Resumo: O presente artigo aborda o instituto jurídico processual da exceção de pré-executividade a partir de uma evolução histórica, conceitual e constitucional deste hodierno e importante meio de defesa do executado frente a atividade executiva. O conteúdo da causa de pedir deste meio defensivo é amplamente abordado e contextualizou-se o cabimento na execução fiscal a partir do panorama doutrinário e jurisprudencial, especialmente do STJ.
Sumário: 1. Introdução; 2. A Exceção de Pré-Executividade; 2.1 O meio de defesa endoprocessual da Exceção de Pré-Executividade; 2.2 A origem do instituto – o caso Mannesmann; 2.3 Exceção ou Objeção? A questão terminológica utilizada; 2.4 A natureza jurídica da exceção de pré-executividade; 2.5 Os pressupostos para a interposição da exceção de pré-executividade; 2.5.1 Os pressupostos e as condições da ação na relação processual executiva; 2.5.2 As exceções de direito material; 2.6 Do contraditório no processo de execução; 3. Do Lançamento Tributário; 4. Da inscrição da dívida ativa; 5. Da Execução Fiscal; 5.1 Escorços Históricos; 5.1.1 O Estado e o exercício do poder; 5.1.2 O Decreto-lei 960/38; 5.1.3 O Código de Processo Civil de 1973; 5.1.4 A Lei 6.830 de 1980; 5.2 Do Procedimento Executivo Fiscal; 5.2.1 Considerações iniciais; 5.2.2 A relação processual executiva fiscal; 5.2.3 Do título executivo; 6. A ilegitimidade da Execução Fiscal em Face da Constituição Federal; 7. A Exceção de Pré-Executividade na Execução Fiscal; 8. Exceção de Pré-Executividade na Execução Fiscal – Aspectos Atuais da Jurisprudência do stj; 9. Conclusão; Referências Bibliográficas.
1. Introdução
A Exceção de Pré-Executividade na Execução Fiscal tem enfrentado problemas quanto à sua aceitação por parte da doutrina e dos magistrados, uma vez que estaria instaurando um procedimento cognitivo no bojo da execução.
O aprofundamento no estudo deste meio de defesa mostra-se patente, uma vez que a legislação sobre o processo executivo fiscal mostra-se defasada, incompatível com o máximo princípio do devido processo legal, bem como os seus consectários, tais como o contraditório e ampla defesa, norteadores do estado democrático de direito.
O presente trabalho tem por fim o estudo da Exceção de Pré-Executividade como importante meio de defesa do contribuinte em face da Fazenda Pública e suas prerrogativas previstas na Lei de Execução Fiscal.
Buscou-se enaltecer a viabilidade plena do referido meio de defesa, calcado no princípio de que ninguém será privado de seus bens sem o Devido Processo Legal, bem como elucidar a interpretação constitucionalizada posta pela doutrina e jurisprudência acerca do meio de defesa intraprocessual executiva instaurada pela Fazenda Pública.
Podemos conceituar a exceção de pré-executividade como sendo o meio de defesa exercido no bojo da execução, ante a falta das condições e pressupostos da ação executiva, ao qual não é necessário a garantia do juízo, não necessitando de dilação probatória.
Conceitua Luiz Peixoto de Siqueira Filho[1], acerca do presente meio de defesa como sendo a“argüição de nulidade feita pelo devedor, terceiro interessado, ou credor, independente de forma, em qualquer tempo ou grau de jurisdição, referente aos requisitos da execução, que suspende o curso do processo até o seu julgamento, mediante procedimento próprio, e que visa à desconstituição da relação jurídica processual executiva e conseqüente sustação dos atos de constrição material”.
Olavo de Oliveira Neto instrui que “podemos definir o incidente de pré-executividade como o incidente processual que tem por finalidade trancar o andamento de execuções ilegais ou infundadas mediante cognição exauriente da matéria nele veiculada a ser de plano realizada pelo juiz”.[2]
Da conceituação, tem-se que a exceção de pré-executividade veio dinamizar o Processo de Execução, dando azo aos princípios da ampla defesa e contraditório, sendo estes consectários do princípio máximo do devido processo legal.
Com simples petição no bojo da Execução pode o executado ceifar a pretensa ação sem a necessidade de ser tolhido pela penhora, desde que amparado pela falta dos pressupostos e condições para instauração do procedimento ou quando diante de visível nulidade do título executivo.
2.2 Origem do instituto – o caso Mannesmann
Remonta a origem do procedimento de defesa em voga, que a exceção de pré-executividade teve como criador o célebre Pontes de Miranda[3], quando chamado para elaborar parecer acerca dos diversos pedidos de falência em detrimento da Companhia Siderúrgica Mannesmann, fundamentados em títulos extrajudiciais eivados de nulidade.
