Do instituto do Dano Moral no âmbito dos Direitos Coletivos lato sensu

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Resumo: Através de uma abordagem científica, demonstra-se a alocação do dano moral no bojo dos direitos coletivos e, consequentemente, a impossibilidade de incidência do dano moral difuso e coletivo em sentido estrito.


Sumário: 1. Introdução. 2. Do dano moral coletivo. 2.1. Dos direitos coletivos em sentido amplo: difusos, coletivos (stricto sensu) e individuais homogêneos do critério identificador do direito coletivo latu sensu no bojo da ação coletiva. 2.1.1. Do critério identificador do direito coletivo latu sensu no bojo da ação coletiva 3. Do dano moral. 4. Da conclusão – da impossibilidade do dano moral coletivo em sentido estrito ou dano moral difuso – da necessária individualização


1. INTRODUÇÃO


O presente trabalho apresenta matéria ainda recente no universo jurídico, com poucas manifestações na jurisprudência e também na doutrina especializada: o dano moral no âmbito dos direitos coletivos.


Essas poucas aparições do tema no quotidiano forense, entretanto, não inibem sua enorme potencialidade de figurar nas ações coletivas em um futuro não muito distante.


2. DO DANO MORAL COLETIVO


Dos expressos termos do artigo 1º da Lei n.º 7.347/85 (Lei que disciplina a ação civil pública) se percebe a previsão legal do dano moral coletivo. In verbis:


“Art. 1º Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais (…).”


Como se verá adiante, a interpretação do artigo de lei em questão, cujo texto é genérico, não pode abranger todas as espécies de direito coletivo.


Para solucionarmos a questão, necessário algumas elucidações introdutórias, para se delimitar os conceitos e naturezas jurídicas dos institutos jurídicos envolvidos.


2.1 DOS DIREITOS COLETIVOS EM SENTIDO AMPLO: DIFUSOS, COLETIVOS (STRICTO SENSU) E INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS


Em apertadas linhas, sobre as espécies de direitos coletivos:


Denominam-se direitos difusos (artigo 81, § único, inciso I do CDC[1]) aqueles metaindividuais, de natureza indivisível, que têm como titulares pessoas indeterminadas interligadas por circunstancias de fato. Não existem, no caso, um vínculo jurídico de natureza comum.


Por outro lado, são direitos coletivos em sentido estrito (artigo 81, § único, inciso II do CDC) aqueles, também transindividuais e de natureza indivisível cujos titulares são um grupo, uma categoria ou  uma classe de pessoas determinadas Nesse caso há uma ligação entre si, ou com a parte contrária, através uma relação jurídica base.


Por fim, direitos individuais homogêneos (artigo 81, § único, inciso II do CDC) são aqueles direitos individuais advindos de uma origem comum, naturalmente divisíveis


2.1.1 DO CRITÉRIO IDENTIFICADOR DO DIREITO COLETIVO LATU SENSU NO BOJO DA AÇÃO COLETIVA


De um mesmo fato tido como lesivo podem nascer “pretensões difusas, coletivas, individuais homogêneas e, mesmo, individuais puras, ainda que nem todas sejam baseadas no mesmo ramo do direito material.”[2] [3]


Para se descobrir qual o direito em questão, a doutrina e jurisprudência concluíram: a pretensão veiculada (o pedido) é o fator delimitador da espécie de direito coletivo latu sensu discutido no processo. Para ilustrar:


“ação de indenização individual por uma das vítimas do evento pelos prejuízos que sofreu (direito individual), ação de obrigação de fazer movida por associação das empresas de turismo que tem interesse na manutenção da boa imagem desse setor na economia (direito coletivo), bem como ação ajuizada pelo Ministério Público, em favor da vida e segurança das pessoas, para que seja interditada a embarcação a fim de se evitarem novos acidentes (direito difuso).” (Código de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do ante-projeto: 1998, pag. 778)


 Ao traçar os excelentes exemplos acima, concluiu o renomado autor:


“em suma, o tipo de pretensão é que classifica um direito ou interesse como difuso, coletivo ou individual.”    


Não é necessário afirmar que o pedido em uma ação deve ser interpretado restritivamente. É inadmissível no direito brasileiro a interpretação extensiva de pedido posto em juízo (artigo 293 do CPC).[4] [5]


3. DO DANO MORAL


Sempre, e assim afirmamos sem receio de exagero, a conceituação do dano moral esteve ligada ao íntimo de um indivíduo, ao desconforto moral, à dor. Perfilha-se aqui o entendimento doutrinário de peso:


“(…) a vítima do dano moral é necessariamente uma pessoa, já que o dano envolve a dor, o sentimento, a lesão psíquica.” (Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr., Curso de Direito Processual Civil, Volume 4, 5ª Edição, pág. 305)


O caráter individual, a individualização, é elemento inseparável para verificação do dano moral. A própria Constituição da República, ao reconhecer o caráter indenizável do dano moral, alocou os preceitos normativos respectivos em seu artigo 5º, cujo rol enumera os direitos fundamentais individuais.


