Resumo: O presente esboço tem por objetivo o estudo e a análise do alcance e dos limites dos direitos fundamentais garantidos na Constituição Federal, além contrapartida da sociedade na efetivação desses direitos. A ideia de confeccionar este artigo surgiu do interesse pelos direitos fundamentais, mais especificamente o direito à saúde e pelo trabalho diário na Procuradoria Geral do Município de João Pessoa com ações judiciais de obrigação de fazer com pedido de tutela antecipada, que pleiteiam medicamentos, procedimentos cirúrgicos, entre outros, com fulcro numa condição mínima de vida. Tal fato, aliado a repercussão social, econômica e política que a efetivação do direito à saúde traz para o dia a dia da sociedade jurídica e geral. Assim, são abordados os direitos fundamentais à saúde e à dignidade humana a fim de compreender a obrigação da prestação de atendimento à saúde latu sensu por parte do Estado a sociedade. Por seguinte, foi examinada a responsabilidade solidária da União, Estados e Municípios frente à (im)possibilidades financeiras e necessidade de observação das políticas públicas, sociais e econômicas previstas na Constituição. O estudo das questões relacionadas aos princípios da legalidade, da reserva do possível e a imprescindibilidade que o Estado tem de observar as previsões orçamentárias.
Palavras-chave: Direitos fundamentais. Direito à saúde. Responsabilidade solidária. Princípio da reserva do possível.
Abstract: This sketch aims to study and analyze the scope and limits of the fundamental rights guaranteed in the Constitution, beyond consideration of society in the realization of these rights. The idea of making this article came from the interest for fundamental rights, specifically the right to health and the daily work at the Attorney General in the city of João Pessoa with lawsuits obligation to make application for injunctive relief, which claim medications, surgical procedures inter alia with fulcrum in a condition of minimum life. This fact, combined with social impact, economic policy and the realization of the right to health makes for the day-to-day legal and general society. So are addressed fundamental rights to health and human dignity in order to understand the obligation of providing health care sensu lato by the state society. By next examined the joint responsibility of the Union, states and municipalities facing the (im) possibilities of financial need and observation of public policy, social and economic envisaged in the Constitution. The study of issues related to the principles of legality, and possible reserves of indispensability that the state must comply with the budget forecasts.
Keywords: Fundamental Rights. Right to health. Joint and several liability. Principle of reserve possible.
Sumário: Introdução. 1. Direitos fundamentais, direito à dignidade humana e o direito à saúde. 1.1 A Constituição Federal e os direitos fundamentais. 1.2 Interligações entre os direitos fundamentais à vida, à saúde e dignidade da pessoa humana. 2. Direitos à saúde na ordem constitucional brasileira. 2.1 Do princípio da reserva do possível, mínimo existencial e suas conexões com os direitos fundamentais na ordem constitucional brasileira. 2.2 Princípios da igualdade e da impessoalidade x obtenção de tutelas jurisdicionais antecipadas em virtude de obrigações de fazer contra os entes federativos. 3. Da responsabilidade solidária entre os entes federativos quanto à efetivação do direito à saúde. 3.1 Das questões relativas às normas que disciplinam o fornecimento de medicamentos e realização de procedimentos cirúrgicos. 3.2 A visão da efetivação do direito fundamental à saúde a partir da procuradoria geral do município de João Pessoa. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
A promulgação da atual Constituição Federal do Brasil ocorreu há aproximadamente vinte e cinco anos, e apesar deste considerável lapso temporal, ainda há muita discussão acerca dos direitos fundamentais e da eficácia social dos mesmos.
Entre os assuntos mais debatidos no Direito Constitucional entre os operadores de direito, juristas e sociedade é a respeito das possíveis formas de efetivação dos direitos fundamentais. Essa discussão ganha cunho memorável quando envolve os problemas de justiça social encontrados no Brasil, principalmente em relação à enorme e histórica concentração de renda existente.
Considerado um dos temas mais recorrentes e controversos do direito nacional, tanto na doutrina como na jurisprudência, a possibilidade dos magistrados e tribunais concederem aos tutelados seus pleitos, por meio de condenações ao Poder Público ao fornecimento de prestações materiais (medicamentos, procedimentos cirúrgicos, leites, tratamentos médicos diversos), concretizando direitos sociais.
A judicialização consiste no ato do cidadão-paciente ir às portas do Judiciário pleiteando a efetividade de um direito que já está garantido na Carta da República. Em virtude desta prática, o Poder Judiciário está intervindo, de forma incisiva e constante, na esfera do Poder Executivo, para que haja observância ao que a Constituição Federal pressagia.
O direito à saúde está positivado no ordenamento jurídico brasileiro como direito fundamental social e subjetivo, conforme disposto no artigo 6º da Constituição Federal. Neste liame, o artigo 196 da Carta Magna aduz que a saúde é direito de todos e dever do Estado. O referido preceito era entendido apenas como norma programática, sendo necessário que houvesse norma regulamentando a forma efetiva pela qual seria efetivado este direito.
Ocorre que o referido entendimento mudou nos Tribunais Superiores e passou a ser concebido como norma de eficácia plena e direito fundamental garantido constitucionalmente. Ressalta-se, por outro lado, que o direito à assistência farmacêutica está ligado diretamente ao direito à saúde, havendo inclusive previsão na Lei Orgânica de Saúde nº 8.080/90.
Como os recursos do Estado são finitos e os pleitos infinitos, há a necessidade da concretização do direito à saúde ocorrer por meio de Políticas Públicas. Sendo estas pensadas e desenvolvidas pelo Ministério da Saúde e repassadas aos demais Entes da Federação.
No que tange à matéria de fornecimento de medicamentos e assistência farmacêutica é imprescindível que haja racionalização da prestação coletiva, a fim de conseguir atingir o maior número de usuários, da melhor forma possível.
A intervenção do Poder Judiciário nos problemas relativos à efetivação do direito à saúde se faz necessário em virtude da inércia dos legisladores e governantes, deixando assim, os direitos sociais limitados.
Após a apreciação de diversos julgados do Tribunal de Justiça e da Justiça Federal da Paraíba, constata-se que a jurisprudência é praticamente uníssona em condenar de forma solidária, a União, o Estado da Paraíba e o Município de João Pessoa a fornecerem o medicamento, a determinar a realização do exame ou o procedimento cirúrgico.
Ressalta-se que não há a cautela necessária por parte dos magistrados no julgamento das ações judiciais envolvendo medicamento, procedimentos cirúrgicos, tratamentos dentários, entre outros. Vez que, esses analisam apenas o pleito da parte promovente, não observando a legislação vigente, bem como as políticas públicas criadas para atender a demanda da população.
É relevante, também, a análise de que o tratamento demandado é o único ou o mais eficaz a enfermidade do Promovente, vez que estará sendo deixando de prestar assistência a coletividade para atender a um caso específico. Destarte, há o desprezo da equação “custo x benefício” no qual se fundamentam as políticas públicas de saúde, frente à impossibilidade de atendimento integral a coletividade.
Inicialmente, serão tecidas algumas considerações sobre o conteúdo e a eficácia dos direitos sociais, da reserva do possível e do mínimo existencial na sua condição de direitos fundamentais, em seguida, com base em alguns pressupostos teóricos e acordos semânticos, serão discutidos alguns dos principais aspectos vinculados ao conceito e possíveis manifestações da assim designada reserva do possível, inclusive no que diz respeito a sua influência no mínimo existencial.
Posteriormente, serão analisadas algumas questões relevantes no campo do direito à saúde e que envolvem a aplicação dos institutos da reserva do possível e do mínimo existencial nesta seara, sempre observando a necessidade de eficácia e efetividade do direito fundamental à saúde no sistema constitucional brasileiro.
Por fim, discutiremos sobre a responsabilidade solidária dos entes federativos e das normas que disciplinam o fornecimento de medicamentos (suplementos alimentares; fraldas descartáveis e até tratamentos dentários) e a realização de procedimentos cirúrgicos.
1. DIREITOS FUNDAMENTAIS, DIREITO À DIGNIDADE HUMANA E O DIREITO À SAÚDE
Os direitos fundamentais são aqueles direitos do ser humano reconhecidos internacional e nacionalmente.
Foram anunciados e implantados de maneira explícita na Carta Magna brasileira, há bem pouco tempo, precisamente após a 2ª Grande Guerra Mundial, quando todos os povos intuíram que a preocupação internacional deveria estar voltada para uma proteção aos direitos da pessoa humana, após as violências cometidas pelos regimes fascista, stalinista e nazista, como também pelo perigo de ameaça à tranquilidade universal decorrente da instabilidade das relações entre os diversos países[1].
Os direitos fundamentais resultam de um movimento de constitucionalização que começou nos primórdios do século XVIII. Encontram-se incorporados ao patrimônio comum da humanidade e são reconhecidos internacionalmente a partir da Declaração da Organização das Nações Unidas de 1948.
Esses direitos fundamentais são inesgotáveis, pois à proporção que a sociedade evolui, surgem novos interesses para as comunidades.
1.1 A CONSTITUIÇÃO FEDERAL E OS DIREITOS FUNDAMENTAIS
A supremacia da Constituição Federal e o caráter vinculante dos direitos fundamentais são os traços marcantes do Estado constitucional, um modelo de Estado de Direito pautado pela força normativa dos princípios constitucionais e pela consolidação de um modelo substancial de Justiça, conforme pensado pelas teorias pós-positivistas[2] que vem sustentando a consolidação do que se pode referir como o nome constitucionalismo.
A Constituição da República Federativa do Brasil garante direitos fundamentais e o cumprimento de metas de cunho social de maneira exemplar, entretanto a efetivação dessas normas não tem seguido o mesmo caminho.
