Resumo: Quando instalado um quadro de Alienação Parental, o genitor que é alienado perde algo que é irreparável. Hoje em dia, após a consagração do princípio da reparabilidade do dano moral, até mesmo na Constituição Federal, não pode-se discordar que esses sentimentos feridos pela dor moral devem ser indenizados. Uma vez que as medidas previstas na Lei da Alienação Parental, bem como tomadas pelo Poder Judiciário, não são suficientes para impedir, mesmo após a identificação da SAP, que a alienação continue sendo desenvolvida, é imperioso achar um recurso mais eficaz. Tendo em vista a complexidade dos casos de Alienação Parental, não será uma sentença ou um simples tratamento psicológico ao infante que irão por um fim à Alienação, muito menos, a reversão da guarda, pois, tal medida pode causar imenso sofrimento à própria criança. Dessa forma, a condenação por danos morais do genitor alienador, teria a função de indenizar o alienado pelo seu sofrimento, por todos os danos que lhe foram causados, e, principalmente, também seria uma forma bastante eficaz de inibir a continuidade dos atos dos genitores alienadores.
Palavras-chave: Dano Moral, Síndrome da Alienação Parental, Sanções.
Sumário: 1. Introdução; 2. O dano moral, os requisitos para sua fixação e a sua reparabilidade; 3. A síndrome da alienação parental; 3.1. Síndrome da alienação parental x alienação parental; 3.2. Sanções aplicadas; 4. Foco sob a lei nº12.318 de 28 de agosto de 2010 – que dispõe sobre a alienação parental; 5. Do entendimento jurisprudencial; 6. Do cabimento de dano moral na sap; 7.refencias
1 INTRODUÇÃO
É cada vez mais freqüente a abordagem sobre o tema Síndrome da Alienação Parental, que foi pela primeira vez conceituada pelo psiquiatra americano Richard Gardner em 1985, como sendo o processo de programar uma criança para que odeie o seu genitor sem qualquer justificativa, tratando-se de uma verdadeira campanha para desmoralizá-lo.
Esse processo se desencadeia quando um dos ex-cônjuges não consegue elaborar adequadamente o luto da separação e ao ver o interesse do outro em preservar a convivência com o filho, quer vingar-se, passando a utilizá-lo como uma arma, afastando este do outro genitor.
Para inibir a Síndrome da Alienação Parental foi publicada em 2010 a Lei nº 12.318 que determinou medidas a serem aplicadas pelo Judiciário nos casos em que a Síndrome é identificada, para tentar inviabilizar o processo de alienação.
Tendo em vista a grande relevância do tema no ramo do Direito de Família e as poucas decisões judiciais que visam inibir ou cessar o processo de alienação parental, é indispensável demonstrar o cabimento do Dano Moral na Alienação Parental, por se tratar de uma importante medida punitiva e inibidora desse processo.
2 O DANO MORAL, OS REQUISITOS PARA SUA FIXAÇÃO E A SUA REPARABILIDADE
O dano moral se configura quando o bem jurídico atingido pelo ofensor é um dos direitos da personalidade. Esses direitos podem ser realizados em diferentes dimensões e também podem ser violados em diferentes níveis. Em outras palavras, o dano moral pode se manifestar sobre o aspecto físico, psíquico e moral, ou seja, não só aquilo que é moral, mas também imaterial. Esse é o entendimento das concepções mais modernas, que abstraem o caráter estritamente econômico do patrimônio, para ampliar o seu conteúdo de modo a compreender valores imateriais, inclusive de natureza ética.
Conforme o entendimento de Yussef Said Cahali, o que enseja dano moral é “tudo aquilo que molesta gravemente a alma humana, ferindo-lhe gravemente os valores fundamentais inerentes à sua personalidade ou reconhecidos pela sociedade em que está integrado”.[1]
O tratamento dado ao dano moral sempre foi algo polêmico no Brasil e com diferentes pontos de vista, ensejando frequentemente debates e decisões divergentes na jurisprudência de todo o país.
Quanto ao dano moral é possível afirmar que com o desenvolvimento da sociedade, verificou-se que o conceito de culpa se mostrou insuficiente para a sua determinação, tendo em vista que, com a sua aplicação, diversos prejuízos restariam irreparáveis.
O artigo 927 do CPC e seu parágrafo único consagram a responsabilidade subjetiva e a responsabilidade objetiva para além da análise do elemento subjetivo, porém, a caracterização do dano moral nas duas espécies de responsabilidade depende da ocorrência de três elementos essências, quais sejam: a quebra de um dever jurídico ou conduta humana antijurídica, o dano e o nexo causal.
De fato, a conduta humana que ocasiona o prejuízo deve ser necessariamente um ato ilícito, isto é, um ato contrário ao direito, sendo certo que não é possível atribuir reparação de um dano à alguém se, entre a violação do dever jurídico, a conduta e o dano, não existisse uma relação de causalidade[2].
O dever de indenizar representa, por si só, a obrigação fundada na sanção do ato ilícito, dessa forma, pode-se perceber que o fundamento da reparação do dano moral não difere substancialmente do fundamento jurídico do ressarcimento do dano patrimonial, permanecendo, em ambos, as características sancionatórias e aflitivas. Nesse sentido discorre Yussef Said Cahali:
“(…)a restituição resolve-se no sacrifício de um interesse idêntico, enquanto a pena se resolve no sacrifício de um interesse diverso a ser cominado segundo o preceito, correlatamente, a restituição tem caráter de satisfação, enquanto a pena tem caráter aflitivo.”[3]
A diferença entre esses dois tipo de dano é que, no dano patrimonial, busca-se a reposição daquele objeto ou o valor equivalente em dinheiro, de modo a poder indenizar completamente o ofendido, fazendo com que o seu patrimônio volte ao estado em que se encontraria se não tivesse ocorrido o fato danoso, ou seja, ocorre o ressarcimento integral do dano ao patrimônio.
