Resumo: Consagrada expressamente no inciso III do artigo 1º da Constituição brasileira de 1988, a dignidade da pessoa humana desempenha um papel de proeminência entre os fundamentos do Estado brasileiro. Desse modo, verifica-se uma possível inter-relação entre Direitos Humanos no plano internacional, bem como, forte relação entre tais direitos e os Direitos fundamentais positivados no plano Constitucional e o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. É preciso enfatizar, que a dignidade da pessoa humana, alçada a princípio fundamental pela Constituição Brasileira (CF/88, art. 1º, III) é vetor para a identificação material dos direitos fundamentais, apenas estará assegurada quando for possível ao homem uma existência que permita a plena fruição de todos os direitos fundamentais.[1]
Palavras-chave: Direitos Humanos em Face da Dignidade da Pessoa Humana.
Abstract: Consecrated expressly in subsection III of article 1 of the Brazilian Constitution of 1988, the dignity of the human person plays a prominent role among the foundations of the Brazilian State. In this way, there is a possible interrelation between Human Rights at the international level, as well as a strong relation between these rights and the Fundamental Rights positived in the Constitutional plan and the Principle of the Dignity of the Human Person. It is important to emphasize that the dignity of the human person, as embodied in a fundamental principle by the Brazilian Constitution (CF / 88, art. 1, III), is a vector for the material identification of fundamental rights. Full enjoyment of all fundamental rights.Keywords: Human Rights in Face of the Dignity of the Human Person.
1. INTRODUÇÃO
No presente estudo pretende-se abordar o tema Direitos Humanos em Face da Dignidade da Pessoa Humana.
Far-se-á a clássica distinção que alguns doutrinadores fazem entre Direitos Humanos e Dignidade da Pessoa Humana. Executar o trabalho em uma pesquisa de campo doutrinária, trabalhar dentro do tema proposto e abordar dentro da delimitação do tema a ser estudado.
Bem como analisar o preâmbulo do texto constitucional brasileiro, para entender o sentido de, que o Estado Democrático é proposto para
“Assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos”.
Como forma de atentar para a relação existente entre os Direitos Humanos e a Dignidade da Pessoa Humana, buscando primar os pontos relevantes existente entre esses institutos, uma vez que se usa com frequência a invocação da dignidade da pessoa humana como o remédio para todos os males que atingem e conflitam os Direitos mais nobres do ser humano que é a sua dignidade.
2. DIREITOS HUMANOS
O Direito é um meio de mitigar as desigualdades para o encontro de soluções justas e que a lei é um instrumento para garantir a igualdade de todos.
Existem diversas maneiras quanto a interpretação da lei. Em diante disso, a interpretação pode ser exercida à luz dos Direitos Humanos, que devem ser entendidos da seguinte maneira, conforme Ricardo Castilho:
“A expressão direitos humanos representa o conjunto das atividades realizadas de maneira consciente, com o objetivo de assegurar ao homem a dignidade e evitar que passe por sofrimentos. (…) Que todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos, são dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade (…)”.[2]
Ante ao exposto, percebe-se que, o Direitos Humanos tem o condão de auxiliar no entendimento dos dispositivos regulado e supralegal, para que o valor máximo do homem, para que sua dignidade seja resguardada. Tratando a todos com respeito e consideração, ao mesmo tempo em que preservará suas prerrogativas e o direito de receber igual tratamento das pessoas com as quais se relacionam, garantido a todos que seja concedido tratamento condizente com a dignidade da pessoa humana, civilizar o tratamento a todos com respeito e consideração, ao tempo em que preservará seus direitos e prerrogativas, devendo exigir igual tratamento de todos com quem se relaciona.
Considerando a evolução doutrinária e conceitual, os direitos protetivos dos seres humanos inicialmente eram denominados de direitos do homem. Posteriormente, por serem inseridos nas Constituições dos Estados, passaram a ser conhecidos por direitos fundamentais. E por fim, quando previstos em tratados internacionais, receberam a designação de direitos humanos.
Erival da Silva Oliveira, de forma simples concisa e direta, define direitos humanos da seguinte maneira:
“Os direitos humanos correspondem à somatória de valores, de atos e de normas que possibilitam a todos uma vida digna (…).