Não conseguindo os requerentes da falência lograr êxito no pleito, ajuizaram ações executivas, tendo por objeto aqueles mesmos títulos. A celeuma jurídica criada pelos pretensos credores poderia arruinar a referida siderúrgica, uma vez que, sob o pálio do então sistema processual vigente, somente poderia o devedor questionar a existência válida dos títulos por meio dos Embargos do Devedor e, como cediço, para o oferecimento deste, fazia e ainda faz-se necessário a garantia do juízo.
Para assegurar o juízo por meio de penhora e conseqüentemente eximir-se das execuções, estaria a Mannesmann absolutamente prejudicada de exercer regularmente o seu mister, dado ao excessivo valor dos pretensos créditos, o que incorreria em levantamento de aporte ou penhora de bens que poderiam colimar no fim proposto anteriormente pelos executores do título, qual seja, a falência.
Incitado a proferir parecer acerca do caso, enalteceu o saudoso mestre a falta de condições da ação executiva, assim como os pressupostos processuais basilares do processo. Ressaltou o insigne jurista que não fazia jus a exigência de segurança do juízo, ante a falta das condições e pressupostos da ação, dada a natureza de ordem pública das mesmas, podendo-devendo ser acolhidas ex officio pelo juiz da causa.
Da conclusão lógica extraída é que não subsiste ação sem a observância das formalidades exigidas na lei adjetiva, demonstrando nítida obediência aos princípios da legalidade e do supra-sumo dos princípios constitucionais, o de que ninguém será privado de seus bens, liberdade ou vida sem o devido processo legal.
2.3 Exceção ou Objeção? A questão terminológica utilizada
A questão terminológica do meio de defesa em apreço tem gerando grande discussão entre os doutrinadores processualistas. A grande discussão na doutrina reside no uso da denominação exceção ou objeção de pré-executividade.
Deveras, há quem sustente a denominação exceção e igualmente há quem advogue o uso da expressão objeção.
A expressão nacionalmente consagrada seja em sede doutrinária quanto jurisprudencial, é o da intitulada por Pontes de Miranda, em seu célebre parecer de número 95.
O referido autor utilizou-se da referida denominação “exceção”, por consistir à época todo e qualquer meio de defesa utilizado pela parte demandada que não tivesse como escopo direto o mérito[4].
Autores como Sérgio Seiji Shimura[5], Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery[6] e José Eduardo Carreira Alvim[7] adotam ambas as terminologias, diferenciando-nas no que concerne à matéria de conhecimento de ofício por parte do juiz, como as condições da ação, tidas como objeções, e de matérias que não podem ser reconhecidas sem a invocação da parte interessada, denominadas exceções, como no caso da prescrição, que consiste em exceção de direito substancial.
A grande maioria da doutrina entende pela impropriedade terminológica do meio de defesa em apreço.
Deveras, as razões suscitadas são de que, se consiste em inobservância de matérias de ordem pública por parte do juiz a defesa técnica apropriada é designada de objeção e não exceção.
Helena de Toledo Coelho Gonçalves enfatiza que no seio da prática forense, advogados ao invés de protocolizarem a exceção de pré-executividade, distribuem-na, e juízes que determinam a autuação em separado, dotando o mesmo de efeito suspensivo da execução, fatos estes que ensejariam a correção da impropriedade terminológica[8].
Alberto Carmiña Moreira advoga o uso da designação batizada por Pontes de Miranda, elucidando a notável assimilação do mesmo em sede doutrinária e jurisprudencial e, por oportuno, devido à expressão consistir – latu sensu – em meio de defesa que se vale o executado, não se confundindo com as “exceções” do CPC, dês que não se constitui em meio de defesa indireta em face do juízo da causa[9].
Inúmeras discussões tiveram como escopo a adequada denominação do presente meio de defesa, contudo, o Direito Processual Civil pátrio está de sobremaneira envolto a inúmeras impropriedades terminológicas que há muito estão sedimentadas entre os profissionais do Direito, v.g. o despacho saneador, que não é despacho, mas sim decisão interlocutória declaratória de ausência de irregularidades ou vícios processuais.
Outro exemplo de mau uso lingüístico reside no instituto da exceção de incompetência e impedimento, que como bem observa Alberto Carmiña Moreira[10], não consistem em exceções, mas sim em objeções processuais que têm por fito ratificar o juízo competente e a imparcialidade do juiz da causa.
