Direitos Humanos e habeas corpus

Resumo: Discorre sobre a origem e a evolução histórica dos Direitos Humanos. Aborda as divergências dos doutrinadores sobre tais direitos. Retrata o surgimento do instituto do habeas corpus bem como seu progresso desde os primórdios até a Constituição Federal de 1988.[1]


Palavras-chave: Direitos Humanos. Evolução Histórica. Habeas Corpus.


Abstract: Discusses the origin and historical evolution of human rights. Discusses the differences of the scholars on such rights. Depicts the emergence of the Institute of habeas corpus and his progress from the beginning to the Constitution of 1988.


Keywords: Rights. Historical evolution. Habeas Corpus


Sumário: 1. Introdução; 2. Direitos humanos; 2.1. Histórico; 2.2. A evolução dos Direitos Humanos; 3. Habeas corpus: um “produto” da evolução dos Direitos Humanos; 3.1 A origem do Habeas Corpus no Brasil; 4. As constituições brasileiras sob ótica de Cesare BVeccaria.  Considerações finais. Referências.


1 INTRODUÇÃO


Os direitos humanos em geral são colocados como planos de fundo quando em diversas situações defende-se que todo ser humano dever ser igualmente respeitado sem nenhuma distinção, seja em razão de sua condição social, raça, sexo, religião, ou qualquer outra forma de discriminação; quando são reprovados tratamentos considerados “desumanos”; quando se busca repelir as práticas de tortura; quando movimentos sociais postulam que as pessoas mereçam ter condições mais dignas de trabalho, de educação, e moradia, enfim, quando o valor de dignidade humana é argüido como ponto central de diversas reivindicações da sociedade e do ser humano, individualmente considerado.


Não que se olvidar que o tema em tela é tema reentrante nos eventos internacionais e internos de muitos Estados, isto porque mediante a sua proteção e garantia é que de fato obter-se-ia a construção de um mundo mais digno e justo.


Sem dúvida muito já se tem feito em nome dos direitos humanos, mas ainda não é o suficiente, e apesar de todo o progresso do pensamento, da consciência e da ética da sociedade humana, ainda se identifica, em diversos tempos e espaços, o quanto estes ainda são desrespeitados


Ponderando o contíguo dos direitos humanos, destaca-se, pelo seu valor, o direito de ir e vir e ligado a este se encontra o instituto do habeas corpus, que também objeto de estudo deste trabalho.


2 DIREITOS HUMANOS


2.1 Histórico


Desde o início da historia da cidadania, a história dos direitos humanos é refletida através da luta desses seres para afirmação de sua dignidade e de seus valores éticos fundamentais (NEMETZ, 2004).


A referida autora segue seu entendimento:


“De acordo com o Professor Fábio Konder Comparato, os direitos inerentes ao seres humanos foram surgindo na história da humanidade na medida em que os povos vivenciaram dores, perdas e sofrimentos, oriundo da falta de limitação do poder do rei ou do Estado”.


Na Antiguidade ainda não existia o fenômeno da limitação do poder estatal. As leis que organizavam o Estado não conferiam ao indivíduo direitos que pudessem ser exigidos em face do Estado.


Os primeiros sinais de preocupação com os direitos humanos na História da Antiguidade, segundo Nemetz (2004) foram: o Código de Hamurábi (Babilônia, século XVIII a.C.), no aforismo de Amenófis IV (Egito, século XIV a.C.), na Filosofia de Mêncio (China, século IV a.C.), na República de Platão (Grécia, século IV a.C.), no Direito Romano.


A restrição do poder do governante nasceu no século XIII, surgindo nesta época a idéia da consignação, em favor do indivíduo, de direitos que o Estado tinha o dever de garantir e respeitar.


