Resumo: O presente trabalho consiste na análise da eficácia das convenções perante terceiros. Aborda o princípio da relatividade subjetiva à luz da função social, tendo por objetivo apontar as hipóteses tipificadas expressamente no ordenamento jurídico da eficácia dos pactos perante não contratantes, assim como os casos em que tal efeito se faz presente ainda que inexista uma previsão legal. Analisa a maneira pela qual a constitucionalização do direito privado produz a alteração da principiologia dos contratos, importando no redimensionamento do que se entende por partes da convenção e terceiros, de maneira a ampliar a tutela da dignidade da pessoa humana. Aponta, para tanto, de um lado, as teorias protetiva e onerativa de terceiros, enquanto de outro indica a teoria liberal-voluntarista do rompimento eficiente do contrato.
1. INTRODUÇÃO
O Contrato pode ser definido como o acordo de vontades destinado a produzir determinados efeitos jurídicos, isto é, adquirir, resguardar, transferir, conservar ou modificar direitos. [1] Direitos esses que, em regra, são afetos às partes contratantes. Trata-se do princípio clássico da relatividade subjetiva, instituto que tem sua expressão assentada no brocado latino res inter alios acta, allis nec prodest nec nocet, ou seja, aquilo que é realizado entre uns, a outros não aproveita nem prejudica.
Algumas figuras legais típicas, porém, em determinados casos, excepcionam esta regra, possibilitando que diante de certas situações a avença produza seus efeitos perante não-contratantes. Tais hipóteses, com efeito, assentam-se em institutos clássicos há muito tempo reconhecidos pelo Direito Civil, os quais afirmam o princípio da autonomia da vontade, uma vez que as partes, valendo-se de sua liberdade subjetiva e com amparo no texto positivado, convencionam os reflexos do contrato perante terceiros. Nesse sentido, a guisa de ilustração, podem-se mencionar a estipulação em favor de terceiro, o contrato com pessoa a declarar, a promessa de fato de terceiro e os contratos com eficácia real. [2]
Hodiernamente, todavia, diante do progresso dos meios de comunicação, fenômeno que impulsiona o crescimento das relações econômicas e sociais, o contrato tem sua relevância ampliada, isto porque serve também, e principalmente, como instrumento realizador dos interesses sociais, o que importa no redimensionamento do princípio clássico da relatividade subjetiva.
2. A MUDANÇA DE PARADIGMA NA TEORIA DOS CONTRATOS À LUZ DA CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO
No início do século XX, em resposta à grande depressão de 1929, com a quebra da bolsa de valores de Nova Iorque, cuja causa maior se atribui ao excesso de liberdade na economia e pouca atuação estatal, emerge o Estado Providência, organização política e econômica que surge junto com as primeiras constituições sociais, como a Mexicana de 1917 e a de Weimar, na Alemanha, em 1919. [3]
Diante das novas perspectivas, desponta uma intensa modificação na maneira de se pensar o Direito. Enquanto no período liberal a Constituição se reporta tão somente à limitação do Estado e a sua estruturação política, com o advento do ideal social passa-se a ter como fundamento os valores e compromissos insculpidos nos textos constitucionais.
Em tal quadro, passa-se a reconhecer a supremacia valorativa da Lei Marior, ultrapassando, portanto, a simples concepção de sua preponderância de ordem formal, sobretudo em função da identificação do caráter normativo de seus dispositivos, inclusive os princípios. Por este efeito expansivo convencionou-se chamar de constitucionalização.
Nesse mesmo contexto, a Carta Magna de 1988 produz notável alteração no modelo legislativo brasileiro, com profunda influência no Direito Privado, até então regulado fundamentalmente pelas idéias liberais das codificações oitocentistas. O estabelecimento da dignidade da pessoa humana como ponto central do ordenamento jurídico e a atuação do Estado como promotor da justiça material repercutem nas mais diversas searas do Direito Civil, inclusive nos contratos.