Todavia, as políticas públicas criadas pelo Ministério da Saúde não atingem a população de forma efetiva, e para corrigir tal déficit, a defensoria pública e o Ministério Público vem ajuizando demandas judiciais em larga escala, demandas essas que buscam a efetivação dos direitos fundamentais.
A Constituição Federal de 1988 é considerada a “constituição cidadã”, em virtude dos inúmeros direitos criados para a sociedade em face do Estado. É acertada a afirmação de que a intenção do Poder Constituinte ao criar a “constituição cidadã” foi excepcional, vez que teve como intenção primordial garantir o mínimo de condições para uma vida digna, diminuindo, consequentemente, as desigualdades sociais.
Por outro lado, o Poder Constituinte não conseguiu prevê a existência de problemas correlatos a uma precária técnica legislativa e fraca sistematização por parte do Estado. Assim, a ideia inicial de diminuir as desigualdades existentes entre as classes sociais acabou resvalando numa carga pesada de obrigações para o Estado, que se vê de mãos atadas e com enormes dificuldades de cumprir os direitos e as diretrizes traçadas na Carta Magna.
Os direitos fundamentais são aqueles consagrados pelo Direito Constitucional de cada Estado[3]. Assim, os direitos garantidos, ainda que não de forma expressa, na Constituição Federal devem ser cumpridos, entretanto, é necessário que haja parâmetros e ponderações na efetivação desses direitos.
Os direitos fundamentais são aqueles naturais da pessoa humana que são reconhecidos e garantidos constitucionalmente frente ao Estado[4]. Podem ainda ser entendidos como os direitos subjetivos do indivíduo perante o Estado, tendo efeitos diretos exclusivamente na relação indivíduo-Estado, e efeitos indiretos nas relações entre indivíduos. Em suma, os direitos fundamentais são direitos que o homem obtém pelo simples fato de ter nascido, são inatos a ele e possuem extensão universal[5].
Os direitos fundamentais dividem-se em três dimensões[6]: direitos individuais, direitos sociais e os direitos coletivos. Os direitos de primeira dimensão são os direitos individuais, dando ênfase ao princípio da liberdade. Os direitos de segunda dimensão são os direitos sociais, destacando-se o princípio da igualdade. Já os direitos de terceira dimensão são os direitos coletivos, em que se sobre sai o princípio da fraternidade ou solidariedade.
Consoante o entendimento de Ingo Wolfgang Sarlet[7], os direitos fundamentais integram, portanto, ao lado da definição da forma de Estado, do sistema de governo e da organização do poder, a essência do Estado constitucional, representando, assim, não apenas parte da Constituição Federal formal, mas também o elemento nuclear da Constituição material.
Os direitos fundamentais são à base da sociedade, não havendo possibilidade de formação e convivência em sociedade, caso não houvesse a observância destes, ainda que não de forma efetiva.
1.2 INTERLIGAÇÕES ENTRE OS DIREITOS FUNDAMENTAIS À VIDA, À SAÚDE E DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
Para Maria Paula Dallari Bucci, a vida é o bem primordial de qualquer pessoa, seu primeiro valor moral. Juntamente com a vida nasce a dignidade, e por este motivo é devido à invocação da mesma para proteger e garantir à saúde[8].
A saúde é um direito fundamental e está garantido na Carta Magna (artigos 6º e 196 da CF), sendo de elevada importância para todos os indivíduos. A sua inclusão no ordenamento jurídico é fruto da evolução dos direitos fundamentais e da vitória daqueles que tanto batalham por tais direitos.
“Art. 6º da CF – São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.”
“Art. 196 da CF – A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”
Estando entre os principais componentes da vida, a saúde é pressuposto indispensável e indisponível para sua existência, bem como elemento fundamental para a qualidade de vida[9]. Assim, não há que se pensar em uma vida com qualidade, sem que esteja presente o elemento saúde e por este motivo é indispensável que o Poder Público dispense seus esforços a fim de promover políticas públicas direcionadas e efetivas à saúde da população.
Portanto, resta cristalina a ideia de outorga ao individuo de direitos a prestações positivas que podem ser exigidas do Estado, seja por meio de processos administrativos, seja pela esfera judicial. Cumpre ressaltar ainda, que não cabe mais discussão a respeito da necessidade de esgotamento das vias administrativas, para o pleito no Judiciário.
O Estado tem o poder e o dever de sistematizar a forma como devem ser observados os princípios a fim de garantir os direitos. É certo que o ente público tem obrigação de obedecer ao princípio da legalidade e respeitar a previsão orçamentária, mas é imprescindível, também, que as atividades estatais estejam vinculadas ao princípio da dignidade da pessoa humana, devendo abster-se e ter condutas no sentido de efetivar e proteger a dignidade do indivíduo e da sociedade em geral.
De acordo com os ensinamentos de Sarlet[10] e Figueiredo[11], o direito à saúde pode ser incluído na classificação dos direitos fundamentais em dois pontos: direito de defesa e direito de prestação.
Quanto ao direito de defesa, o direito à saúde assume a condição de um direito a proteção da saúde, ou seja, disponibilização de políticas com o fim principal de garantia e manutenção da saúde. Em relação ao direito de prestação, este consiste na realização de atividades a fim de assegurarem a fruição do direito, incluindo nessas o fornecimento de materiais e serviços, como atendimento médico e hospitalar especializado, entrega de medicamentos e suplementos alimentares, realização de exames e procedimentos cirúrgicos, bem como a prestação de tratamento médico, ao titular do direito fundamental.
As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada, constituindo-se em um sistema único, organizado de maneira descentralizada entre os Entes da Federação, com direção simples em cada esfera de governo, como preconiza o artigo 198 da Constituição Federal de 1988.
Desta forma, fica garantido o atendimento integral a população, com prioridade para as atividades com fins de prevenção, sem qualquer prejuízo dos serviços assistenciais e que haja a participação efetiva da comunidade[12].
Nesse tipo de sistema, as atividades e cuidados com intuito de prevenir as doenças tem destaque, pois, busca-se evitar os agentes causadores das doenças e consequentemente, evitar que a população adoeça.
Nesse sentido, o direito à saúde é subjetivo e público sendo oponível contra o Estado, em qualquer de suas esferas, devendo apenas ser observado o requisito do risco da preservação da vida e o respeito à dignidade da pessoa humana.
O caráter programático da regra constitucional não pode ser alegado pelo Poder Público como forma de esquivar as obrigações. Entretanto, é plausível aduzir e defender a observâncias as leis que trazem as diretrizes das políticas públicas, bem como a separação das obrigações entre os entes federados.
As políticas públicas consistem em formas de prestação de serviços públicos necessários a efetivação de direitos sociais e fundamentais garantidos na Carta Magna. Cumpre trazer a lume a conceituação de políticas públicas, qual seja: “prestação de serviços que visem garantir a realização dos objetivos fundamentais do Estado, privilegiando a dignidade da pessoa humana, que incluem a proteção de direito individuais, juntamente com condições mínimas de existência”.
Assim, mostra-se evidente a necessidade de observação dos princípios e direitos fundamentais garantidos constitucionalmente. Entretanto, é necessário que o Poder Judiciário faça ponderações e observe a legislação infraconstitucional que regulamenta e implementa as políticas públicas e os direitos fundamentais garantidos na Carta Magna. As políticas públicas são criadas pelo Ministério da Saúde com base em estudos e análise das necessidades da população brasileira. É certo que não há como atingir a totalidade dos indivíduos, entretanto, são contemplados pelas políticas públicas os principais, mais relevantes e que atingem um maior número de pessoas.
Anualmente, as políticas públicas e as relações de medicamentos (CEDMEX e RENAME) são atualizadas, para que não haja defasagem e nem prejuízo à população. Todavia, apesar de todos os esforços para melhorar a condição de vida e a prestação dos serviços relacionados ao direito à saúde, ainda não são suficiente para atender a demanda crescente em larga escala.
No entendimento de Maria Paula Dallari Bucci, o correto conceito de políticas públicas é “programas de ação governamental visando a coordenar os meios à disposição do Estado e as atividades privadas, para a realização de objetivos socialmente relevantes e politicamente determinados”[13].
Para Fábio Comparato citado por Andréas J. Kell[14], as políticas públicas são um “conjunto organizado de normas e atos tendentes à realização de um determinado objetivo”.
Com a superação do paradigma liberal, o Estado passa a intervir visando o atendimento de metas ligadas à materialização do princípio da igualdade, fazendo com que este deixe o plano das idéias e passe ao plano fático. Com o advento do Estado Democrático de Direito, essas metas passam para um âmbito constitucional, entretanto uma visão ultrapassada de institutos jurídicos, aliada a uma inércia por parte do Legislativo e Executivo, faz com que essas normas constitucionais sejam reduzidas quase à situação de letra morta. Para evitar essa realidade, o Judiciário passa a intervir de forma mais efetiva e cria-se o ativismo judicial[15].
Diante dessa realidade, a discussão sobre o controle jurisdicional de políticas públicas tem se tornado cada vez mais feroz, tendo a hipótese surgida com uma alternativa viável para sanar omissões, ainda que parciais, dos referidos poderes em cumprir os mandamentos constitucionais.
Tal controle abrange a noção de vigilância, correção e orientação. No Estado Democrático de Direito, o Poder Judiciário tem um papel mais atuante que nos outros paradigmas do Estado, de modo a utilizar todo o ordenamento jurídico – princípios e regras – para buscar a solução mais adequada ao caso concreto, em oposição a uma aplicação “distante” da lei.
2. DIREITOS À SAÚDE NA ORDEM CONSTITUCIONAL BRASILEIRA
A ordem constitucional brasileira elenca diversos direitos fundamentais, dentre esses, devemos destacar o direito fundamental à saúde.