(…) De modo abrangente, pode-se entender que os direitos humanos correspondem a todas as normas jurídicas externas e internas que visam proteger a pessoa humana, tais como tratados, convenções, acordos ou pactos internacionais, bem como as Constituições dos Estados e suas normas infraconstitucionais”.[3]
Os Direitos Humanos são aqueles ligados a liberdade e a igualdade, estão positivados no plano internacional. Já os Direitos Fundamentais são direitos humanos positivados na Constituição Federal. Entretanto, como o conteúdo de ambos é essencialmente o mesmo, o que difere é o plano em que estão consagrados, neste artigo científico serão tratados como se iguais fossem, já que correspondem aos direitos inerentes ao homem e sua proteção.
A concepção atual de Direitos Humanos adveio da Declaração Universal de Direitos Humanos (1948) e decorreu do fim da Segunda Guerra Mundial, momento muito difícil para a civilização, haja vista que nesta guerra foram vistas atrocidades inimagináveis. O Nazismo dizimou judeus e demais pessoas consideradas destoantes dos padrões da Alemanha.
De 1939 a 1945, a segunda guerra mostrou o lado obscuro do homem, as discriminações eram frequentes e no campo de concentração a dor humana foi percebida em sua maior amplitude.
Claro que não só no período nazista que o homem revelou a necessidade de imposição de direcionamentos de condutas para viver e conviver em sociedade. Momentos atuais como a guerra no oriente médio, mostram que o ordenamento jurídico é fundamental para restringir o poder de causar mal à humanidade.
Diante das vistas humanas o enorme prejuízo que o homem pode causar para outros homens, a Declaração Universal de Direitos Humanos trouxe novas esperanças. Sobre o assunto, Ricardo Castilho (2011, p. 11 e 12) ensina que:
“Os três primeiros artigos da Declaração sintetizam o que se considera fundamental para a humanidade: que todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos, são dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade; que toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos na Declaração, sem distinção de qualquer espécie (raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição); e que toda pessoa tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal.”[4]
A Declaração Universal de Direitos Humanos foi ratificada pela Declaração dos Direitos Humanos de Viena (1993), que declarou os direitos humanos e as liberdades fundamentais como direitos naturais de todos os seres humanos.
Em razão da importância de tal advento, os Direitos Humanos devem ser fonte de consultas e esclarecimentos de todas as leis. Para questões polêmicas, a dignidade da pessoa humana precisa ser elemento preponderante no entendimento de artigos, incisos e alíneas.
Os Direitos Humanos se manifesta em quatro: vida, liberdade, igualdade e segurança pessoal. Mas, não se excluem demais os direitos que resguardam a integridade física e psíquica do homem.
Manoel Gonçalves Ferreira Filho, no livro Direitos humanos fundamentais, estabelece que a história registra três marcos dos direitos fundamentais do homem: liberdades públicas; direitos econômicos e sociais; direitos de solidariedade.
As liberdades públicas foram pensadas na Independência norte-americana e na Revolução Francesa. Assim, foi estabelecido formalmente as liberdades e direitos subjetivos, cujo reconhecimento limita a atuação do Estado. No Brasil, a Constituição de 1988 registra as liberdades públicas no art. 5º.
Quanto os direitos econômicos e sociais, a Constituição de Weimar (1919) definiu condições jurídicas mínimas que assegurassem a independência social do indivíduo, oferecendo maior participação do Estado na distribuição de políticas públicas.
Em relação aos direitos de solidariedade a criação da Organização das Nações Unidas e o subsequente lançamento da Declaração Universal dos Direitos do Homem representam a afirmação dos direitos humanos, no mundo contemporâneo.
Ante ao exposto, se extrai que houve uma evolução na percepção dos Direitos Humanos, porém não excluem uma das outras, considera-se que o homem necessita de liberdade agir, mas só isto não lhe basta, ele também precisa de direitos sociais. Para complementar essas duas esferas de direitos, os direitos de solidariedade afirmaram os direitos inerentes ao homem, projetando a ideia de necessidade de enxergar o outro e pensar de forma coletiva.