Assim, a convenção, importante ferramenta de circulação de bens e serviços que é, deve ser (re) interpretada à luz da nova principiologia constitucional, que ultrapassa o individualismo do século XIX e abre espaço a comandos de otimização de ordem flagrantemente social, como a boa-fé objetiva e a própria função social.
De fato, a relação contratual também revela em suas raízes uma função social. É que os interesses individuais das partes devem ser exercidos em conformidade com os reclames sociais. A função exclusivamente individual é incompatível com o Estado Social, razão pela qual se pode invocar o princípio da solidariedade, fincado no art. 3º, inciso I, da Carta Política, como fundamento da função social, atribuindo aos indivíduos o dever de união na construção da dignidade, valor este encarado como fundamento último do ordenamento magno. [4] A tutela do homem não se encerra na promoção de sua individualidade. Ao revés, entende-se que o ser é tutelado especialmente em sua existência social, desarraigado, pois, da solidão de seus interesses exclusivos.
3. O PRINCÍPIO DA FUNÇÃO SOCIAL: O CONTRATO ALÉM DE SEU CARÁTER EXCLUSIVAMENTE SUBJETIVISTA
A autonomia da vontade, princípio no qual se assentam os elementos teóricos basilares do pensamento jurídico liberal do século XIX, não goza de valor absoluto, uma vez que a ética individualista e a liberdade contratual dão lugar a exigências por justiça social. Malgrado a liberdade de contratar igualmente constar de forma expressa no art. 421 do Código Civil vigente, o mesmo dispositivo subordina seu exercício à observância de um critério de sociabilidade. É aqui que a análise do direito de pactuar desembaraçadamente os ditames contratuais ganha contornos atraentes.
A partir de uma simples leitura do indigitado dispositivo, vê-se que o legislador finca duas condicionantes à liberdade de contratar: i) seu exercício no limite da função social; ii) seu exercício em razão dela. Segundo a doutrina de Judith Martins-Costa, “com base no princípio da função social (compreendido em seu papel de ‘previsão de limite’) o juiz pode impor deveres negativos para além daqueles cominados expressamente na lei”. Por sua vez, no que se refere ao exercício da liberdade de contratar em razão da função social, seguindo nas idéias de Judith, nascem duas eficácias a partir do próprio art. 421, a saber: intersubjetiva e transsubjetiva (interna e externa, como preferem alguns, ou inter e ultrapartes, para outros). [5]
Essa distinção tem lugar para estabelecer que a função social goza de conteúdo que se reflete na relação travada entre, de um lado, os subscritores, e de outro, terceiros não contratantes, sejam eles determinados (ou determináveis) ou a universalidade social.
A dimensão intersubjetiva da função social, em verdade, nada mais é do que a aplicação do princípio da boa-fé objetiva, positivado no art. 422, do Código Civil, cujo conteúdo, neste particular, é diretamente inspirado pela função social. [6]
Explique-se melhor. A boa-fé consiste na exigência de um padrão de conduta baseado na cooperação, quer na conclusão quer na execução do contrato. É o agir de boa-fé, e não o estar de boa-fé, este último viés subjetivista muito mais afeto ao direito das coisas.
De forma bastante sucinta, pode-se afirmar que o princípio, do ponto de vista contratual, tem três funções bastante nítidas: i) limitar o exercício de direitos subjetivos; ii) criar deveres anexos; e iii) estabelecer um modelo interpretativo do comportamento dos sujeitos da relação jurídica. Assim, valendo-se de suas três matrizes, impede que os sujeitos da avença estabeleçam entre si prestações que embaracem a realização de expectativas por eles próprios legitimamente nutridas, em especial aquelas de ordem existencial, ganhando forma, pois, de norma garantidora do atendimento das necessidades de todos os subscritores, o que, em última análise, consiste na finalidade precípua do contrato.