Já a sanção do dano moral, não tem seu fim em uma indenização propriamente dita, uma vez que isso significaria a eliminação do prejuízo e das suas conseqüências, o que não é possível quando estamos diante de dano extrapatrimonial. A sua reparação será por meio de uma compensação, impondo ao ofensor a obrigação de pagar uma quantia em dinheiro, proporcionando uma reparação satisfatória ao ofendido e conseqüentemente um prejuízo no patrimônio do ofensor.
Nas palavras de Humberto Theodoro Junior:
“Hoje, está solidamente assentada a ampla e unitária teoria da reparação de todo e qualquer dano civil, ocorra ele no plano do patrimônio ou na esfera da personalidade da vítima. Há de indenizar o ofendido todo aquele que cause um mal injusto a outrem, pouco importando a natureza da lesão”.[4]
Qualquer discussão sobre o reconhecimento do dano moral no direito brasileiro deveria ter se encerrado com o advento da Constituição Federal de 1988, cujo art.5º, incisos V e X, que expressamente dispõe:
“Art.5. V- é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;
X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua vida”
Entretanto, mesmo com a maioria da doutrina se orientando no mesmo sentido da nossa Constituição, a jurisprudência ainda representava a maior barreira à admissão do reconhecimento da reparabilidade do dano moral, eis que se negava a reconhecer a sua existência naquelas situações em que a vítima, em um mesmo processo, postulava, também, indenização por danos materiais.
“INDENIZAÇÃO. ATO ILÍCITO. CUMULAÇÃO DE DANOS MATERIAL E MORAL. POSSIBILIDADE. ESTREME DE DÚVIDAS O CABIMENTO DA CUMULAÇÃO DOS DANOS MATERIAL E MORAL NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO, EM CASOS DE INDENIZAÇÃO POR ATO ILÍCITO. DANOS MORAL E ESTÉTICO. CUMULAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. O DANO MORAL NÃO SE CONFUNDE COM O DANO ESTÉTICO, SENDO ESTE UMA ESPÉCIE DAQUELE. CONTUDO, NÃO É POSSÍVEL SUA CUMULAÇÃO PARA EFEITO DE INDENIZAÇÃO”.[5]
Foi preciso que o Superior Tribunal de Justiça superasse as digressões jurisprudenciais que ainda remanesciam, através da edição e posterior consolidação da Súmula 37, segundo a qual, “são cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundo do mesmo fato”.[6]
Pela simples interpretação literal do Código Civil brasileiro, a função da responsabilidade civil por dano moral é sempre compensatória e reparatória, não podendo lhe atribuir uma função punitiva.
Porém, são cada vez mais freqüentes os defensores do caráter punitivo ou retributivo do dano moral no Brasil. A indenização, além de compensar o dano, assumiria uma função desencorajadora.
“Como forma de afastar o argumento moral de que não se pode estimar a extensão do dano moral, doutrina e jurisprudência passaram a entender o pagamento pecuniário como sanção pela conduta indesejável. Assim, Carlos Alberto Bittar, Sérgio Cavalieri Filho, Maria Helena Diniz e José Carlos Moreira Alves, dentre outros, filiaram-se à teoria do desestímulo.”[7]
A tese da função punitiva do dano moral já foi levantada até mesmo no Superior Tribunal de Justiça, conforme o brilhante voto do Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, no sentido de que o direito pode, de alguma maneira, diminuir a dor da perda de um ente querido pela indenização, que deve representar sim um caráter de punição e ao mesmo tempo de desestímulo do ato ilícito, vejamos:
“PROCESSO CIVIL. AGRAVO CONTRA INADMISSÃO DE RECURSO ESPECIAL. PROVIMENTO PARCIAL. PRECLUSÃO DOS TEMAS DESACOLHIDOS NO AGRAVO. CIVIL. INDENIZAÇÃO. VINGANÇA. DISPAROS DE ARMA DE FOGO. PARAPLEGIA. MOTIVO FÚTIL. DANO MORAL. VALOR DA INDENIZAÇÃO. CONTROLE PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. MAJORAÇÃO. PENSÃO MENSAL. MAJORAÇÃO. DESPESAS COM ADVOGADOS PARA ACOMPANHAR AÇÃO PENAL CONTRA O AUTOR DOS DISPAROS. INDEFERIMENTO. TRATAMENTO NO EXTERIOR. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. I – O valor da indenização por dano moral sujeita-se ao controle do Superior Tribunal de Justiça, desde que o quantum contrarie a lei ou o bom senso, mostrando-se manifestamente exagerado, ou irrisório, distanciando-se das finalidades da lei. Na espécie, levando em consideração a situação econômico-social das partes, a atividade ilícita exercida pelo réu 2º recorrente, de ganho fácil, o abalo físico, psíquico e social sofrido pelo autor, o elevado grau da agressão, a ausência de motivo e a NATUREZA PUNITIVA E INIBIDORA QUE A INDENIZAÇÃO, NO CASO, DEVE TER, MOSTROU-SE INSUFICIENTE O VALOR FIXADO pelo Tribunal de origem a título de danos morais, a reclamar majoração.(…)”[8] (g.n.)
