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Direitos das crianças e adolescentes portadores de necessidades especiais

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Resumo: A partir da Constituição Federal de 1988, as pessoas em desenvolvimento (crianças e adolescentes) se tornaram sujeitos de Direito. Posteriormente, com a promulgação do Estatuto da Criança e Adolescente, os princípios da proteção integral e prioridade absoluta passaram a garantir a observância de tais direitos, inclusive os destinados às pessoas em desenvolvimento com necessidades especiais. Após distinguir criança do adolescente, conceituar deficiência, analisar os reflexos dos princípios citados, em especial, analisamos direitos positivados no Estatuto menorista. Foram utilizados, precipuamente, os métodos bibliográfico e indutivo. A finalidade do artigo é conhecer os direitos de crianças e adolescentes portadores de necessidades especiais que estão previstos no retrocitado Estatuto, suas origens, evolução e efetividade.

Palavras chaves: ECA, proteção integral, prioridade absoluta, deficiência, direitos.

Abstract: From the Federal Constitution of 1988, the developing people (children and adolescents) became subjects of Right. Subsequently, with the enactment of the Statute on Children and Adolescents, the principles of integral protection and absolute priority are now guaranteed to ensure the observance of such rights, including those for those with special needs. After distinguishing children from adolescents, conceptualizing disability, analyzing the reflexes of the mentioned principles, in particular, we analyzed positive rights in the Minorist Statute. The bibliographic and inductive methods were used. The purpose of the article is to know the rights of children and adolescents with special needs that are foreseen in the backdated Statute, its origins, evolution and effectiveness.

Key words: ECA, integral protection, absolute priority, disability, rights.

Sumário: Introdução. 1. Definição de criança e adolescente. 2. Princípios da proteção integral e da prioridade absoluta. 3. Deficiência. 4. Direitos das crianças e adolescentes com necessidades especiais. Considerações finais. Referências.

Introdução

Necessária se faz a proteção de crianças e adolescentes, especialmente se tais pessoas em desenvolvimento possuírem necessidade especiais. Para que se possa pensar em efetividade de tal proteção, necessário se faz o estudo dos direitos da criança e adolescente com necessidades especiais. Para tanto, será dado maior destaque ao Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA.

Para isso foi necessário, em princípio, conceituar criança e adolescente por meio de análise das características biológicas utilizadas de modo geral, e pelo critério da idade, utilizado pela legislação menorista pátria. Partindo deste ponto, analisam-se os princípios que regem o ECA, enfatizando a doutrina da proteção integral e da prioridade absoluta.

Feito isso, foram apresentadas as definições de deficiência, para posteriormente analisarmos os dispositivos legais que tutelam os direitos destas crianças, com breve relato de suas origens, para chegar-se até o presente Estatuto da Criança e do Adolescente, que promove proteção específica tendo em vista a condição de vulnerabilidade e desenvolvimento diferenciada, decorrentes das necessidades especiais, e com base no princípio da isonomia.

1 Definição de Criança e Adolescente

Entende-se por criança um ser humano que ainda não chegou à puberdade, encontra-se na infância e tem poucos anos de vida. São inúmeros os conceitos de criança e infância em para esta distinção, necessário se faz a observação de características universais, quais sejam: “(…) fragilidade, necessidade de atenção e cuidados especiais, como alimentação e cuidados físicos, requerendo esses cuidados durante muito tempo” (FRANCO, 2006, p. 30). Frisa-se que estas concepções variam de acordo a sociedade e a época. De forma ampla, infância envolve todas as idades da criança: “(…) desde que é um recém-nascido até à pré-adolescência, passando pela fase de bebê e de infância média” (FRANCO, 2006. p. 30). A proxima fase de desenvolvimento é a puberdade, que se trata de um fenômeno biológico de mudanças morfológicas e fisiológicas “(…) resultantes da reativação dos mecanismos neuro-hormonais do eixo hipotalâmico-hipofisário-adrenal-gonadal” (TANNER, 1962 apud EISENSTEIN, 2005, online). São mudanças corporais que se iniciam na fase fetal, e finaliza com completo desenvolvimento físico e fisiológico do ser humano.

De acordo com Tanner (1962 apud EISENSTEIN, 2005, online):

“Adolescência é o período de transição entre a infância e a vida adulta, caracterizado pelos impulsos do desenvolvimento físico, mental, emocional, sexual e social e pelos esforços do indivíduo em alcançar os objetivos relacionados às expectativas culturais da sociedade em que vive. A adolescência se inicia com as mudanças corporais da puberdade e termina quando o indivíduo consolida seu crescimento e sua personalidade, obtendo progressivamente sua independência econômica, além da integração em seu grupo social”.

A OMS – Organização Mundial da Saúde define limites cronológicos da adolescência entre 10 e 19 anos, e a ONU – Organização das Nações Unidas entre 15 e 24 anos, critérios utilizados para fins estatísticos e políticos. O período de 20 a 24 anos é utilizado para definir os termos jovens e adultos.

No Brasil, o Ministério da Saúde limita a adolescência em indivíduos entre 10 e 24 anos, e a maioridade é determinada aos 18 anos (IBGE, 2004). O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/1990) determina, em seu art. 2º, que criança é a pessoa até 12 anos de idade incompletos, enquanto adolescente é a pessoa em desenvolvimento que se encontra na faixa etária de 12 a 18 anos de idade (BRASIL, 1990). O referido diploma legal conceitua a criança e o adolescente apenas pela idade, sem levar em conta os aspectos psicológico e social. Assim, em uma análise do texto legal, Crepaldi (s/d, online) explica cada parte do dispositivo:

“Art. 2º Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade.

Considera-se criança: Indivíduo em desenvolvimento, onde começa o desenvolvimento físico e psicológico, adquire o conceito para sua personalidade. (…) a pessoa até doze anos de idade incompletos”: de 0 (zero) á 11(onze) anos, 11(onze) meses e 29 (vinte e nove) dias, ou seja, um dia antes de completar 12 anos.

