Categories: Revista 122Sociologia

Do pluralismo jurídico como resultado da organização social em vigor na idade média

Resumo: O caráter estável, a unidade do poder e, consequentemente, do ordenamento jurídico, foi perdido na maior parte do continente europeu durante a Idade Média, configurando, em muitos casos, em verdadeiro desprezo às normas positivas. Fez-se conveniente, então, a construção de uma síntese acerca dos aspectos históricos, ocupar-se da concepção atribuída a Pluralismo Jurídico, tratando-se, ao longo do presente estudo, da análise de cada uma das principais espécimes de ordenamento jurídico, válidas, complementares e que confluíram sobre a sociedade medieval plural da Europa, influenciando-a fortemente. Neste ponto, são abordados os principais: Direito Germânico, Direito Canônico e Direito Romano Vulgarizado.[1]

Palavras-chaves: Pluralismo Jurídico. Idade Média. Direito Canônico. Direito Germânico. Direito Romano Vulgarizado.

Abstract: The stable character, unity of power and, consequently, the legal system, have been lost in most of continental Europe during the middle age, setting up, in many cases, genuine contempt to positive norms. It is convenient, then, the construction of a synthesis about the historical aspects of the time, and treat the design attributed to legal pluralism, in the case, during the present study, the analysis of each major specimes of legal, valid, complementary and converged on the plural society of medieval Europe, strongly influencing it. At this point, covers the key: I will say German Law, Canon Law and Vulgarized Roman Law.

Keywords: Legal Pluralism; Middle Age; Canon Law; Germanic Law; Vulgarized Roman Law

Sumário: Introdução. 1. Aspectos Históricos. 2. Conceito de pluralismo jurídico. 3. Os Direitos na Idade Média. 3.1 Direito Germânico. 3.2 Direito Canônico. 3.3 Direito Romano Vulgarizado. Conclusão. Referências.

 INTRODUÇÃO

Este trabalho foi produzido com o escopo de abordar a temática que envolve os diferentes ordenamentos jurídicos vigentes à Idade Média, que vieram configurar o que hoje se estuda segundo a concepção sociológica de Pluralismo Jurídico. O tema aparece inserido, então, dentro de um sistema complexo, avaliando-se que se propõe a tratar de uma realidade cujas particularidades existentes em cada contexto isolado foram responsáveis por múltiplas interpretações, materializando-se, por conseguinte, como fator preponderante, capaz de levar ao desenvolvimento de determinadas normas.

Procura-se demonstrar, então, que esse aparato normativo emergente vem como um complemento ao ordenamento jurídico em vigor, que, por ter se mostrado insuficiente frente ao cenário que se estabelecia na Europa, durante o período medieval, serviu de base à estruturação e afirmação dessas fontes de poder ulteriores.

Portanto, ciente da diversidade de tais normas e de que eram ambas aplicáveis ao mesmo caso concreto, não obstante fossem emanadas de fontes distintas, faz-se necessário, para melhor compreensão, elucidar acerca da existência de marcantes contradições, seja segundo aspectos socioculturais ou atreladas às condições políticas e econômicas.

1 ASPECTOS HISTÓRICOS

Antes da queda do Império romano do ocidente, aproximadamente no século V d.C., já eram perceptíveis pressões bárbaras em suas fronteiras, principalmente devido instalação de assentamentos e a incorporação de unidades militares bárbaras aos exércitos romanos, ocupando, progressivamente o território.

Com o declínio do Império, a ocupação intensificou-se, acompanhada de um contexto de crises sociais e políticas. O antigo poder centralizado romano desapareceu, em grande parte, deixando um verdadeiro vácuo, o qual acarretou crescente aumento da violência e a frequência de guerras que, combinadas com surtos de doenças e a fome, resultou em regressão demográfica. Tal situação fez com que muitas das cidades romanas declinassem e as populações migrassem para o campo em busca de segurança e subsistência.

Muitas das tribos bárbaras dispersaram-se por entre o território, e algumas chegaram, inclusive, a formar reinos, exercendo grande influencia sobre considerável extensão territorial, como o reino dos francos. Ao contrario, outras apenas ocuparam-no, conservando um modo de vida tribal. 