No mesmo sentido se posicionou a Ministra Denise Arruda:
“RECURSO ESPECIAL DE JPGB E OUTROS. ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. ERRO MÉDICO. HOSPITAL MUNICIPAL. AMPUTAÇÃO DE BRAÇO DE RECÉM-NASCIDO. DANOS MORAIS E ESTÉTICOS. CUMULAÇÃO. POSSIBILIDADE. QUANTUM INDENIZATÓRIO FIXADO EM FAVOR DOS PAIS E IRMÃO. RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.1. É possível a cumulação de indenização por danos estético e moral, ainda que derivados de um mesmo fato, desde que um dano e outro possam ser reconhecidos autonomamente, ou seja, devem ser passíveis de identificação em separado. Precedentes.(…)6. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 447.584/RJ, de relatoria do Ministro Cezar Peluso (DJ de 16.3.2007), acolheu a proteção ao dano moral como verdadeira "tutela constitucional da dignidade humana", considerando-a "um autêntico direito à integridade ou à incolumidade moral, pertencente à classe dos direitos absolutos".7. O Ministro Luix Fux, no julgamento do REsp 612.108/PR (1ª Turma, DJ de 3.11.2004), bem delineou que "deflui da Constituição Federal que a dignidade da pessoa humana é premissa inarredável de qualquer sistema de direito que afirme a existência, no seu corpo de normas, dos denominados direitos fundamentais e os efetive em nome da promessa da inafastabilidade da jurisdição, marcando a relação umbilical entre os direitos humanos e o direito processual".8. Com essas considerações, pode-se inferir que é devida a condenação cumulativa do Município à reparação dos danos moral e estético causados à vítima, na medida em que o recém-nascido obteve grave deformidade – prejuízo de caráter estético – e teve seu
direito a uma vida digna seriamente atingido – prejuízo de caráter moral. Inclusive, a partir do momento em que a vítima adquirir plena consciência de sua condição, a dor, o vexame, o sofrimento e a humilhação certamente serão sentimentos com os quais ela terá de conviver ao longo de sua vida, o que confirma ainda mais a efetiva existência do dano moral. Desse modo, é plenamente cabível a cumulação dos danos moral e estético nos termos em que fixados na r.sentença, ou seja, conjuntamente o quantum indenizatório deve somar o total de trezentos mil reais (R$ 300.000,00). Esse valor mostra-se razoável e proporcional ao grave dano causado ao recém-nascido, E CONTEMPLA TAMBÉM O CARÁTER PUNITIVO E PEDAGÓGICO DA CONDENAÇÃO.(…)10. Recurso especial parcialmente provido, apenas para determinar a cumulação dos danos moral e estético, nos termos em que fixados na r. sentença, totalizando-se, assim, trezentos mil reais (R$ 300.000,00)”.[9](g.n.)
Assim, podemos concluir que o magistrado ao fixar o valor indenizatório do dano moral deve levar em conta tanto a qualidade do atingido como a capacidade financeira do ofensor, como uma forma de inibi-lo a futuras reincidências, ensejando-lhe expressivo gravame patrimonial, para alcançar o caráter punitivo-pedagógico da condenação.
Estabelecidas essas premissas a respeito dos elementos e das características do dano moral, passar-se-á à explanação acerca de sua aplicabilidade na Síndrome de Alienação Parental.
3 A SÍNDROME DA ALIENAÇÃO PARENTAL
A Síndrome da Alienação Parental do ponto de vista científico, sob a ótica da psiquiatria, desenvolveu-se a partir dos estudos de Richard Gardner[10], publicados em 1985, com apontamentos de certo número de situações patológicas de crescente freqüência em casos de conflitos familiares envolvendo filhos menores.
“A expressão “síndrome”, de indisfarçável coloração psiquiátrica, abrange não somente aqueles sinais caracterizadores da alienação, por práticas levadas a efeito por um dos genitores ou por outros cuidadores da criança ou do adolescente, mas igualmente, os sintomas de perturbação mental que atingem inexoravelmente o filho influenciado por aquela conduta, de modo a comportar-se negativamente em relação ao outro genitor atingido pelas imputações do primeiro”.[11]
Maria Berenice Dias define a Síndrome de Alienação Parental como:
“Um transtorno psicológico que se caracteriza por um conjunto de sintomas pelos quais um genitor, denominado cônjuge alienador, transforma a consciência de seus filhos, mediante diferentes formas e estratégias de atuação, com o objetivo de impedir, obstaculizar ou destruir seus vínculos com o outro genitor, denominado cônjuge alienado, sem que existam motivos reais que justifiquem essa condição. Em outras palavras, consiste num processo de programar uma criança para que odeie um de seus genitores sem justificativa, de modo que a própria criança ingressa na trajetória de desmoralização desse mesmo genitor.”[12]
Em sentido semelhante Beatriz Marinho Paulo e José Marinho Paulo Junior definem a SAP como:
“(…) forma de abuso, onde um genitor faz uma campanha de desmoralização do outro, programando a criança para que reprima a afeição que sente por ele e passe a odiá-lo e rejeitá-lo. É uma violação direta e intencional de uma das obrigações mais fundamentais do genitor: promover e estimular uma relação positiva e harmoniosa entre a criança e o outro genitor, e é também uma violência constante, permanente, invisível para as próprias vítimas, exercida por vis puramente simbólicas e de comunicação”.[13]
Segundo Richard Gardner, a síndrome resulta de uma campanha para denegrir, sem justificativa, uma figura parental boa e amorosa. Consiste na combinação de uma lavagem cerebral para doutrinar uma criança contra esta figura parental e da conseqüente contribuição da criança, para atingir o alvo da campanha difamatória. O psiquiatra introduz o termo para abranger a combinação destes dois fatores que contribuem para o desenvolvimento da síndrome (Gardner, 1985), nesse sentido:
“A Síndrome de Alienação Parental (SAP) é um distúrbio da infância que aparece quase exclusivamente no contexto de disputas de custódia de crianças. Sua manifestação preliminar é a campanha denegritória contra um dos genitores, uma campanha feita pela própria criança e que não tenha nenhuma justificação. Resulta da combinação das instruções de um genitor (o que faz a “lavagem cerebral, programação, doutrinação”) e contribuições da própria criança para caluniar o genitor-alvo. Quando o abuso e/ou a negligencia parentais verdadeiros estão presentes, a animosidade da criança pode ser justificada, e assim a explicação de Síndrome de Alienação Parental para a hostilidade da criança, não é aplicável.” [14](g.n.)