(…) adolescente” Indivíduo em formação, onde é visível o desenvolvimento físico e psicológico, fase de transição da infância para fase adulta. “aquela entre doze e dezoito anos de idade”: de 12(doze) á 17(dezessete) anos, 11(onze) meses e 29 (vinte e nove) dias, ou seja, um dia antes de completar 18 anos”.

Importante frisar que existem previsões no ECA, para casos excepcionais, onde a proteção deste dispositivo se estende até os 21 anos, elencados nos artigos 121 a 142, de acordo com parágrafo único do art. 2º: “Nos casos expressos em lei, aplica-se excepcionalmente este Estatuto às pessoas entre 18 (dezoito) e 21 (vinte e um) anos de idade”.

2 PRINCÍPIOS DA PROTEÇÃO INTEGRAL E DA PRIORIDADE ABSOLUTA

Antes de adentrarmos no conteúdo específico, nos cumpre verificar o significado de princípio no ordenamento jurídico brasileiro. Reale (1991, p. 300) leciona: “(…) princípios são certos enunciados lógicos admitidos como condição ou base de validade das demais asserções que compõem dado campo do saber”.

Para Mello (apud FONSECA, 2014, online):

“Princípio é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo lhes o espírito e servindo de critério para a sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo”.

Entende-se, portanto, que princípios relacionam-se às fontes do direito, bem como valores sociais consagrados, limitando regras, preenchendo lacunas, e servindo de parâmetros para a aplicação da justiça. E nesse sentido, o ECA, em conjunto com a Constituição Federal de 1988, apresentou princípios fundamentais em relação à criança e o adolescente embasado na doutrina da proteção integral, quais sejam: a) Prioridade Absoluta, art. ; b) Prevalência dos interesses, art. ; c) Brevidade e Excepcionalidade, art. 121; d) Sigilosidade, art. 143; e) Gratuidade, art. 141; f) Convivência Familiar, art. 19, todos do mesmo diploma legal. Entretanto, para os objetivos do presente trabalho, será dado ênfase aos princípios da proteção integral e da prioridade absoluta (FONSECA, 2014).

Em tempos passados, sob a vigência do Código de Menores, prevalecia a doutrina da situação irregular, onde a criança e o adolescente só recebiam atenção quando se encontravam em situação irregular. Com a norma ordem constitucional instaurada pela Lei Maior de 1988, surge à doutrina da proteção integral, posteriormente consolidada pelo ECA em 1990 (PADILHA, 2005).

De acordo com Pereira (2000), a origem do princípio da prioridade da criança e do adolescente, está ligada ao instituto do parens patrie, que conferia a prerrogativa ao Rei, no século XIV, na Inglaterra, de proteger ou não incapazes, e no século XVIII, as cortes passaram a diferenciar a proteção das crianças dos doentes mentais.

Dispunha-se na Declaração de Genebra em 1924, “(…) necessidade de proclamar à criança uma proteção especial”. Posteriormente em 1948, a Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas, previa para a criança “(…) o direito a atendimento e cuidados especiais” (SILVEIRA, 2014. online).

A Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas – ONU em 1959 determinava junto na Declaração Internacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (EBC, 2012, online):

“A criança gozará de proteção especial e disporá de oportunidades e serviços, a serem estabelecidos em lei, por outros meios, de modo que possa se desenvolver física, mental, moral, espiritual e socialmente de forma saudável e normal, assim como em condições de liberdade e dignidade. Ao promulgar leis com este fim, a consideração fundamental a que se atenderá será o interesse superior da criança”.

Em 1989, a Assembleia das Nações Unidas aprovou a Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, dispôs em seu art. 3º (ROSEMBERG; MARIANO, 2010, online):

“Todas as ações relativas às crianças, levadas a efeito por instituições públicas ou privadas de bem-estar social, tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, devem considerar, primordialmente, o maior interesse da criança”.

Tais dispositivos legais internacionais mudaram a visão da criança e do adolescente como objetos de tutela, mas sim, como sujeitos de direitos, conforme leciona Veronese (1997, online):

“A Convenção situa a criança dentro de um quadro de garantia integral, evidencia que cada país deverá dirigir suas políticas e diretrizes tendo opor objetivo priorizar os interesses das novas gerações; pois a infância passa a ser concebida não mais como um objeto de “medidas tuteladoras”, o que implica reconhecer a criança e o adolescente sob a perspectiva de sujeito de direitos”.

Os princípios da proteção integral e prioridade absoluta foram inseridos no ordenamento jurídico brasileiro, visto ser signatário destes tratados, por meio da Constituição Federal, reconhecendo a primazia do interesse da criança e do adolescente (BRASIL, 1988):

“Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

§ 1º O Estado promoverá programas de assistência integral à saúde da criança, do adolescente e do jovem, admitida a participação de entidades não governamentais, mediante políticas específicas e obedecendo aos seguintes preceitos:

I – aplicação de percentual dos recursos públicos destinados à saúde na assistência materno-infantil;

II – criação de programas de prevenção e atendimento especializado para as pessoas portadoras de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de integração social do adolescente e do jovem portador de deficiência, mediante o treinamento para o trabalho e a convivência, e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de obstáculos arquitetônicos e de todas as formas de discriminação.

§ 2º A lei disporá sobre normas de construção dos logradouros e dos edifícios de uso público e de fabricação de veículos de transporte coletivo, a fim de garantir acesso adequado às pessoas portadoras de deficiência.

§ 3º O direito a proteção especial abrangerá os seguintes aspectos:

I – idade mínima de quatorze anos para admissão ao trabalho, observado o disposto no art. 7º, XXXIII; (…)

§ 4º A lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente. (…)

§ 7º No atendimento dos direitos da criança e do adolescente levar-se- á em consideração o disposto no art. 204.

§ 8º A lei estabelecerá:  

I – o estatuto da juventude, destinado a regular os direitos dos jovens;(…)”

Conforme já mencionado, com a promulgação do ECA (BRASIL, 1990), enfatizou-se em seu art. 3º os direitos fundamentais das pessoas em desenvolvimento, somados à sua proteção integral (MAYARA, s/d, online).

“Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade”.