O referido direito encontra-se inserido e previsto expressamente na Carta Magna em seus artigos 6º e 196 e deve ser garantido a todos os indivíduos da sociedade, podendo ser exigido de plano.
O direito à saúde foi consagrado constitucionalmente como um direito de todos e dever do Estado. Por ser um direito essencial e inerente a qualquer pessoa, para invocá-lo, basta lembrarmos o princípio da dignidade da pessoa humana, fundamento da nossa Constituição Federal, e do mínimo existencial, que são os recursos materiais mínimos, necessários para se levar uma vida digna.
É um direito de segunda dimensão que outorga ao indivíduo direito a prestações positivas que podem ser exigidas do Estado.
2.1 DO PRINCÍPIO DA RESERVA DO POSSÍVEL, MÍNIMO EXISTENCIAL E SUAS CONEXÕES COM OS DIREITOS FUNDAMENTAIS NA ORDEM CONSTITUCIONAL BRASILEIRA.
Preliminarmente, antes de adentrar ao estudo do princípio da reserva do possível e do mínimo existencial, é salutar trazermos à baila a diferença entre o mínimo existencial e os direitos econômicos e sociais. Dessarte, enquanto o primeiro pode prescindir da lei ordinária, os direitos econômicos e sociais dependem integralmente da concessão do legislador, que poder ser a concessão orçamentária.
As normas constitucionais sobre os direitos econômicos e sociais são meramente pragmáticas, ou seja, restringem-se a fornecer as diretrizes ou orientações para o legislador e não tem eficácia vinculante.
Na visão social, deixando de lado os interesses e anseios individuais, os direitos econômicos e sociais existem, portanto, sob a reserva do possível, ou seja, da designa da lei instituidora das políticas públicas, da reserva da lei orçamentária e do empenho da despesa por parte da Administração pública.
A pretensão do cidadão é a política pública, e não a adjudicação individual de bens públicos. Tal fato se ocorre, em virtude do Estado buscar através das políticas públicas, alcançar maior número de cidadãos, da melhor forma possível, para que haja utilização máxima dos recursos públicos.
Não há como negar que a Carta Magna brasileira impõe a implementação pelo Estado dos direitos sociais fundamentais (outrora, direitos de 2ª geração), ainda que em grau de assistencialismo social. Contudo, no momento que foi aberto pelo Constituinte o direito de exigir do Estado a efetivação desses direitos, ainda que de forma não expressa, criou-se o idealismo pelo modelo social de Estado (Welfare State).
A expectativa e confiança em um Estado Social que atenda a todas as necessidades da sociedade é algo presente em todos, entretanto que não se mostra possível, visto que as misérias humanas são ilimitadas, enquanto que os recursos financeiros do Estado são finitos.
“Numa perspectiva de Direito e Economia, os recursos orçamentários obtidos por meio de tributação são escassos, e as necessidades humanas a satisfazer, ilimitadas. Por essa razão, o emprego daqueles recursos deve ser feito de modo eficiente a fim de que possa atingir o maior numero de necessidades pessoais com o mesmo recurso[16]”.
A efetivação dos direitos sociais depende, em regra, da realização de políticas públicas e gastos públicos por parte do Estado, o que faz com que a proteção de um direito social ocorra através da ação estatal, e a violação pela omissão do poder público[17].
É apropriado afirmar a vinculação existente entre o Princípio da Reserva do Possível, o Mínimo Existencial e os Direitos Fundamentais, principalmente no tocante ao direito à saúde.
A teoria do mínimo existencial e o princípio da reserva do possível tiveram origem na Alemanha, em meados dos anos 50. Os direitos sociais típicos, notadamente de cunho prestacional, não foram expressamente positivados na Lei Fundamental da Alemanha (1949)[18]. Nesta foi imposta ao Estado alemão a atuação positiva no campo de compensação de desigualdades fáticas e iniciou-se a discussão em relação à garantia do mínimo indispensável para uma existência digna.
É salutar afirmar que o mínimo existencial não é e nem pode ser confundido com o mínimo vital ou mínimo de sobrevivência. Assim, não há que se falar em garantia e observância do direito fundamental da dignidade da pessoa humana, quando é garantido apenas o mínimo para sobrevivência, fazendo com que pessoas sobrevivam no limite da pobreza absoluta.
Cumpre destacar ainda, que apesar do princípio da reserva do possível não prevalecer sobre o direito fundamental ao mínimo existencial, não se pode fazer a ilação de que não deve ser observado o princípio da reserva do orçamento. Ou seja, os gestores públicos ao receberem uma determinação judicial devem dar cumprimento integral, entretanto, devem também, observar os limites previstos no orçamento público, para que não haja prejuízos e nem tenha que responder futuramente junto ao Tribunal de Contas.
Neste sentido, remete-se à noção de que a dignidade da pessoa humana somente estará assegurada – em termos de condições básicas a serem garantidas pelo Estado e pela sociedade – onde a todos e a qualquer um estiver garantida nem mais nem menos do que uma vida saudável[19].
A construção teórica da “reserva do possível” tem, ao que se conhece, origem na Alemanha, principalmente, a partir do início dos anos 70[20].
O princípio da reserva do possível consiste na necessidade de observar a disponibilidade financeira e a capacidade jurídica de quem (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) tenha o dever de assegurar a efetivação dos direitos fundamentais.
Noutro sentido, a efetividade dos direitos fundamentais a prestações materiais estaria sob a reserva das capacidades financeiras do Estado, vez que seriam direitos fundamentais dependentes de prestações financiadas pelos cofres públicos, sendo irrelevante o Ente Público que adimplirá o aludido direito.
O referido princípio, em sentido amplo, abrange mais do que a carência de recursos materiais propriamente ditos indispensáveis à efetivação dos direitos na sua dimensão positiva.
Destarte, ainda que o Estado em sentido latu disponha de recursos financeiros e materiais para adimplir o pleito e tendo o poder de disposição, não se pode falar em uma obrigação de prestar algo que não se mantenha dentro dos limites do razoável.
Assim, não haveria como impor ao Estado a prestação assistencial a alguém que efetivamente não faça jus ao benefício, por dispor, ele próprio, de recursos financeiros suficientes arcar com suas necessidades/obrigações, sem que para isso haja comprometimento de seu sustento e de sua família.
Neste liame, é correta a sustentação de uma dimensão tríplice do princípio da reserva do possível, feita por Ingo Sarlet e Mariana Figueiredo[21]: “1. A efetiva disponibilidade fática dos recursos para efetivação dos direitos fundamentais; 2. A disponibilidade jurídica dos recursos materiais e humanos, intimamente ligados à distribuição das receitas e competências tributarias, orçamentárias, legislativas e administrativas. 3. Problema da proporcionalidade da prestação, especialmente no tocante à exigibilidade e da sua razoabilidade.”
Para estes autores, a reserva do possível não impede o Poder Judiciário de “zelar pela efetivação dos direitos sociais”, mas que deve fazê-lo com cautela e responsabilidade, consciente do problema da escassez de recursos.·.
Assim, não se questiona o poder-dever do Judiciário em cumprir os preceitos da Constituição Federal, entretanto, é importante que sejam observados os limites materiais, técnicos, financeiros e pessoais para o adimplemento desses direitos.
Do mesmo modo, Gustavo Amaral[22] desconsidera a distinção entre direitos fundamentais e direitos sociais, por partir da premissa que todos os direitos trazem na sua essência ou no exercício desse direito, algum custo para o Estado; combina o grau de essencialidade da prestação pública, que “está ligado ao mínimo existencial, à dignidade da pessoa humana”, com o de excepcionalidade da ação estatal, assim “quanto mais essencial à prestação, mais excepcional deverá ser a razão para que ela não seja atendida”.
A afirmação de que para a efetivação dos direitos é necessário o dispêndio de recursos em cenário de escassez e que o custo dos direitos não significa defender que eles não devem ser levados a sério, mas apenas que a análise jurídica não pode ignorar as consequências econômicas e distributivas da adjudicação de direitos.
Desta forma, mostra-se imprescindível a análise minuciosa por parte dos magistrados do caso, especificamente, que tiverem tratando, para que não haja excesso para uns e falta para outros. Ora, se houver o deferimento de toda e qualquer prestação tutela que for pleiteada junto ao Poder Judiciário relacionado à saúde, o Estado terá que decretar falência, tendo em vista que não há recursos suficientes para atender a todas as demandas judiciais, fazer funcionar de forma eficaz as políticas públicas e ainda gerir outros órgãos do Estado.
É certo que no momento em que há uma decisão judicial determinando o cumprimento de um procedimento cirúrgico específico ou fornecimento de um medicamento de alto custo e que não se encontra incluso naqueles já elencados pelo Ministério da Saúde, haverá atendimento a um usuário em particular ou grupo em detrimento da sociedade em geral.
Assim, há necessidade de uma conscientização por parte dos integrantes (Magistrados, Ministério Público, Defensoria Pública e Advogados) do Judiciário, para que ao observarem o dever de zelo pela efetivação dos direitos fundamentais sociais, façam-no com a máxima cautela e responsabilidade, seja ao concederem (seja ao negarem) um direito subjetivo a determinada prestação social.
A Carta Magna, em seu artigo 196 e seguintes, prescreve que “a saúde é direito de todos e dever do Estado”, entretanto, salienta-se que a obrigação é precipuamente estatal, mas não há uma exclusão de obrigação nas relações particulares, bem como da existência de uma dever da própria pessoa para com a sua própria saúde, ressalvados alguns casos específicos (internação compulsória).