A SAP é caracterizada por um conjunto de oito sintomas principais, que aparecem na criança geralmente juntos, especialmente nos tipos moderado e severo de alienação:
“1.Uma campanha denegritória contra o genitor alienado.
2.Racionalizações fracas, absurdas ou frívolas para a depreciação.
3.Falta de ambivalência.
4.O fenômeno do “pensador independente”.
5.Apoio automático ao genitor alienador no conflito parental.
6.Ausência de culpa sobre a crueldade a e/ou a exploração contra o genitor alienado.
7.A presença de encenações “encomendadas”.
8.Propagação da animosidade aos amigos e/ou à família extensa do genitor alienado.”
A tentativa de denegrir a imagem do genitor alienado é um sintoma que costuma manifestar-se aparentemente dissociado de qualquer influência externa, ou seja, a criança passa a impressão de ser um pensador independente, alguém que tem suas próprias convicções e que procura externá-las de forma a tornar pública a impressão que tem do genitor alienado[15].
As manifestações da SAP nas crianças se apresentam por meio de uma propensão a distúrbios psicológicos como depressão crônica, desespero, ansiedade, pânico, incapacidade de adaptação, transtorno de identidade, sentimento incontrolável de culpa, isolamento, comportamento hostil, falta de organização e até mesmo uso de drogas. [16]
“Para Gardner, com o passar do tempo a SAP poderia significar não somente a extinção da relação da criança com o genitor alienado, como poderia causar problemas futuros em suas relações sociais com chefes, professores, namorado(a)s etc. O psiquiatra acreditava que alguém que durante a infância percebeu um dos pais como vilão ou ameaçador, não poderia se tornar uma pessoa saudável. Além disso, estava convencido de que surgiriam manifestações de distúrbios psiquiátricos ao longo da vida da criança” (Gardner, 1998b).[17]
No Brasil, tendo em vista que o tema sobre Alienação Parental surgiu em tempos recentes, inclusive em relação aos seus debates e divulgação, ainda são poucas e imprecisas as estatísticas e dados sobre os casos em que foram identificada a ocorrência da SAP.
Maria Luiza Campos da Silva Valente afirma que:
“No Brasil, desconheço a existência de dados oficiais sobre crianças e adolescentes que sofrem interferência do Guardião na visita à figura parental não Guardiã. Todavia, nos Estados Unidos, o “Children’s Right Council” (1994) estima que 6 milhões de crianças norte-americanas tem suas visitas interceptadas. Segundo Arditti (1992) aproximadamente 50% dos pais divorciados relatam que sua ex-esposa interferiu na visitação da prole. Por outro lado, aproximadamente 40% das mães guardiãs admitem negar visitação ao ex-marido para puni-lo” (Kressel, 1985).[18]
Porém, apesar de não existirem registros, é cada vez mais comum se constatar a presença dos sintomas da SAP nas crianças do nosso país, provocados por pais que não se entendem mais e usam os filhos como vingança de suas frustrações e ressentimentos, disfarçada de amor e cuidado.
No contexto que envolve a Síndrome da Alienação Parental é possível distinguir personagens em dois pólos: (a) o alienador, situado no pólo ativo, em geral constituído por um dos genitores ou, também, isoladamente ou em conjunto, por outros parentes próximos envolvidos na disputa; e (b) o alienado, localizado no pólo passivo, que por sua vez se desdobra por abranger o filho excluído e, também, o genitor colocado em situação de escanteio, além de, possivelmente, outros parentes que se situem do seu lado.
3.1 SÍNDROME DA ALIENAÇÃO PARENTAL X ALIENAÇÃO PARENTAL
No campo jurídico, o termo mais adequado a ser utilizado seria “Fenômeno de Exclusão Parental”, isso porque:
“A sigla, apesar de ser de fácil lembrança, quase magicamente, traz para o campo da objetividade os fenômenos das relações familiares que costumam ser de difícil objetivação, além disto, a sigla SAP foi muito desacreditada no exterior por não se constituir como síndrome no sentido médico e pela má utilização que foi feita dela nos Tribunais.”[19]
O manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos mentais – DSM-IV-TR – define síndrome como “um agrupamento de sinais e sintomas com base em sua frequente ocorrência, que pode sugerir uma patogênese básica, curso, padrão familiar ou tratamento comuns”.
A grande diferença entre o significado da Síndrome da Alienação Parental e Alienação Parental é que esta diz respeito a um estado de alheamento à realidade por parte da pessoa atuante ou da que seja atingida.