Tal é a importância do princípio da proteção integral que Rossato, Lépore e Cunha o consideram como um metaprincípio:

“(…) o metaprincípio da proteção integral orienta a prescrição de direitos às pessoas em desenvolvimento, e impõe deveres à sociedade, de modo a consubstanciar um status jurídico especial às crianças e adolescentes. Mesmo sendo “pessoa em desenvolvimento”, têm, a criança e o adolescente, direito de manifestarem oposição e exercerem seus direitos em face de qualquer pessoa, inclusive seus pais. A proteção integral revela, pois, que crianças e adolescentes são “titulares de interesses subordinantes frente à família, à sociedade e ao Estado”, indicando-se um “conjunto de normas jurídicas concebidas como direitos e garantias frente ao mundo adulto” (2012, p. 77)

A lei menorista adotou o critério cronológico, onde as crianças em situação de risco estão sujeitas às medidas protetivas, enquanto os adolescentes a medidas socioeducativas e medidas de proteção. A proteção integral está prevista no art. 1º: “Esta Lei dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente”, garantindo assim proteção a direitos "comuns", e a outros consequência da condição de fragilidade e desenvolvimento a eles inerentes.

Segundo Silveira (2014, online):

“No Brasil, o princípio da proteção integral da criança e do adolescente tem como marco de origem legal a Constituição Federal de 1988, mais precisamente o seu dispositivo 227. Nele o constituinte estabeleceu como dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.

O princípio da proteção integral é à base do direito da criança e do adolescente, resultando desta forma, a prioridade absoluta de seus direitos, “(…) devendo permear todo tipo de interpretação em casos que envolvam a infância e a juventude” (SOUZA, s/d., online).

Neste sentido Cury, Garrido & Marçura (2002, p. 21) explicam:

“A proteção integral tem como fundamento a concepção de que crianças e adolescentes são sujeitos de direitos, frente à família, à sociedade e ao Estado. Rompe com a ideia de que sejam simples objetos de intervenção no mundo adulto, colocando-os como titulares de direitos comuns a toda e qualquer pessoa, bem como de direitos especiais decorrentes da condição peculiar de pessoas em processo de desenvolvimento”.

Trata-se, portanto, a proteção integral de um conjunto de direitos ligados diretamente à criança e ao adolescente, e concretiza-se pelo comportamento positivo do Estado, sociedade e família, uma vez que não tem capacidade por si só de buscar seus direitos, e necessitam de terceiros que resguardem:

“(…) seus bens jurídicos fundamentais, consagrados na legislação específica, até que se tornem plenamente desenvolvidos físico, mental, moral, espiritual e socialmente” (SILVEIRA, 2014, online).

Paralelamente, no mesmo art. 227 da Constituição Federal, institui-se no ordenamento jurídico brasileiro, o princípio da prioridade absoluta, que marca “(…) mudança das lentes utilizadas pela legislação brasileira para enxergar a infância”, focando a criança e o adolescente em sua condição de desenvolvimento, que necessitam de proteção integral e prioridade absoluta, para ter garantido sem melhor interesse (KAMINSKI, 2014, online).

O art. 100, II do ECA dispõe expressamente também sobre a proteção integral (BRASIL, 1990):

“Art. 100. Na aplicação das medidas levar-se-ão em conta as necessidades pedagógicas, preferindo-se aquelas que visem ao fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários.

Parágrafo único. São também princípios que regem a aplicação das medidas:

I – condição da criança e do adolescente como sujeitos de direitos: crianças e adolescentes são os titulares dos direitos previstos nesta e em outras Leis, bem como na Constituição Federal;

II – proteção integral e prioritária: a interpretação e aplicação de toda e qualquer norma contida nesta Lei deve ser voltada à proteção integral e prioritária dos direitos de que crianças e adolescentes são titulares; (…)”

Entende-se, assim, que os artigos 227, da Constituição Federal (BRASIL, 1988) e 100, do ECA (BRASIL, 1990(, que cabe a família, sociedade e ao Estado assegurar a criança e ao adolescente com prioridade absoluta:

“(…) direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e a convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão” (PADILHA, 2005, online).

Em busca pelo conceito de prioridade, chegou-se ao contexto que se trata de:

“(…) condição do que é o primeiro em tempo, ordem, dignidade; possibilidade legal de passar à frente dos outros; preferência, primazia; condição do que está em primeiro lugar em importância, urgência, necessidade, premência” (HOUAISS, s/d, online).

A mesma obra define o termo absoluto como:

“(…) aquele que não sofre nem comporta restrição ou reserva; inteiro, infinito; que não admite condições, obrigações, limites; incondicional; que não permite contestação ou contradição; imperioso; único, superior a todos os demais” (HOUAISS, s/d, online).

Importante à soma de ambos os termos para entender o princípio da absoluta prioridade como “(…) a primazia incondicional dos interesses e direitos relativos à infância e juventude” (MAYARA s/d, online). Vê-se que o art. 6º do ECA (BRASIL, 1990) é claro sob este aspecto:

“Art. 6º. Na interpretação desta Lei levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento”.

Justamente pela condição de desenvolvimento em que se encontram a criança e o adolescentes, bem como a fragilidade inerente a estes, que é primordial a garantia de direitos especiais. Neste sentido Albegaria (1991 apud SILVEIRA, 2014, online) liga o princípio da prioridade absoluta ao da humanidade, que é baseado no sentimento de solidariedade social, “típica do estado Democrático de Direito”. Liberati (1991, p. 45), disserta sobre o princípio:

“Por absoluta prioridade, devemos entender que a criança e o adolescente deverão estar em primeiro lugar na escala de preocupação dos governantes; devemos entender que, primeiro devem ser atendidas todas as necessidades das crianças e adolescentes (…)”.

E o ECA, em seu artigo 4º, elenca a prioridade absoluta (BRASIL, 1990):

“Art. 4º.É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende:

a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias;

b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública;

c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas;

d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude”.

Dallari (2010, p. 45) explica, que o item “a”, do parágrafo único, frisa que em situação de risco, a criança e adolescente tem prioridade no salvamento.