Os direitos inerentes ao homem e suas dimensões devem ser alicerce de toda e qualquer interpretação. Entende-se que a pessoa humana é o fundamento absoluto dos direitos humanos, independentemente do lugar em que esteja, devendo ser tratada de modo justo e solidário. Nesse sentido posicionam-se os juristas brasileiros. Desse modo:
“Os direitos humanos são preexistentes ao direito, que apena os declara. O direito só existe em função do homem, e é nele que se fundamenta todo e qualquer direito. (…)considera os direitos humanos como uma forma abreviada de mencionar os direitos fundamentais da pessoa humana, pois a pessoa humana não consegue existir ou não é capaz de se desenvolver e de participar plenamente da vida”.[5]
2.1 A TEORIA DAS GERAÇÕES
A teoria das gerações dos direitos humanos foi lançada pelo jurista francês de origem tcheca, Karel Vasak[6], que, em Conferência proferida no Instituto Internacional de Direitos Humanos de Estrasburgo (França), no ano de 1979, classificou os direitos humanos em três gerações, cada uma com características próprias. Posteriormente, determinados autores defenderam a ampliação da classificação de Vasak para quatro ou até cinco gerações. Cada geração foi associada, na Conferência proferida por Vasak, a um dos componentes do dístico da Revolução Francesa: liberté, egalité et fraternité (liberdade, igualdade e fraternidade).
Assim, a primeira geração seria composta por direitos referentes à liberdade; a segunda geração retrataria os direitos que apontam para a igualdade; finalmente, a terceira geração seria composta por direitos atinentes à solidariedade social fraternidade. A primeira geração engloba os chamados direitos de liberdade, que são direitos às prestações negativas, nas quais o Estado deve proteger a esfera de autonomia do indivíduo. São denominados também “direitos de defesa”, pois protegem o indivíduo contra intervenções indevidas do Estado, possuindo caráter de distribuição de competências (limitação) entre o Estado e o ser humano. Por regrar a atuação do indivíduo, delimitando o seu espaço de liberdade e, ao mesmo tempo, estruturando o modo de organização do Estado e do seu poder, são os direitos de primeira geração compostos por direitos civis e políticos. Por isso, são conhecidos como direitos (ou liberdades) individuais, tendo como marco as revoluções liberais do século XVIII na Europa e Estados Unidos (vide a evolução histórica dos direitos humanos). Essas revoluções visavam restringir o poder absoluto do monarca, impingindo limites à ação estatal. São, entre outros, o direito à liberdade, igualdade perante a lei, propriedade, intimidade e segurança, traduzindo o valor de liberdade. O papel do Estado na defesa dos direitos de primeira geração é tanto o tradicional papel passivo (abstenção em violar os direitos humanos, ou seja, as prestações negativas) quanto ativo, pois há de se exigir ações do Estado para garantia da segurança pública, administração da justiça, entre outras.
A segunda geração de direitos humanos representa a modificação do papel do Estado, exigindo-lhe um vigoroso papel ativo, além do mero fiscal das regras jurídicas. Esse papel ativo, embora indispensável para proteger os direitos de primeira geração, era visto anteriormente com desconfiança, por ser considerado uma ameaça aos direitos do indivíduo. Contudo, sob a influência das doutrinas socialistas, constatou-se que a inserção formal de liberdade e igualdade em declarações de direitos não garantiam a sua efetiva concretização, o que gerou movimentos sociais de reivindicação de um papel ativo do Estado para assegurar uma condição material mínima de sobrevivência. Os direitos sociais são também titularizado pelo indivíduo e oponíveis ao Estado. São reconhecidos o direito à saúde, educação, previdência social, habitação, entre outros, que demandam prestações positivas do Estado para seu atendimento e são denominados direitos de igualdade por garantirem, justamente às camadas mais miseráveis da sociedade, a concretização das liberdades abstratas reconhecidas nas primeiras declarações de direitos. Os direitos humanos de segunda geração são frutos das chamadas lutas sociais na Europa e Américas, sendo seus marcos a Constituição mexicana de 1917, que regulou o direito ao trabalho e à previdência social, a Constituição alemã de Weimar de 1919, que, em sua Parte II, estabeleceu os deveres do Estado na proteção dos direitos sociais e, no Direito Internacional, o Tratado de Versailles, que criou a Organização Internacional do Trabalho, reconhecendo direitos dos trabalhadores (ver abaixo a evolução histórica dos direitos humanos).
