Consoante estatuído no art. 36 do Código de Processo Civil, “A parte será representada em juízo por advogado legalmente habilitado. Ser-lhe-á lícito, no entanto, postular em causa própria, quando tiver habilitação legal, ou, não a tendo, no caso de falta de advogado no lugar ou recusa dos que houver”.
Referido dispositivo legal provê, com exclusividade, sobre a capacidade postulatória, sendo certo que só ele regula o jus postulandi.
Acerca do assunto, todavia, entendem alguns autores que também o art. 12, do CPC, é relativo à representação em juízo, o que, concessa venia, não parece acertado, haja vista que a representação tem sede única no art. 36, deduzindo-se que o equívoco só se pode dever à circunstância de no prefalado art. 12 ter sido empregado (inadequadamente) o termo “representados”. É que, ao revés do que possa parecer, o excogitado dispositivo não tem a ver com representação, mas sim com presentação, eis que diz respeito somente à capacidade de estar em juízo (legimatio ad processum).
A propósito, aliás, destacou com toda a propriedade o emérito PONTES DE MIRANDA que “Por vezes as leis erram; põem “representadas” por “presentadas”” (in Comentários ao Código de Processo Civil, Forense, 1974, Vol. I, pág.267), particularizando aquele saudoso mestre que “Quando o art. 12 do Código de Processo Civil diz que os seres sociais por ela apontados são “representados em juízo, ativa ou passivamente, erra palmarmente, sempre que não houve outorga de poderes e sim função de órgãos” (idem, pág. 319).
Sobre a distinção entre presentação e representação, escreveu CAMILLA FUREGATO, verbis: Na representação há sempre dois sujeitos, um representante, que age em nome do representado e um representado. É uma relação jurídica. O preposto é representante porque se revela como alguém distinto da pessoa jurídica, agindo, desta forma, em seu nome. Em contrapartida, a relação de presentação é uma relação orgânica, como no caso do Chefe do Executivo que presenta o Brasil, tanto assim, que se ele sofrer um ataque num país estrangeiro, será um ataque ao Estado Brasileiro. Quando um presidente age, quem age é a pessoa jurídica” (in http://lfg.jusbrasil.com.br/noticias/101400/qual-a-diferenca-entre-representacao-e-presentacao .
Na verdade, o Código de Processo Civil contém apenas um dispositivo tratando da matéria relativa à representação (que é o art. 36), o qual se inclui no capítulo “Dos procuradores”, sendo evidente que o art. 12 é alusivo à regra de presentação – que é instituto de direito material – tendo sido inserido no Código, exatamente no capítulo “Da capacidade processual”, com o tão-só objetivo de indicar, para efeito do preceituado no art. 215, caput (que também erroneamente emprega o termo “representante”, ao invés de presentante) as pessoas aptas a receberem citação (e a constituírem mandatários) em nome dos entes incorpóreos e das universalidades no mesmo referidos, visto não serem pessoas físicas ou procuradores por estas legalmente autorizados.
Como conseqüência do equívoco em que incorrem vários autores, sustentam os mesmos, por exemplo, que no art. 12, caput, do CPC (agora repetido pelos arts. 131, caput. e 132, da CF/88), a própria lei investe no jus postulandi os procuradores da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios (incisos I e II), e então concluem que, por isso, tais procuradores estão dispensados da apresentação de instrumento de mandato, que é a procuração.
A jurisprudência, por sua vez, tem comungado com referido entendimento, admitindo que estão dispensados da apresentação de procuração não só os procuradores da União, mas também os das autarquias,
Por oportuno, diga-se que a equiparação de que tratava o art. 1º, caput, da Lei nº 2.123 de 1º/12/53 (posteriormente revogado pela Lei nº 9.527, de 10/12/97), foi editada quando ainda vigia o disposto no art. 87 do CPC/39, sendo que o novo Código não incluiu em seu texto aquela mencionada norma, que, para alguns, ficou então derrogada. E a respeito de tal, assim disserta CELSO AGRÍCOLA BARBI: “O Código deveria também ter determinado quais os representantes judiciais das autarquias federais, estaduais e municipais. Não o tendo feito, deve-se entender que a representação se fará nos termos das leis que as criarem. Assim, conforme disponham os atos criadores, a representação poderá ser pelo dirigente máximo ou por procuradores, caso sejam criados esses cargos, com a função expressa de representá-las em juízo. Em falta de regra expressa nessas leis, deve-se entender que a representação cabe ao dirigente máximo. Nesse caso, os procuradores necessitarão de instrumento de mandato para propor ou acompanhar ações: e, quando a ação for proposta contra a autarquia a citação inicial deverá ser feita àquele dirigente” (in Comentários ao Código de Processo Civil, Forense, 1975, Vol. I, Tomo II, nº 136, pág. 158).