A jurisprudência coaduna com o que ora se expõe, notemos:


(…) Necessária vinculação do dano moral à noção de dor, de sofrimento psíquico, de caráter individual (…). (TJSP – Apelação n° 369.061.5/8-00)


Elucidadas as conceituações pertinentes, passemos a delimitar a incidência do dano moral no bojo dos direitos coletivos.


4. DA CONCLUSÃO – DA IMPOSSIBILIDADE DO DANO MORAL COLETIVO EM SENTIDO ESTRITO OU DANO MORAL DIFUSO – DA NECESSÁRIA INDIVIDUALIZAÇÃO


Firmados na cientificidade necessária à manutenção da segurança jurídica, é imperioso afirmar que toda e qualquer condenação em danos morais deve ter por base a contraposição da natureza jurídica da lesão moral, individualizada por essência, em face da natureza do direito requerido, se individual, difuso, coletivo ou individual homogêneo.


Afirma-se, portanto, que, por não serem individualizáveis, os direitos coletivos em sentido estrito e os direitos difusos, não aceitam a incidência do instituto do dano moral.


Consultando a jurisprudência, encontramos alguns precedentes sobre o tema, rechaçando a possibilidade de ocorrência do dano moral coletivo:


“PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AMBIENTAL. DANO MORAL COLETIVO. NECESSÁRIA VINCULAÇÃO DO DANO MORAL À NOÇÃO DE DOR, DE SOFRIMENTO PSÍQUICO, DE CARÁTER INDIVIDUAL. INCOMPATIBILIDADE COM A NOÇÃO DE TRANSINDIVIDUALIDADE (INDETERMINABILIDADE DO SUJEITO PASSIVO E INDIVISIBILIDADE DA OFENSA E DA REPARAÇÃO). RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO. (STJ – Resp. 598.281, rel. para o acórdão Min. Teori Zavaski).


De fato, se a reparação do dano moral é pedida no contexto de uma ação coletiva latu sensu, sem a necessária possibilidade de individualização, tal pedido se mostra impossível na esfera jurídica.


Em outro julgado, histórico na tratativa do tema[6], percebe-se com clareza o que ora se defende:


“(…) a incompatibilidade entre o dano moral, qualificado pela noção de dor e sofrimento psíquico, e a transindividualidade, evidenciada pela indeterminabilidade do sujeito passivo e indivisibilidade da ofensa objeto de reparação, conduz à não indenizabilidade do dano moral coletivo (…).” (STJ – Resp. 821.891/RS, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 08/04/2008, DJe 12/05/2008)


Portanto, estreitando o entendimento que ora se propõe, os direitos difusos e coletivos em sentido estrito, por não serem passíveis de individualização, não reconhecem a existência do dano moral. Ao contrário, entendemos possível o pedido de dano moral calcado em direitos individuais homogêneos, estes individualizáveis como demonstrado acima.      


 


Notas:  

[1] O CDC, ao alterar a Lei da Ação Civil Pública (artigo 21), atuou como unificador da sistemática processual vigente aos institutos dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos. Por essa razão seus conceitos de direitos coletivos latu sensu são aplicáveis a todo ordenamento jurídico (nesse sentido Antônio Gidi, Coisa Julgada e Litispendência em Ações Coletivas, p. 77)

[2] Antônio Gidi, em Coisa Julgada e Litispendência em Ações Coletivas, Saraiva.

[3] Nelson Nery também afirma: “Da ocorrência de um mesmo fato, podem originar-se pretensões difusas, coletivas e individuais.” (Código de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do ante-projeto: 1998, pag. 778)

[4] “Interpretar restritivamente o pedido é tirar dele tudo quanto nele se contém e só nele se contém, sem que se possa ampliá-lo por força de interpretação extensiva ou por consideração outra qualquer de caráter hermenêutico. Compreendido no pedido só o que expressamente contiver, não o que possa, virtualmente, ser o seu conteúdo.” (José Joaquim Calmon de Passos, Comentários ao Código de Processo Civil, 8ª edição, volume 3, p. 209).

[5] Esse tópico é importante para delimitar a possibilidade jurídica do pedido no bojo de uma eventual ação e, principalmente, para reafirmar o caráter prático ao presente trabalho.

[6] Neste julgado, proferido em 2008, o Ministro Luiz Fux modificou seu anterior entendimento, firmando-o no sentido da impossibilidade de indenização do dano moral coletivo, uma vez que há incompatibilidade do instituto com indivisibilidade da ofensa.

Informações Sobre o Autor

Lucas Sachsida Junqueira Carneiro

Promotor de Justiça do Estado de Alagoas; Pós-graduado em Direito Constitucional pela Unisul Pós-graduando em Gestão Jurídica da Empresa pela Unesp e Mestrando em Direitos Humanos pela Unesp.


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Equipe Âmbito Jurídico

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