Dissolução de sociedade e responsabilidade dos sócios na visão do Superior Tribunal de Justiça

Dois são os dispositivos do CTN que cuidam da responsabilidade dos sócios.

O art. 134, do CTN regula a responsabilidade solidária dos sócios, na verdade, responsabilidade subsidiária, observados os requisitos aí previstos:

Art. 134 Nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte, respondem solidariamente com este nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis:…

VII – os sócios, no caso de liquidação de sociedade de pessoas.”

Para a responsabilização do sócio, nos precisos termos dos dispositivos transcritos, é preciso:

(a) que a sociedade se encontre em regime de liquidação;

(b) que a sociedade seja de pessoas e não qualquer tipo de sociedade;

(c) que haja a impossibilidade de cumprimento da obrigação principal pela sociedade em liquidação;

(d) que haja ato omissivo ou comissivo do sócio na situação configuradora do fato gerador da obrigação tributária.

A responsabilização do sócio sem um nexo causal entre a sua ação ou omissão e o fato gerador da obrigação tributária implica admitir a responsabilidade objetiva que está limitada, entre nós, ao Estado e aos concessionários de serviços públicos (art. 37, § 6º da CF).

O art. 135, do CTN, por sua vez, regula a responsabilidade pessoal dos diretores, gerentes ou representantes de sociedades empresárias em geral nos seguintes termos:

São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos:

I – as pessoas referidas no artigo anterior;

II – os mandatários, prepostos e empregados;

III – os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.”

Aqui, a responsabilidade é pessoal do agente que praticou os atos com excesso de poderes ou infração de lei, contrato ou estatuto. Opera-se, no caso, a responsabilidade por substituição segundo a doutrina e a jurisprudência pacíficas.

É preciso que esse ato ilegal ou exorbitante dos limites contratuais ou estatutários resulte no surgimento de obrigações tributárias. A exemplo do que acontece na situação prevista no artigo anterior, a responsabilidade do agente não pode surgir do nada. É preciso a demonstração de culpa subjetiva ou dolo do agente (diretor, gerente ou administrador), sem o que não se pode cogitar de responsabilidade por substituição.

Entretanto, não é o que vem acontecendo na realidade jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça, que criou a figura da dissolução irregular da sociedade como uma das hipóteses de infração de lei, como se vê da ementa abaixo:

PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO FISCAL. SOCIEDADE EMPRESÁRIA EXECUTADA DISSOLVIDA IRREGULARMENTE, POR PRESUNÇÃO. RESPONSABILIZAÇÃO DE SÓCIOS QUE NÃO INTEGRAVAM O QUADRO SOCIETÁRIO À ÉPOCA DO FATO GERADOR. IMPOSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DOS REQUISITOS DO ART. 135, III, DO CTN.

1. Caso em que se discute a responsabilidade tributária de sócios por dívida fiscal constituída em época que não integravam o quadro societário da sociedade empresária executada, considerada pelo acórdão recorrido, por presunção, irregularmente dissolvida.

2. Agravo regimental no qual se sustenta: (i) inaplicabilidade da Súmula n. 7 do STJ ao caso; e (ii) que a dissolução irregular da sociedade empresária executada enseja a responsabilidade dos sócios, mesmo que venham a integrar o quadro societário após a constituição da dívida executada.

3. No caso, o acórdão recorrido não consignou que houve a sucessão empresarial, mas tão somente que duas novas sócias foram admitidas no quadro social da sociedade empresária. Nesse contexto, não há como inferir violação ao art. 133 do CTN, pois para se chegar à conclusão de que houve a sucessão empresarial necessário seria o reexame do conjunto fático-probatório, o que, em sede de recurso especial, não é possível, à luz do entendimento sedimentado na Súmula n. 7 do STJ.

4. "O pedido de redirecionamento da execução fiscal, quando fundado na dissolução irregular da sociedade executada, pressupõe a permanência de determinado sócio na administração da empresa no momento da ocorrência dessa dissolução, que é, afinal, o fato que desencadeia a responsabilidade pessoal do administrador. Ainda, embora seja necessário demonstrar quem ocupava o posto de gerente no momento da dissolução, é necessário, antes, que aquele responsável pela dissolução tenha sido também, simultaneamente, o detentor da gerência na oportunidade do vencimento do tributo. É que só se dirá responsável o sócio que, tendo poderes para tanto, não pagou o tributo (daí exigir-se seja demonstrada a detenção de gerência no momento do vencimento do débito) e que, ademais, conscientemente, optou pela irregular dissolução da sociedade (por isso, também exigível a prova da permanência no momento da dissolução irregular)" (EDcl nos EDcl no AgRg no REsp 1.009.997/SC, Rel. Ministra Denise Arruda, Primeira Turma, julgado em 2/4/2009, DJe 4/5/2009).