Para Richard Gardner, a alienação parental é gênero da SAP, tratando-se aquela do afastamento do genitor não-guardião do convívio parental, decorrente da própria conduta justificada do filho e não do seu guardião. Conforme o seu entendimento, a SAP tem especificações próprias e distintas da alienação parental, tratando-se de fenômenos diversos, embora de natureza similar:
“Alienação parental seria um conceito muito amplo, que poderia conter diferentes causas, como negligência, abusos (físicos, emocionais e sexuais), abandono e outros comportamentos por parte de um genitor. Quanto à SAP, Gardner enfatizava sua especificação como entidade clínica, a qual resultaria da combinação da programação realizada pelo genitor alienador e a contribuição da criança na campanha de difamação contra o outro genitor. Dessa forma, Gardner (2002b) compreendia a SAP como um tipo específico da alienação parental.”[20]
Para uma melhor diferenciação de ambos os fenômenos, o psiquiatra define a alienação parental como:
“Um termo genérico que abrange qualquer situação na qual um filho pode ser alienado de um de seus genitores. Pode ser causada por abuso parental físico, abuso verbal, abuso emocional, abuso mental, abuso sexual, abandono e negligencia. Adolescentes, como ato de rebelião, podem ser alienados de um dos pais”.[21]
Desta forma, vislumbra-se que teoricamente ambos os fenômenos possuem especificações próprias, porém na prática, e principalmente depois da publicação da Lei nº 12.318/2010 que dispõe sobre Alienação Parental, essa diferenciação entrou em desuso no Brasil, perdendo seu sentido, já que o legislador na referida lei, não se preocupou com a diferença conceitual dos dois institutos e usou o termo Alienação Parental no mesmo sentido de Síndrome da Alienação Parental, fazendo com que na prática do judiciário a diferenciação fosse extinta.
3.2. SANÇÕES APLICADAS
Quando já instalada a SAP, alguns autores, como Rodrigo da Cunha Pereira e Maria Berenice Dias, defendem como a saída principal a reversão da guarda, ou seja, que a melhor solução nesses casos é a imediata retirada do infante da convivência do genitor alienante.
Entretanto, existem outros meios mais eficazes para solucionar o problema que não são tão nocivos para a criança, isso porque, uma reversão de guarda repentina na cabeça de uma criança pode ser tão prejudicial quanto à própria alienação parental, pois acabaria representando uma alienação parental inversa, o que configuraria uma dupla violência para com o menor.
Richard Gardner em seus estudos (1998) sugere quais medidas judiciais deveriam ser impostas ao genitor identificado como alienador. Tais medidas poderiam ser de ordem financeira, como o pagamento de multa ou a redução da pensão alimentícia dos filhos, ou de ordem física, como a implantação de transmissores eletrônicos no tornozelo do genitor alienador como forma de rastrear seus movimentos, ou ainda de ordem jurídica, como a perda da guarda dos filhos e a suspensão de qualquer contato do alienador com eles.[22]
Se estas sanções não fossem suficientes, o psiquiatra aconselhava, como último recurso – e mais extremo – a decretação de prisão do genitor alienador. Ainda, segundo ele, associada a estas sanções deveria haver, também, a imposição judicial de tratamento psicoterápico. Nesse caso, seria importante que os terapeutas responsáveis, lançassem mão de alertas sobre a possibilidade da adoção de medidas judiciais que poderiam recair sobre os membros da família, caso não contribuíssem positivamente para o tratamento da SAP.[23]
De todo modo, Richard Gardner sempre alertou que qualquer que fosse a medida adotada, a intervenção deveria ser rápida, de modo a evitar que o vínculo entre a criança e o genitor “alienado” fosse irremediavelmente prejudicado ou destruído.[24]
4. FOCO SOB A LEI Nº12.318 DE 28 DE AGOSTO DE 2010 – QUE DISPÕE SOBRE A ALIENAÇÃO PARENTAL
O crescente interesse sobre o tema da “Alienação Parental” e os diversos debates nos meios acadêmicos e profissionais, resultou na propositura do Projeto de Lei n.º 4.053/2008 que culminou na Promulgação da Lei nº 12.318/2010.
A referida Lei, aprovada no fim de agosto de 2010, teve como justificativa inibir a alienação parental e os atos que dificultam o efetivo convívio entre a criança e ambos os genitores. Salientou-se haver notória resistência entre os operadores do Direito no que tange ao reconhecimento da gravidade do problema.
O conceito de alienação parental vem disposto no artigo 2º da Lei, nos seguintes termos:
“Art.2. Considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este”.
O conceito aponta o ato de interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente, pessoas em fase de crescimento, com a sua personalidade, valores e opiniões em formação e, por isso mesmo, mais sujeitas a influências externas, principalmente dentro do bojo da sua própria família.
O texto legal menciona como possíveis alienadores aqueles que tenham a criança ou adolescente sob sua autoridade, abrangendo os casos de famílias substitutas por guarda, tutela ou adoção. De acordo com o conceito apresentado no artigo 2º, a diferenciação entre a Síndrome da Alienação Parental e a Alienação Parental foi ignorada, utilizando-se o conceito da SAP para se referir à alienação em geral.
Além de pretender introduzir uma definição legal de alienação parental no ordenamento jurídico, a lei estabelece rol exemplificativo de condutas que dificultam o efetivo convívio entre criança e genitor, de forma a não apenas viabilizar o reconhecimento jurídico da conduta da alienação parental, mas sinalizar claramente à sociedade que a mesma merece reprimenda estatal.
Como outrora se apontou, o tempo é primordial em um quadro em que esteja instalada a SAP: quanto maior a morosidade do processo judicial, mais chances existem de uma alienação parental não ser revertida, gerando terríveis conseqüências para toda a vida dos envolvidos.
Assim, restou determinado na lei que, uma vez detectado indícios de ato de alienação parental, a título de requerimento da parte interessada ou de ofício pelo juiz, em qualquer momento processual, em ação autônoma ou incidentalmente, o processo terá tramitação prioritária, e o juiz determinará, com urgência, ouvido o Ministério Público, todas as medidas provisórias necessárias para preservação da integridade psicológica da criança ou do adolescente, inclusive para assegurar sua convivência com genitor ou viabilizar a efetiva reaproximação entre ambos, se for o caso.
Assegura-se ainda, a garantia mínima de visitação assistida à criança ou adolescente para o genitor, ressalvado o caso que há iminente risco de prejuízo à integridade física ou psicológica da criança ou do adolescente, risco este que deve ser cabalmente comprovado.
