Resumo: O direito existencial da pessoa e sua rede de relações no mundo, portanto, do sujeito com a alteridade, precisam ser protegidos. A personalidade se realiza também com uma vida boa. A individualidade de cada um, sua dignidade, singularidade deve ser respeitada. Em uma concepção mais ampla do direito é importante atentar para os direitos e obrigações não apenas na esfera individual, mas social que passa a assumir o sujeito de direitos, cada vez mais necessária à sua inclusão como potencial cidadão.
Palavras-chave: Direitos da Personalidade; Dignidade da pessoa humana; eticidade; socialidade; operabilidade.
Abstract: The existential right of the person and its network of relations in the world, so the subject with otherness, need to be protected. Personality is also achieved with a good life. The individuality of each, their dignity, uniqueness must be respected. In a broader conception of law is important to pay attention to the rights and obligations not only in the individual sphere, but social passing to take the subject of rights, increasingly necessary for its inclusion as a potential citizen.
Keywords: Personality Rights; Human dignity; ethics; sociality.
Sumário: 1. Notas introdutórias; 2. Dignidade humana, personalidade e constitucionalização do direito; 3. Capacidade e incapacidade jurídica; 4. Direitos de personalidade no Código Civil; Conclusão.
1. NOTAS INTRODUTÓRIAS
Entende-se, na concepção dos direitos, a necessidade do estudo mais elementar de todos: “O estudo do direito deve começar pelas pessoas, porque não é possível conhecê-lo sem conhecer estas últimas” (CRETELLA JÚNIOR, 2003, p. 60). Poderíamos a atribuir a existência digna à finalidade do próprio direito, por ser o seu núcleo o bem mais precioso a ser preservado (a dignidade da pessoa humana).
“[…] Persona é a máscara de teatro. Com orifício para aumentar a voz” (CRETELLA JÚNIOR, 2003, p. 60-61).
“[…] Desde o nascimento com vida até o último momento, o homem é sujeito de direitos, é pessoa” (CRETELLA JÚNIOR, 2003, p. 61).
Estão assegurados os direitos do nascituro desde a concepção (art. 2º do Código Civil em vigor). Ou seja, o Direito romano nos traz relevantes considerações sobre o direito à vida. Em Roma a personalidade jurídica não era atributo de todos. Assim o fato de nascer, não era garantia de ter personalidade jurídica. E no Brasil, durante o período colonial e grande parte do Império, o escravo era “res”. As famílias incluíam nos bens do seu testamento os escravos para os seus herdeiros.
Em Roma, para ser considerado pessoa, era necessário o nascimento perfeito[1] e não ser escravo, por serem distintos pessoa e homem para os romanos (CRETELLA JÚNIOR, 2003).
Assim, para ter personalidade jurídica em Roma era preciso ser livre e cidadão (VENOSA, 2003, p. 140).
“Pessoa é o sujeito de direitos e obrigações” (CRETELLA JÚNIOR, 2003, p. 61). A liberdade em Roma adquiria-se pelo nascimento ou ato que confirmasse essa situação. Com isso, filhos de pais livres e que fossem fruto de casamento legítimo também nasciam livres (depois passa-se a admitir a liberdade do filho condicionada à liberdade da mãe durante qualquer fase da gestação). Assim como a liberdade poderia vir, por exemplo, com a alforria. A sua relação é com o status social e não se confunde com a liberdade física ou civil (VENOSA, 2003, p 140).
Portanto, a personalidade jurídica completa em Roma expresso na capacidade jurídica de ter direitos e obrigações. Advinha das seguintes condições: “[…] 1º) fosse livre; 2º) cidadão romano; e 3º) independente do pátrio poder” (MARKY, 1995, p. 29).
O status (qualidade pela qual o romano tem direitos) advinha da “condição civil de capacidade”. O status civilis reunia três requisitos: liberdade, família e cidade. Reunidos os três se configurava a capacidade plena de direitos (CRETELLA JÚNIOR, 2003, p. 62).