Resguardadas as opiniões contrárias, a expressão exceção de pré-executividade deve ser preservada e mantida, dado ao acolhimento em sede doutrinária e principalmente jurisprudencial, sendo o uso da mesma de fácil associação no que concerne à causa que oportuniza[11] a interposição do presente meio de defesa e o efeito buscado pela mesma. Ademais, seria prático a substituição terminológica, uma vez que o termo batizado pelo saudoso Pontes de Miranda já está arraigado em nossos Tribunais?
2.4 A natureza jurídica da exceção de pré-executividade
Com grande respaldo doutrinário[12] e jurisprudencial[13], tem-se destacado a natureza jurídica de defesa no bojo do processo de execução, de modo a sobrestar a relação jurídico-processual ou os atos constritivos por parte do exeqüente.
Enfatiza Sandro Gilbert Martins acerca da exceção de pré-executividade que a mesma é “defesa do executado que tem por objetivo impedir o início ou o prosseguimento dos atos executivos que não estão em conformidade com os ditames legais, não ensejando certeza (acertamento) sobre dada relação jurídica de direito material que através dela venha a ser eventualmente discutida”.[14]
Alberto Carmiña Moreira acerca da natureza jurídica, chama a atenção no sentido de “ao tentar-se estabelecer a natureza jurídica da exceção de pré-executividade, a primeira idéia que vem à mente é a de que se apresenta como meio de defesa. Isso é verdadeiro, mas diz pouco, pois toda e qualquer atitude do devedor pode ser interpretada como meio de defensivo, expressão elástica que não explicita os contornos precisos do instituto”.[15]
Doutrina Olavo de Oliveira Neto que “o instituto ora estudado tem a natureza jurídica de incidente processual, já que se trata da inserção, no bojo do procedimento executivo, da produção de atos nele não previstos”.[16]
Ponderadas e coerentes as observações de Montovanni Colares Cavalcante, defendendo que “quando se interpõe a exceção de pré-executividade, o que se deseja é um reexame do juízo prévio de admissibilidade na execução, por entender o executado que há obstáculos ao prosseguimento do feito”.[17]
Embora vise o reexame do juízo acerca das condições e pressupostos para o desenvolvimento válido da ação, consiste em meio de defesa, mesmo que se proceda a inserção de procedimento não previsto na lei adjetiva. É dever do juiz ater-se sobre o juízo de admissibilidade da ação, ao passo que se não o fizer, nascerá para o executado a faculdade de invocar o instituto ora estudado, mesmo que se tenha que abrir vista à exeqüente acerca da exceção de pré-executividade, atos estes não previstos no CPC, mas de extrema necessidade, se analisados em face dos princípios norteadores do processo civil e das garantias processuais estampadas na Constituição Federal.
2.5 Os pressupostos para a interposição da exceção de pré-executividade
2.5.1 Os pressupostos e as condições da ação na relação processual executiva
Não sendo adimplida voluntariamente a condenação imposta ou a obrigação contraída, tem o credor a faculdade de instaurar o processo de execução, tendo em vista a satisfação de seu crédito. Como no processo de conhecimento, ao pretender interpor ação executiva ou executória[18], deve o credor observar as condições e pressupostos que, para que viabilize a instauração, faz-se necessário observar.
Em ambas as ações, não há que se falar em processo de execução sem estar munido do título executivo. Este é que legitima a propositura da ação. Cintra, Grinover e Dinamarco[19], seguindo a posição de Carnelutti, enaltecem que no processo de conhecimento vai-se dos fatos ao direito, ao passo que no procedimento executório temos o inverso, isto é, o ponto de partida é o direito, seja o declarado em sentença, seja o representado pelo título executivo, que é levado ao plano fático, sendo este modificado pela atividade executória, objetivando amoldar-se ao direito reconhecido ou acordado.
A moderna doutrina processual tem enaltecido o caráter autônomo do processo de execução, dada a necessidade de instauração voluntária pelo exeqüente, exercitando o seu direito de ação, ensejando nova citação, impondo nova formação da relação jurídico-processual.
Devido a esta autonomia, para o pleno desenvolvimento da relação processual executiva, de modo que seja válido e dotado de eficácia, inexoravelmente deve o exeqüente observar os pressupostos gerais e específicos da pretensão jurídico-satisfativa. O processo de execução, como enaltecido supra, tem como pilar que lhe confere legitimidade o título hábil. Não obstante, deve o mesmo estar adjetivado com a certeza, liquidez e exigibilidade.
