O Ministro Marco
Aurélio, presidente da Suprema Corte, assume às vezes posições absolutamente
originais. Defende a eleição direta, pelos juízes, dos integrantes do Supremo
Tribunal Federal. Quer, igualmente, a criação de um Tribunal Constitucional, a
exemplo de países outros, destacando-se a França.
Se o
eminente ministro pleiteia tais inovações, pretende, evidentemente, a
quebra da vitaliciedade, uma das garantias fundamentais da magistratura. A
criação do tribunal constitucional, paralelamente, seria, segundo o presidente
do Supremo Tribunal, um auxílio seguro à manutenção da
imparcialidade de decisões importantíssimas envolvendo questões constitucionais
de alta indagação.
Sou um sobrevivente de priscas eras. Iniciei-me na advocacia especializada há quarenta
e poucos anos. Acompanhei, portanto, o trajeto do Poder Judiciário durante as
mutações sócio-politico-econômicas do país. As
declarações do presidente do Supremo Tribunal Federal apenas
secundam o que venho afirmando, verbalmente e por escrito, repetidamente, em
manifestações variadas dirigidas à classe jurídica brasileira.
Recentemente, há duas ou três semanas, formulei algumas críticas às
denominadas posições políticas da Suprema Corte e à forma de escolha dos
augustos integrantes da nobre instituição. Na medida em que os onze
ilustres juízes têm indicação e aprovação advindas, de um lado, do
Presidente da República e, de outra parte, do Senado Federal, podem
vincular-se, até por espécie de simbiose, àqueles que lhes possibilitaram o uso
vitalício da toga, tornando-se, de alguma forma, simpatizantes das causas transmigrantes enquanto na presidência estiverem os
apadrinhadores.
Não há nisso ofensa
qualquer, mas simples captação da rotina do comportamento do ser
humano. Assevera-se, nos vetustos manuais de Direito,
que os magistrados são imparciais. É bobagem. Trazem consigo, enquanto julgam, carga permanente de tendências hauridas na infância,
mocidade, meio social, padrões culturais circundantes, religião, afetividade,
dramas pessoais e influências outras. O ato de julgar é, portanto, atividade
complexa. Pode-se prever na atividade forense, com porcentagem
elevada de acerto, o desenlace de uma ou outra disputa em que o
interesse do Poder Público esteja presente. Hipótese recente é ofertada
pela denominada crise de energia elétrica. Obviamente, tiveram os ministros à
frente as sérias conseqüências de uma ou de outra opção, mas não se dirá
que houve negligência do governo no convencimento de seus paladinos.
Repita-se: não há censura
aos cultos ministros. São homens. Têm qualidades excelsas, mas o uso da
toga não lhes atribui o cinto de santidade. Na medida em que têm assento
preparado por um ou outro governante, perdem alguns a independência real,
embora mantendo, enquanto não atingindo a compulsória, o pressuposto
formal da intangibilidade. Não deveria ser assim. Os
ministros da Suprema Corte mereceriam ser guindados por escolha
direta de todo o Poder Judiciário nacional, mantendo-se na função
durante período determinado. É a única forma, creio, de se livrarem de pressões
da Presidência da República. Vale a pena pleitear, igualmente, a criação do
Tribunal Constitucional, igualmente constituído por juízes não
vitalícios. Mudam os tempos, modificam-se
os enfoques. Juizes guindados ao cargo durante um regime de força teriam
dificuldade, certamente, de examinar problemas gerados depois da
redemocratização do país. O manejar dos conflitos atinentes à fase nova pede
capacidade de enfrentamento rejuvenescido na liberalização. O esforço
necessário às novas projeções pode constituir, para o remanescente,
desafio ingente à capacidade de modificação de velhos conceitos.
Evidentemente, a vitaliciedade tem suas
vantagens. Permite ao ministro insurgir-se contra o criador. Por outro lado,
dependendo de eleição, o candidato se transformaria em catador de votos.
Não se pense, que o atual sistema poupa o
pretendente do beija-mão. A atividade é mais compacta, mas existe. Interferem nisso pressões regionais, apoio direto do governo
federal, transações políticas no Senado, enfim, um “toma-lá”
“dá-cá” não muito edificante. Tudo isso num
período em que o Banco Central é outorgado à presidência de um brasileiro
híbrido e uma embaixada é atribuída a um outro com dupla nacionalidade.
Aqui, Não basta devolver o passaporte. A renúncia à outra cidadania seria
imperativa. Lá, agora e antes, imprescindível seria que o escolhido ficasse
aguardando em casa, contritamente, as flutuações políticas havidas no planalto.
Pode acontecer extravagância igual, mas o próprio Vaticano se agita,
hoje, para a escolha de um novo papa. A Igreja depende de uns poucos para
a transmissão do cajado ao sucessor de João Paulo II. Já há
candidatos. Se é assim para a eleição de um santo,
imagine-se o que ocorre no processo sujeito às agruras da competição
terráquea…
Advogado criminalista em São Paulo e presidente, no Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, da Comissão Nacional de Defesa das Prerrogativas do Advogado.
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