“Isso pode ocorrer, por exemplo, numa situação de perigo como, também, nos casos de falta ou escassez de água, alimentos ou abrigo, ou então nas hipóteses de acidente ou calamidade. Em todos esses casos, e sempre que houver a possibilidade de opção, as crianças e os adolescentes devem ser protegidos e socorridos em primeiro lugar”.

Na sequencia, Dallari (2010, p. 45) disserta sobre o item “b”, que prevê atendimento prioritário da criança e do adolescente em serviços públicos cujo objetivo é garantia de seus direitos.

“A precedência estabelecida em favor da criança e do adolescente tem como fundamentos sua menor resistência em relação aos adultos e suas reduzidas possibilidades numa competição para o recebimento de serviços. Por força da lei o próprio prestador dos serviços deve assegurar aquela precedência, não permitindo que um adulto egoísta e mal-educado procure prevalecer-se de sua superioridade física”.

Em relação ao item “c”, o autor explica que todas as políticas públicas devem ser criadas levando-se em consideração os direitos da criança e do adolescente:

“Tanto a formulação quanto a execução das políticas sociais públicas exigem uma ação regulamentadora e controladora por parte dos órgãos do Poder Executivo, a par da fixação de planos e da realização de serviços. No desempenho de todas essas atividades deverá ser, obrigatoriamente, dada precedência aos cuidados com a infância e a juventude” (DALLARI, 2010, p. 45).

Em tese, o item “d” dispõe que não deve existir quaisquer investimentos na área de esporte, lazer, cultura, e afins, sem que estejam garantidos a criança e ao adolescente estrutura nas áreas da educação e principalmente saúde (ISHIDA, 2013)

No mesmo sentido, completa Dallari (2010, p. 47):

“Essa exigência legal é bem ampla e se impõe a todos os órgãos públicos competentes para legislar sobre a matéria, estabelecer regulamentos, exercer controle ou prestar serviços de qualquer espécie para promoção dos interesses e direitos de crianças e adolescentes. A partir da elaboração e votação dos projetos de lei orçamentária já estará presente essa exigência. Assim, também, a tradicional desculpa de ‘falta de verba’ para a criação e manutenção de serviços não poderá mais ser invocada com muita facilidade quando se tratar de atividade ligada, de alguma forma, a crianças e adolescentes”.

Se faz necessário o fortalecimento da família, garantindo assim um bom convívio, e desenvolvimento da criança e do adolescente. Por outro lado, trata-se o ECA de um documento avançado em direitos humanos, direcionado a estes. Entretanto, isso não é suficiente, se não forem elaborados e implantadas políticas públicas que garantam estes direitos, priorizando-os de maneira efetiva (PADILHA, 2005).

3 DEFICIÊNCIA

De acordo com a Convenção Internacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência – promulgada em território nacional pelo Decreto nº 6.949/2009, em seu art. 1 – Propósito (BRASIL, 2009):

“(…) as pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, com interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas”.

O Decreto 3298/99, que regulamentou a Lei 7853/89, em seu art. 3º define deficiência como (BRASIL, 1999):

“Art. 3 Para os efeitos deste Decreto, considera-se:

I – deficiência – toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica que gere incapacidade para o desempenho de atividade, dentro do padrão considerado normal para o ser humano;

II – deficiência permanente – aquela que ocorreu ou se estabilizou durante um período de tempo suficiente para não permitir recuperação ou ter probabilidade de que se altere, apesar de novos tratamentos; e

III – incapacidade – uma redução efetiva e acentuada da capacidade de integração social, com necessidade de equipamentos, adaptações, meios ou recursos especiais para que a pessoa portadora de deficiência possa receber ou transmitir informações necessárias ao seu bem-estar pessoal e ao desempenho de função ou atividade a ser exercida”.

O art. 4º da referida Lei (BRASIL, 1989), dispõe sobre as categorias de deficiência, determinando quem pode ser reputado como deficiente:

“Art. 4 É considerada pessoa portadora de deficiência a que se enquadra nas seguintes categorias:

I – deficiência física – alteração completa ou parcial de um ou mais segmentos do corpo humano, acarretando o comprometimento da função física, apresentando-se sob a forma de paraplegia, paraparesia, monoplegia, monoparesia, tetraplegia, tetraparesia, triplegia, triparesia, hemiplegia, hemiparesia, ostomia, amputação ou ausência de membro, paralisia cerebral, nanismo, membros com deformidade congênita ou adquirida, exceto as deformidades estéticas e as que não produzam dificuldades para o desempenho de funções;

II – deficiência auditiva – perda bilateral, parcial ou total, de quarenta e um decibéis (dB) ou mais, aferida por audiograma nas frequências de 500HZ, 1.000HZ, 2.000Hz e 3.000Hz;

III – deficiência visual – cegueira, na qual a acuidade visual é igual ou menor que 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; a baixa visão, que significa acuidade visual entre 0,3 e 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; os casos nos quais a somatória da medida do campo visual em ambos os olhos for igual ou menor que 60o; ou a ocorrência simultânea de quaisquer das condições anteriores;

IV – deficiência mental – funcionamento intelectual significativamente inferior à média, com manifestação antes dos dezoito anos e limitações associadas a duas ou mais áreas de habilidades adaptativas, tais como: a) comunicação; b) cuidado pessoal; c) habilidades sociais; d) utilização dos recursos da comunidade; e) saúde e segurança; f) habilidades acadêmicas; g) lazer; e h) trabalho;

V – deficiência múltipla – associação de duas ou mais deficiências”.

Observa-se, no entanto, que a Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência é hierarquicamente superior e posterior à Lei 7853/89 e ao Decreto 3298/89, e tem conceito mais fundamentado, além considerar a deficiência não como condição física, mas na relação entre o indivíduo portador de necessidades especiais com as barreiras existentes no meio em que vive, que, consequentemente, dificultam sua convivência social, enquanto os demais dispositivos legais focam o indivíduo com deficiência como aquele que está fora dos padrões considerados normais para os seres humanos (TIBYRICÁ, 2012, online).

