Vi espantado a
imprensa noticiar que o Procurador da República Luiz Francisco vai
processar criminalmente Luiz Estevão, pois este o teria xingado durante
uma audiência realizada no dia 6.5.00. As expresões
ofensivas usadas por Luiz Estevão seriam: leviano e deformado mental.
Em tese, Luiz Estevão poderia ter
praticado o crime de difamação (art. 139 do Código Penal – CP) ou de injúria
(art. 140 do CP). No entanto, o Procurador da República se esqueceu de um
dispositivo importante do CP, que é: “Exclusão do crime. Art. 142. Não
constituem injúria ou difamação punível: I – a ofensa irrogada
em juízo, na discussão da causa, pela parte ou por seu procurador…”
Quanto a
ofensa irrogada pelo procurador da parte, há sérias
limitações, mas quanto à do réu não, pois ele tem, constitucionalmente, o amplo
direito de defesa (art. 5o, inciso LV da CF). Assim, é estranho o
discurso do Dr. Luiz Francisco.
Há poucos dias, vi um artigo na internet
em que um Assessor do Ministério Público (MP) do Estado do Pará dizia: “Privilégio
de foro na ação de improbidade, vem sujeira por aí”. Enviei um e-mail ao autor
questionando seus fundamentos porque considero o privilégio de foro uma
necessidade, pois muitos membros do MP, em busca de um minuto de fama, estão
maculando o nome de homens importantes, prejudicando o País, pois inviabilizam
a governabilidade. Nesse momento, não desejamos tratar da ação de improbidade
administrativa, mas apenas demonstrar que problemas vem sendo
criados pela falta de controle sobre o MP.
Discuti a natureza jurídica do MP em meu Manual de Execução
Penal, publicado pela Ed. Atlas S.A., de onde se infere que é uma excrescência
jurídica deixar um órgão solto no Estado, não se subordinando a nenhum Poder. Realmente, embora executando atividades de
natureza executiva, o MP não se vincula a nenhum
Poder, estando solto na organização do Estado, o que não se justifica na teoria
da constituição (Direito Constitucional). Todavia, em homenagem à necessidade
de ter um órgão isento e autônomo para a fiscalização da aplicação da lei é que
foi criada a anomalia jurídica da total independência do MP, ressuscitando o
velho Poder Moderador de D. Pedro I, que é um Poder do Estado, acima dos demais
(Executivo, Legislativo e Judiciário).
Em uma ação de improbidade administrativa,
um Desembargador ou Ministro de Tribunal, acusado por Procurador da República
que ainda está em estágio probatório, responderá ao processo perante um Juiz de
1a instância, que é um Juiz prolator de decisões que podem ser
modificadas pelo acusado em grau de recurso.
Pior, muita gente está buscando a fama.
Isso é tão notório que um jornal de Brasília veiculou: “Quando promotor e juiz
jogam para a platéia QUEM PERDE É A JUSTIÇA” (Jornal da Comunidade. Brasília,
6.5.00, p. 4). Diante desse quadro assustador, em que todos podem ser acusados
infundadamente, apenas porque se busca a fama, deve-se tomar muito cuidado com
as declarações de notáveis autoridades do MP e do Judiciário.
Feitas algumas anotações
esclarecedoras, voltemos ao caso Luiz Estevão. O ex-Senador teve um pedido de
prisão preventiva, infundado, contra si, sendo que o MP, por seu membro,
alardeou que estava protocolando tal pedido – ao leigo pode parecer estranho,
mas a pessoa física se confunde com o próprio Estado. Enquanto no exercício de suas
atribuições institucionais, o membro do MP é o próprio órgão estatal. Depois,
às portas fechadas, houve uma audiência, e, novamente, logo após o término, o
mesmo membro do MP divulgou aos quatro ventos – chamou a imprensa – que foi
xingado durante a audiência. Assim, não pode haver difamação.
No meio jurídico, distingue-se a
difamação da injúria dizendo que o primeiro crime ofende a honra objetiva e no
segundo a honra subjetiva. É evidente que o ex-Senador não Procurou denegrir a
imagem do Procurador da República em seu meio, pois ele falou reservadamente em
uma audiência, em sua própria defesa – a divulgação dos fatos se deu pela
pretensa vítima do crime. Assim, não há animus
injuriandi vel difamandi, o que seria essencial para se falar em crime
de difamação.
Não há também injúria porque o
ex-Senador quis demonstrar que, em busca da fama, estão querendo destruí-lo.
Esta é a única dedução lógica. Um réu chega em Juízo e
vê que está sendo acusado de ter praticado uma série de crimes, que entende que
não cometeu. Diante da situação em que percebe certo desequilíbrio do Estado
acusador, por meio do seu órgão (representante do MP), diz palavras ofensivas
contra o acusador. Isso, mesmo em tese, não pode constituir crime, sendo um
absurdo a postura do Estado acusador, que está sendo representado por um órgão
seu.
Havendo animus
defendendi e não animus
injuriandi, não há como falar em injúria. In
casu, não é crível que o ex-Senador quisesse
ofender valores pessoais do Procurador da República que o acusa, valores que o
acusador tem de si mesmo. Dessa forma, nem mesmo em tese, é possível ver a
proclamada ocorrência de crime.
Finalmente, o órgão estatal sustenta
que não incide a imunidade do art. 142, inciso I, do CP, porque o que teria
ocorrido seria desacato (art. 331 do CP). Olvida-se, o MP, que o desacato é a
injúria qualificada pela qualidade do sujeito passivo, sendo que a ofensa se
dirigirá contra este, em razão de sua função.
O interrogatório é um ato de defesa, só
participando da audiência o Juiz e o réu. Dessa forma, era prescindível a
presença do órgão ministerial, bem como do advogado do réu, na audiência.
Limitar o direito de defesa do acusado sob o argumento de que ele praticará
crime ao criticar o Estado acusador, importa em esquecer a própria natureza do
interrogatório, que é um ato de defesa – ratifica-se –, no qual o acusado tem a
oportunidade única de articular sua defesa oral, sem precisar da intervenção de
advogado.
O MP deve se ver como um órgão que é parte no processo, não como uma pessoa humana suscetível
de sofrer o crime de desacato. Outrossim, deve analisar o animus
da parte que o ofendeu, haja vista que o animus
defendendi caracterizará tão-somente o exercício
dos constitucionais direitos de ampla defesa e contraditório,
este último importa em igualdade entre as partes, o que impossibilita a visão
de, mesmo em tese, ter se caracterizado o crime de desacato.
Procurador Autárquico do Conselho Administrativo de Defesa Econômica
Professor da UNICEUB, da AEUDF e da APMB
Autor dos livros Prescrição Penal e Execução Penal, Ed. Atlas.
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