A garantia constitucional e a universalidade dos serviços de saúde não traz, como corolário inexorável, a gratuidade das prestações materiais para toda e qualquer pessoa, em toda e qualquer situação, assim como a integralidade do atendimento não significa que a pretensão tenha de ser satisfeita em termos ótimos, sendo suficiente, assim, o alcance do mínimo aceitável.
Por outro lado, defende-se que deve ser prestada a melhor assistência possível, desde que respeitados os limites dos serviços públicos, tanto os limites financeiros, como os limites de pessoal e material.
Ingo Wolfgang Sarlet[23] vem desenvolvendo obra singular no campo da teoria do mínimo existencial e da reserva do possível, que deve ser destacada no presente esboço. Na visão de Ingo Wolfgang, os direitos sociais prestacionais, como direitos subjetivos a prestações, que são direitos fundamentais sociais, tem certos limites de eficácia, que devem ser observados no exercício desses direitos, principalmente a “reserva do possível” e a competência do Poder Legislativo.
A partir do momento em que os limites dos direitos sociais prestacionais não são respeitados, passam de direitos de uns, a mera, obrigações e abusos de outros. Como é o que ocorre na prestação de medicamentos “de marca” que possuem o valor até cinco vezes mais elevado que os medicamentos genéricos e que tem o mesmo principio ativo, mesma posologia e agem da mesma forma no tratamento da doença.
É imperioso que os recursos públicos sejam aplicados da melhor forma possível e atendendo ao maior número de pessoas, afinal é dinheiro da sociedade e todos contribuem para a arrecadação desses valores.
De tal modo, a reserva do possível não se restringe apenas as considerações de ordem financeiro-orçamentária, mas também a disponibilidade de leitos de internação, materiais específicos, aparelhos médicos avançados, profissionais de saúde habilitados, técnicas e tratamentos disponíveis no território nacional, etc.
Todos esses aspectos levantados demandam certo tempo por parte da Edilidade para cumprir as decisões judiciais. Tempo este, que muitas vezes é exíguo, visto que as tutelas jurisdicionais são deferidas com prazo para cumprimento entre 24 e 48 horas e quando muito 05 (cinco) dias sob pena de multa diária e outras responsabilidades de cunho administrativo e penal, o que se mostra impossível frente a tantas demandas e obrigações que os Entes Públicos possuem.
Não se está defendendo, aqui, a proibição ou impossibilidade de imposição ao Estado de fornecimento de medicamento, procedimento cirúrgico ou tratamento de saúde oneroso. Mas sim, a necessidade de maior observância por parte dos Magistrados dos casos pleiteados judicialmente, para que não haja excessos, bem como que alguns usuários “passem na frente” de outros, simplesmente por terem maiores conhecimentos e recursos para buscar o Judiciário.
Ressaltar-se ainda a necessidade de observar a existência de pedido administrativo ao Estado, bem como a legislação que prevê a competência de cada Ente Federativo, no caso dos medicamentos, os protocolos aprovados pelo Ministério da Saúde ou pelas Secretarias de Saúde dos Estados e dos Municípios.
É salutar que os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade estejam presentes e sirvam de critérios para as decisões judiciais, não apenas no tocante a aplicação das multas, como também na determinação do prazo em que deve ser cumprida a decisão judicial.
Não se mostra razoável a decisão judicial que sem qualquer respaldo técnico compele ao Estado o fornecimento ou custeio de tratamentos e medicamentos ainda em fase experimental, ou que sequer foram aprovados pelas autoridades sanitárias competentes.
Não é plausível, também, a obrigação de fornecimento de medicamento específico de uma referida marca, quando existe opção similar/genérica, que possui segurança e eficácia, mas de menor custo econômico ou que até se encontre elencada no rol dos medicamentos já fornecidos pelo próprio sistema público de saúde.
Revela-se inquietante, também, a questão do tratamento diferenciado e preferencial àqueles que batem às portas do Judiciário pleiteando uma prestação positiva e individualizada do Estado. Tendo em vista que, por diversas vezes não buscaram, sequer as vias administrativas para obtenção dessa efetivação de direito constitucional.
É do conhecimento público da população brasileira o déficit das políticas públicas para implementação dos direitos sociais prestacionais. O Brasil está a anos-luz da realização material de direitos básicos de assistência à saúde, educação fundamental, saneamento básico, moradia, etc.
Desta forma, diante da escassez dos recursos orçamentários, as prestações sociais devem ser universalizadas, garantindo o acesso de todos aqueles que necessitem de recursos públicos para tratamento de saúde.
Não há dúvidas quanto às obrigações de prestação de saúde a população pelo Estado, entretanto, deve ser implantada uma contrapartida, tendo em vista que os recursos públicos são finitos e necessitam ser utilizados da melhor forma, para que seja possível alcançar a um maior número de usuários.
Destarte, é relevante aduzir que o Magistrado atua nas vestes do Estado-Juiz e deste modo tem a obrigação de atuar no sentido de fiscalizar e interpretar as provas trazidas aos autos processuais pelas partes, bem como do cumprimento da decisão exarada.
É imprescindível que sejam delimitadas as formas de cumprimento das decisões proferidas, dando obrigação às partes beneficiadas de informar da conclusão do tratamento médico, ou quando por qualquer motivo não mais tenha necessidade de continuar recebendo o beneficio concedido judicial. Ora, nada mais justo do que haver previsão de prestação periódica da situação do paciente, nos casos em que for necessário o fornecimento de tratamento contínuo.
A fiscalização rigorosa das prescrições médicas, da mesma forma que das alegações trazidas pelas entidades públicas a respeito da negativa da prestação. Da mesma forma, buscar saber se houve pedido administrativo anterior ao ajuizamento da ação (dependendo do caso concreto).
Assim, é imprescindível que o Poder Judiciário atue de forma efetiva, observando e acompanhando de perto as ações de obrigação de fazer em face dos Entes Públicos, para que não haja prejuízo aos cofres públicos, bem como desvio de verbas da saúde para atendimento de pessoas que, sequer, estão doentes, algumas vezes e outras, que não precisam necessariamente daquele medicamento de custo elevadíssimo para tratar a enfermidade. Ao mesmo tempo em que, deve acompanhar o cumprimento das decisões judiciais e a efetivação do direito fundamental à saúde.
2.2 PRINCÍPIOS DA IGUALDADE E DA IMPESSOALIDADE X OBTENÇÃO DE TUTELAS JURISDICIONAIS ANTECIPADAS EM VIRTUDE DE OBRIGAÇÕES DE FAZER CONTRA OS ENTES FEDERATIVOS
O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela Carta Magna do Estado. Por outro lado, o bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integralidade deve velar, de maneira responsável o Poder Público, a quem incumbe formular e implementar políticas sociais e econômicas que visem a garantir, aos cidadãos, o acesso universal e igualitário à assistência médico-hospitalar.
O caráter programático da regra inscrita no artigo 196 da Constituição Federal, que tem por destinatários todos os entes políticos, que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro, não pode ser convertido em promessa constitucional inconsequente. Sob a iminência de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado[24]. Assim, resta-se inquestionável o dever do estado de prestar à saúde a população, da mesma forma, que é dever da população informar que não mais precisar do tratamento disponibilizado.
O princípio da impessoalidade dos atos da administração pública decorre do comando inserto no caput do artigo 37 da Constituição Federal e merece ser considerado nas decisões judiciais concessivas de tratamento médico individual, pois, de acordo com o entendimento da Corte Suprema, “o princípio da impessoalidade é linear; deve ser observado no âmbito do Executivo, do Legislativo e também do Judiciário”[25].
O princípio da impessoalidade “traduz a ideia de que a Administração tem que tratar a todos os administrados sem discriminações, benéficas ou detrimentosas. […] O Princípio em causa não é senão o próprio princípio da igualdade ou isonomia”[26].
Destarte, de acordo com os princípios da isonomia e da impessoalidade, é dever da Administração Pública tratar igualmente a todos aqueles que se encontrem em posição similar, ou seja, os atos praticados devem gerar os mesmos efeitos e atingir a todos os administrados que estejam em idêntica situação fática ou jurídica.
Assim, diante da escassez dos recursos orçamentários do Poder Público e as demandas infinitas da população brasileira, levanta-se a questão do tratamento diferenciado àqueles que buscam o Judiciário para efetivação dos seus direitos.
Essa busca ocorre, em regra, por aqueles que possuem mais conhecimentos, recursos financeiros ou conseguem, de alguma forma, obtenção da tutela por meio das defensorias públicas e Ministério Público.
O certo é que as prestações sociais devem ser universalizadas, não podendo existir um preteretimento daqueles que conseguem de alguma forma chegar ao Judiciário e o burlar os procedimentos administrativos e inobservar as políticas públicas.
Ora se o direito ao fornecimento de medicamentos e realização de procedimentos cirúrgicos decorrente do direito fundamental à saúde, com atributo de universalidade, e a prestação jurisdicional assegura apenas a um ou a um grupo de pessoas, essas tutelas jurisdicionais estão criando, de certo modo, favorecimento daqueles que podem ir a juízo em detrimento daqueles que não podem.
Deste modo, é importante que haja uma ponderação por parte dos magistrados ao exararem suas decisões, tendo em vista que podem estar favorecendo a determinados grupos e prejudicando outros.
Principalmente, quando essas decisões judiciais acabam por retirar recursos destinados ao atendimento da população em geral, para o atendimento de um caso específico.
Nesse liame, cumpre ressaltar uma passagem do ilustre relator o Ministro Eros Grau, no julgamento da ADI nº 3.305[27]:
“A máxima da igualdade é violada quando para a diferenciação legal ou para o tratamento legal igual não seja possível encontrar uma razão adequada que surja da natureza da coisa ou quem de alguma forma, seja compreensível, isto é, quando a disposição tenha de ser qualificada de arbitrária.”