Conforme explica Tibyricá (2012 online)

“A Convenção dá um grande passo, pois passa do modelo médico para o modelo social e nos remete a CIF (Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde) da Organização Mundial de Saúde (OMS) de 2001, que permite descrever situações relacionadas com a funcionalidade do ser humano e suas restrições”.

A Lei Brasileira de Inclusão Lei 13.146/2015 concretizou na esfera da legislação ordinária o denominado modelo social de deficiência, estabelecendo em seu art. 2º, um conceito aberto e dinâmico, dependendo sua aplicação da análise do caso concreto (BRASIL, 2015):

“Art. 2o Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas”.

Neste sentido, Leite & Ferraz (2015, online) dissertam:

“É preciso destacar, antes de mais nada, que a lei distingue a limitação funcional apresentada pela pessoa da deficiência. A ausência de visão, a surdez ou a condição física do cadeirante, por exemplo, são limitações funcionais, reconhecidas como atributos da pessoa e inerentes à diversidade humana. A deficiência, por sua vez, tem caráter relacional, por consistir na interação de tais atributos com barreiras existentes no meio social, cujo resultado é a dificuldade ou o impedimento para o acesso e exercício de direitos em igualdade de condições com as demais pessoas”.

Entende-se que a deficiência “(…) decorre da incapacidade de toda a sociedade em se organizar adequadamente para ensejar a convivência de pessoas que estão fora dos padrões dominantes” (LEITE & FERRAZ, 2015, online). Desta forma, cabe ao Estado eliminar tais obstáculos, proporcionando assim a participação destes indivíduos na vida em sociedade, que enfrentam ainda do mal da invisibilidade, e provocam reações que oscilam entre pena e ojeriza, fruto da ignorância, do preconceito.

Em 2013, o IBGE chegou à conclusão que “(…) 6,2% da população brasileira tem algum tipo de deficiência”, levando em consideração as deficiências auditiva, visual, física e intelectual (VILLELA, 2015, online). População que, consequência de conceitos ultrapassados, que veem a deficiência como mero defeito ou imperfeição, ignorando o ser humano em sua essência.

4 Direitos das Crianças e Adolescentes Portadores de Necessidades Especiais

Como já citado, em 1924 surge à primeira manifestação em prol dos direitos das crianças, e em 1959 de forma efetiva com a Declaração Universal dos Direitos da Criança, que dispõe de 10 princípios que denotam a preocupação com crianças, em decorrência da condição de fragilidade e desenvolvimento. Tais princípios preveem igualdade, proteção integral, direito a alimentação, moradia, assistência médica adequadas, previdência social, educação e cuidados especiais para crianças física ou mentalmente deficientes, devendo ser observado, direito a amor, compreensão, educação, lazer, prioridade, proteção contra abandono e exploração, solidariedade, compreensão, amizade e justiça entre povos.

Em que pese que a condição de uma criança portadora de necessidades especiais a coloca em situação desfavorável em relação àquela que não possui limitações físicas ou mentais, o princípio da igualdade garante os mesmos direitos.

Os direitos refletem necessidades básicas das crianças, mas o as diferem é a responsabilidade, assim quando se baseia nos direitos denotam a obrigação, o dever do Estado em garanti-los. Como já dito, os direitos das crianças e adolescentes, tendo em vista o princípio da igualdade, dizem respeito também às pessoas em desenvolvimento com deficiência, e não podem ser implantados separadamente. Neste sentido:

“Todos os direitos são indivisíveis e estão correlacionados, sendo todos eles inerentes à dignidade humana da criança. A aplicação de cada artigo disposto na Convenção deve portanto levar em conta a aplicação de (e o respeito por) muitos outros direitos da criança” (UNICEF, 1999, online).

A Convenção possui quatro princípios gerais que lhe dá sustentação, quais sejam: a) não discriminação, no art. 2.º; b) interesse superior da criança, no art. 3.º; c) sobrevivência e o desenvolvimento, no art. 6.º; d) respeito pelas opiniões da criança, no art. 12 (ALBERNAZ JR; FERREIRA, s/d, online).

Cita-se ainda: a) direito a vida, sobrevivência, desenvolvimento, art. 6º; b) direito a nome e nacionalidade, art. 7º; c) não ser discriminado, art.4); d) cuidados dos pais, no art.9); e) liberdade de expressão e informação, pensamento, consciência e religião, associação e reunião pacífica, nos arts.14 e 15; f) vida privada, honra e reputação, no art.16); g) instrução, no art.28); h) repouso e ao lazer, de acordo com art.31); i) tratamento que considere a condição da idade em caso de infração penal, conforme art. 40 (CONTINI, s/d, online).

Embora os direitos não possam ser implementados separadamente, o que se vê na prática é diferente, como por exemplo, na educação, onde a criança e o adolescente sofre com a discriminação, visto que leis, políticas de ensino, sistema de ensino, comportamento de profissionais, e a própria comunidade, resultando na segregação se não se adaptarem (ALBERNAZ JR; FERREIRA, s/d, online).

Viola diretamente uma educação apropriada às aptidões da criança, e a não discriminação, respectivamente artigos 29 e 2º. A dificuldade de locomoção, a existência de cuidados especiais, dispositivos adequados, violam o art. 23, que prevê a necessidade de remoção de obstáculos ao acesso (ALBERNAZ JR; FERREIRA, s/d, online). É disposto, ainda, que o Estado deverá garantir dignidade, vida plena, participação social ativa, educação, promovendo condições seguras, cooperação internacional, assistência médica preventiva, “orientação aos pais e a educação e serviços de planejamento familiar, inclusive reconhecendo a todas as crianças o direito de usufruir da previdência social e do seguro social”, nos artigos 23 a 27 (ALBERNAZ JR; FERREIRA, s/d, online).

A Declaração Universal dos Direitos das Crianças – UNICEF (1959, online) dispõe:

Princípio IV

– A criança deve gozar dos benefícios da previdência social. Terá direito a crescer e desenvolver-se em boa saúde; para essa finalidade deverão ser proporcionados, tanto a ela, quanto à sua mãe, cuidados especiais, incluindo-se a alimentação pré e pós-natal. A criança terá direito a desfrutar de alimentação, moradia, lazer e serviços médicos adequados.