 Muitos desses reinos formados pelos povos bárbaros dominavam áreas em que a população romana ainda se fazia presente e conservava determinados aspectos de sua cultura, mesmo após a queda do Império. Houve, deste modo, um intenso choque entre etnias, que resultou numa influencia recíproca entre romanos e germânicos, fazendo-se perceber, igualmente, no Direito.

Há, nesse momento, um intenso processo de transição, com declínio do mundo romano, e sua cultura e modo de vida progressivamente perdiam força diante da presença plural das tribos invasoras. Estas que, diferentemente dos dominados, conservavam um modo de vida bastante rudimentar, prezavam muito mais pela palavra e pela coletividade em suas relações, opondo-se ao individualismo romano marcado por seu direito privado.

O modo de vida não pôde, portanto, resistir intacto ao declínio de toda estrutura que o assegurava e garantia, fazendo com que, desse modo, muito do costume bárbaro acabasse sendo incorporado à população subjugada. Sendo assim, devido a essa pluralidade, os germânicos conservaram muitos dos aspectos jurídicos romanos por terem respeitado, em parte, o Direito original de cada etnia.

Cabe ressaltar, por sua vez, que a Igreja católica, constituindo religião oficial do extinto império, ganhava cada vez mais força e conquistava um maior número de adeptos de origem germânica. Detinha o conhecimento intelectual da época e dominava o único direito medievo aplicado universalmente: o direito canônico.

Essa instituição, uma das principais heranças do Império romano do ocidente, exerceu grande controle sobre a sociedade. Detinha o poder de salvar as almas dos fieis, monopolizando a verdade, e sendo intolerante com qualquer corrente que contrariasse seus dogmas, fazendo uso de instrumentos, principalmente, místicos, psicológicos e coercitivos.

É nesse contexto que se encontra a Europa durante o início da Alta idade Média, época marcada pela insegurança, fome, e por doenças que dizimaram milhares, acarretando, desse modo, um verdadeiro estado de crise social.    

2 CONCEITO DE PLURALISMO JURÍDICO

Partindo em sentido inverso à tendência de unificação e concentração de poder características do monismo, surge a concepção sobre Pluralismo Jurídico. Este passa a configurar, então, como a necessidade de que se façam aplicáveis mais de uma norma à mesma situação real, desde que emanadas de centros produtores distintos; ou, ainda, que a própria sociedade seja composta de vários grupos que, embora cheguem a possuir atritos entre si, aparece identificado com a figura estatal, por exemplo.

Igualmente, é possível estabelecer que tal pluralismo somente se concretiza, de fato, quando esses ordenamentos possibilitam a solução interna de conflitos por meio da interação, rejeitando posições individualistas da sociedade, visto que, ao avaliar-se o contexto em pauta, é perceptível a limitação ou até mesmo insuficiência das tradicionais instituições normativas no controle da diversidade presente no complexo cotidiano da sociedade.

Como afirma Bobbio[2] (1994, p. 16), falar em concepção pluralista da sociedade pede o entendimento claro de pelo menos três coisas, quais sejam: primeiramente, a constatação do fato de que nossas sociedades são, efetivamente, complexas e que nelas se formaram esferas particulares relativamente autônomas, de grupos organizados ate grupos não organizados; em seguida, depreende-se uma preferência que julga o melhor modo para organizar essa sociedade como aquela que permita aos vários grupos, ou camadas expressarem-se politicamente e participarem em prol da vontade coletiva, e, por fim, refutar que toda sociedade política assim constituída é uma antítese de toda forma despótica.

Logo, apoiado no que já foi mencionado, pode-se entender que as esferas particulares desenvolvem uma garantia frente ao poder central, constituindo os critérios base da distinção do Pluralismo, que vão incluir, grandemente, a descentralização, à medida em que há esferas fragmentadas responsáveis por deslocar o poder único; assim como a diversidade, por conter elementos desiguais e realidades distintas e um tanto quanto autônomas, capazes de desmistificar contradições.