Este talvez seja um dos pontos mais problemáticos do diploma legislativo, tendo em vista a dificuldade de averiguação desse risco iminente, no caso concreto, levando-se em conta os quadros da síndrome, em que falsas denúncias e distorções de fatos são freqüentemente utilizados.
Apesar de estar presente no projeto de Lei nº 4.053/2008, o Presidente da República na época, Luiz Inácio Lula da Silva, vetou o artigo que previa a prisão do genitor que praticasse a alienação parental, por julgar ser uma sanção demasiadamente pesada para o caso.
O art. 7º a lei determina que a atribuição ou alteração da guarda dar-se-á por preferência ao genitor que viabilize a efetiva convivência da criança ou adolescente com o outro genitor nas hipóteses em que seja inviável a guarda compartilhada. Porém, na prática é muito difícil que um genitor que já foi alienado e receba a guarda da criança, confie e viabilize a convivência do outro genitor com a criança ou adolescente. Muitas vezes o genitor alienado passa a ser o alienante, devido a todo processo sofrido, o qual gerou magoas, sentimentos de vingança e desconfiança.
Para evitar tentativas de impedimento do trâmite normal do processo e da investigação em relação à instalação da SAP, o legislador enfatizou no art. 8º da lei que a alteração do domicílio da criança ou adolescente é irrelevante para a determinação da competência relacionada às ações fundadas em direito de convivência familiar, salvo se decorrente de consenso entre os genitores ou de decisão judicial.
O art. 9º, que dispunha que as partes, por iniciativa própria ou sugestão do juiz, do Ministério Público ou do Conselho tutelar, poderiam utilizar-se do procedimento da mediação para a solução do litígio, antes ou no curso do processo judicial, também foi vetado pelo Presidente da República, com a justificativa de que o direito da criança e do adolescente à convivência familiar é indisponível, não cabendo sua apreciação por mecanismos extrajudiciais de conflitos.
5. DO ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul foi pioneiro ao identificar a prática da Síndrome da Alienação Parental e ao aplicar uma das sanções mais graves, qual seja, a reversão da guarda:
“GUARDA. SUPERIOR INTERESSE DA CRIANÇA. SÍNDROME DA ALIENAÇÃO PARENTAL.Havendo na postura da genitora indícios da presença da síndrome da alienação parental, o que pode comprometer a integridade psicológica da filha, atende melhor ao interesse da infante, mantê-la sob a guarda provisória da avó paterna. Negado provimento ao agravo”.[25]
A ex-desembargadora Maria Berenice Dias no julgamento do agravo de instrumento n.º 70015224140, em 12/07/2006, manteve a visitação assistida do genitor acusado de abuso sexual, ao fundamento de que não existiam provas suficientes para o reconhecimento da sevícia e que a hipótese poderia ser de Síndrome de Alienação Parental.
“DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR. ABUSO SEXUAL. síndrome da alienação parental.Estando as visitas do genitor à filha sendo realizadas junto a serviço especializado, não há justificativa para que se proceda a destituição do poder familiar. A denúncia de abuso sexual levada a efeito pela genitora, não está evidenciada, havendo a possibilidade de se estar frente à hipótese da chamada síndrome da alienação parental. Negado provimento”.[26]
Do mesmo modo, também de forma inovadora, o Tribunal do Rio Grande do Sul cominou a fixação de astreinte à mãe guardiã se ela não levasse o filho à visitação paterna, uma solução prática e eficaz para impedir a continuidade da alienação parental:
“agravo de instrumento. ação de execução de fazer. imposição à mãe/guardiã de conduzir o filho à visitação paterna, como acordado, sob pena de multa diária. Indícios de síndrome de alienação parental por parte da guardiã que respalda a pena imposta. Recurso conhecido em parte e Desprovido”.[27]
O posicionamento da doutrina vem se orientando no sentindo de identificar e repreender a Síndrome da Alienação Parental com a maior brevidade possível. A notoriedade recebida pelo tema após a promulgação da lei em 2010 levou ao aparecimento de acórdãos em Tribunais mais conservadores como no TJMG:
“EMENTA: AÇÃO DE REGULAMENTAÇÃO DE VISITAS – PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA – AVERSÃO DO MENOR À FIGURA DO PAI – INDÍCIOS DE ALIENAÇÃO PARENTAL – NECESSIDADE DE CONVIVÊNCIA COM A FIGURA PATERNA – ASSEGURADO O DIREITO DE VISITAS, INICIALMENTE ACOMPANHADAS POR PSICÓLOGOS – REFORMA PARCIAL DA SENTENÇA. – O direito de vistas decorre do poder familiar, sendo a sua determinação essencial para assegurar o desenvolvimento psicológico, físico e emocional do filho. – É certo que ao estabelecer o modo e a forma como ocorrerá as visitas, deve-se levar em conta o princípio constitucional do Melhor Interesse da Criança, que decorre do princípio da dignidade humana, centro do nosso ordenamento jurídico atual. – Nos casos de alienação parental, não há como se impor ao menor o afeto e amor pelo pai, mas é necessário o estabelecimento da convivência, mesmo que de forma esporádica, para que a distância entre ambos diminua e atenue a aversão à figura paterna de forma gradativa. – Não é ideal que as visitas feitas pelo pai sejam monitoradas por uma psicóloga, contudo, nos casos de alienação parental que o filho demonstra um medo incontrolável do pai, torna-se prudente, pelo menos no começo, esse acompanhamento. – Assim que se verificar que o menor consegue ficar sozinho com o pai, impõem-se a suspensão do acompanhamento do psicólogo, para que a visitação passe a ser um ato natural e prazeroso”.[28]