Mas poderia haver limitações na capacidade (diminuição ou extinção). Assim, a capitis deminutio maximas atinge a liberdade (poderia o cidadão ser livre e ter sido condenado às feras do circo). Nesse caso, extingue-se a personalidade e passa à condição de escravo. A capitis deminutio media atinge a cidadania, ou seja, por exemplo, o cidadão romano que perde a civitas poderia ser exilado. A capitis deminutio minima, representava alteração do estado familiar (mas não de consanguinidade e não alterava o status libertatis e o status civitatis) (CRETELLA JÚNIOR, 2003, p. 63; MARKY, 1995, p. 36-37).
A existência humana começa com a vida e termina com a morte no mundo do direito. Assim expresso nos arts. 2º e 6º, respectivamente, do Código Civil brasileiro (Lei n° 10.406/2002):
“Art. 2º A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida, mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro. […]
Art. 6º A existência da pessoa natural termina com a morte, presume-se esta, quanto aos ausentes, nos casos em que a lei autoriza a abertura de sucessão definitiva.” (BRASIL, Lei nº 10.406/2002).
O início da vida a partir da biologia se inicia com a fecundação do óvulo pelo espermatozoide e resulta no ovo ou zigoto. E a vida viável começa com a nidação, inicia-se a gravidez. Entende que ninguém pode privar ninguém arbitrariamente de sua vida sendo a vida, o mais elementar e primeiro direito da pessoa humana. Encontramos hoje limites à vida como o aborto, a pena de morte e a eutanásia (MORAES, 2003, p. 88).
Essas considerações são relevantes porque os direitos de personalidade gozam de eficácia direta e imediata nas relações privadas como à proteção à vida por exemplo. Portanto esses direitos se irradiam tendo por base a dignidade da pessoa humana (BARROSO, 2013, p. 396-397).
A constitucionalização do direito vem suplantar os resquícios da tradição, família e propriedade.
“Pode-se afirmar, diante da concepção contemporânea a respeito da dignidade da pessoa humana e da relação entre Constituição e Direito Civil que os Direitos de Personalidade nada mais são que Direitos Fundamentais, não havendo sentido na distinção outrora proclamada.” (FACHIN; PIANOVSKI, ano, p. 13).
Diga-se muito mais voltado aos interesses personalistas. A democratização do direito se dá como passo relevante no entendimento da pessoa humana como centro do sistema e suas relações existenciais recorrendo ao princípio da dignidade da pessoa humana, expresso no art. 1º.
“A dignidade da pessoa humana pode ser concebida sob a dúplice dimensão de princípio e de valor. A sua dimensão axiológica permite afirmar uma prevalência prima facie do valor dignidade a determinar toda concretização normativa, ainda que não se afirme uma prevalência formal a priori do princípio”. (FACHIN; PIANOVSKI, ano, p. 3).
2. DIGNIDADE HUMANA, PERSONALIDADE E CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO
Da Constitucionalização do Direito Civil passa-se à ênfase nas pessoas. E seu núcleo é o princípio da dignidade da pessoa humana.
O direito existencial da pessoa e sua rede de relações no mundo, portanto, do sujeito com a alteridade, precisam ser protegidos. A personalidade se realiza também com uma vida boa. A individualidade de cada um, sua dignidade, singularidade deve ser respeitada. Em uma concepção mais ampla do direito é importante atentar para os direitos e obrigações não apenas na esfera individual, mas social que passa a assumir o sujeito de direitos, cada vez mais necessária à sua inclusão como potencial cidadão. Nesse sentido, Perlinghieri (2007) aponta para a necessidade de despatrimonialização[2] do Direito Civil: “[…] a pessoa prevalece sobre qualquer valor patrimonial” (PERLINGHIERI, 2007, p. 33).
O entendimento da pessoa é ampliado do individual para o social. Portanto, pessoa no contexto atual é entendida como integrante da comunidade. “[…] o tema da solidariedade constitucional, portanto, deve ser entendido em relação aos da igualdade e da igual dignidade social” (PERLINGHIERI, 2007. p. 37).