Corroborando com a jurisprudência supracitada, destaca-se também, a decisão da Presidência da Suprema Corte no Pedido de Suspensão de Tutela Antecipada nº 91[28] que suspendeu os efeitos da decisão proferida pelo Egrégio Tribunal de Justiça de Alagoas que asseverou a um paciente tratamento de saúde em desacordo com a política definida pelo Ministério Nacional de Saúde, deixando claro esse caráter universal do direito fundamental à saúde:
“Entendo que a norma do art. 196 da Constituição da República, que assegurou o direito à saúde, refere-se em princípio, à efetivação de políticas públicas que alcancem a população como um todo, assegurando-lhe acesso universal e igualitário, e não a situações individualizadas. A responsabilidade do Estado em fornecer os recursos necessários à reabilitação da saúde de seus cidadãos não pode vir a inviabilizar o sistema público de saúde. No presente caso, ao se conceder os efeitos da antecipação da tutela para determinar que o Estado forneça os medicamentos relacionados “(…) e outros medicamentos necessários para o tratamento (…)” (fl. 26) dos associados, está-se diminuindo a possibilidade de serem oferecidos serviços de saúde básicos ao restante da coletividade.”
Assim, da apreciação e interpretação das normas constitucionais e das decisões do Excelso Supremo Tribunal Federal, conclui-se que quando um indivíduo obtém o direito de receber determinado medicamento, de ser submetido a algum procedimento cirúrgico ou a receber o equivalente em dinheiro, provavelmente alguém será privado de idêntica providência, dada a conhecida escassez dos recursos públicos. Que, com o devido respeito, deve ser observada, já que é fato que os recursos financeiros do Estado são finitos.
Ressalta-se que além da privação que determinadas pessoas serão obrigadas a suportar, em virtude de ter sido preterido a outrem que buscou o direito fundamental, universal, à saúde junto ao Poder Judiciário por diversas vezes os que buscam a tutela judicial não pleitearam junto a Administração Pública.
Assim, aquele que espera há meses, quiçá anos por um procedimento cirúrgico ou medicamento, terá que suportar ainda mais a demora no atendimento ao seu pleito, em virtude de outro que burlou os meios administrativos e obteve de “imediato” a efetivação de seu direito.
Destarte, além de abarrotar o Poder Judiciário, que já não possui estrutura suficiente para comportar o número de demandas que são submetidas ao mesmo, desestruturam todo o planejamento dos Entes Públicos, bem como as políticas públicas. Vez que o orçamento é finito e existe para atender um número determinado de demandas/pessoas, com o aumento das demandas de forma descontrolada e as aplicações das multas excessivas.
Assim, praticamente cinquenta por cento dos recursos destinados à saúde serão para dar cumprimento às determinações judiciais e pagamento de multa, visto que por diversas vezes o prazo estabelecido para cumprimento da determinação judicial é ínfimo e torna-se impossível o seu adimplemento dentro do prazo.
O aumento das demandas judiciais que envolvem o exercício incondicional do direito de pleitear tratamento individual de saúde certamente comprometerá as finanças públicas. Somente a padronização dos medicamentos e do tratamento individual da saúde com a previsão orçamentária da respectiva despesa permitirá ao estado cumprir essa relevante e primordial missão.
Frente ao exacerbado número de demandas judiciais pleiteando tratamento de saúde, é cabível uma reflexão acerca de quais os limites do Poder Judiciário na efetivação dos direitos fundamentais? E qual a utilidade das políticas públicas, quando estas são abandonadas e substituídas por decisões judiciais, que por diversas vezes são dotadas de fundamentação fraca e de pouca análise do caso concreto, bem como das condições financeiras do promovente para arcar com o tratamento médico?
Aqui não está sendo buscando o afastamento da obrigação constitucional do Estado de garantir o direito fundamental à saúde, mas sim, pleiteando uma reflexão e parceria da população nesse adimplemento, tendo em vista que não há dúvidas que os recursos financeiros são finitos e que as demandas são infinitas. Assim, mostra-se clara a necessidade de colaboração da população na efetivação desse direito.
3. DA RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA ENTRE OS ENTES FEDERATIVOS QUANTO À EFETIVAÇÃO DO DIREITO À SAÚDE
A Constituição Federal institui em seu artigo 196, caput¸ que o direito à saúde é “direito de todos e dever do Estado”. Uma vez que o Estado brasileiro foi constituído sobre a forma federativa (art. 60, §4º, I, da CR/88), todos os entes – União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios – receberam a obrigação de promover a saúde da população de forma solidária.
Assim, utilizando-se da forma Federativa do Brasil e do conceito de solidariedade trazido pelo Código Civil, aonde o credor pode cobrar a prestação de qualquer dos devedores solidários, ou de todos eles simultaneamente, o Poder Judiciário tem aplicado condenações solidárias nos casos em que os três entes federativos atuam no polo passivo e condenações específicas aos integrantes da lide, nos casos em que os indivíduos não ingressam com ação em face de todos os Entes. Tais decisões são passíveis de críticas do ponto de vista econômico, mas também podem ser benéficas, sob o viés de quem delas necessita.
3.1 DAS QUESTÕES RELATIVAS ÀS NORMAS QUE DISCIPLINAM O FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS E REALIZAÇÃO DE PROCEDIMENTOS CIRÚRGICOS.
Preliminarmente, não há como negar que a responsabilidade da prestação do direito fundamental a saúde é solidária entre os entes públicos (União, Estados, Distrito Federal e Municípios).
Entretanto, para que haja uma prestação mais efetiva (ou ao menos mais organizada) é imprescindível que exista uma divisão de responsabilidades entre os Entes Federativos (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) no adimplemento dessa prestação de serviço.
Partindo do princípio que o direito à saúde é direito de todos e dever do Estado; que a responsabilidade no adimplemento desse direito recai de forma solidária sobre todos os Entes Federativos e que o cumprimento do referido direito tem um custo para o Poder Público, concluímos que a prestação do serviço de saúde à sociedade requer um planejamento que deve ser baseado em estatísticas.
Isto não equivale a negar que as estatísticas não cobrem todos os casos singulares, mas o que se pode expor é que a prestação, para ter algum caráter universal, deve sustentar-se “no que acontece na maioria das vezes”. As regras não são feitas para os casos excepcionais, e tampouco o são os planos, tendo em vista que não há possibilidade de vislumbrar essas situações antes que as mesmas se concretizem.
Cabe ainda alegar que a administração pública, diversamente da área privada, fica integralmente submetida à norma legal. Não possuindo ela o mesmo grau de liberdade da ação que os administradores, os quais podem tudo fazer desde que não exista vedação legal. Assim, o Poder Público tem obrigação de agir de acordo com as previsões legais, principalmente observando os limites previstos no orçamento público.
Deste modo, tanto a Administração Pública, quanto seus agentes estão sujeitos, em toda sua atividade, aos mandamentos da lei, deles não podendo se afastar, sob pena de invalidade do ato e responsabilidade do seu autor.
Qualquer ação estatal só pode ser feita se, quando e como autorizada por lei. Se a lei nada dispuser, não pode a Administração Pública agir, salvo situações excepcionais. É um campo de atuação bem menor que o do particular.
Em decorrência desse princípio, ensina Roque Carraza[29], convivem harmonicamente, a ordem jurídica global (o Estado Brasileiro) e as ordens jurídicas parciais, central (a União), e periféricas (os Estados-membros).
Esta múltipla incidência só é possível por força da cuidadosa discriminação de competências, levada a efeito pela Constituição da República e prossegue:
“Como em termos estritamente jurídicos, só podemos falar em hierarquia de normas quando umas extraem de outras a validade e a legitimidade (Roberto J. Vernengo), torna-se onipotente que as leis nacionais (do Estado brasileiro) as leis federais (da União) e as leis estaduais (dos Estados-membros) ocupam o mesmo nível, vale consignar, umas não preferem as outras. Realmente, todas encontram seu fundamento de validade na própria carta magna, apresentando campos de atuação exclusivos e muito bem discriminados. Por se acharem igualmente subordinados à Constituição, as várias ordens jurídicas são isônomas, ao contrário do que proclamam os adeptos das doutrinas “tradicionais”.
Nesse intuito de indicar que cada uma das entidades políticas tem campos de atuação autônomos e independentes, importante transcrever ainda, o pensamento de Dalmo de Abreu Dallari[30]:
“O reconhecimento desse poder de fixar sua própria escala de prioridades é fundamental para a preservação da autonomia de cada governo. Se um governo puder determinar o que o outro deve fazer ou mesmo o que deve fazer em primeiro lugar, desaparecem todas as vantagens da organização federativas. Realmente, pode ocorrer que a escala de prioridades estabelecidas pelo governo central não coincida com o julgamento de importância dos assuntos feitos pelo governo regional ou local. Pode também ocorrer que um governo pretenda que outro cuide com tal empenho de certo problema, que cabe comprometendo grande parte dos recursos financeiros destes últimos, deixando-o sem poder cuidar sem problemas que, no seu julgamento deveriam merecem preferência.”
Assim, não obstante as linhas do “ideal”, traçadas pela Constituição da República, não se pode prescindir da legislação local, onde se estará fazendo a devida previsão orçamentária para o suporte dos gastos.
Nesse sentido, o Excelso Supremo Tribunal Federal pronunciou-se:
“O direito à saúde representa consequência constitucional indissociável do direito à vida. O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República (art. 196). Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular – e implementar – políticas sociais e econômicas idôneas que visem a garantir, aos cidadãos, inclusive àqueles portadores do vírus HIV, o acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica e médico-hospitalar. O direito à saúde – além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas – representa consequência constitucional indissociável do direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional. (…). (RE 271286 AgR/RS, 2ª T., Relator Min. Celso de Mello, DJU de 24.11.00, p. 101).”