Portanto, cediço que a função social do contrato em seu plano interno tem como objetivo garantir a satisfação das expectativas dos contratantes, sendo esta componente de um interesse público maior, entende-se que sua incidência endógena se dá no sentido de tutelar os interesses dos sujeitos da avença, valendo-se, para tanto, das três funções da boa-fé objetiva, princípio por meio do qual se assegura uma lealdade no comportamento destinado a efetivar interesses que devem convergir, e não rivalizar.
4. EFEITOS ULTRAPARTES DO CONTRATO, AS TEORIAS PROTETIVA E ONERATIVA DE TERCEIROS E A NOVA DEFINIÇÃO DE PARTES
No que se refere à eficácia ultrapartes, está-se a falar do dever que se impõe aos terceiros que, por óbvio, não constitui o cumprimento da obrigação, mas sim o respeito de observar o contrato, as pessoas dos contratantes e seus respectivos patrimônios. [7] Portanto, o comportamento do terceiro não pode interferir no atuar das partes do negócio. Trata-se, enfim, de um dever universal de abstenção que se pode impor àqueles que não integram a formação do pacto.
Do mesmo modo como se opera na eficácia interna, o princípio da boa-fé objetiva também serve de fundamento aos reflexos exógenos da convenção. Nesse contexto, analisada à luz da função social, a boa-fé objetiva cuida de “via de mão dupla”. Se por um lado atua no sentido de impedir que terceiros frustrem o contrato do qual não formaram, por outro igualmente impede que os contratantes inviabilizem a prestação de avença levada a cabo por outrem. Estes breves apontamentos servem de base à teoria das convenções de eficácia protetiva e à teoria do dever de respeito ao conteúdo do contrato.
Não só residindo no princípio da boa-fé objetiva, quando se analisam os institutos que se revelam a partir das idéias aqui propostas, a teoria da vedação ao abuso do direito se apresenta igualmente como fundamento da eficácia extrínseca do contrato[8]. É que, por oportunidade do estudo dos reflexos protetivos e onerativos perante terceiros, a proibição ao exercício de um direito desvinculado de seu destino econômico-social serve de alicerce às concepções ora apresentadas.
A eficácia extrínseca, com efeito, tem por base a idéia de oponibilidade do contrato, que consiste na eficácia indireta do negócio, consubstanciada nos efeitos que o mesmo produz para além do âmbito do pacto. Revela, por assim dizer, a convenção como fato jurídico, dizendo respeito às suas repercussões perante terceiros.
Diante de tais afirmações, a qualificação de partes e terceiros deixa de ser estática e considerada constante. Ao contrário, ganha caráter variado, amoldando-se às peculiaridades do caso concreto.
Tomando-se por base uma posição clássica do direito dos contratos, pode-se afirmar que parte é aquele que participa das tratativas e subscreve o negócio, levando a efeito, portanto, seu direito subjetivo de contratar, ao passo que o terceiro é aquele que não é parte do contrato, conceito a que se chega por negação. Assim, a inexecução da obrigação acarretaria responsabilidade apenas ao inadimplente diante do credor, não trazendo repercussões perante os sujeitos estranhos à avença, pois a convenção se constitui res inter alios acta.
No entanto, valendo-se dos fundamentos ventilados alhures, ou seja, à luz dos princípios sociais do contrato, ao largo da figura do contratante tradicional e do contratante ingresso na relação jurídica (este consistindo no indivíduo que, inobstante não tendo contribuído para a formação da convenção, acaba em momento futuro sofrendo seus efeitos, como nas hipóteses da estipulação em favor de terceiros, do contrato com pessoa a declarar e da promessa de fato de terceiro), tem-se, também, as partes não-subscritoras.
Noutros termos, partes podem ser vistas como aqueles que celebram o contrato, que ingressam na relação contratual por força de estipulação levada a cabo por outrem, ou, ainda, os sujeitos que, apesar de não participarem da formação da avença, são por ela de alguma maneira afetados. Por outras palavras, partes não se resumem aos subscritores e ingressos, mas alcançam igualmente os terceiros que, se por um lado não manifestaram sua vontade na convenção, por outro têm sua esfera jurídica por ela alterada[9].