5. Agravo regimental não provido” (AgRg no REsp 1153339/SP, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, julgado em 17-12-2009, DJe 02-02-2010).

No mesmo sentido, vários outros acórdãos, dentre os quais AgRg no REsp nº 1034238/SP, Rel. Min. Denise Arruda, DJe 4-5-2009); AgRg REsp nº 1138765/SC, Rel. Min. Castro Meira, j. 4-5-2010.

A dissolução de sociedade, regular ou irregular, pouco importa, por si só, não tem o condão de responsabilizar o sócio ao teor do art. 135, III do CTN. É preciso que o tributo tenha surgido da dissolução, ou seja, que o ato de dissolução tenha implicado a ocorrência do fato gerador da obrigação tributária.

Ora, de duas uma: ou o tributo já existia antes da dissolução e neste caso os sócios da sociedade dissolvida não respondem pelo crédito tributário; ou não existia o crédito tributário e os sócios nada têm a pagar. Esta última hipótese é praticamente inexistente na realidade de nossos dias, porque a dissolução ocorre exatamente em função da inviabilidade econômico-financeira no prosseguimento da atividade empresarial. Nunca se viu dissolução de uma empresa lucrativa.

A dissolução de uma sociedade inviabilizada economicamente, além de ser um ato legítimo e regular dos sócios, não tem o condão de implicar, por si só, o surgimento de obrigações tributárias, normalmente preexistentes, o que não autoriza o intérprete a enquadrar essa hipótese na situação descrita no art. 135, III, do CTN. Outrossim, considerar a dissolução como irregular por ausência de baixa da inscrição na repartição fiscal competente é um grande equívoco. Quando se dissolve uma empresa endividada, sem perspectiva de recuperação não se trata de uma livre opção dos sócios. Se na fase de realização do ativo e liquidação do passivo houver pagamento de credor quirografário antes do crédito tributário, aí sim houve ilegalidade por parte do liquidante que ordenou esse pagamento com inversão do privilégio fiscal. Mas, não é isso que a jurisprudência está considerando para responsabilizar o sócio de sociedade dissolvida.

Ora, a sociedade é dissolvida porque é incapaz de solver as suas obrigações civis, trabalhistas ou tributárias. Em outras palavras, a sociedade dissolvida invariavelmente é devedora de tributos e como tal impossível a sua baixa na repartição competente, por impossibilidade de obtenção da certidão negativa de tributos exigida pela legislação.

Como se sabe, a certidão negativa de tributos, que deveria ser um instrumento de garantia do contribuinte, vem se transformando num verdadeiro instrumento de coação indireta do contribuinte à medida que “n” situações vem sendo criadas pelo legislador ordinário exigindo a sua apresentação prévia para a prática de atos.

Logo, para a sociedade dissolvida dar baixa na repartição fiscal teria que previamente solver os créditos tributários em aberto, a menos que consiga obter a certidão positiva com efeito de negativa por via do mandado de segurança, quase sempre indeferido pelo Poder Judiciário.

Na verdade, a LC nº 139/211, em seu art. 9º, § 3º permite que as pequenas e microempresas sem movimentação há mais de 12 meses requeiram a baixa de sua inscrição na repartição fiscal competente independentemente do pagamento prévio dos tributos devidos. Só que esse requerimento importa ipso facto na responsabilidade solidária dos sócios e administradores da empresa requerente, nos termos do parágrafo 5º do mesmo artigo.

À vista do exposto merece, data vênia, revisão a jurisprudência dominante do STJ que criou, por via pretoriana, uma nova hipótese de atuação ilegal do sócio a implicar responsabilização pessoal pelos tributos devidos pela sociedade, contrariando a letra e o espírito do art. 112 do CTN, que prescreve a interpretação favorável ao acusado das normas da lei tributária que define as infrações.


Informações Sobre o Autor

Kiyoshi Harada

Especialista em Direito Tributário e em Ciência das Finanças pela FADUSP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro em várias instituições de ensino superior. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.


Equipe Âmbito Jurídico

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