No julgamento da Apelação Cível n.º1.0024.08.984043-3/004, cujo acórdão foi publicado em 24.09.2010, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais repudiou veementemente a prática da alienação parental, caracterizada em razão de falsas acusações de abuso sexual a um dos genitores, sem existir nenhuma prova nesse sentido:
“EMENTA: REGULAMENTAÇÃO DE VISITAS – ACUSAÇÕES DE OCORRÊNCIA DE ABUSOS SEXUAIS DO PAI CONTRA OS FILHOS – AUSÊNCIA DE PROVA – SÍNDROME DA ALIENAÇÃO PARENTAL CARACTERIZADA – DESPROVIMENTO DO RECURSO. É indispensável a fixação de visitas ao ascendente afastado do constante convívio com os filhos, em virtude do fim do casamento dos pais, conforme prescreve os artigos 1589 e 1632 do Código Civil. A prática de abusos sexuais deve ser cabalmente comprovada, sob pena de inadmissível afastamento do pai da criação da prole, medida esta que culmina em graves e até mesmo irreversíveis gravames psíquicos aos envolvidos. O conjunto probatório que não demonstra o abuso sexual sustentado pela genitora, com autoria atribuída ao pai dos infantes, aliada às demais provas que comprovam a insatisfação dos filhos com o término do relacionamento do casal, inviabiliza a restrição do direito de visitas atribuído ao ascendente afastado da prole, mormente diante da caracterização da síndrome da alienação parental”.[29]
Assim, verifica-se que a jurisprudência encontra-se atenta ao grave problema da Alienação Parental. Acredita-se que estas medidas de natureza eminentemente repressiva também poderiam ser complementadas pela reparação-sanção decorrente do dano moral.
6. DO CABIMENTO DE DANO MORAL NA SAP
Uma vez identificada a Síndrome da Alienação Parental no caso concreto, ela deve ser considerada como uma violação direta e intencional de uma das obrigações mais fundamentais de um genitor que é a de promover e estimular uma relação positiva e harmoniosa entre a criança e seu outro genitor.[30]Nas palavras da autora Maria Berenice Dias:
“A Síndrome de Alienação Parental é um tipo sofisticado de maltrato ou abuso, e o direito deveria estudar novos caminhos para reparar o dano que recai sobre o filho(a) e sobre o alienado. A responsabilização civil e criminal do alienador pode representar um freio ao ódio inveterado que produz a metamorfose do amor.”[31]
A SAP é uma forma de abuso no exercício do poder familiar e de total desrespeito aos direitos fundamentais da criança e do adolescente ainda em formação:
“Alienação Parental é uma forma de abuso que põe em risco a saúde emocional e psíquica de uma criança/adolescente. Constatada a presença da síndrome, é imprescindível que o genitor que age dessa forma seja devidamente responsabilizado, justamente porque ele sabe ser difícil aferir a veracidade dos fatos ao usar o filho com finalidade vingativa, sem se dar conta do prejuízo, muitas vezes irreversível, que causa ao filho.”[32]
O art. 6 º, III, da Lei nº 12.318/2010 prevê a aplicação de multa ao genitor alienador, mas em nenhum momento o legislador parou para disciplinar os danos causados ao genitor alienado em conseqüência da SAP.
O pai que é alienado perde algo que é irreparável: perde os momentos com seu filho, muitas vezes toda sua infância, podendo chegar ao extremo de perder o amor do próprio filho. Tudo isso, sem contar com as conseqüências na sua vida particular em relação às falsas acusações do genitor alienante, que podem gerar a destruição de relacionamentos, perda de empregos, da reputação junto à sociedade e a própria dignidade, como nos casos de falsa acusação de abuso sexual ou agressão física.
É difícil dizer o valor que tais situações podem representar, mas, usando aqui da analogia ao caso da perda de um filho, vale a pena transcrever a decisão do STF:
“Na verdade, a jurisprudência, buscando emprestar conteúdo real à lei, encaminha-se no sentido da reparação do dano moral, proveniente da dolorosa sensação vivida pelos pais de um menor vítima de ato ilícito. Embora, em princípio, não haja equivalência entre a perda sofrida e o ressarcimento, a indenização guarda, sobre modo, o caráter de satisfação à pessoa lesada. Como ensinam Mazeaud e Mazeaud, conquanto não se alcance um ressarcimento em sentido estrito, tem-se uma sanção civil e, sobretudo, uma satisfação pelo dano sofrido. É o ressarcimento a título de composição do dano moral. Por outro lado, há de se considerar, além da dor moral experimentada, fruto do afeto e amor que vincula pais e filhos, (…).”[33]
Hoje em dia, após a consagração do princípio da reparabilidade do dano moral, até mesmo na Constituição Federal, não pode-se discordar que esses sentimentos feridos pela dor moral devem ser indenizados. Nas palavras de Yussef Said Cahali, não se trata de ressarcir o prejuízo material representado, mas de reparar a dor com bens de natureza distinta, de caráter compensatório e que, de alguma forma, servem como lenitivo.[34]
Ocorre que para se chegar à configuração do dever de indenizar, não será suficiente ao ofendido demonstrar sua dor, deverá estar presente os três requisitos necessários para que ocorra a responsabilidade civil: dano, ilicitude e nexo causal.