Nesse sentido entende Nemetz (2004):


“Segundo o professor Herkenhoff, a técnica de estabelecer freios ao poder, na linha da tradição ocidental, não é o único caminho possível para a vigência dos Direitos Humanos, nem é também da essência de um regime de Direitos Humanos a separação entre o domínio jurídico e os outros domínios da existência humana, como o domínio religioso, moral, social. No mesmo sentido é o entendimento do Professor Fabio Konder Comparato (1999, p. 3), que procura mostrar como foram sendo criados e progredindo a todos os povos da terra, as instituições jurídicas de defesa da dignidade humana contra a violência, o aviltamento, a exploração e a miséria”.


O Despotismo, definido por Montesquieu como um governo de leis e não de homens, motivou a reação de colonos ingleses na América do Norte e a insurreição do Terceiro Estado na França, descontentes com o poder Estatal ilimitado e incontrolável. Nasceu o habeas corpus, assegurando esse documento lugar relevante na história dos direitos humanos e na construção da cidadania. Tal documento, até aquele momento, não tinha como objetivo sua destinação às pessoas comuns, mas sim se apresentavam como pactos feudais entre Reis e Suseranos, apenas favorecendo grupos dominantes e algumas categorias de súditos.


Barbosa (2006) conceitua o Estado de direito como sendo aquele em que o poder político está preso e submisso a um poder objetivo, que traduz o justo. Sendo que tal direito não é fruto da vontade de um legislador humano, mas sim da própria natureza das coisas.


Os primeiros registros de direitos num documento escrito datam a partir da segunda metade da Idade Média. Na Europa há registros de direitos de comunidades locais, ou de corporações por meio de forais ou de cartas de franquia onde os senhores feudais outorgavam e inscreviam direitos próprios e peculiares aos membros do grupo.


A Magna Carta Inglesa de 21 de junho de 1215 representou um dos pactos da Historia constitucional da Inglaterra, onde resultou do acordo estabelecido entre o monarca inglês e os barões insurgentes, dos quais eram apoiados pela burguesia. Era um documento que assegurava direitos fundamentais, tais como o direito de ir e vir.


Os direitos fundamentais foram incorporados ao liberalismo no século XVIII, onde defendia as liberdades individuais e o direito dos cidadãos contra o autoritarismo e o abuso do poder. Em 1789 ocorreu, na França, a publicação da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, sendo a expressão repetida em 1793, assim como as Constituições de 1946 e 1958 (BARBOSA, 2005).


Em 10 de dezembro de 1948, a Declaração Universal dos Direitos do Homem foi promulgada pela Assembléia Geral das Nações Unidas. Atualmente, grande parte das constituições possuem declarações de direitos e garantias humanas fundamentais.


O commom Law, rule of law, due process, equal protection of the laws, que surgiram na Inglaterra, foram levados pelos ingleses à América do Norte, influenciando os tribunais americanos, sobretudo a Suprema Corte, o que contribuiu sobremaneira para o desenvolvimento da doutrina dos direitos fundamentais nos séculos XIX e XX.


Ao final do século XX, os direitos humanos chegam como uma imposição da sociedade humana, na forma de tratados e convenções internacionais.


2.2 A Evolução dos Direitos Humanos


Vários pensadores ocidentais contemporâneos buscaram no pensamento grego da Antiguidade, recursos para embasar suas teses. No pensamento grego encontraremos a idéia da existência de um Direito Natural, permanente e eternamente válido, independente de legislação ou de convenção. Este pensamento já nasce numa perspectiva universal, pois a idéia de Direito Natural surge da procura de determinados princípios gerais que sejam válidos para os povos em todos os tempos (MAGALHÃES, 2009).


José de Magalhães (2009) ressalta que, ao perceberem a existência de uma grande diversidade de leis e costumes nas várias nações e povos, os filósofos gregos levantaram a seguinte questão: “existem princípios superiores a estas normas específicas que sejam válidas para todos os povos, em todos os tempos, ou a Justiça e o Direito são uma mera questão de conveniência?”.


Tal questionamento é o ponto de partida para o pensamento do Direito Natural que se desenvolverá através dos tempos, e a resposta a esta questão ainda não foi alcançada, transformando-se numa conquista gradual, permanente e ainda não alcançada para nós, do que hoje conhecemos por Direitos Humanos (MAGALHÃES, 2009).