Desta maneira, é importante ressaltar, ainda, o seguinte aspecto retratado por Luís Renato Vedovato[3] (2009, p. 161) acerca do tema, que tem suscitado tantas discussões recentes, embora constitua fenômeno social presente ao longo de toda a história da humanidade, desde a pré-história (com a formação de comunidades que, impregnadas pela religião plural, continham inúmeras formas de Direito), passando também pelos direitos cuneiformes (cujo conjunto de sistemas jurídicos existia em regiões e períodos dissemelhantes), e sendo contemplado, de maneira mais clara e evidente, durante a Idade Média, marcado, por exemplo, pelo caráter consuetudinário devido variedade de normas decorridas de cada uma das esferas de poder.

Assim sendo, explana-se como a situação geral de demandas e conflitos crescentes, além de contrastes culturais também complexos, ganhou forma e se prolongou. É a partir da análise de cada elemento que contribuiu para tal, como os Direitos Canônico, Germânico e Romano Vulgarizado, que se explicita a supremacia de um, dentre esse plural, em cada contexto peculiar. Seria, de uma forma resumida, aquele que, ao dotar-se de eficácia, determinava a aplicação desta ou daquela norma em especial, tendo em vista a desconcentração de poder, com a queda do Império Romano do Ocidente. Ou seja, isso decorre efetivamente da ausência de coesão entre os vários grupos de invasores (bárbaros) no que se refere à organização e estruturação estatal, provocador, então, da instabilidade no poder, responsável, por seu turno, pela fragmentação de atividades e consequente agregado de costumes germânicos à estrutura romana.

3 OS DIREITOS NA IDADE MÉDIA

Surgindo dos escombros do antigo império romano, e estruturando-se no contato com os povos germânicos, a Europa, na Idade Média, acabou caracterizada pela concorrência, e ao mesmo tempo, impasse entre diversas jurisdições.

Isso decorre, essencialmente, do declínio estatal, cujas brechas passariam a ser ocupadas pelos costumes locais e dos povos bárbaros invasores, pelas regras religiosas e também pelo poderio senhorial, o que acaba por estabelecer a fraqueza econômica, política e militar, que impediu o estabelecimento de poder duradouro e incontestável. Levou, pois, à composição do Direito Medieval como um todo e, fundamentando essa sociedade, aparecem os Direitos germânico, canônico e romano vulgarizado.

3.1 Direito Germânico

    Os povos germânicos, os quais invadiram o Império romano do ocidente, tinham hábitos bastante distintos dos romanos, vestiam-se de forma rudimentar e possuíam um estilo de vida bastante ligado a terra, sobrevivendo principalmente da agricultura e pecuária.  Eram organizados em clãs, desse modo, conservavam como sua principal instituição a família, ou “Sippe”, na qual era marcante a figura do patriarca como líder.

É importante ressaltar que quando tratamos do povo germânico não estamos nos referindo a uma unidade cultural e étnica. Na verdade, o que existia eram diversos povos que, apesar de apresentarem costumes e modos de vida semelhantes, possuíam cada um determinadas peculiaridades. Algumas delas organizavam-se em tribos, outras, já mais complexas, chegaram a constituir reinos, cada qual governado por um rei próprio, mantendo tal estrutura desde período antecedente às invasões.

 Dito isso, fica claro que, devido a essas diferenças sócio culturais de cada reino bárbaro, o direito germânico não estava disposto de maneira uniforme. Por ser predominantemente consuetudinário, variava de acordo com os costumes de cada reino bárbaro. Desse modo, cabe aqui ressaltar, que não podemos tratar de um direito germânico único, mas sim dos aspectos gerais que marcavam o ordenamento jurídico desses povos. Tratando sobre o tema, assevera John Gilissen[4] (2003, p. 162) que “O direito das etnias germânicas era essencialmente consuetudinário. De fato, não havia um direito germânico, mas sim uma variedade de costumes, mais ou menos diferentes, vivendo cada povo segundo seu próprio direito tradicional.”

Com a queda do Império romano do ocidente, e a concomitante invasão dos povos germânicos, o seu direito passou a influenciar a vida das populações existentes, as quais continuavam a conservar seu estilo de vida e a reger-se pela lei romana. Sendo assim, não se podia evitar o conflito entre o ordenamento jurídico do invasor e do dominado, devido à pluralidade de povos submetidos ao domínio.