Para fins de ilustração, pode-se invocar o contrato de seguro facultativo de responsabilidade civil. O contrato de seguro pode ser conceituado como o pacto através do qual uma das partes (o segurador) se vê obrigada a resguardar interesses da outra (o segurado), o que se dá através do pagamento de um prêmio por esta em favor daquela[10]. O Código Civil de 2002, ao definí-lo, indica no art. 757 que “pelo contrato de seguro, o segurado se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou coisa, contra riscos predeterminados”.
Nesses casos, quando se tem uma relação muito próxima entre o não-subscritor e os efeitos do contrato, aquele que não manifestou sua liberdade subjetiva e não deu os contornos iniciais ao negócio merece ter sua esfera jurídica protegida. Cuida-se da eficácia protetiva de terceiros, que, a rigor, não são terceiros, mas sim partes não-subscritoras, como proposto anteriormente.
Esta posição parece ser inovadora, porém se faz presente de forma tão usual que sequer é notada por muitos dos operadores jurídicos. Referem-se, aqui, aos casos de responsabilidade civil estribados no Código de Proteção e Defesa do Consumidor[11]. Veja-se melhor.
A responsabilidade por vício do produto e do serviço, estabelecido nos artigos 18 e 20, da Lei 8078/90, traz a possibilidade de o fabricante responder em face de quem em momento algum com ele estabeleceu vínculo contratual. Ou seja, o consumidor apenas contrata com o fornecedor, que não passa de simples intermediário ou atravessador, e nunca diretamente com o fabricante. Este, todavia, se vê obrigado a reparar os danos decorrentes dos produtos que coloca em circulação, posto que é ele verdadeiramente quem introduz o risco no mercado de consumo.
Neste tema específico, impende destacar que a responsabilidade é solidária entre todos aqueles que tenham participado da cadeia de consumo, o que implica afirmar que o consumidor, constatado o vício do produto ou serviço, pode demandar em face do comerciante, do fabricante, do importador etc[12]. Portanto, à exceção do comerciante, o único que de fato participa da avença, o consumidor tem um leque de indivíduos que igualmente têm responsabilidade, ainda que não atuado diretamente no contrato.
Destarte, estendem-se os reflexos da convenção à órbita jurídica de quem não consentiu para sua celebração, trazendo para o sistema positivo pátrio uma inequívoca mitigação do princípio clássico da relatividade dos contratos, conferindo, pois, ação direta do terceiro em face do fornecedor.
Há também a hipótese em que se imputa ao terceiro uma abstenção ou, noutros termos, um não agir, consubstanciado no dever de respeito ao conteúdo do contrato[13]. Cuida-se, por assim dizer, da responsabilidade do terceiro ofensor ao contrato.
O fundamento assenta-se no princípio da boa-fé objetiva, na proibição ao uso abusivo do direito, na função social – e, por conseqüência lógica, no princípio da solidariedade – e no dever a todos imposto de não causar danos a outrem – neminem laedere[14].
Refere-se, aqui, à chamada tutela externa do crédito[15], em que, ao revés da primeira conjectura dos reflexos exógenos do direito creditício, tem-se não a responsabilidade do credor diante de danos causados perante sujeitos estranhos ao negócio, mas sim a responsabilidade destes por provocarem voluntariamente a violação da convenção. Esta teoria se baseia na oponibilidade dos contratos, que é a presunção de existência e validade de que goza a convenção perante todos, ficando impedido o sujeito não-contratante a negar-lhe observância[16].
Nesse pensar de idéias, realça-se que o conceito de liberdade de contratar tem dois significados. Um ligado ao seu aspecto positivo, nominalmente o poder que as partes têm de atuar como legisladores privados, estabelecendo direitos e deveres reciprocamente. O outro significado, por sua vez, conecta-se a uma omissão, isto é, uma obrigação de não fazer, cujo alicerce se dá na exigência de que terceiros se abstenham de influir na convenção[17].