A primeira Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1798, inspirou-se nas doutrinas dos filósofos iluministas, trazendo os direitos naturais e imprescritíveis do homem: liberdade, propriedade e igualdade perante a lei. Em seguida vieram as declarações de 1793 e a de 1795, todas afirmando o direito à propriedade, e que cidadão é somente o proprietário.


A distinção entre proprietários e não-proprietários era evidente no pensamento burguês. A plena liberdade e a plena cidadania eram privilégios dos proprietários.


John Locke, pai do liberalismo, é quem vai interpretar, teoricamente, os interesses da burguesia emergente. Estabelece em suas idéias que, embora a terras e as criaturas inferiores sejam comuns a todos os homens, cada um detém a propriedade de sua própria pessoa, ou seja, cada indivíduo é proprietário de si mesmo. Logo, conclui-se que todos os homens são livres, pois todos são proprietários de si, e de que todos os homens são iguais (NEMETZ, 2004).


O homem tem direitos por natureza, que ninguém, nem mesmo o Estado, pode subtrair, e que ele mesmo não pode alienar. Essa é a idéia do jusnaturalista Locke, confirmada por Norberto Bobbio.


De acordo com Norberto Bobbio, na verdade, ao final do século XVII o que surge é a primeira geração dos direitos fundamentais: as liberdades públicas, enfrentando o arbítrio governamental. Alguns anos depois surge a segunda geração de direitos fundamentais: os direitos econômicos e sociais, numa tentativa de minimizar as desigualdades sociais. Em seguida, a terceira geração de direitos fundamentais: os direitos de solidariedade, contra a deterioração da qualidade da vida humana. Atualmente, estamos diante da quarta geração de direitos fundamentais: aqueles que visam proteger o indivíduo das manipulações do patrimônio genético, direito à informação e ao pluralismo.


Por outro lado, de acordo com Sarlet, os direitos fundamentais são classificados em dimensões: o direito à vida, à liberdade, à propriedade e à igualdade perante a lei são os de primeira dimensão; já os direitos sociais e culturais, tais como saúde, educação, dentre outros, são os chamados direitos de segunda dimensão; os de terceira dimensão: os de solidariedade e fraternidade; e, finalmente, os direitos de quarta dimensão: direito à informação, à democracia, dentre outros. Para o professor Sarlet, as diversas dimensões que marcam a evolução do processo de reconhecimento e afirmação dos direitos fundamentais revelam que estes constituem categoria materialmente aberta e mutável (NEMETZ, 2004).


Após o fim da Segunda Guerra Mundial, é promulgada a Carta das Nações Unidas de 1945, com o intuito de pacificar a relação entre os povos de todo o mundo, e marca nova fase na história da evolução dos direitos humanos.


Posteriormente à Carta de 1945, surge a Declaração Universal dos Direitos Humanos aprovada em 1948. Bobbio interpreta esta declaração como a síntese de um movimento dialético que se inicia pela universalidade abstrata dos direitos naturais, transforma-se na particularidade concreta dos direitos positivos e finaliza na universalidade concreta dos direitos positivos universais (NEMETZ, 2004).


Em 1969 os Estados Americanos estabeleceram Convenção Americana de Direitos Humanos mais conhecida como Pacto de San José da Costa Rica, e reafirmaram seu propósito de consolidar neste Continente, mediante o quadro das instituições democráticas, um regime de liberdade pessoal e de justiça social, baseado no respeito dos direitos humanos essenciais. A partir daí reconheceram que os direitos fundamentais da pessoa humana não resultam do fato de ser ela nacional de determinado Estado, mas sim do fato de ter como fundamento os atributos da pessoa humana, razão por que justificam uma proteção internacional, de natureza convencional, coadjuvante ou complementar da que oferece o direito interno dos Estados Americanos.


Tais princípios foram consagrados na Carta da Organização dos Estados Americanos, na Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem e na Declaração Universal dos Direitos do Homem, sendo confirmados e desenvolvidos em outros organismos internacionais, tanto na esfera mundial quanto regional.