Já os direitos de terceira geração são aqueles de titularidade da comunidade, como o direito ao desenvolvimento, direito à paz, direito à autodeterminação e, em especial, o direito ao meio ambiente equilibrado. São chamados de direitos de solidariedade. São oriundos da constatação da vinculação do homem ao planeta Terra, com recursos finitos, divisão absolutamente desigual de riquezas em verdadeiros círculos viciosos de miséria e ameaças cada vez mais concretas à sobrevivência da espécie humana. Posteriormente, no final do século XX, há aqueles, como Paulo Bonavides, que defendem o nascimento da quarta geração de direitos humanos, resultante da globalização dos direitos humanos, correspondendo aos direitos de participação democrática (democracia direta), direito ao pluralismo, bioética e limites à manipulação genética, fundado na defesa da dignidade da pessoa humana contra intervenções abusivas de particulares ou do Estado. Bonavides agrega ainda uma quinta geração, que seria composta pelo direito à paz em toda a humanidade (anteriormente classificado por Vasak como sendo de terceira geração. Parte da doutrina critica a criação de novas gerações (qual seria o limite?), apontando falhas na diferenciação entre as novas gerações e as anteriores, além da dificuldade em se precisar o conteúdo e efetividade dos novos direitos.
O intérprete é o sociólogo do Direito. Aquele que aplica a lei tem necessidade de interpretá-la, por mais bem formulada que sejam as prescrições. Assim, os operadores do Direito precisam ter profundo conhecimento sobre os Direitos Humanos, para que interpretem o ordenamento jurídico à luz destes.
O legislador oferece preceitos abstratos, dentro dos quais o intérprete acomoda o caso concreto. A norma jurídica varia de significação com o transcorrer do tempo e o bom hermeneuta deve saber ler a lei não com os olhos, mas sim extraindo o sentido do que aquelas letras representam.
A existência de legislação não é suficiente para a tutela de direitos. Por isso, o controle de constitucionalidade, a hierarquia das leis e comissões parlamentares tentam evitar que leis abusivas sejam aplicadas. No entanto, acima de qualquer válvula que resguarde a legitimidade das leis e seu espírito de justiça, está a interpretação dela.
Ao profissional jurídico é fundamental ter o senso crítico de discernimento daquilo que é justo, quando comparado com aquilo que viola os Direitos Humanos. Não adianta a criação de grande volume de leis se essas ganham interpretação destoante da tutela dos Direitos Humanos.
A constitucionalização dos tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos constitui nada menos que a possibilidade de elevar um tratado ou convenção internacional de direitos humanos para o status de norma constitucional. A partir da Emenda Constitucional n. 45/2004, passou-se, entretanto, a se admitir que os tratados que forem devidamente aprovados, em cada uma das Casas do Congresso Nacional, inclusive em dois turnos, e por três quintos dos votos dos seus membros, serão, dessa forma, equivalentes às emendas constitucionais. Tal possibilidade está elencada no artigo 5º, parágrafo 3º, da CF/88, onde se lê:
“Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados em cada casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes as emendas constitucionais.”[7]
Nesses casos, e apenas nesses, essas normas gozarão de status constitucional. A emenda não impede que se opte pela aprovação de tratado sobre direitos humanos pelo procedimento comum, meio que facilita o seu ingresso no ordenamento brasileiro. As normas do tratado valerão, nessa hipótese, com status infraconstitucional. Os tratados aprovados antes da Emenda continuam a valer como normas infraconstitucionais, já que persiste operante a fórmula da aprovação do tratado com dispensa das formalidades ligadas à produção de emendas à Constituição da República. Nada impede, obviamente, que esses tratados anteriores à EC 45 venham a assumir, por novo processo legislativo adequado, status de Emenda Constitucional. Vale o registro de precedentes do Supremo Tribunal Federal, posteriores à EC 45/2004, atribuindo status normativo supralegal, mas infraconstitucional, aos tratados de direitos humanos
Diz Flávia Piovesan que, embora os tratados internacionais tenham força hierárquica infraconstitucional (conforme o art. 102, III, b da Constituição de 1988), os tratados internacionais de direitos humanos têm força e natureza de norma constitucional. Essa primazia dos tratados de direitos humanos sobre outros tratados internacionais foi dada pela Emenda Constitucional nº 45/2004.
