.cit pg.18
[14]
In José Gulherme Braga Teixeira, ob.cit.
[15] José Guilerme Teixeira
Braga, ob. Cit. Pg.36
[16]
A fonte dessas informações podem ser encontradas no livro “O direito real de
superfície” de José Guilherme Braga
Teixeira.
[17]
Ob.cit. pág. 40
[18]
“Art. 448 – Qualiasi costruzionem
piantagione od opera sopra a dissoto il suolo si presume fatta dal proprietário
a sua spese ed appartenergli finche non consist Del contrario, senza
pregiudizio, pero dei diriti leggittimamente acquisati dai terzi”
[19]
In José Guilherme Braga Teixeira, ob. cit.
[20]
Nota de rodapé 107 in Direito Real de Superfície.
[21]
Ob.Cit.pg.47
[22]
Ob.Cit.pg.85
[23]
Ob.Cit.pg.87
[24] Roseana González, ob. Cit.
[25]
Afirma Jose Teixeira, ob. cit na nota de rodapé n.º 115 que “serem os direitos
reais, existentes determinado sistema de direito positivo, taxativos ou
meramente enunciativos é questão doutrinária de alta indagação, constituindo vexata
questio, entre os juriconsultos, tanto brasileiros quanto estrangeiros.”
Mãos adiante, na mesma nota afirma
“pelo sistema da taxatividade dos direitos reais, podemos citar Teixeira de
Freitas; Ricardo Pereira Lira; Clóvis Bevilaqua; Pontes de Miranda; Caio Mario
Pereira da Silva e Orlando Gomes. Em sentido contrário “Almeida F.P.L., Nonato
O e França, R.L.”.
[26] Ob. cit.pg.55.
[27]
In Miguel Reale Anteprojeto de Código
Civil, pp. 26-27- apud Jose Teixeira pp 51.
[28]
Código Civil Comentado, vol.III. ed. Paulo de Azevedo ltda art. 674, p.239, in fine.
[29]
Curso de direito civil – Direito das coisas- 3º vol,pp14/15.
[30]
Loteamentos e Condomínios, Tomo II, ed. Max Limonad, SP, 1953, pp 15/21.
[31]
“O direito de superfície” p. 35, artigo publicado in RIAA n.º 119, ano
XVII-out-dez.1972
[32] O direito real de
superfície e a sistemática de novo código civil brasileiro, RT 775/2000.
[33] Ob. cit.. Pg. 116.
[34]“Art. 674. São
direitos reais, além da propriedade: I – a enfiteuse;
II – as servidões; III – o usufruto;IV – o uso;
V – a habitação; VI – as rendas expressamente constituídas
sobre imóveis; VII – o penhor; VIII – a anticrese; IX – a
hipoteca.”
[35] Veja, a propósito José
Guilherme Braga Teixeira e Ricardo Pereira Lira., obras citadas.
[36]
Estatuto
da Cidade “ Art. 21. O proprietário urbano poderá conceder a outrem o direito
de superfície do seu terreno, por tempo determinado ou indeterminado, mediante
escritura pública registrada no cartório de registro de imóveis. § 1o
O direito de superfície abrange o direito de utilizar o solo, o subsolo ou o
espaço aéreo relativo ao terreno, na forma estabelecida no contrato respectivo,
atendida a legislação urbanística. § 2o A concessão do
direito de superfície poderá ser gratuita ou onerosa. § 3o O
superficiário responderá integralmente pelos encargos e tributos que incidirem
sobre a propriedade superficiária, arcando, ainda, proporcionalmente à sua
parcela de ocupação efetiva, com os encargos e tributos sobre a área objeto da
concessão do direito de superfície, salvo disposição em contrário do contrato
respectivo.§ 4o O direito de superfície pode ser transferido
a terceiros, obedecidos os termos do contrato respectivo. § 5o
Por morte do superficiário, os seus direitos transmitem-se a seus herdeiros.
[37] Ob. cit. pg. 81
[38] Ob.cit.
[39] José Guilherme Teixeira
Braga esclarece que no Brasil, a escritura pública seria exigível por força do
inciso II do artigo 134 do Código Civil e Roseane Gonzáles.
[40] De Plácido e Silva, in
Vocabulário Jurídico, Editora Forense, 3ª Edição, , Vol III e IV, pg. 123 assim
define a resolução de domínio “Relativamente à extinção ou destruição do domínio, resolução
entende-se, propriamente, revogação. A resolução do domínio, em regra, decorre
do estabelecimento de um jus in re, cuja revogação ou extinção se opera,
conforme se tenha inicialmente instituído, pelo evento do termo ou implemento
da condição. E, dessa forma, resolvido o domínio, extingue-se de pleno direito o jus in
re, para que retorne a propriedade , a que pertence, para integrá-la.”.
[41] Veja que interessante. A lei
1.257/1864 baniu o direito de superfície e a Lei 10.257/2001 inseriu-o
novamente no ordenamento pátrio.
Advogado; Ex-Assessor Jurídico das Secretarias Municipais de Urbanismo e Meio Ambiente do Município do Rio de Janeiro 1995-2001
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