3 HABEAS CORPUS: um “produto” da evolução dos Direitos Humanos


Não se pode olvidar que o direito de ir e vir possui incontestável relevância. E no intuito de resguardar tal direito surgiu o habeas corpus.


O habeas corpus surgiu como obrigação de restringir o poder e o arbítrio do Estado e destaca-se nos períodos do princípio do liberalismo e na acentuação das intenções neoliberais. É acolhido como norma nos países civilizados, uma vez que a sua ordem expressa uma limitação ao autoritarismo.


A origem do habeas corpus é pauta de discussões entre os doutrinadores.


Para alguns doutrinadores seu aparecimento remonta o Direito Romano, em face da existência, já àquela época, da possibilidade de se pedir a apresentação de pessoa que houvesse sido presa sem obediência às regras legais (BIANCHI, 2007).


O interdito De hómine líbero exhibendo (leia-se a respeito da obrigação de exibir o homem livre) tinha como finalidade a defesa da liberdade. O vocábulo “exigir” tinha o sentido trazer a público, ou seja, a possibilidade da pessoa ser vista, tocada e libertada. Com pensamento contrário, há uma corrente doutrinária que defende o surgimento com a Magna Carta Libertatum, de 121, do rei inglês João Sem-Terra, que prescrevia em seu art. 39:


“Nenhum homem livre seja capturado ou aprisionado ou despojado [de seus bens], ou ultrajado, ou exilado, ou de algum modo destituído de alguma livre posse [ou: propriedade] sua, ou liberdades, ou livres costumes seus, nem contra ele iremos [= nos posicionaremos], nem contra ele [o] poremos em cárcere, a não ser por legal julgamento de seus pares, ou pela lei da [sua] terra. A ninguém venderemos [o direito], a ninguém [o] negaremos, ou [lhe] diferiremos o que é reto ou a justiça (BIANCHI, 2007, p.204)”.


Noronha (2002) ressalta ainda que o Rei João-Sem-Terra outorgou a Magna Charta devido a pressões impostas pelos “barões de ferro”, em 19 de junho de 1215, nos campos de Runnymead. Seus princípios fundamentais são encontrados no Capítulo XXIX desta Carta (NORONHA, 2002).


Para Barbosa (2005) o habeas corpus surgiu na Inglaterra, mas a mesma admite que há registros de raízes no antigo direito romano. Ressalta a autora que os ingleses sempre ampararam a liberdade física porque entendem que até atentados à vida e à propriedade são menos gravosos para o homem que a diminuta violência ou repressão à liberdade física do indivíduo.


Corroborando com Bianchi (2007) e Barbosa (2005), Silva (2006) entende que presença do habeas corpus foi denotada antes mesmo da Magna Carta de 1215, mas foi esta que lhe apresentou a primeira formulação escrita e afirma ainda que dentre as conquistas liberais, o habeas corpus foi o primeiro remédio constitucional a integrá-las. Deu-se então a evolução do writ of “habeas corpus” onde no início não era vinculado à idéia de liberdade de locomoção, mas ao conceito do due process of law (devido processo legal). Era usado até mesmo em matéria civil. Mais tarde, ainda na Inglaterra adquiriu outras modalidades tais como: “habeas corpus ad prosequendum”, “habeas corpus ad satisfaciendum”, “habeas corpus as deliberandum”, “habeas corpus ad faciendum et recepiendum”, “habeas corpus ad subjiciendum”. Era então meio de levar alguém perante o tribunal.


No reinado de Carlos II, em 1679, foi substituído pelo Habeas Corpus Amendment Act, que era deferido tão-somente às pessoas acusadas da prática de crime, sem aplicação em outros casos de prisões ilegais. Em 1816, foi ampliado seu alcance, compreendendo também os casos de prisão ilegal, inclusive, abusos praticados por particular contra a liberdade do indivíduo (BIANCHI, 2007).


Silva (2006) destaca ainda que o “Habeas Corpus Amendment Act” de 1679 foi o que configurou com mais precisão, como um remédio destinado a assegurar a liberdade dos súditos e prevenir os encarceramentos em ultramar.