Dessa maneira, fica evidente como as normas que retratam Direitos Humanos recebem tratamento privilegiado no ordenamento jurídico, logo, nada mais justo que a interpretação jurídica seja voltada à preservação destes direitos.
A Constituição Cidadã (1988) não poderia ficar indiferente aos Direitos Humanos. Assim, expressamente elencou a primazia merecida por tais direitos:
“Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios:
II – prevalência dos direitos humanos;(…)
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (…)”.[8]
Pode-se concluir que o dispositivo ressalta claramente a garantia aos Direitos Humanos e à dignidade da pessoa humana, resguardando os valores mais preciosos como a liberdade, igualdade e solidariedade.
3. DIGINIDADE DA PESSOA HUMANA
É um princípio construído pela história. Onde foi consagrado um valor, visando proteger o ser humano contra tudo que lhe possa levar ao desprezo.
Para uma melhor definição do que vem a ser um Princípio; este nada mais é, do que uma norma que tem por objetivo, mostrar um fim a ser alcançado, traçando um plano de atuação para o Estado, expondo os deveres para evidenciar os meios necessários a uma vida humana mais digna. A aplicabilidade dos princípios se dá, preponderantemente, mediante consideração. Portanto, a finalidade dessa existência mínima foi uma forma de tentar dar efetividade, o Estado não pode negar-se a cumpri-los.
“Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
III – a dignidade da pessoa humana;”[9]
O profissional do Direito não pode destoar de entendimento que não resguarde a dignidade da pessoa humana, mesmo porque está expresso na Constituição Federal e em diversos tratados internacionais.
Para combater as crueldades humanas, a lei deve frear as condutas que podem ser tomadas por homens que usam seu lado primitivo, ou seja, matam, lesionam e denigrem os outros. Para refinar o comportamento do homem em sociedade as leis são elaboradas. Assim, temos o Código Penal e demais ordenamentos que tutelam a vida e a integridade do ser humano. No entanto, a produção legislativa é insuficiente para proteger o homem e os direitos inerentes a ele. A interpretação da lei, para determinar seu sentido e alcance é a maior arma contra crueldades.
A dignidade é um atributo humano sentido e criado pelo homem, por ele desenvolvido e estudado, existindo desde os primórdios da humanidade, mas só nos últimos dois séculos percebido plenamente. Contudo, apesar de que quando o ser humano começou a viver em sociedades rudimentares organizadas a honra, a honradez e a nobreza já eram respeitadas por todos do grupo, o que não era percebido e entendido concretamente, mas geravam destaque a alguns membros.
Do latim dignĭtas, dignidade é a qualidade de (ser) digno. Este adjetivo faz referência ao correspondente ou ao proporcionado ao mérito de alguém ou de algo, ao que é merecedor de algo e de cuja qualidade é aceitável. A dignidade está relacionada com a excelência, a gravidade e a honorabilidade das pessoas na sua forma de se comportar. Um sujeito que se comporta com dignidade é alguém de elevada moral, sentido ético e ações honrosas.
A dignidade da pessoa humana não é vista pela maioria dos autores como um direito, pois ela não é conferida pelo ordenamento jurídico. Trata-se de um atributo que todo ser humano possui independentemente de qualquer requisito ou condição, seja ele de nacionalidade, sexo, religião, posição social etc. É considerada como o nosso valor constitucional supremo, o núcleo axiológico da constituição.
Marcelo Novelino considera que:
“A dignidade é considerada o valor constitucional supremo e, enquanto tal, deve servir, não apenas como razão para a decisão de casos concretos, mas principalmente como diretriz para a elaboração, interpretação e aplicação das normas que compõem a ordem jurídica em geral, e o sistema de direitos fundamentais, em particular”.[10]
Ainda nesta linha de raciocínio diz que:
“(…)A dignidade, em si, não é um direito, mas uma qualidade intrínseca a todo ser humano, independentemente de sua origem, sexo, idade, condição social ou qualquer outro requisito. Nesse sentido, não pode ser considerada como algo relativo”.[11]
Ressalta ainda que, o reconhecimento e a proteção da dignidade da pessoa humana pelas constituições em diversos países ocidentais tiveram um vertiginoso aumento após a Segunda Guerra Mundial, como forma de reação às práticas ocorridas durante o nazismo e o fascismo e contra o aviltamento desta dignidade praticado pelas ditaduras ao redor do mundo. A escravidão, a tortura e, derradeiramente, as terríveis experiências feitas pelos nazistas com seres humanos, fizeram despertar a consciência sobre a necessidade de proteção da pessoa, com o intuito de evitar sua redução à condição de mero vil objeto.