Direito à educação e a cuidados especiais para a criança física ou mentalmente deficiente.

Princípio V

– A criança física ou mentalmente deficiente ou aquela que sofre da algum impedimento social deve receber o tratamento, a educação e os cuidados especiais que requeira o seu caso particular.

Direito ao amor e à compreensão por parte dos pais e da sociedade.

A Constituição Federal (BRASIL, 1988), em seu art. 203, V, que foi regulado pela Lei 8.742/93 e Decreto Lei 1.744/95 (ALBERNAZ JR; FERREIRA, s/d, online) estabelece o direito a benefício previdenciário no valor de um salário mínimo, a todo portador de necessidades especiais, cuja família não tenha como mantê-lo.

“Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos.(…)

V – a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei”.

Embora o referido valor não seja suficiente para garantir alimentação, acompanhamento médico, medicamentos, entre outros, pode o deficiente contar com certo auxílio. O art. 20, §§ 2º, 3º e 6º da Lei 8.742/93, conceitua no § 2º a pessoa deficiente como o individuo que possua “impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial”. Já o § 3º dispõe sobre a incapacidade de garantir a subsistência do deficiente, a família que percebe renda mensal per capta inferior a ¼ do salário mínimo (BRASIL, 1993).

“Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. (…)

§ 2o Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.

§ 3o Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. (…)

§ 6º A concessão do benefício ficará sujeita à avaliação da deficiência e do grau de impedimento de que trata o § 2o, composta por avaliação médica e avaliação social realizadas por médicos peritos e por assistentes sociais do Instituto Nacional de Seguro Social – INSS. (…)”

Com fundamento no § 6º do referido dispositivo, o INSS – Instituto Nacional de Seguro Social, concede o benefício se preenchidos tais requisitos, a avaliação médica e social, para comprovar a deficiência e hipossuficiência, por isso trata-se de “requisito objetivo e de observância obrigatória para a concessão do benefício assistencial” (GONÇALVES, 2015, online). O autor explica:

“No que pese a literalidade do dispositivo legal e o entendimento defendido pelo INSS, mesmo após a declaração de constitucionalidade do dispositivo pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADIN 1.242 em 1998, várias decisões judiciais continuaram sendo proferidas sem levar em conta o requisito objetivo da renda per capita de um quarto do salário mínimo para considerar a miserabilidade e consequente concessão do benefício assistencial”.

Pode-se observar este posicionamento dos tribunais, de acordo, inicialmente com a súmula 29 da Turma Nacional de Uniformização de Jurisprudência dos Juizados Especiais Federais (2006, online) diz que:

“Para os efeitos do art. 20, § 2º, da Lei n. 8.742, de 1993, incapacidade para a vida independente não é só aquela que impede as atividades mais elementares da pessoa, mas também a impossibilita de prover ao próprio sustento”.

A Súmula 30, editada pela Advocacia Geral da União (AGU, 2014), dispõe que:

“A incapacidade para prover a própria subsistência por meio do trabalho é suficiente para a caracterização da incapacidade para a vida independente, conforme estabelecido no art. 203, V, da Constituição Federal, e art. 20, II, da Lei nº 8.742, de 07 de dezembro de 1993”.

O STF decidiu em 1998, na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.232, com o Ministro Ilmar Galvão como Relator, que o § 3º, do art. 20 da Lei 8.742/1993, pela constitucionalidade do dispositivo, ou seja, o requisito do valor de ¼ do salário mínimo para concessão do beneficio é valido, é obrigatório. Posteriormente, a partir de abril de 2013, o STF reviu sua posição, julgando tal requisito inconstitucional, por meio dos Recursos Extraordinários nº 567.985 e 580.963, e da Reclamação nº 4.374 (GONÇALVES, 2015, online).

Segue ementa parcial do Recurso Extraordinário 567.985, julgado pelo Supremo Tribunal Federal:

“O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever anteriores posicionamentos acerca da intransponibilidade dos critérios objetivos. Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro). 4. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993” (RE 567.985, Relator Ministro Marco Aurélio, Supremo Tribunal Federal, Plenário 18/04/2013).

Em 2014, a AGU editou Instrução Normativa nº 04, com objetivo de orientar os procuradores federais do INSS, a desistir ou sequer interpor recursos para decisões favoráveis à concessão do beneficio previsto no art. 20 da Lei nº 8.742/1993, com base na “comprovação de miserabilidade por outros meios além do requisito objetivo previsto no parágrafo 3º” (GONÇALVES, 2015, online).

Portanto, em que pese que a lei determine requisitos objetivos para a concessão do beneficio junto ao INSS, para pessoas portadoras de necessidades especiais, cujas famílias não tenham condições de sustento, e de decisões ainda controversas, a caracterização da deficiência já suficiente para comprovar impossibilidade do individuo para trabalhar, tendo direito ao benefício assistencial.

Finalmente, o ECA não mais albergou a doutrina da situação irregular, que dava atenção apenas às crianças que não se enquadravam em padrões sociais. Adotou, portanto, a doutrina de Proteção Integral, fortalecendo ainda mais os direitos humanos inerentes às pessoas em desenvolvimento, transformando esses indivíduos em sujeitos de direitos.

O ECA assegura os direitos da criança e do adolescente portadores de necessidades especiais, visando ampará-los em suas necessidades, diminuindo a exclusão social e o preconceito, quais sejam (BRASIL, 1990).

Visível relação entre o art. 227 da Constituição (BRASIL, 1988) e o art. 4º do ECA (BRASIL, 1990), que veio a incorporar a doutrina de proteção integral, presente no caput do artigo, ao principio da prioridade absoluta, e dispõe sobre os deveres da família, sociedade e Estado na garantia dos direitos fundamentais da criança e do adolescente, caracterizando-se a integralidade por meio da diversidade de direitos tutelados, que se estendem aos portadores de necessidades especiais.