Vale ressaltar que o aparecimento do instituto como garantidor da proteção do indivíduo contra abusos à sua liberdade de locomoção, decorreu do inconformismo humano frente a arbitrariedade estatal, e, desde então passou a ser adotado por diversos países, inclusive o Brasil (BIANCHI, 2007).


3.1 A origem do Habeas Corpus no Brasil


O habeas corpus no Brasil segundo Silva (2006) não ingresso formalmente na Constituição do Império, porém Pontes de Miranda é de opinião que estava previsto de maneira implícita. Formalmente, foi instituído no Código de Processo Criminal, de 1832 em seu artigo 340. Foi constitucionalizado mediante o § 22 do art. 72 da Constituição de 1891 dando margem à doutrina brasileira do habeas corpus, concebendo como remédio tutelar dos direitos subjetivos de qualquer natureza conforme a lição de Ruy Barbosa:


“Logo o habeas corpus hoje não está circunscrito aos casos de constrangimento corporal: o habeas corpus hoje se estende a todos os casos em que um direito nosso qualquer direito, estiver ameaçado, manifestado, impossibilitado no seu exercício pela intervenção de um abuso de poder ou de uma ilegalidade”.


Decorriam disso, as violações de direitos civis que estavam também sujeitas à correção pelo habeas corpus. A Emenda Constitucional de 1926 limitou o cabimento à proteção de liberdade de locomoção, com um enunciado essencialmente idêntico ao que consta hoje do art. 5°, LXVIII: conceder-se-á “habeas corpus” sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder (SILVA, 2006).


O entendimento de Bianchi (2007) sobre o surgimento do habeas corpus no Brasil é que este foi expressamente mencionado no Decreto do Príncipe Regente, de 23 de maio de 1821. Trataram também do habeas corpus os arts. 183 a 188 do Código de Processo Criminal de 1830, sendo repetidos nos arts. 340 a 355, do Código de Processo Penal de 1832, onde foi consagrado o direito de todo o cidadão pedir, por si ou em favor de outrem, ordem e habeas corpus, sempre que se experimentasse prisão ou constrangimento à sua liberdade. Mirabete (2002) entende que se tratava esse instituto do chamado Habeas Corpus liberatório.


Bianchi (2007) relata ainda que o habeas corpus preventivo surgiu com o advento da Lei n° 2.033, de 20.9.1871, vindo a beneficiar nacionais e estrangeiros, ratificada pelo art. 45, do Decreto n. 848, de 11 de outubro de 1890, do Governo Provisório. Entretanto, a Carta Imperial de 1824, em termos constitucionais proibia a ocorrência de prisões arbitrárias, mas, no entanto não fez referência expressa ao instituto. Da mesma opinião corrobora Mirabete (2002).


Tourinho Filho (2006) acrescenta sobre o habeas corpus preventivo se estendia às estendia às hipóteses em que o sujeito encontra-se apenas na iminência de ser ameaçado na sua liberdade de ir e vir. O instituto surgia no Brasil, porém não era conhecido nem mesmo na Inglaterra.


Bianchi (2007) concorda com Silva (2006) quando diz que a Carta Imperial de 1832 vedava da mesma forma que a Carta de 1824, vedava a prisão sem culpa formada.


Implicitamente podia ser reconhecer as vedações de cunho constitucional, onde mais a frente iria revestia o habeas corpus.


O habeas corpus surgiu pela primeira vez como norma constitucional brasileira como norma constitucional com a Constituição Republicana de 1891 no seu parágrafo segundo de seu artigo 72 a extensão do habeas corpus ao amparo dos direitos pessoais e não só à liberdade física, considerado como remédio jurídico para a proteção de todo e qualquer direito subjetivo, qualquer que fosse a sua natureza. Em conformidade com esse pensamento encontram-se Bianchi (2007) e Ferreira (1988).


No entanto, uma vez que esse artigo não falava precisamente sobre liberdade de locomoção, deu margem a interpretação de Tourinho Filho (2006) no sentido de ser cabível tão instituto toda vez que a liberdade física fosse condição imprescindível para que o sujeito pudesse exercer algum direito.