Desta maneira, os invasores não poderiam impor a aceitação de seu direito a um povo que já convivia com um aparato normativo bem mais complexo, optando por aceitar a aplicação do chamado “princípio da personalidade do direito”, no qual cada povo era submetido ao estatuto normativo de sua tribo de origem.  

Os germânicos, a fim de atingirem maior aceitação por parte do povo dominado, chegaram a fazer algumas compilações de leis, baseadas na consolidação dos seus costumes, como bem aborda Flávia Lages de Castro[5] (2010, p. 128):

“Quando esses povos invadiram o Império Romano, algumas tribos estabeleceram-se como reinos, algumas delas, para um melhor controle da população romana conquistada, portanto diferente e acostumada com o direito escrito, perceberam a necessidade de confeccionar um direito escrito.”

 Assim, baseada no já citado princípio da personalidade do direito, conservou-se influências, escolhendo, em determinados casos, qual direito deveria ser aplicado, como no casamento, aplicando-se o do marido, ou em crimes, buscando fundamentação na tribo do réu.

3.2 Direito Canônico

O Direito da Igreja Católica é conhecido como Direito Canônico, sabendo-se que, em grego, “cânon” vem a significar regra. Para compreender a sua importância durante a Idade Média, deve-se deixar claro que se consolidava a descentralização do poder politico, decorrente, como já mencionado, da progressiva queda do Império Romano Ocidental e estabelecimento do feudalismo, levando o poder laico ao enfraquecimento juntamente do poder real, dando espaço à jurisdição eclesiástica. É também essa discordância entre os poderes vindouros da Igreja e o poder secular que percorre todo o medievo, configurando uma das marcas da característica instabilidade do período.

A Igreja desenvolveu, então, a partir de sua progressiva imponência, mecanismos que permitissem intervenção na sociedade sobre diversos assuntos ou temas de pertinência, assegurando uma forma de manutenção de sua autoridade, uma vez que chegou a sentir-se ameaçada, em parte, pelos povos bárbaros, fosse no sentido de seu paganismo, fosse pela adesão a versões heréticas do cristianismo, utilizando para a cristianização, instrumentos como os Concílios, ou a orientação sob forma de confissão.

Ademais, a questão de constituir o principal direito escrito à época, mesmo com a oralidade que predominava fruto e consequência do analfabetismo imperante, permitiu que, desse ponto em diante, conseguisse atingir relativa unidade, o que não era possível às demais instituições ofertarem. Como afirma José Reinaldo de Lima Lopes[6] (2008, p. 67),

“o direito canônico tem uma importância enorme na história do direito tanto na esfera das instituições, quanto na da cultura jurídica. Na esfera das instituições, especialmente no processo e no conceito de jurisdição. É dele que parte a reorganização completa da vida jurídica europeia, e as cortes, tribunais e jurisdições leigas, civis, seculares, principescas, serão mais cedo ou mais tarde influenciadas pelo direito canônico.”

É possível redimensionar, assim, que ele foi um dos principais responsáveis por âmbitos, como o do Direito Privado, por exemplo. Isso vai decorrer, em suma, dos tribunais eclesiásticos que julgavam não somente religiosos, mas passaram também às infrações contra a religião católica, assim como as feitiçarias e heresias, até os casos de adultério, contratos, juramentos, testamentos, usuras, disciplinando matrimônios, e casos familiares, formulando ainda a teoria da personalidade jurídica.

Exemplificativamente, tem-se a unidade produtiva (o feudo) em que, para o direito feudal, as regras de representação e responsabilidades do senhorio chegavam a confundir-se com as de vassalagem, o que não ocorria com o direito canônico, tendo em vista a esquematização da separação de patrimônio e dissolução de muitos enlaces conflituosos envolvendo vassalagem ou familiares.

Além disso, no contexto do processo penal, cabe enaltecer que a atribuição de queixas e acusações estabeleceram, por vezes, novas penas. Estas incluíam desde banimento, multas ou reparação de danos, podendo chegar também à perda de função, prisões, obras de caridade ou confinamento em mosteiro, para os clérigos.