É importante o entendimento na relação entre autonomia privada, dignidade individual, social e solidariedade social. Pietro Perlingieri (2007), em Perfis do Direito Civil, esclarece:
“[…] Igual dignidade social (pari dignità sociale) – os princípios da solidariedade social e da igualdade são instrumentos e resultados da atuação da dignidade social do cidadão. […] De acordo com a interpretação mais restrita, a igual dignidade social impõe ao Estado agir contra as situações econômicas, culturais e morais mais degradantes e que tornam os sujeitos indignos do tratamento social reservado à generalidade. A valoração em negativo da igual dignidade social significaria apenas que a posição de uns não deve ser degradante em relação àquela de outros. […] a tutela da personalidade não é orientada apenas aos direitos individuais pertencentes ao sujeito no seu precípuo e exclusivo interesse, mas sim aos direitos individuais sociais, que têm uma forte carga de solidariedade, que constitui o seu pressuposto e também o seu fundamento. […] Ao conceber a comunidade em função do homem, e não ao contrário, é possível encontrar, mesmo ao nível constitucional, uma hierarquia de valores e de interesses que as comunidades se propõe a alcançar e realizar.” (PERLINGIERI, 2007, p. 38-39).
O direito de personalidade na sociedade complexa precisa ser repensado a partir do indivíduo inserido nas suas relações com a coletividade, como parte constitutiva de relações humanas que o conduzam à felicidade pela inclusão, e vislumbre a sua emancipação como sujeito de direito. Na concepção de concretude da existência humana no “ser” e não apenas no “ter”. Vislumbra-se o direito de personalidade e sua função social. Portanto não apenas focada na autonomia privada, no individualismo e patrimonialismo. Nesse sentido: “[…] A dignidade da pessoa humana, tomada em sua concretude – e não como ente abstrato situado em um lugar metafísico – encontra seu lugar no Direito Civil na denominada ‘repersonalização’[3]” (FACHIN; PIANOVSKI. Disponível em: < http://www.anima-opet.com.br/pdf/anima5-Conselheiros/Luiz-Edson-Fachin.pdf>. Acesso em 12 de Outubro de 2014).
No entendimento do direito de personalidade a partir da pluralidade de instâncias e atores sociais, portanto uma ética dialógica inclusiva faz-se mister repensar o próprio direito civil a partir dos direitos fundamentais expressos na constituição.
“[…] Trata-se, sim, de proteger a pessoa humana em sua dimensão coexistencial, cuja rede de relações constitui a sociedade. Não é possível conceber o indivíduo sem o outro, pelo que a tutela da dignidade humana é sempre interindividual, baseada em uma ética de alteridade, e jamais individualista. (FACHIN; PIANOVSKI, p. 11.” Disponível em: < http://www.anima-opet.com.br/pdf/anima5-Conselheiros/Luiz-Edson-Fachin.pdf>. Acesso em 12 de Outubro de 2014).
A tutela da personalidade conferida ao sujeito de direitos não é uma abstração, uma ficção. Na concepção positivista observa-se uma vinculação entre personalidade e legalidade como se fosse respeitada a dignidade com base nas relações privadas patrimonialistas e individualistas muitas vezes não palpável na vida cotidiana. Diga-se sujeito às vicissitudes de relações desigualmente construídas com o propósito de mera vantagem de uns sobre o outro. Nesse sentido, os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana são de ordem constitucional sendo autoaplicáveis.
“[…] tudo aquilo que é inerente à personalidade o sujeito concreto é digno de proteção jurídica, por dizer respeito à dignidade da pessoa humana. Centrar a tutela geral a personalidade no princípio da dignidade da pessoa é, portanto, trazer como fundamento desses direitos o mesmo princípio que dá base aos direitos fundamentais.” (FACHIN; PIANOVSKI, p. 16. Disponível em: < http://www.anima-opet.com.br/pdf/anima5-Conselheiros/Luiz-Edson-Fachin.pdf>. Acesso em 12 de Outubro de 2014).
3. CAPACIDADE E INCAPACIDADE JURÍDICA
O Código Civil de 2002 em seus arts. 1º e 2º, respectivamente, dispõe: “Toda pessoa é capaz de direitos e obrigações na ordem civil”. E “personalidade da pessoa começa do nascimento com vida, mas a lei põe à salvo desde a concepção, os direitos do nascituro” (BRASIL, Lei 10.406, 2002). Há, no entanto uma gradativa aquisição da capacidade plena que se dá aos 18 anos completos.