Com a reforma constitucional de 1916, o artigo 72 ganhou nova redação passando a ter nova redação com o seguinte texto: “Dar-se-á habeas corpus sempre que alguém sofre violência por meio de prisão ou constrangimento ilegal na sua liberdade de locomoção”. Tourinho Filho (2006) explica que com a inovadora modificação os demais direitos subjetivos anteriormente resguardados, ficaram desprotegidos, não podendo ser mais objeto de tal remédio.


Foi então que em 1934, a Constituição Federal manteve seu texto o instituto, mas advertiu, no n. 23 do seu art. 113, que o writ não caberia quando se tratasse de transgressões disciplinares. Tal restrição foi reconstruída por ocasião do advento das Cartas Constitucionais de 1937, no art. 122, n. 16; de 1946, no § 23 do art. 141; de 1967, conforme art. 150, § 20, bem como na Emenda Constitucional de 1969, art. 153, § 20 (BIANCHI, 2007).


Tourinho Filho (2006) enfatiza que nessa época a Constituição de 1934, por sua vez, eliminou a expressão “locomoção”. Nesse mesmo tempo, surgia o Mandado de Segurança, que propendia amparar outros direitos.


O atual art. 5° da atual da Constituição Federal 1988 dispõe sobre o habeas corpus com seguinte texto: “(…) conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder”, restringindo a expressão dos benefícios tão somente às punições disciplinares militares (BIANCHI, 2007).


Atualmente a expressão habeas corpus indica a essência do instituto. Literalmente significa “tome o corpo”, ou seja, tome a pessoa presa e apresente ao juiz para o julgamento do caso. Seu objetivo é a proteção ou tutela da liberdade física, no sentido de ir, ficar e vir. Significado que não resta dúvida ao interpretar o art. 5° da Constituição Federal de 1988, já anteriormente mencionado, uma vez que a expressão “locomoção” significa mudar de lugar, de situação, transportar-se para onde deseje, sem entraves ou impedimentos, excetos os impostos pela lei (NORONHA, 2002).


Sob o ponto jurídico Rangel (2002) afirma ser um remédio jurídico-processual, de índole constitucional, que tem como objetivo resguardar a liberdade de locomoção, quando ameaçada ou restringida por ilegalidade ou abuso de poder.


4 AS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS SOB A ÓTICA DE CESARE BECCARIA


A obra de Cesare Beccaria deu início a luta pelos direitos humanos na esfera penal com a sua obra “Dos delitos e das penas”.


Na época havia a tese de que as penas instituíam uma espécie de vingança coletiva; esse entendimento havia induzido à aplicação de punições de conseqüências muito superiores e mais terríveis que os males produzidos pelos delitos. Esbanjava-se a prática de torturas, penas de morte, prisões desumanas, banimentos, acusações secretas. Foi contra essa situação que se insurgiu Beccaria.


Desse modo o pensamento deste renomado jurista envolveu as Constituições brasileiras, que muito adotaram seu pensamento.


 Segundo Lemos (2007) ainda que, as Constituições tenham como alicerce a Magna Carta de João Sem-Terra de 1215, o pensamento sobre os direitos humanos e o respeito à pessoa do criminoso somente foi registrado após o advento da obra de Cesare Beccaria.


A presença emblemática da obra de Beccaria na Constituição Monárquica, de 1824, escrita por Dom Pedro I, deu origem as primeiras regras sobre o direito penitenciário.


Apesar de ainda serem permitidas penas de morte, banimento e penas de galés, na Constituição de 1824, já eram descritos os princípios da legalidade e da devido processo legal (LEMOS, 2007).


Na Constituição Republicana, de 1891, foram suprimidas as penas supracitadas, não trazendo outras inovações mais rigorosas.


Com a Constituição de 1934, foram instituídas as garantias do processo criminal, surgindo o instituto da fiança, do princípio da inocência, entre outros.