Da decisão supramencionada, merecem ser destacados três pontos: o primeiro deles é que o Estado (gênero) tem o dever de prestar serviços de saúde a toda a população brasileira, sem fazer qualquer tipo de distinção. Em segundo lugar, esse dever há de ser exercido através de regulamentação que garanta a efetiva prestação dos serviços, para que não haja prejuízos à população, bem como ao erário público. Por fim, nenhuma das esferas de Poder pode mostrar-se indiferente, em face da solidariedade entre elas. Contudo, é relevante que cada esfera pública cumpra com as suas obrigações, para que não haja sobrecarga nas demais.
Essa solidariedade diz respeito à interpendência entre os entes da Federação, que fazem parte de um sistema. Nenhum deles atua isoladamente e se um não for capaz, nem estiver habilitado para praticar determinada ação, a obrigação é do outro. Por isso que a responsabilidade é solidária, mas não é conjunta.
Desse modo, não é possível concordar com muitas decisões judiciais que determinam a responsabilidade conjunta e solidária da União, do Estado e do Município em matéria de prestação de serviços de saúde, posto que tais julgados não estão conformes à lei e agridem a repartição constitucional de competências entre os entes federados.
A título de esclarecimento, cumpre mencionar as normas básicas que regem o Sistema Único de Saúde (SUS), que é responsável pela efetivação do direito à saúde a população brasileira. No topo, encontra-se a Constituição Federal de 1988 com previsão em seus artigos 196 a 200; Lei Federal 8.080/1990[31] que dispõe sobre as condições para promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes; Lei 8.142/1990[32] que dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do SUS e sobre as transferências intergovernamentais de recursos financeiros na área da saúde; Pacto pela Saúde de 2006[33] – Consolidação do SUS e suas diretrizes operacionais; Norma Operacional da Assistência à Saúde – NOAS SUS 2002; Norma Operacional Básica – NOB SUS 01/96; e Portarias do Ministério da Saúde.
O Pacto pela Saúde de 2006, divulgado através da Portaria nº 399/GM de 22/02/06, prevê que os medicamentos de dispensação excepcional são de responsabilidade do Estado, sendo que o Ministério da Saúde deve repassar, mensalmente, os valores financeiros, in verbis:
“Os Componentes Medicamentos de Dispensação Excepcional consiste em financiamento para aquisição e distribuição de medicamentos de dispensação excepcional, para tratamento de patologias que compõem o Grupo 36 – Medicamentos da Tabela Descritiva do SIA/SUS. A responsabilidade pelo financiamento e aquisição dos medicamentos de dispensação excepcional é do Ministério da Saúde e dos Estados, conforme pactuação e a dispensação, responsabilidade do Estado.”
O Ministério da Saúde assegura que o Programa de Medicamentos Excepcionais é cofinanciado pela União e Estado, e que os mesmos devem ser adquiridos pelas Secretarias de Saúde dos Estados:
“O Programa de Medicamentos Excepcionais é cofinanciado pela União e os Estados. Esses medicamentos são adquiridos pelas secretarias de saúde e o "ressarcimento" a elas, pelo governo federal, é feito mediante comprovação de entrega do medicamento ao paciente.”
A Portaria nº 1.318/GM[34], de 23.07.02, do Ministério da Saúde, relaciona os medicamentos de alto custo e os excepcionais, destinados a pacientes crônicos ou que fazem seu uso por períodos prolongados. Dispõe a Portaria no § 2º do art. 2º, que tais medicamentos "deverão ser dispensados de acordo com os respectivos critérios técnicos definidos pela Secretaria de Saúde dos Estados e do Distrito Federal".
Desta forma, essa é a sistemática do Sistema Único de Saúde – SUS – implantado no Brasil, em linhas gerais. As responsabilidades quanto à prestação mesma de serviços de saúde, ou seja, as responsabilidades referentes à execução das ações finalísticas, dividem-se entre a União, os Estados e os Municípios. Nos Estados, depende da política fixada pelo próprio Estado, por determinação autônoma.
Qualquer que seja o nível de inserção de cada Município ao SUS – gestão básica, gestão básica ampliada ou gestão plena – determinados serviços devem ser prestados. Mas não todos, mesmo para os Municípios em gestão plena, posto que a matéria dependa do que tiver sido fixado na política estadual.
No capítulo I.4 da NOAS, por exemplo, lê-se, com clareza, que as ações de média complexidade devem ser garantidas pelo gestor estadual. As de alta complexidade/alto custo (capítulo I.5) são de responsabilidade do Ministério da Saúde e das Secretarias de Saúde dos Estados e do Distrito Federal, podendo tais ações caber aos Municípios em gestão plena, quando contarem com os serviços respectivos (capítulo I.5, item 25).
Importante lembrar que a responsabilidade da União relativa às ações de alta complexidade/ alta especialidade/ alto custo, é realizada em hospitais próprios e nos 45 Hospitais Universitários, distribuídos pelo território nacional, que são entidades de referência nacional, integrantes do SUS.
Como diz a página do Ministério da Educação (www.educação.gov.br), “São unidades de saúde, únicas em algumas regiões do país, capazes de prestarem serviços altamente especializados, com qualidade e tecnologia de ponta à população”. Garantem, também, o suporte técnico necessário aos programas mantidos por diversos Centros de Referência Estaduais ou Regionais e à gestão de sistemas de saúde pública, de alta complexidade e de elevados riscos e custos operacionais. Os Hospitais Universitários são importantes Centros de Formação de Recursos e de Desenvolvimento de Tecnologia para a área de saúde.
A efetiva prestação de serviços de assistência à população possibilita o constante aprimoramento do atendimento, com a formulação de protocolos técnicos para as diversas patologias, o que garante melhores padrões de eficiência e eficácia, colocados à disposição para a Rede do Sistema Único de Saúde (SUS)."
Ante a responsabilidade que lhe fora atribuída pelos dispositivos supracitados, a Secretaria de Saúde do Estado da Paraíba apresenta à população, por meio da internet, esclarecimentos a respeito da aquisição de medicamentos de alto custo, que atualmente é realizado pelo Centro Estadual de Dispensação de Medicamentos Excepcional (CEDMEX), a saber:
“A aquisição de Medicamentos de alto custo e uso continuado é realizada pelo Centro Estadual de Dispensação de Medicamentos Excepcional – CEDMEX. Essa aquisição é controlada pelo sistema SICMEX, implantado no CEDMEX. E será acompanhado pelo CEIS através do “sistema espelho”, pelas consultas e relatórios que o sistema emite, podendo ser observado diariamente a quantidade de medicamentos dispensados, em estoque e a necessidade de aquisição.”
Assim, cabe ao Estado adquirir e fazer a distribuição de medicamentos que possuem alto custo e que são necessários a realização do tratamento de doenças complexas congênitas ou adquiridas, com o apoio do Ministério da Saúde.
Nesse sentido, a Justiça Federal da Seção Judiciária da Paraíba tem entendimento consolidado que quando da presença do medicamento na Relação de medicamentos excepcionais, a obrigação de cumprimento do pleito, apesar da responsabilidade solidária dos Entes Públicos, é do Estado da Paraíba:
“Rejeito as preliminares levantadas, porquanto, segundo a Portaria do Ministério da Saúde (Portaria nº 2.577/GM, de 27 de outubro de 2006) cabe aos Estados da Federação definir a lista de medicamentos excepcionais, adquiri-los e distribuí-los, com ulterior compensação financeira entre Estado[35] e União. (…)
No caso dos autos, o medicamento Micofenalato de mofetila (CELLCEPT) é previsto para distribuição pelo SUS (itens 36.181.12-9 da Portaria 2577/2006/MS), o que, a princípio, até dispensaria a intervenção judicial para salvaguardar o direito à vida da paciente ora autora, não fosse a injustificada resistência da parte ré em fornecê-lo. (JFPB – Processo nº 0002310-55.2011.4.05.8200 – 3ª Vara Federal – Juíza Federal Cristiane Mendonça Lage – Data do julgamento: 02 de fevereiro de 2012)”.
Destarte, apesar de a Douta Magistrada reconhecer a legitimidade e a responsabilidade solidária dos Entes Federativos, houve a condenação ao cumprimento da determinação judicial apenas do Estado da Paraíba, com aporte financeiro da União, conforme previsto pelo Ministério da Saúde por meio de suas políticas públicas e portarias.