Podemos destacar que são absolutamente incapazes de exercer atos da vida civil os menores de 16 anos, os que por enfermidade ou doença mental não tiverem discernimento para a prática desses atos; os que mesmo por causa transitória não puderem exprimir sua vontade. São relativamente incapazes os menores de 16 anos e maiores de 18 anos, os pródigos, os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo, os ébrios habituais, viciados em tóxicos, e os que, por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido.
Aos 18 anos completos cessa a menoridade quando a pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil, poderá também cessar a menoridade por autorização dos pais, ou de um deles na falta de outro mediante instrumento público; pelo casamento; pelo exercício de emprego efetivo; pela colação de grau em curso superior; por estabelecimento civil ou comercial, ou pela existência de relação de emprego, desde que, em função deles, o menor de 16 anos completos tenha economia própria.
A existência da pessoa natural termina com a morte; presume-se esta quanto aos ausentes, nos casos em que a lei autoriza a abertura de sucessão definitiva. Pode ainda ser declarada morte presumida sem declaração de ausência, se for extremamente provável a morte de quem estava e perigo de vida; se alguém desaparecido em campanha ou feito prisioneiro não for encontrado até dois anos após o término da guerra e após esgotadas as buscas e averiguações e na sentença constará a data provável do falecimento. Em caso de dois indivíduos falecerem na mesma ocasião e não se puder averiguar se algum dos comorientes precedeu ao outro, presume-se que morreram simultaneamente (arts. 3º ao 9°) (BRASIL, Lei 10.406, 2002).
4. DIREITOS DE PERSONALIDADE NO CÓDIGO CIVIL
Nos termos do Código Civil, Lei 10.406, de 2002, os direitos de personalidade vão do art. 11 ao 21, podendo-se destacar que os direitos de personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, seu exercício não pode sofre limitação voluntária; pode-se exigir que cesse a ameaça ou lesão a direito de personalidade, além de se exigir perdas e danos; salvo por exigência médica (transplante) é defeso o ato de dispor do próprio corpo quando represente diminuição permanente de integridade física ou contrariar os bons costumes; é válida para fins científicos a disposição do próprio corpo, no todo ou em parte, para depois da morte (podendo se revogar a qualquer tempo essa vontade); ninguém pode ser constrangido a submeter-se com risco de vida a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica; toda pessoa tem direito ao nome nele compreendido o prenome e sobrenome; o nome de outra pessoa não pode ser empregado por outrem em publicações ou representações que a exponham ao desprezo público ainda que não haja intenção difamatória; sem autorização não se pode usar nome alheio em comercial; o pseudônimo adotado para atividades lícitas goza de proteção que se dá ao nome. Salvo se autorizadas ou se necessárias à administração da Justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão de palavras, ou a publicação, a exposição ou utilização de imagem de uma pessoa poderão ser proibidas a seu requerimento e sem prejuízo de indenização que couber que atingirem à honra, a boa fama, ou respeitabilidade ou se destinarem a fins comerciais e em caso de ausência ou se tratando de morto são legítimas para requerer a proteção os ascendentes ou descentes e cônjuges. A vida privada da pessoa é natural e inviolável e a requerimento da parte o juiz adotará providências para fazer cessar ato contrário à norma (BRASIL, Lei 10.406, 2002).
CONCLUSÃO
À luz dos princípios do Código Civil que norteiam suas normas observa-se a socialidade, eticidade e operabilidade. O primeiro refere-se a prevalência dos interesses coletivos sobre os individuais; o segundo centra-se no axioma pessoa humana que permite ao intérprete o uso da equidade, boa-fé e proporcionalidade; o terceiro a possibilidade de uma dialogicidade normativa na interpretação e aplicação do direito pelo juiz. Nesse sentido observa-se a partir da Constitucionalização do Direito e sua função social uma ética dialógica que alcance o núcleo fundante da dignidade da pessoa humana como centro de todo ordenamento jurídico a partir da interpretação pricipiológica constitucional que permita o entendimento dos direitos da personalidade do indivíduo na sua relação com a alteridade.
Doutor em Direito – FADISP. Mestre em Políticas Sociais – UNICSUL. Advogado
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