Pode-se esmiuçar tal assunto ao considerar que a coletividade (terceiros indetermináveis) tem o dever de respeitar a relação jurídica contratual, sendo-lhe defeso, por conseqüência, agir com o desiderato de intervir nos negócios levados a efeito pelas partes contratantes, sob pena de responder civilmente pelos danos eventualmente produzidos por sua conduta. É a influência ilícita de terceiros em contratos dos quais não subscreveram, através de uma conduta desleal de induzimento de um dos subscritores ao inadimplemento voluntário da obrigação outrora assumida.
O atual Código Civil contempla textualmente a tutela externa do crédito, disciplinando em seu art. 608 que “aquele que aliciar pessoas obrigadas em contrato escrito a prestar serviço a outrem pagará a este a importância que ao prestador do serviço, pelo ajuste desfeito, houvesse de caber durante dois anos”. Tem-se, assim, uma hipótese legalmente tipificada de responsabilidade civil por interferência de terceiro na quebra do contrato[18].
Pode-se mencionar, ademais, outro caso de reconhecimento pela ordem jurídica em vigor da teoria onerativa de terceiros: trata-se da fraude contra credores.
Como é sabido, o patrimônio é a garantia das dívidas das pessoas. Apurando-se a existência de obrigações não cumpridas, o credor pode requerer a execução do patrimônio do devedor, a fim de ter seu crédito satisfeito[19]. Daí a razão pela qual caso o devedor não seja titular de qualquer posição jurídica ativa, ao credor não resta outra saída a não ser aguardar que o inadimplente passe a ser titular de bem que garanta o pagamento.
No entanto, o esvaziamento patrimonial, através da transferência da propriedade para outrem, produz lesão à esfera jurídica de terceiros, razão pela qual o ato torna-se passível de anulação. Assim é que, diante desse comportamento flagrantemente em contrariedade com a lei, os artigos 158 e seguintes do Código Civil autorizam que terceiros vítimas se valham da ação pauliana para a anulação do negócio lesivo, com o retorno do bem transferido em fraude ao patrimônio do devedor.
Com efeito, quando se falam dos efeitos contratuais perante terceiros, pode-se cogitar que o fenômeno apenas tem lugar nos bancos acadêmicos, não se fazendo presente na vida prática dos tribunais pátrios. Ao revés, já há jurisprudência que agasalha as ideias aqui propostas. Nesse sentido, talvez a hipótese mais noticiada da eficácia contratual perante terceiros, especificamente falando na teoria onerativa dos não-contratantes, seja o caso do cantor Zeca Pagodinho[20].
O caso pode ser resumido nos seguintes termos: o referido cantor, contratado como garoto-propaganda da Nova Schin, cuja campanha publicitária se tornou um enorme sucesso, foi induzido pela Brahma a com ela celebrar nova avença de publicidade ainda na vigência de seu contrato, ficando acertado entre ambos o pagamento de um valor que superaria o patamar do pacto subjacente.
E assim se procedeu. Rompeu-se o contrato anterior, e Zeca passou a estrelar a campanha da Brahma, inclusive se reportando à sua antiga relação com a outra cervejaria, dizendo ter se tratado de uma “paixão de verão” e que, na verdade, seu “grande amor” era mesmo a Brahma.
Descontente com a situação, a Nova Schin ingressou com uma ação cautelar em face do cantor e da AMBEV, com o propósito de que ambos fossem compelidos a observar a cláusula de exclusividade constante do primeiro negócio, abstendo-se, para tanto, de promover qualquer campanha da outra marca de cerveja.
Em primeiro grau de jurisdição, concedeu-se liminar na ação intentada, o que levou a AMBEV a recorrer da decisão. Já em grau recursal, o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo confirmou a medida cautelar anteriormente deferida pelo juízo singular, estabelecendo multa diária no importe de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), diante de eventual descumprimento da determinação judicial.
Deste modo, malgrado se ter na figura da AMBEV um terceiro em relação ao contrato de publicidade original, em nada se alterou a cláusula de exclusividade constante do pacto levado a efeito entre Zeca Pagodinho e a Nova Schin, reconhecendo-se, assim, a eficácia do contrato perante terceiros, consubstanciada na tutela externa do crédito.