Portanto, torna-se clarividente que, na realidade, não havia nítida distinção entre o que era sacramento do que era jurisdição religiosa, mostrando-se, então, as leis como regras comuns e abstratas, mas que deveriam ser dotadas de aspecto vinculante.

Segundo Flávia Lages de Castro[7] (2010, p. 133), demonstrativamente, as fontes do direito canônico seriam o ius divinum, que aparece como conjunto de regras que podem ser extraídas da Bíblia, dos escritos dos doutores da Igreja e da doutrina patrística; a própria legislação canônica, construída pelas decisões dos Concílios e pelos escritos dos papas; os costumes e princípios recebidos do Direito Romano.

 Já numa abordagem mais interna, nas palavras de José Fábio Rodrigues Maciel[8] (2011, p. 111),

“as fontes desse direito estão dispostas nos decretos dos concílios (reuniões de bispos ou de bispos e nobres), nas constituições ou estatutos aprovados nos sínodos (assembleias eclesiásticas) regionais, nos decretos e constituições pontifícias. Estas últimas, no decorrer do processo de concentração do poder no papado, fruto de uma analogia entre o papa e o imperador, passam a ser mais numerosas e a gozar de maior importância. Diante da quantidade da produção normativa das autoridades religiosas, tornou-se imperioso uma organização dos textos canônicos,…”

Dessa forma, vale explicitar, ainda, que esse procedimento de organização e hierarquia dos princípios cânones seguiu critérios como o de lex posteriori, cujo conteúdo aplica-se ao contexto de revogação da lei anterior por lei posterior; o da matéria da lei, ao passo que uma lei especial suplantaria a lei geral; ou o espaço de vigência da lei, processo em que a lei local seria revogadora da lei geral. Foram esses critérios que acabaram universalizados e constituíram o legado jurídico ocidental.

3.3 Direito Romano Vulgarizado

Como já é sabido, os germanos impuseram dominação a um povo, os romanos, cujo sistema jurídico apresentava-se muito superior ao deles em termos de complexidade. Tornar-se-ia, desse modo, impossível impor o direito costumeiro bárbaro a essa população. Nesse sentido assevera Flávia Lages de Castro[9] (2010, p. 135):

“O direito romano, até por sua complexidade e sua força, não poderia deixar de ser utilizado na Idade média e, levando-se em consideração a diferença profunda entre o direito romano e o dos invasores, a superposição do direito desses últimos sobre a população romana e romanizada seria impossível.”

É óbvio que esse direito não sobreviveria intacto ao declínio da civilização que o originou. Perdeu muito de sua força, porém foi essencial como influência a determinados reinos bárbaros, os quais tomaram seus códigos como base para a compilação de seus costumes, a fim de consolidá-los e torná-los agradáveis aos olhos da população.

Os germanos, frente à referida força que do ordenamento jurídico romano ainda apresentava, optaram por lidar de maneira tolerante, aplicando o chamado “princípio da personalidade do direito”, no qual cada povo ou nação seria submetido apenas ao ordenamento jurídico de sua tribo de origem.

Desse modo, aquele povo ainda conviveu com as práticas de seu direito original, principalmente nas regiões do sul da Gália e nas penínsulas Ibérica e Itálica, as quais ainda hoje possuem ordenamentos jurídicos de inspiração predominantemente romanística.

É perceptível que os germanos tanto foram tolerantes com a conservação, como também chegaram a incorporar determinados elementos desse ordenamento. Um claro exemplo é a incorporação do direito público romano, a fim de fortalecer sua autoridade. Nesse mesmo sentido, afirma John Gilissen[10] que:

“A diferença entre o nível de evolução do direito romano e o direito dos povos germânicos era de tal modo grande que os invasores não puderam impor seu sistema jurídico. Além disso, os reis germânicos encontravam no direito público um reforço considerável da sua autoridade.”

Como já foi dito, muitas populações viviam nos domínios germânicos, acostumadas com o ordenamento jurídico romanizado, marcado por códigos, editos e leis, não eram receptíveis ao direito costumeiro.

Cientes de tal fato, os invasores bárbaros, perceberam a importância de compilar leis inspirados em escritos desses jurisconsultos, não só para conquistar a aceitação da população, mas também uma maior segurança jurídica, o que ficou provado pela considerável influencia que tais compilações atingiram.