“Art. 4º. É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e convivência familiar e comunitária”.

O direito à vida e à saúde, entre outros, receberam status de direitos fundamentais na Constituição Federal, e objetivam resguardar a dignidade da pessoa, e encontram-se protegidos no já citado art. 227 da CF (BRASIL, 1988) e no art. 7º do ECA (BRASIL, 1990), estrategicamente ali inseridos, para ficarem em um patamar superior aos demais direitos fundamentais.

Trata-se o direito a vida de pressuposto da personalidade e do sujeito de direitos, e sem ela, o individuo não pode usufruir de quaisquer outros direitos, como educação, convívio familiar, etc. Tal garantia se estende aos nascituros, por meio de imposição ao Estado no dever de promover serviços e programas de assistência pré e pós-natal.

Com relação à saúde, direito de todos e dever do Estado, que deve ser fornecida por meio da rede pública de saúde. Assim, o nascimento e desenvolvimento saudável e digno de crianças e adolescentes, é o que caracteriza a proteção integral. O art. 7º relaciona o direito à vida e o direito à saúde da criança e do adolescentes, mas impõe que sejam realizados em condições dignas.

“Art. 7º. A criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência”.

O art. 10, ECA (BRASIL, 1990), garante atendimento adequado para a gestante e o recém nascido, observando o principio da proteção integral, desde o início da vida.

“Art. 10. Os hospitais e demais estabelecimentos de atenção à saúde de gestantes, públicos e particulares, são obrigados a:

III – proceder a exames visando ao diagnóstico e terapêutica de anormalidades no metabolismo do recém-nascido, bem como prestar orientação aos pais”.

O artigo 11 do ECA (BRASIL, 1990) reafirma o direito à saúde enquanto direito social, conforme dispõe o art. 6º da CF, e que é obrigação do Estado em garantir isso, por meio de politicas sociais e econômicas que objetivam prevenir e fornecer tratamento médico adequado, conforme art. 196, CF (BRASIL, 1988), voltados especificamente à criança e ao adolescente, e o § 1º determina tratamentos específicos para crianças e adolescentes portadores de necessidades especiais.

“Art. 11. É assegurado atendimento integral à saúde da criança e do adolescente, por intermédio do Sistema Único de Saúde, garantido o acesso universal e igualitário às ações e serviços para promoção, proteção e recuperação da saúde.

§ 1º A criança e o adolescente portadores de deficiência receberão atendimento especializado.

§2º Incumbe ao poder público fornecer gratuitamente àqueles que necessitarem os medicamentos, próteses e outros recursos relativos a tratamento, habilitação e reabilitação”.

O art. 54 do ECA (BRASIL, 1990) dispõe sobre o direito da criança e do adolescente sobre o direito à educação, e observa-se que o inciso III assegura ao portador de necessidades especiais atendimento preferencial

“Art. 54. É dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente:(…)
III – atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino;(…)”

O art. 66 dispõe sobre o direito do adolescente à inserção no mercado de trabalho, logo, há de se promover políticas públicas que garantam esse direito: “Art. 66. Ao adolescente portador de deficiência é assegurado trabalho protegido”.

Entende-se por “linhas de ação da política de atendimento” como espaços para ações do ser humano necessárias para se atingir os fins sociais determinados no ECA, ou seja, dizem respeito a um conjunto de ações sociais e estatais.

“Art. 87. São linhas de ação da política de atendimento:(…)
VII – campanhas de estímulo ao acolhimento sob forma de guarda de crianças e adolescentes afastados do convívio familiar e à adoção, especificamente inter-racial, de crianças maiores ou de adolescentes, com necessidades específicas de saúde ou com deficiências e de grupos de irmãos.
(Incluído pela Lei nº 12.010/2009)(…)”

Trata-se o art. 112 do ECA de dispositivo que elencam taxativamente medidas de socioeducativas, e protetivas para adolescentes infratores, e impõe em seu § 3º tratamento diferenciado, de forma individual e especializada para aqueles que são portadores de necessidades especiais.

“Art. 112. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas:

I – advertência;

II – obrigação de reparar o dano;

III – prestação de serviços à comunidade;

IV – liberdade assistida

V – inserção em regime de semiliberdade;

VI – internação em estabelecimento educacional;

VII – qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI.(…)

§ 3º Os adolescentes portadores de doença ou deficiência mental receberão tratamento individual e especializado, em local adequado às suas condições”.

O art. 197-C dispõe sobre a necessidade de pessoal qualificado em processos de adoção, que auxiliam na convicção do juiz, por meio de elaboração de estudo psicossocial com intuito de identificar a capacidade emocional os interessados em adotar, com base nos princípios norteadores do ECA.

 “Art. 197-C. Intervirá no feito, obrigatoriamente, equipe interprofissional a serviço da Justiça da Infância e da Juventude, que deverá elaborar estudo psicossocial, que conterá subsídios que permitam aferir a capacidade e o preparo dos postulantes para o exercício de uma paternidade ou maternidade responsável, à luz dos requisitos e princípios desta Lei.

§ 1º É obrigatória a participação dos postulantes em programa oferecido pela Justiça da Infância e da Juventude preferencialmente com apoio dos técnicos responsáveis pela execução da política municipal de garantia do direito à convivência familiar, que inclua preparação psicológica, orientação e estímulo à adoção inter-racial, de crianças maiores ou de adolescentes, com necessidades específicas de saúde ou com deficiências e de grupos de irmãos. (…)”

O art. 208 elenca exemplificativamente ações que desrespeitam os direitos das crianças e adolescentes, seja pelo não oferecimento de serviços públicos que visem a proteção integral destes, seja pelo fornecimento irregular, como no inciso II, que diz respeito especificamente aos portadores de necessidades especiais. 