Com todo respeito ao ponto de vista contrário, estou em que toda e qualquer pessoa autorizada a exercer o jus postulandi (salvo em causa própria), é obrigada à apresentação do instrumento de mandato. Di-lo com-todas-as-letras o art. 37, caput, do CPC, que nada excepcionou, tanto que inclusive deixou de consignar o clássico “salvo disposição contrária”, tendo o art. 70, caput, da Lei nº 4.215, de 27/04/63, vindo a coonestar o ora aqui expendido, valendo referir que o representante da parte em juízo será sempre um advogado legalmente habilitado (art. 36 do CPC), só a quem é autorizado o exercício da atividade postulacional (art. 67 do antigo EOAB), o que importa ter-se como evidente que mesmo os procuradores da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das autarquias deverão estar regularmente inscritos no correspondente quadro da OAB.
Tirante a hipótese do jus postulandi em causa própria, a apresentação do instrumento de mandato é imprescindível em todos os casos, eis que nenhum outro dispositivo do código tem o efeito de excepcionar a regra estabelecida no art. 37, data venia não sendo defensável o entendimento de que, no caso dos procuradores da União e das autarquias, será bastante que o juiz saiba, por lhe ter sido anteriormente comunicado através de expediente oficial, que o procurador atuante integra o respectivo quadro funcional, e isso até porque também a outra parte tem o direito de fiscalizar (ela própria) a regularidade da intervenção do procurador público, com o exame do contido na pertinente procuração. Quanto a isso, por sinal, assim já foi admitido pela jurisprudência: “Embora, em princípio, os procuradores da União e suas autarquias não sejam obrigados a exibir instrumento de mandato outorgando-lhes poderes ad judicia, toda vez que a respeito for levantada dúvida deverão comprovar a condição de representante da pessoa jurídica de direito público, e não apenas afirmá-la” (ac. de 07/03/77, da 3ª Turma do TFR, na AC nº 46.496-SP, Rel. Min. Armando Rolemberg, in DJU de 06/04/78, pág. 2.007).
Como dito, o art. 12, caput, do CPC, encerra norma de presentação, e não de representação, sendo que esta última consta exclusivamente do art, 36, daí a conclusão de que não há investidura ex vi legis no jus postulandi aos procuradores mencionados nos incisos I e II do caput daquele primeiro dispositivo, que, ao contrário, dizem respeitode estar em juízo, e não à capacidade postulatória.
No particular, acentua IÊDO BATISTA NEVES que”A representação de que fala o art. 12, caput, é instituto de direito material, e não – reitere-se a advertência já feita quanto à representação dos absolutamente incapazes, – a de que cogita o art. 36. A representação da norma sob comentários se confunde com a de estar em juízo como parte” (in o Processo Civil na Prática do Advogado e dos Tribunais, APM-Editora, 1987, Vol. I, pág. 43).
Configurando norma de presentação, e não de representação – repita-se – o enfocado dispositivo apenas nomina as pessoas capazes de receber citações e constituir mandatários para a defesa dos interesses dos entes e universalidades ali relacionados, vindo bem a pelo, nesse passo, o expressado no seguinte aresto: “A citação do réu, em se tratando de pessoa jurídica, há de se fazer perante o órgão que a “presenta”, segundo a regra do art. 215 do CPC” (ac. de 12/09/84, da 2ª Turma do TJDF,na AC nº 12.403, Rel. Des. Luiz Cláudio Abreu, decisão unânime, in RTJDF 19/155).`
Por fim, é bem de ver-se que, a se aceitar como correto o entendimento de que os procuradores aludidos nos incisos I e II do art. 12, caput, do CPC, estariam, pelo referido dispositivo, legitimados ao exercício do jus postulandi (inclusive sem o dever de apresentação de procuração), ter-se-ia absurdamente de admitir-se que também ao síndico, ao curador da herança, ao inventariante, aos diretores, aos diretores das pessoas jurídicas, aos administradores, aos agentes e aos representantes de sociedade (indicados nos incisos III ao IX do mesmo art. 12, caput) teria sido igualmente conferido o jus postulandi, podendo os mesmos ipso facto o exercerem diretamente, como no caso dos procuradores (até sem que sejam advogados regularmente habilitados), isso por aplicação do princípio jurídico do ubi eadem legis ratio, ibi ipsa lex.
Em conclusão: o art. 12, caput, do CPC, disciplina apresentação das pessoas jurídicas e das universalidades no mesmo referidas, não constituindo norma de representação das partes que é prevista com exclusividade no art. 36, sendo que o jus postulandi só poderá ser exercido por advogado legalmente habilitado (salvo as exceções expressamente consignadas na segunda parte do art. 36), impondo-se a todos, inclusive aos procuradores de entes públicos, o dever de apresentação dos respectivos instrumentos de mandato para legitimar suas atuações judiciais no desempenho das correspondentes representações (art. 37).
Advogado
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