De acordo com o entendimento de Humberto Theodoro Júnior:
“Quanto à prova, a lesão ou dor moral é fenômeno que se passa no psiquismo da pessoa e, como tal, não pode ser concretamente pesquisado. Daí porque não se exige do autor da pretensão indenizatória que prove o dano extrapatrimonial. Cabe-lhe apenas comprovar a ocorrência do fato lesivo, de cujo contexto o juiz extrairá a idoneidade, ou não, para gerar dano grave e relevante, segundo a sensibilidade do homem médio e a experiência da vida”.[35]
Nesse sentido, já se decidiu que:
“Os bens morais são próprios da pessoa, de foro íntimo. Os transtornos, os abalos de crédito, a desmoralização perante a comunidade em que se vive, não precisam ser provados por testemunha nem por documento. Resultam naturalmente do fato, não sendo exigível a comprovação de reflexo patrimonial do prejuízo. Esse dano deve ser reparado, ainda que essa reparação não tenha caráter ressarcitório, e sim, compensatório”.[36] (grifei)
É importante ressaltar que o dolo identificado em uma denunciação caluniosa deve consistir no propósito claro de prejudicar o denunciado, relevado pela consciência da falsidade da acusação, como podemos perceber nas falsas acusações de abuso sexual ou de agressão física na SAP.
O dano moral nada mais é do que a violação do direito à dignidade, nas palavras de Maria Celina Bodin de Moraes:
“Ao optar por fazer decorrer o dano moral dos sentimentos de dor e humilhação, das sensações de constrangimento ou vexame, teve a jurisprudência acertada intuição acerca de sua real natureza jurídica. Normalmente, o que nos humilha, ofende, constrange, o que nos magoa profundamente, é justamente o que fere a nossa dignidade. O dano moral tem como causa a injusta violação a uma situação jurídica subjetiva extrapatrimonial, protegida pelo ordenamento jurídico através da cláusula geral de tutela da personalidade que foi instituída e tem sua fonte na Constituição Federal, em particular e diretamente decorrente do princípio (fundante) da dignidade da pessoa humana (também identificado como o princípio geral de respeito à dignidade humana)”.[37]
O poder familiar é um direito-dever que cabe a ambos os genitores, mesmo que a guarda seja exercida unilateralmente. Porém, nos casos em que está instalada a Síndrome da Alienação Parental, esse direito do genitor não-guardião é completamente violado pelo alienador, uma vez que o mesmo faz de tudo para impedir o convívio daquele com os filhos e de tomar alguma decisão para a educação dos mesmos.
O que se pode perceber atualmente é que as medidas tomadas pelo Poder Judiciário não são suficientes para impedir, mesmo após a identificação da SAP, que a alienação continue sendo desenvolvida. Dessa forma, a reparação dos danos causados ao genitor alienado depois de todo o sofrimento de um processo judicial, que feriu sua dignidade e não tem como voltar ao estado que era antes, também é extremamente difícil na prática judiciária.
O controle que o guardião exerce sobre a criança e sua capacidade de influenciá-la vão muito além dos limites das sanções aplicadas nos casos de alienação parental. As falsas memórias implantas não são simplesmente deletadas, ou seja, para um genitor alienado se reaproximar do filho é muito difícil, pois, além das dificuldades que sempre serão colocadas pelo alienante, também irá existir a própria resistência do infante.
O raciocínio a que queremos chegar é que não será uma sentença ou um simples tratamento psicológico que irão por um fim à Síndrome, muito menos, como já citado anteriormente, a reversão da guarda, pois a criança necessita de ambos os pais.
O acompanhamento por psicólogos é de extrema importância, principalmente para a criança, pois é isto que lhe dará a chance de perceber o que o alienador tem feito. Porém, não vai influenciar diretamente o alienador, uma vez que existe ali a intenção de afastar o outro genitor, ou seja, não é algo inconsciente, é uma atitude ilícita, com a intenção de causar um dano.
A condenação por danos morais ao genitor alienador, por outro lado, teria a função de indenizar o alienado pelo seu sofrimento, por todos os danos que lhe foram causados. E, além disso, também seria uma forma bastante eficaz de inibir os genitores que alienam os filhos, cada vez mais, utilizando-os somente como uma arma de vingança. Nesse último aspecto, restando claro o caráter punitivo-pedagógico aplicado pelo STJ nas indenizações por dano moral, conforme jurisprudências citadas anteriormente.
Conforme o entendimento de Humberto Theodoro Júnior:
“Tem-se repetido, com muita freqüência, em doutrina e jurisprudência, que o juiz ao arbitrar a indenização do dano moral, dar-lhe um valor que não apenas representa uma compensação para a dor do ofendido, mas que também sirva de punição para o agente do dano, de modo a desestimulá-lo a reiterar atos ilícitos similares.”[38] (grifei)
Assim, podemos perceber que é plenamente cabível a indenização por dano moral quando caracterizada a prática da Síndrome da Alienação Parental, àqueles que sofreram com a alienação, como o genitor alienado e mesmo o menor, por ele representado. Isso devido ao fato de que a responsabilidade civil e o dever de reparar decorrem de um ato ilícito, com a existência de dano e nexo causal.
Na SAP, o genitor alienador viola um direto tanto do menor como do outro genitor, presentes dentro do Poder Familiar. O nexo causal é evidenciado uma vez que a conduta do alienador tem o objetivo claro de prejudicar o outro genitor. E o dano é verificado nas diversas formas que a alienação pode se manifestar, como no impedimento de convívio com o filho ou até mesmo nas repercussões causadas pelas falsas acusações de abuso sexual.
A jurisprudência nacional pacificou o entendimento de que a indenização por dano moral além de uma reparação à vítima, também contém um inequívoco critério punitivo-pedagógico.
Dessa forma, a reparação por dano moral constituiria mais uma importante forma de evitar essa odiosa conduta, complementando a novel lei, ineficaz neste sentido.
Bacharela em Direito pela UFMG. Pós-Graduada em Direito de Família e Sucessões pela EPD. Mestranda em Direito Civil Privado Pela PUC-Minas. Advogada
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