Sendo a dignidade da pessoa humana um fundamento da República, a essa categoria erigido por ser um valor central do direito ocidental que preserva a liberdade individual e a personalidade, portanto, um princípio fundamental alicerce de todo o ordenamento jurídico pátrio, não há como ser mitigado ou relativizado, sob pena de gerar a instabilidade do regime democrático, o que confere ao dito fundamento caráter absoluto.
Nesse sentido, Flávia Piovesan:
“A dignidade da pessoa humana, (…) está erigida como princípio matriz da Constituição, imprimindo-lhe unidade de sentido, condicionando a interpretação das suas normas e revelando-se, ao lado dos Direitos e Garantias Fundamentais, como cânone constitucional que incorpora “as exigências de justiça e dos valores éticos, conferindo suporte axiológico a todo o sistema jurídico brasileiro.”[12]
Ainda nesse mesmo contexto diz a autora que:
“É no valor da dignidade da pessoa humana que a ordem jurídica encontra seu próprio sentido, sendo seu ponto de partida e seu ponto de chegada, na tarefa de interpretação normativa. Consagra-se, assim, dignidade da pessoa humana como verdadeiro super princípio a orientar o Direito Internacional e o Interno”.[13]
O fato de a dignidade ter um caráter absoluto, isto é, não comportar gradações no sentido de existirem pessoas com maior ou menor dignidade, não significa que a dignidade humana seja um princípio absoluto, pois apesar de ter um peso elevado na ponderação, o seu cumprimento, assim como o de todos os demais princípios, ocorre em diferentes graus, de acordo com as possibilidades fáticas e jurídicas existentes.
Uma série de obstáculos dificulta a tarefa de definir com precisão o que seja a dignidade da pessoa humana, mas não impede a identificação de hipóteses nas quais ocorre sua violação no plano jurídico. Como já dito anteriormente, a dignidade é uma qualidade intrínseca de todo ser humano, e não um direito conferido às pessoas pelo ordenamento jurídico. A sua consagração como fundamento do Estado brasileiro não significa, portanto, a atribuição de dignidade às pessoas, mas sim a imposição aos poderes públicos, dos deveres de respeito, proteção e promoção dos meios necessários a uma vida digna.
Para o prof. Marcelo Novelino, citando Ana Paula de Barcellos:
“A ideia do mínimo existencial (ou núcleo da dignidade humana) tem sido proposta como forma de superação de várias dificuldades inerentes à dignidade, "na medida em que procura representar um subconjunto, dentro dos direitos sociais, econômicos e culturais, menor – minimizando o problema dos custos – mais preciso – procurando superar a imprecisão dos princípios – e, sobretudo, efetivamente exigível do Estado (…)”.[14]
No seu sentido mais profundo, a dignidade é uma qualidade humana que depende da racionalidade. Apenas os seres humanos, tem capacidade para melhorar a sua vida a partir do livre-arbítrio e do exercício da sua liberdade individual. Neste sentido, a dignidade está vinculada à autonomia e à autarquia do homem que se governa a si mesmo com retidão e honra.
Ante ao exposto, verifica-se que a dignidade é uma qualidade inerente ao ser humano, que dotado de racionalidade tem a capacidade amoldar o seu comportamento dirigindo-o, em função dos valores mais elevados quais sejam: a moral, ética, honra, porém, tudo em função da sua racionalidade, fato que não observamos nos outros seres vivos.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Chegando ao final deste estudo, é possível identificar que o tema direitos humanos e dignidade da pessoa humana, apresenta uma série de controvérsias doutrinárias, logo, não há de se questionar a constitucionalidade de uma interpretação consonante com os Direitos Humanos. Na hierarquia das normas, pela teoria de Hans Kelsen, a Constituição Federal fica no topo da pirâmide, de maneira que, nada pode a contrariar. Como o art. 4º, inciso II, é parte integrante da Magna Carta, é inadmissível qualquer exegese que não observe o princípio de prevalência dos direitos humanos.