“Art. 208. Regem-se pelas disposições desta Lei as ações de responsabilidade por ofensa aos direitos assegurados à criança e ao adolescente, referentes ao não oferecimento ou oferta irregular: (…)
II – de atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência;(…)”

Em 2009 foi aprovado em plenário o Projeto de Lei 9/02, de autoria de Maria do Carmo Alves (DEM-SE) que, entre outros temas, acrescentaria o art. 54-A ao ECA, que diz respeito à garantia de inserção social das crianças com deficiência, objetivando o combate ao preconceito e discriminação. O projeto foi enviado a Câmara dos Deputados em 23/07/2009 (BRASIL, 2009), onde se encontra desde então (PONTUAL; CASTRO, 2009, online).

A Lei 12.955 sancionada em 2014, prioriza processos de adoção de crianças e adolescentes portadores de necessidades especiais ou de doenças crônicas. O projeto de lei que deu origem ao referido diploma legal, é de autoria de Nilda Gondim (PMDB-PB), em 2011.

O dispositivo acrescenta o § 9º no art. 47 do ECA, com o seguinte texto: “Terão prioridade de tramitação os processos de adoção em que o adotando for criança ou adolescente com deficiência ou com doença crônica”(BRASIL, 1990).

Antônio José Ferreira, então secretário nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência, da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR), a lei busca alertar os cidadãos “(…) que existe um contingente de crianças excluídas dentro de um grupo já excluído” (XAVIER, 2016, online).

“Uma pessoa que está com pressa na adoção, a partir do momento em que ela sabe que os processos relacionados às crianças com deficiência são mais rápidos, ela pode se interessar e se informar mais a respeito das peculiaridades de cada deficiência e sabemos que informação é a melhor forma de demolir preconceitos que certamente influenciam nos números das adoções no Brasil”.

Em 2016 estimava-se a disponibilidade de mais de seis mil crianças e adolescentes registradas no Cadastro Nacional da Adoção do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), destas cerca de 13% são portadores de alguma deficiência física ou mental, e 2% são portadores de HIV, que trata-se de doença crônica (XAVIER, 2016, online).

De contrapartida, na mesma época existiam cerca de 35.000 pais interessados em adotar, entretanto destes, apenas 30% aceitam adotar crianças e adolescentes portadores de algum tipo de deficiente ou de doença crônica (XAVIER, 2016, online).

Para Carmen Zanotto, deputada federal (PPS/SC), a escolha das famílias que buscam adotar, é em sua maioria por crianças sadias, em decorrência da complexidade e dificuldades que envolve a criação de uma criança deficiente ou portadora de doença crônica (XAVIER, 2016, online):

“Não diria que é o medo, mas é a complexidade que há em assumir um filho. A Lei de Adoção pretende que as crianças tenham um lar, uma estrutura de alimentação, educação e afeto. Muitas vezes, o grau de complexidade da deficiência assusta por causa da complexidade que isso envolve”.

Walter Gomes de Souza, supervisor de adoção da Vara da Infância e Juventude do Distrito Federal, afirma que é de suma importância o aperfeiçoamento da referida lei (XAVIER, 2016, online):

“Nós queremos, a partir do incremento da lei, sensibilizar a sociedade em relação a centenas de crianças com esse perfil que ainda estão aguardando a possibilidade de adoção. Então, nós queremos contribuir com a derrubada de barreiras, de preconceitos, e deixar claro que essas crianças têm o direito de ter uma família verdadeiramente afetiva”.

Observa-se que em questão de dispositivos legais destinados a proteção dos direitos das crianças e adolescentes, o ordenamento jurídico encontra-se bem sedimento, e sempre em busca de aprimoramento. No entanto, quando se trata de crianças e adolescentes portadores de necessidades especiais, a maior dificuldade é o combate ao preconceito e discriminação.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A conclusão que se chega sobre o tema é que, existe sim preocupação constante e crescente do legislador em proteger crianças e adolescentes. Observa-se que o Estatuto da Criança e do Adolescente reforçou os princípios constitucionais, que garantem os direitos das pessoas em desenvolvimento, em especial da Proteção Integral e da Prioridade Absoluta.

O Estatuto elevou a criança e o adolescente ao status de sujeitos de direitos, inclusive com dispositivos específicos voltados aqueles que são portadores de necessidades especiais, resguardando seus direitos à vida, saúde, liberdade e igualdade. Ao proporcionar atendimento prioritário, impõe ao Estado responsabilidade em criar e implantar políticas públicas que auxiliem a criança e adolescente portador de necessidades especiais a ser incluído socialmente, a ter atendimento médico adequado, se estendendo na concessão de benefícios previdenciários.

Resta evidente que em se tratando de proteção legal, com a Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente, houve uma evolução significativa nos dispositivos legais, que focam, com base nos princípios da isonomia, procuram atender de forma especifica também as crianças e adolescentes portadores de necessidades especiais.

O projeto de lei 9/02 foi aprovado em plenário, e remetido a Câmara dos Deputados em 23/07/2009, propõe acréscimo do art. 54-A ao Estatuto para “(…) garantir a reserva de vagas nas creches, ou entidades similares, e pré-escolas públicas para as crianças portadoras de deficiência” (BRASIL, 2009).

Temos que a Lei 12.955/2014 foi sancionada para garantir celeridade em processos de adoção de crianças e adolescentes portadores de necessidades especiais e de doenças crônicas. No entanto, ainda se tem aqueles que optam por adotar, preferem crianças saudáveis, em consequência das dificuldades e cuidados especiais que as crianças deficientes e com doenças crônicas requererem.

Em que pese à preocupação do legislador em proteger, em garantir direitos, e buscar melhorar os dispositivos legais para isso, ainda se esbarram no preconceito e discriminação.

Assim, acredita-se que embora leis que garantam os direitos de crianças e adolescentes, principalmente daquelas portadoras de necessidades especiais, ainda não sejam suficientes, o maior problema, o maior obstáculo que se observa é o preconceito, a discriminação. Mas isso, por mais que a lei tente reprimir, é inerente ao ser humano, e depende exclusivamente deste mudar.

 

Referências
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Informações Sobre os Autores

Angela Tereza Lucchesi

Bacharel em Direito. Graduada na Faculdade Arthur Thomas. Trabalha como Assistente Jurídico na Micheletti Advocacia

Erika Fernanda Tangerino Hernandez


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Equipe Âmbito Jurídico

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