Por sua vez, a Portaria nº 3.916/98[36], do Ministério da Saúde, que aprovou a Política Nacional de Medicamentos, estabelece diretrizes, prioridades e responsabilidades dos gestores do Sistema Único de Saúde. Vale citar alguns trechos desta Portaria:
“Aprovada pela Comissão Intergestores e pelo Conselho Nacional de Saúde, a Política Nacional de Medicamentos tem como propósito "garantir a necessária segurança, eficácia e qualidade destes produtos, a promoção do uso racional e o acesso da população àqueles considerados essenciais". Com esse intuito, suas principais diretrizes são o estabelecimento da relação de medicamentos essenciais, a reorientação da assistência farmacêutica, o estímulo à produção de medicamentos e a sua regulamentação sanitária. (…)
5. RESPONSABILIDADES DAS ESFERAS DE GOVERNO NO ÂMBITO DO SUS(…)
5.2. Gestor federal: Caberá ao Ministério da Saúde, fundamentalmente, a implementação e a avaliação da Política Nacional de Medicamentos, ressaltando-se como responsabilidades:
a. Prestar cooperação técnica e financeira às demais instâncias do SUS no desenvolvimento das atividades relativas à Política Nacional de Medicamentos; (…)
5.3. Gestor estadual: Conforme disciplinado na Lei n.º 8.080/90, cabe à direção estadual do SUS, em caráter suplementar, formular, executar, acompanhar e avaliar a política de insumos e equipamentos para a saúde.(…)
5.4. Gestor municipal: No âmbito municipal, caberão à Secretaria de Saúde ou ao organismo correspondente as seguintes responsabilidades:
a.coordenar e executar a assistência farmacêutica no seu respectivo âmbito;(…).
h. definir a relação municipal de medicamentos essenciais, com base na RENAME, a partir das necessidades decorrentes do perfil nosológico da população;
i. assegurar o suprimento dos medicamentos destinados à atenção básica à saúde de sua população, integrando sua programação à do estado, visando garantir o abastecimento de forma permanente e oportuna;”
A partir da leitura da regulamentação baixada pelo Ministério da Saúde, fica bastante claro que a ele cabe estabelecer a Política Nacional de Medicamentos. Nesta, os Municípios são obrigados a disponibilizar os remédios constantes da Relação Nacional de Medicamentos Essenciais – RENAME. Os de alto custo e os referentes a situações excepcionais são de responsabilidade da União e dos Estados-membros, aos quais cabe a aquisição e distribuição.
O referido documento é elaborado pelo Ministério da Saúde e contém a relação de medicamentos essenciais a serem fornecidos pelo Sistema Único de Saúde – SUS, no âmbito dos Municípios.
A elaboração da Relação Nacional dos Medicamentos tem por finalidade satisfazer às necessidades de saúde prioritárias da população, pondo à disposição medicamentos na dose a apropriada a todos os segmentos da sociedade.
A referida listagem é atualizada periodicamente e corresponde a um instrumento facilitador do uso racional de medicamentos e da organização da assistência farmacêutica, concebida como parte integrante da Política Nacional de Saúde, e envolvendo um conjunto de ações voltadas à promoção, proteção e recuperação da saúde da população.
A fim de atualizar a Relação Nacional de Medicamentos essenciais (saúde básica), foi constituída uma Comissão Técnica e Multidisciplinas de Atualização da Relação acional de Medicamentos Essenciais (COMARE), cuja finalidade era realizar a avaliação sistemática da relação dos medicamentos e demais produtos farmacêuticos constantes na RENAME.
A referida atualização indica as alterações necessárias, com o propósito de selecionar aqueles mais adequados para atender as necessidades prioritárias de assistência à saúde da maioria da população.
Dessa maneira, tem-se que a promoção da saúde, é feita pelo Poder Público, através de políticas públicas, as quais, não podem ser inviabilizadas por pedidos de medicamentos de alto custo sem que haja a devida comprovação da eficácia e da hipossuficiência do requerente.
Para uma melhor compreensão, faz-se necessário apresentar a conceituação de medicamentos essenciais, que devem ser fornecidos pelos Municípios, assim como os de dispensação em caráter excepcional, que devem ser dispensados pelos Estados, apresentada pela Portaria nº 3.916/98, veja-se:
“Medicamentos essenciais são “os medicamentos considerados básicos e indispensáveis para atender a maioria dos problemas de saúde da população”.
Medicamentos de dispensação em caráter excepcional são os “medicamentos utilizados em doenças raras, geralmente de custo elevado, cuja dispensação atende a casos específicos”.
É cediço que o direito à saúde é um dever do Estado, conceito que abrange a União, os Estados e os Municípios, e que o SUS é um sistema integrado, denominado como único que tem o dever de atender a todos com igualdade. Entretanto, não se pode olvidar que a União, os Estados e os Municípios possuem competências determinadas.
No tocante aos medicamentos, estes são elencados pela União, cabendo aos Municípios adquirir os de uso geral, os essenciais, constantes da RENAME. Já o fornecimento dos medicamentos especiais, de alto custo, repita-se, são de competência do Estado.
A demanda judicial tem edificado novos paradigmas acerca da responsabilidade do Estado nas prestações de saúde. Ainda que haja, no âmbito interno do Sistema Único de Saúde, repartições de competências entre os entes públicos, para a Corte Constitucional e os magistrados a responsabilidade no fornecimento de medicamentos é solidária entre todas as esferas da Federação, em virtude da competência comum estabelecida na Constituição Federal.
Assim, em regra, quando há uma condenação ao fornecimento de medicamento ou realização de procedimento cirúrgico, essa ocorre de forma solidária ou em face o Ente Federado contra quem foi proposta a demanda, ainda que não seja o responsável, de acordo com a legislação infraconstitucional.
Em recentes decisões, o Supremo Tribunal Federal[37] reconheceu a competência do Estado e não do Município, no fornecimento de medicamentos de alto custo e/ou excepcionais.
No contexto de nosso país, onde o orçamento público é escasso e inúmeros direitos sociais não são efetivados a contento, é compreensível a judicialização que vem ocorrendo. Porém, imprescindível que a falta de razoabilidade na outorga do direito à saúde seja combatida, justamente para tornar o sistema de saúde pública viável e aplicável na sua plenitude, atingindo a universalidade e igualdade a que se propõe, prioritariamente ao hipossuficiente.
E aqui se afirma que o direito à saúde não pode ser visto de forma individual ou isolada, pois toda prestação nesse sentido possui impacto direto sobre toda a coletividade. O ente público deve praticar seus atos norteados pelos princípios constitucionais que regem a administração pública, com o fim precípuo de atingir o bem comum.
Entre os princípios fundamentais do ordenamento constitucional tem-se o da independência e harmonia entre os poderes.
Noutro aspecto, o exercício do poder está regido em lei o que implica incondicional observância ao princípio da legalidade, referência elementar da Administração Pública. Com efeito, é premissa básica que um Poder não pode obrigar outro a determinada conduta se não há Lei que dê suporte a tal pretensão.
Desse modo, cabe ao Poder Executivo, realizar o implemento das Políticas Públicas destinadas à promoção da saúde, através de ações e serviços, colocando à disposição da população, de forma geral, os medicamentos essenciais, bem assim a realização procedimentos médico-hospitalares.
Assim, ao julgar ações judiciais de obrigação de fazer, o eminente magistrado tem que observar os reflexos da mesma na coletividade, ou seja, a possível inviabilidade do sistema de saúde pública com os recursos de que dispõe.
O SUS é o maior modelo descentralizador adotado na área dos direitos sociais previstos na Constituição. Justamente porque a intenção é fazer com que o direito fundamental à saúde seja um direito que se concretize, que seja eficaz.
Assim, seja nas ações de saúde pública implementadas para o atendimento direto à população, seja na implementação de políticas públicas de competência do poder público local e que são preventivas, inseridas no conceito de direito à saúde.
Os recursos do Estado não são infinitos. Por outro lado, em um país em desenvolvimento como o nosso, as demandas por políticas públicas básicas, como a saúde, aumentam a cada dia em volume desproporcional às possibilidades de investimento na área. O direito à saúde definitivamente não possui caráter incondicionado.
Nesse sentido, colacionamos notícia[38] extraída do sítio do Supremo Tribunal Federal, a partir das audiências públicas realizadas pelo eminente Ministro Presidente Gilmar acerca da saúde pública e do fornecimento de medicamentos:
“De acordo com o presidente do STF, “se a prestação de saúde pleiteada não estiver entre as políticas do SUS, é imprescindível distinguir se a não prestação decorre de uma omissão legislativa ou administrativa, de uma decisão administrativa de não fornecê-la ou de uma vedação legal à sua dispensação”. Ele observou a necessidade de registro do medicamento na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), além da exigência de exame judicial das razões que levaram o SUS a não fornecer a prestação desejada.”
“Tratamento diverso do SUS
O ministro salientou que obrigar a rede pública a financiar toda e qualquer ação e prestação de saúde geraria grave lesão à ordem administrativa e levaria ao comprometimento do SUS, “de modo a prejudicar ainda mais o atendimento médico da parcela da população mais necessitada”. Dessa forma, ele considerou que deverá ser privilegiado o tratamento fornecido pelo SUS em detrimento de opção diversa escolhida pelo paciente, “sempre que não for comprovada a ineficácia ou a impropriedade da política de saúde existente”.”
Cabe, portanto, à sociedade como um todo respeitar o ordenamento administrativo estabelecido pelos entes públicos para o SUS, e aqui se incluem os poderes Judiciário e Legislativo, a fim de que o sistema implemente de forma efetiva e concreta à população, independentemente de sexo, gênero, cor ou qualquer outra manifestação, sem por isso deixar de respeitar a dignidade humana.
Analisando-se sob esta ótica, tem-se que, o pacto de descentralização do SUS deve ser cumprido, no entanto, sequer tem sido levado em consideração quando da prolação de decisões em casos semelhantes. O certo é que, conforme legislação colacionada e abaixo transcrita é de competência do Estado da Paraíba o fornecimento de medicamentos excepcionais e de alto custo, enquanto compete à Secretaria Municipal de Saúde o fornecimento dos medicamentos constantes da RENAME, ou seja, medicamentos de atenção básica à saúde.
Não se revela cabível a estipulação de determinação para que o Executivo realize o fornecimento de medicamentos especiais, mormente quando trata de matéria cuja iniciativa está relacionada diretamente a política pública, que é prerrogativa exclusiva do governo municipal, especialmente porque implicaria em um ônus para o Município de tal monta, que seriam destinados à compra de medicamentos básicos para toda a população e não apenas a um cidadão.
3.2 A VISÃO DA EFETIVAÇÃO DO DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE A PARTIR DA PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO DE JOÃO PESSOA.