Para que não ocorram crueldades, como as da Segunda Guerra Mundial, a prevalência deste modo de interpretação é indispensável. Ao profissional do Direito compete aplicar a lei não destoando deste sentido.
O hermeneuta jurídico deve compreender a norma e extrair dela o direito que se pretende tutelar, para isso o senso crítico com vistas aos Direitos Humanos é a melhor forma do operador do Direito cumprir seu papel na sociedade, que é o de fornecer Justiça!
Afora outras especulações, inclusive de natureza constitucional, não há dúvida de que a eficácia negativa4 (autoriza que sejam declaradas inválidas todas as normas ou atos que contravenham os efeitos pretendidos pela norma) do princípio da dignidade da pessoa humana conduziria tal norma à invalidade. É que nada obstante a relativa indeterminação do conceito de dignidade humana há consenso de que em seu núcleo central deverão estar a rejeição às penas corporais, à fome compulsória e ao afastamento arbitrário da família.
Mas, mesmo diante de tais controvérsias, é possível encontrar pontos incontroversos suficientes para embasar a resolução do problema proposto por esta pesquisa. Resta evidente que dignidade da pessoa humana se trata de um conceito aberto e em constante modernização. Entretanto, também é evidente que é de uma qualidade intrínseca a todo e qualquer ser humano, independentemente de qualquer coisa.
Cada ser humano é detentor de sua própria dignidade, e desta forma, merecedor de respeito por parte do Estado e da comunidade, devendo ser também reconhecida as especificidades de cada ser humano. Cabe ressaltar que o princípio da dignidade da pessoa humana não se trata de um princípio absoluto, pois como fora defendido diversas vezes neste trabalho, não há como sustentar a existência de princípios absolutos. Diante dos ensinamentos de Immanuel Kant e Leonardo Agostini, que entendem que o ser humano deve ser respeitado como tal, não podendo ser usado como objeto para obtenção de benefício de terceiros.
Salienta-se apenas, neste sentido, o fato de existir a necessidade do consentimento livre e esclarecido sobre as circunstâncias pertinentes, pois quando se fala em objeto, percebe-se, que inicialmente, que há uma ideia de instrumentalização, quando deveria dar uma ideia de usurpação, como por exemplo o serviço escravo.
A dignidade da pessoa humana é a mola propulsora para uma vida com respeito, dignidade, e mais humanidade. Diante do que foi exposto, o Estado intervém em uma vontade livre e esclarecida do ser humano. Neste caso, o estado, garante a cada cidadão seus direitos fundamentais, garantindo que a lei seja aplicada preservando assim a igualdade de todos. Pode-se pensar que há um princípio ou direito absoluto, o da dignidade da pessoa humana. A razão dessa impressão é que a norma da dignidade da pessoa humana é tratada, em parte, como regra e, em parte, como princípio; e também pelo fato de que, para o princípio da dignidade humana, existe um amplo grupo de condições de precedência, nas quais há um alto grau de segurança acerca de que, de acordo com elas, o princípio da dignidade da pessoa precede aos princípios opostos. Assim, absoluto não é o princípio da dignidade humana, mas a regra, que, devido a sua abertura semântica, não necessita de uma limitação com respeito a nenhuma relação de preferência relevante. O princípio da dignidade da pessoa, por sua vez, pode ser realizado em diferentes graus.
Após essa análise, conclui-se que a Dignidade da Pessoa Humana não é um direito absoluto, trata-se, portanto, de um princípio que “identifica um espaço de integridade moral a ser assegurado a todas as pessoas por sua só existência no mundo. É um respeito à criação, independentemente da crença que se professe quanto à sua origem. A dignidade relaciona-se tanto com a liberdade e valores como com as condições materiais de subsistência. Não tem sido singelo, todavia, o esforço para permitir que o princípio transite de uma dimensão ética e abstrata para as motivações racionais e fundamentadas das decisões judiciais. Partindo da premissa anteriormente estabelecida de que os princípios, a despeito de sua indeterminação a partir de certo ponto, possuem um núcleo no qual operam como regra, tem-se sustentado que no tocante ao princípio da dignidade da pessoa humana esse núcleo é representado pelo mínimo existencial. Embora existam visões mais contrarias do alcance elementar do princípio, há razoável consenso de que ele inclui pelo menos os direitos à renda mínima, saúde básica, educação fundamental e acesso à justiça.
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