Inclui-se, entre os códigos de leis copilados, muitos textos inspirados nos romanos clássicos, principalmente as codificações do Império de Teodósio II, que permaneceu como principal base do conhecimento jurídico da época. Surgem, assim, as coleções como a Lex Burgundionum, legislação do reino dos Burgúndios, de inspiração romana. E a mais influente, a Lex Romana Visigothorum, do reino dos visigodos, a qual chegou a ser reformada e passou por adaptações, sendo considerada a principal compilação do direito romano vulgar ou bárbaro.

Por fim, muito da memória da legislação romana foi conservada deixando contínua influência à sociedade medieval mesmo com o declínio do Império que o originou.

CONCLUSÃO

Torna-se claro, após o exposto, que o período iniciado com a queda do Império Romano do Ocidente, foi fortemente marcado pela descentralização do poder, desse modo, não apresentando uma unidade em seu ordenamento jurídico, motivo pelo qual foi marcante o pluralismo jurídico, que se caracteriza, principalmente, pela coexistência de aspectos do direito clássico do extinto império, em choque com o direito consuetudinário bárbaro, e além do direito canônico, o qual ampliava sua influencia devido o aumento do número de adeptos da religião católica. 

   O pluralismo jurídico, nesse período, foi representado, então, pela convivência de diferentes ordenamentos jurídicos que influenciavam o mesmo território. Muito do direito romano fora conservado e era utilizado por parte da ainda população, de modo que se tornava impossível para os povos germânicos recém-chegados impor seu direito costumeiro.

  Diante desse conflito normativo, durante esse período cada povo era regido por seu próprio direito de origem, em casos mais complexos, avaliava-se que norma deveria ser aplicada, desse modo apesar de existirem diferentes ordenamentos jurídicos, dependendo das peculiaridades de cada caso um se sobressaia.

Nesse horizonte, a sociedade enfrentava um complexo sistema, com jurisdição policêntrica, e reordenação por práticas alternativas, marcando um espaço dinâmico e interativo, cujas praxes cotidianas associadas a esses ordenamentos se modificavam e evoluíam a partir do contato.

 

Referências
BOBBIO, Noberto. As ideologias e o poder em crise: pluralismo, democracia, socialismo, comunismo, terceira via e terceira força. 3. ed. Brasília: Unb., 1994.
CASTRO, Flávia Lages de. História do Direito: Geral e do Brasil. 8. ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2010.
DELLA CUNHA,. Sociologia do Direito: Temas e perspectivas. Natal: Ágape Edições Ltda, 1997.
GILISSEN, John. Introdução Histórica ao Direito. 4. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2003.
LEMOS FILHO, Arnaldo et al. (Org.). Sociologia Geral e do Direito. 4. ed. Campinas: Alínea, 2009.
LOPES, José Reinaldo de Lima. O Direito na História: Lições introdutórias. 3. ed. São Paulo: Editora Atlas S.a., 2009.
MACIEL, José Fabio Rodrigues; AGUIAR, Renan. História do Direito. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.
SOUTO, Claudio; SOUTO, Solange. Sociologia do Direito. Rio de Janeiro: Edusp, 1981.
WOLKMER, Antônio Carlos. Fundamentos de História do Direito. 5. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2010.
Notas:
[1] Trabalho orientado pelo Prof. Raoni Macedo Bielschowsky, Professor do curso de Direito da UFRN, rmabiel@hotmail.com
[2] As ideologias e o poder em crise: pluralismo, democracia, socialismo, comunismo, terceira via e terceira força.
[3] Sociologia Geral e do Direito
[4] Introdução Histórica do Direito
[5] História do Direito Geral e do Brasil
[6] O Direito na História: Lições introdutórias.
[7] Historia do Direito Geral e do Brasil
[8] História do Direito
[9] Historia do Direito Geral e do Brasil
[10] Introdução Histórica ao Direito

Informações Sobre os Autores

Amanda Medeiros de Araujo Costa

Acadêmica do curso de Direito da UFRN

Dennys Albuquerque Torres

Acadêmico do curso de Direito da UFRN


Equipe Âmbito Jurídico

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