A novidade desta Carta Política foi a criação da retroatividade in mellius e a vedação da retroatividade in pejus, dando ao ensejo ao princípio que mais tarde seria conhecido como o da irretroatividade das leis penais (LEMOS,2007).


A Carta Magna de 1937, outorgada pelo ditador Getúlio Vargas, não trouxe alterações uma vez que se reduziu os parcos princípios constitucionais já existentes, tais como a ampla defesa e o contraditório, e especialmente várias garantias processuais (LEMOS, 2007).


Embora as garantias previstas pela Constituição anterior tenham sido mantidas, na Constituição de 1967 não estavam bem sistematizadas. Tratava-se de um governo militar que pretendia conservar as garantias previstas pela Constituição anterior, mas sem qualquer garantia de observância de tais determinações. (LEMOS, 2007).


A Constituição de 1969, que é uma emenda a Constituição de 1964, preservou as garantias da Constituição anterior, porém foi mais severa, trazendo a censura e a cassação de direitos políticos.


Já na chamada Constituição Cidadã, de 1988, permaneceram vários direitos conquistados, além de acrescer vários outros princípios ao texto constitucional.


Trouxe como novidade as cláusulas pétreas, impedindo a alteração ou retirada de qualquer direito e garantia individual através de emenda constitucional. (LEMOS, 2007).


CONSIDERAÇÕES FINAIS


Um longo caminho foi percorrido desde a origem dos Direitos Humanos em toda sociedade. De certo que ainda há muitos degraus a serem galgados no intuito de garantir esses direitos no âmbito de sua totalidade, tanto em relação aos países de uma forma geral quanto especificamente em si trata do Brasil.


No entanto não se pode olvidar que muitos foram os benefícios advindos pela instituição dos Direitos Humanos dentre ele um dos principais institutos de proteção aos direitos individuais do ser humano, o habeas corpus.


O instituto do habeas corpus tem o papel de garantir a liberdade de ir e vir de todo indivíduo que sofre ou está na iminência de sofrer o constrangimento de ter tal direito cerceado, podendo se valer da proteção deste remédio constitucional ao qual pode ser requerido por qualquer pessoa.


Inegáveis foram os proveitos advindos da evolução dos direitos humanos e é de nossa responsabilidade evitar a estagnação de tal processo.


“A injustiça, por ínfima que seja a criatura vitimada, revolta-me, transmuda-me, incendeia-me, roubando-me a tranqüilidade e a estima pela vida.” (Rui Barbosa)


 


Referências

BARBOSA, Maria Bueno. O instituto do “habeas corpus” e os direitos humanos. Disponível em: <http://www.fmd.pucminas.br/Virtuajus/1_2006/Docentes/pdf/Maria.pdf>. Acesso em: 02 nov. 2009.

BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992.

COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. São Paulo: Saraiva, 1999.

FERREIRA, Pinto. Teoria e prática do habeas corpus. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1988.

HERKENHOFF, João Baptista. Cidadania. São Paulo: Acadêmica, 2000.

LEMOS, Walter Gustavo da Silva. A influência de Cesare Beccaria nas Constituições Brasileiras. Disponível em:


MIRABETE, Julio Fabrini. Processo Penal. São Paulo: Atlas: 2002.

NEMETZ, Erian Karina. A Evolução histórica dos direitos humanos. Rev. De Ciênc. Jur. e Soc. da Unipar. v.7, n.2, p.233-242, jul./dez., 2004

NORONHA, E. Magalhães. Curso de Direito Processual Penal. 18. ed. atual. Por Adalberto José Q. T. de Camargo Aranha. São Paulo: Saraiva, 2002.

RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 6. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002.

SARLET, Ivo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado,1998.

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 2006.


Nota:
[1] Professor-orientador: José Cláudio Cabral Marques, Promotor de Justiça.

Informações Sobre os Autores

Flávio Rocha Farias

Acadêmico de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB

Silmenne Natalie Gomes de Jesus

Acadêmica de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB. Fisioterapeuta graduada pela Faculdade Santa Teresinha – Cest


Equipe Âmbito Jurídico

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