A Constituição Federal da República do Brasil define direitos fundamentais e direitos sociais cuja observância não é facultativa para o Poder Público. Entretanto, é necessário que haja uma ponderação na execução e na cobrança desses direitos, tendo em vista que os recursos dos Entes Públicos são finitos e necessitam ser aplicados de forma a maximizar sua utilização.
A situação relativa as finanças em detrimento das necessidades da população agrava-se no âmbito dos municípios, vez que é o ente público mais próximo da população, entretanto é aquele que possui menores condições financeiras para arcar com os anseios da sociedade.
A forma encontrada pelos gestores para atender a população de forma igualitária, equilibrada e majoritária, foi através da execução de políticas públicas.
Preliminarmente, cumpre destacar o numerário gasto nos últimos cinco anos com o cumprimento de decisões judiciais referentes ao direito à saúde. Em 2007, os Estados gastaram, em média, R$500.000.000,00 (quinhentos milhões de reais) para o cumprimento de determinações judiciais[39]. Os gastos com medicamentos do Ministério da Saúde do Brasil originados por decisões judiciais, em 2008, alcançaram a cifra de R$ 52.000.00,00 (cinquenta e dois milhões)[40].
No âmbito do Município de João Pessoa a situação não é menos danosa, tendo em vista que no ano de 2011 foram ajuizadas 113 (cento e treze) novas ações de obrigação de fazer com pedido de tutela antecipada, incluindo pleitos por medicamentos e procedimentos cirúrgicos, conforme dados fornecidos pela Secretaria de Saúde e pela Procuradoria Geral do Município de João Pessoa.
Entre essas ações há pleitos de todos os tipos, partindo desde o fornecimento de fraldas descartáveis até a realização de cirurgias de alta complexidade e tratamentos no exterior, algumas vezes até experimentais. O que há em comum entre todas essas ações é que não há a observância de qual o Ente Federativo responsável pela realização do procedimento ou pelo fornecimento do medicamento[41].
Assim, apesar da existência de políticas públicas voltadas a efetivação do direito à saúde a população, os magistrados estão considerando essas secundárias, determinando que os Entes Públicos cumpram com as obrigações de efetivação do direito à saúde, ainda que não seja de sua alçada e que não possua previsão orçamentária para tal.
No corrente ano, até o mês de junho, já foram propostas 40 (quarenta) ações em face do Município de João Pessoa, conforme informações prestadas pela Procuradoria Geral do Município de João Pessoa.
Ou seja, dentro de um período curto, um ano e seis meses, foram ajuizadas 154 (cento e cinquenta e quatro) novas ações judiciais requerendo do Município de João Pessoas diligências na área de saúde. Devendo ser destacado, também, que além dessas demandas, ainda continuam a tramitar diversas outras dos anos anteriores, não havendo assim, forma viável da Edilidade Municipal obedecer as políticas públicas e as previsões orçamentárias, tendo em vista que não há como prevê o ajuizamento de demandas judiciais.
Fato que insta ser salientado é que em 80% dessas demandas os indivíduos são devidamente atendidos, concluem os tratamentos, mas não se dão ao trabalho de informar ao Poder Judiciário para que as ações sejam extintas, bem como não informam ao Poder Público Municipal para que seja suspenso o fornecimento dos medicamentos e/ou suplementos alimentares.
Assim, além de cumprir com sua responsabilidade decorrente das políticas públicas previstas e estabelecidas pelo Ministério da Saúde, o Município de João Pessoa ainda tem que arcar e dar cumprimento há quase 200 ações judiciais de diferentes tipos.
Cumpre ressaltar, que apesar do Município não ser o responsável pela efetividade da obrigação, de acordo com as leis que estabelecem as políticas públicas, tem que dar cumprimento a decisão judicial de qualquer forma, ainda que não possua previsão orçamentária ou recursos financeiros para tal, sendo, muitas vezes, necessário a retirada de recursos de outras áreas ou que eram destinados a prestação dos serviços de saúde a coletividade, para atendimento de um caso concreto.
O Ministério Público da Saúde e os Municípios realizam, anualmente, uma atualização da Relação dos Medicamentos Essenciais – RENAME –. Nessa atualização são incluídos medicamentos para tratamento da saúde básica e que estão sendo mais procurados pelos usuários, em decorrência de prescrições médicas.
Deste modo, não há inércia por parte do Poder Público na efetivação do direito à saúde, entretanto a demanda é bastante superior as possibilidades e as finanças, situação que se agrava em decorrência das inúmeras demandas judiciais ajuizadas diariamente e deferidas sem que haja observância das leis, decretos, portarias e resoluções do Ministério da Saúde, bem como das políticas públicas.
CONCLUSÃO
A saúde é um direito fundamental de importância elevada para os indivíduos e a sociedade em geral e que está garantido no texto constitucional. Além da presença na Carta Magna, há inserção em diversos textos legais, estando assim inserido diretamente no ordenamento jurídico brasileiro. Não há dúvidas de que este direito deve ser assegurado pelo Estado a todos os indivíduos, desde o seu nascimento até o final de sua vida.
Deste modo, é incontestável o dever do Estado a prestação dos serviços de saúde. Essa prestação de serviços é repartida de forma solidária, entre a União, os Estados e os Municípios, cada qual com responsabilidades próprias e definidas, diferenciadas por Estados e Municípios, segundo as políticas estaduais respectivas.
Assim sendo, cada Município, mesmo que se encontre em gestão plena, só é obrigado a prestar os serviços a ele atribuídos pela política de saúde do Estado ao qual se encontra vinculado[42].
O direito à saúde é universal e deve ser garantido através de políticas públicas, preferencialmente de forma preventiva, e que abranja toda a sociedade. É um direito que deve ser prestado de forma rápida e contínua. Contudo, não consegue atingir seus objetivos, não apenas em virtude das dimensões territoriais e populacionais do Brasil, mas também pela ineficácia de algumas das políticas públicas implantadas pelo Ministério da Saúde, que apesar dos diversos estudos e análises, não consegue atingir a todos.
Ainda nesse sentido, deve-se observar que o direito à saúde não pode ser dificultado, nem ser passível de exclusão social, pois os princípios da dignidade da pessoa humana e da integridade da pessoa física estão garantidos na Constituição Federal e não podem ser esquecidos.
Por outro lado, a culpa não é de todo do Estado, visto que este deve obedecer e cumprir o ordenamento jurídico, observando sempre o princípio da legalidade e o da previsão orçamentária, sob pena do praticante do ato responder nas esferas administrativa, cível e penal.
É nesse árduo conflito que o Poder Judiciário vê-se obrigado a optar pelo princípio ou norma a ser aplicada no caso concreto. É certo que os direitos à vida e à saúde são garantidos constitucionalmente, mas é necessário observar a lide para que seja aplicada e relevada da melhor forma as leis, as normas, a Carta Magna e os princípios.
Não há dúvidas quanto à competência do Poder Judiciário para intervir nessa questão, mas é necessário que os Magistrados observem o caso concreto, pois os recursos financeiros do Estado não são infinitos. Bem como é necessária a observância da lei na determinação de qual Ente Federativo tem a obrigação de fornecer determinado medicamento ou realizar certo procedimento cirúrgico, caso contrário, da desobediência ao princípio da legalidade, estará havendo também prejuízos dos entes, visto que apesar da obrigação solidária, apenas um ou está arcando com a obrigação de todos.
Diante disso, o conflito de entre os Entes Federativos e o Poder Judiciário deve ser adotado com cautela, não apenas pela necessidade de observar o princípio da separação dos poderes, mas também para que não haja prejuízos de maior dimensão a população. Caso contrário a violação dos princípios constitucionais básicos será irreversível e impedirá a efetivação da justiça social.
Ante todo o exposto, a Judicialização da saúde deve ser analisada em diversas órbitas, mas do ponto de vista orçamentário do país, a responsabilidade solidária pode ser um entrave à execução das políticas públicas, criando grande desperdício de recursos destinados à saúde, visto que os três entes são condenados a pagar simultaneamente, e ainda não foi estabelecido um critério de compensação e ressarcimento por parte de quem paga.
Todavia, sob o óbice de quem espera por um medicamento de alto custo, a responsabilidade solidária serviria, nesta hipótese, como garantidora da prestação.
A solução que se apresenta mais viável, portanto, é a construção da solidariedade entre os entes apenas nos casos em que não haja previsão de política pública, apenas ocorrendo a desconsideração da divisão de competências nos casos em que o ente responsável omitir-se de sua responsabilidade[43].
Para tanto, necessário faz-se a criação de um sistema de compensação, aonde o ente que tiver arcado com os custos do medicamento, mas que não for o competente para fornecê-lo, pode obter o ressarcimento junto ao ente responsável pelo fornecimento do medicamento, suplemento alimentar ou realização do procedimento cirúrgico.
É importante ressaltar que o trabalho monográfico ora apresentado não tem o condão de esgotar a matéria, vez que se trata de um assunto ainda novo e que gera enormes discussões acerca de sua efetividade, que podem ser comprovados através das inúmeras ações judiciais que correm nas Justiças Estadual e Federal, apesar dos esforços despendidos pelos entes públicos. A efetivação dos direitos fundamentais, mais especificamente, do direito à saúde é um enorme “problema” trazido pela Carga Magna de 1988 (Constituição cidadã) e que gera problemas até os dias atuais, sem que se observem condições e possibilidades de solução, ao menos não a curto prazo.
Por outro lado, é imprescindível que todos tenham consciência de seus direitos e de suas obrigações para com a sociedade e o Estado, para evitar que haja desperdícios e que os recursos públicos possam ser empregados em políticas públicas eficazes.
Advogada e Pós-graduanda em Direito Processual Civil no Centro Universitário de João Pessoa – UNIPE
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