5. A TEORIA DO ROMPIMENTO EFICAZ DO CONTRATO
Outra corrente há, porém, que defende a impossibilidade de se responsabilizar civilmente o terceiro causador do inadimplemento. Essa posição tem por base a teoria do rompimento eficiente do contrato[21], cujos elementos a seguir passam-se a analisar.
Defendendo sobremaneira os resultados econômicos para a sociedade, esta teoria argumenta que, compensada a vítima pela inexecução da avença e apurado um estado de riqueza superior do descumpridor quando comparado ao que lhe era previsto caso efetivase o acordo, a sociedade ficaria em melhor estado econômico, o que conduziria ao estímulo do rompimento eficaz, inclusive por parte do próprio Estado[22].
Noutras palavras, a teoria defende que o rompimento do contrato, quando conduz a um ganho superior ao esperado caso fosse fielmente cumprido, produz um efeito atraente para a coletividade, pois a vítima, sendo indenizada, inclusive levando-se em conta os lucros cessantes, seria guiada ao seu estado anterior, e o outro contratante teria sua posição de riqueza ampliada. Assim, inexistindo qualquer prejuízo para os contratantes, segundo essa visão, há de se fomentar este padrão de comportamento.
A crítica que se estabelece sobre esta teoria tem lugar no argumento de que ônus imposto à sociedade por ocasião do rompimento do contrato supera em muito os benefícios eventualmente apurados pelo fim do pacto. Assim, incentivando-se a quebra eficaz do negócio, o interesse público acaba fortemente afrontado, na medida em que a convenção está além de um mero instrumento através do qual se possibilitam ganhos de ordem material. Isto é, o contrato, além de sua serventia econômica, é também o meio pelo qual se opera uma segurança jurídica maior no trato social.
Assim, trazer à baila teoria que se baseia precipuamente em argumentos de ordem econômica nada mais é do que afirmar a prevalência de institutos patrimoniais em detrimento de outros de ordem existencial. O contrato é o instrumento através do qual as pessoas celebram seus negócios. Compram, vendem, alugam, permutam etc. Ao largo de seu aspecto econômico, a convenção deve ser lida como a ferramenta maior de que se vale a sociedade para satisfazer seus interesses.
6. CONCLUSÃO
Por todo o exposto, vê-se que o princípio clássico da relatividade subjetiva, consistente na idéia de que o contrato só obriga aqueles que o subscreveram, deve ser revisitado. O próprio ordenamento jurídico pátrio em vigor, notadamente o atual Código Civil, prevê algumas hipóteses excepcionais em que, nada obstante não se ter levado a cabo a liberdade de contratar, o terceiro pode passar a ter posições passivas ou ativas em seu patrimônio. Tratam-se, em indicação meramente exemplificativa, dos contratos com pessoa a declarar, da estipulação em favor de terceiro, da promessa de fato de terceiro, além dos pactos com eficácia real, produtos diretos da autonomia da vontade, pois só tem lugar por força de manifestação expressa dos subscritores.
De outro lado, entende-se que o princípio da função social por si só pode igualmente produzir reflexos dos negócios perante aqueles que não os deram origem. Nesta quadra, esta conclusão produz um redimensionamento dos conceitos de partes e terceiros.
À luz da função social, chegam-se aos seus dois modos de produção de efeitos. O primeiro deles referente aos próprios contratantes, cujo fundamento se assenta também no princípio da boa-fé objetiva. O segundo efeito, ao seu tempo, conecta-se à coletividade anônima da sociedade, ora para proteger-lhe das convenções (teoria protetiva de terceiros), ora para atribuir responsabilidades aos não-contratantes ofensores (teoria onerativa de terceiros e tutela externa do crédito).
Advogado na cidade do Rio de Janeiro, pós-graduando em Direito Privado pela Universidade Federal Fluminense
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