Destarte, para que estejam presentes as condições da ação, deve o pedido executivo ser juridicamente possível, ancorados nos fundamentos de direito material e processual. Da mesma forma, faz-se necessário haver a legitimação para agir das partes e, como não poderia deixar de ser, há a exigência do interesse de agir, posto que o processo de execução funda-se no inadimplemento de obrigação assumida particularmente ou reconhecida por decisão judicial.
Igualmente, no que tange aos pressupostos processuais imanentes a qualquer execução, o Código de Processo Civil exige a presença da capacidade civil dos litigantes; a observância da forma procedimental adequada e obviamente, a representação por advogado legalmente constituído.
A despeito da importância das normas de ordem pública, enfatiza Paulo Henrique dos Santos Lucon que “no caso de exigências de ordem pública, como aquelas relativas às condições da ação e aos pressupostos processuais, o interesse é do próprio Estado em declarar de ofício que não se dispõe a exercer a função jurisdicional, no sentido de outorgar ou negar o bem da vida pretendido pelo demandante. As normas que disciplinam esses indeclináveis pressupostos, por serem cogentes, independem da vontade das partes em conflito para serem aplicadas. No processo de execução, como no processo de conhecimento, o juiz deverá conhecê-las a qualquer tempo e de ofício, independentemente da oposição de embargos do executado ou de sua manifestação no processo executivo”.[20]
A falta dos elementos retro expostos confere ao executado a interposição do meio de defesa intraprocessual da exceção de pré-executividade e para tanto, não precisa garantir o juízo, nem valer-se dos embargos.
2.5.2 As exceções de direito material
Ao lado dos elementos elucidados acima, pode o executado embasar a sua defesa intraprocessual com as exceções de direito substancial como a prescrição da dívida, novação, pagamento[21], a do contrato não cumprido, confusão, compensação.
Obviamente não seria justo que o executado se sujeitasse à constrição judicial de seus bens, para poder alegar em sede de embargos do devedor as exceções de direito material.
Da mesma forma que a falta dos pressupostos e condições da ação, a caracterização de qualquer das exceções não processuais, possibilita ao credor a argüição da exceção de pré-executividade, sendo pacífico na doutrina o cabimento em tais hipóteses[22].
2.6 Do contraditório no processo de execução
Nos apontam os estudiosos constitucionalistas que o contraditório advém do princípio máximo de que ninguém será privado de sua vida, liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.
O princípio do contraditório apresenta-se, sem se deixar de reconhecer a importância dos demais princípios, como o de maior relevância, importando inclusive, se não for conferida a observância do contraditório, em inexistência de processo. Coube ao insigne Elio Fazzalari enaltecer que somente existe processo se estiverem os procedimentos revestidos pelo contraditório.
Sustenta o professor Rosemiro Pereira Leal sobre a importância do referido princípio:
“O princípio do contraditório é referente lógico-jurídico do processo constitucionalizado, traduzindo, em seus conteúdos, pela dialeticidade necessária entre interlocutores que se postam em defesa ou disputa de direitos alegados, podendo, até mesmo, exercer a liberdade de nada dizer (silêncio), embora tendo direito-garantia de se manifestar. Daí, o direito ao contraditório ter seus fundamentos na liberdade jurídica de contradizer, que, limitada pelo tempo finito (prazo) da lei, converte-se em ônus processual se não exercida. Conclui-se que o processo, ausente o contraditório, perderia sua base democrático-jurídico-principiológica e se tornaria um meio procedimental inquisitório em que o arbítrio do julgador seria a medida imponderável da liberdade das partes”.[23](grifos do autor).
Então, com a constitucionalização das garantias aos direitos e liberdades, assumiu o contraditório o status de direito fundamental, enaltecendo a formação de um Direito Constitucional Processual, “para significar o conjunto das normas de Direito Processual que se encontra na Constituição Federal…”.[24]
Como manifestação do direito de defesa do executado, temos a possibilidade da via incidental dos Embargos do Devedor, prevista no artigo 736 e ss. do CPC, que hodiernamente é reconhecida como sendo apenas uma entre as possibilidades de defesa do devedor.
Enfatiza Candido Rangel Dinamarco acerca dos Embargos do Devedor:
“É preciso debelar o mito dos embargos, que leva os juízes a uma atitude de espera, postergando o conhecimento de questões que poderiam e deveriam ter sido levantadas e conhecidas liminarmente, ou talvez condicionando o seu conhecimento à oposição destes. Dos fundamentos dos embargos (CPC, art. 741), muitos poucos são os que o juiz não pode conhecer de ofício, na própria execução”.[25]
Da mesma forma, ao lado da via incidental, mostra-se possível como meio de defesa do executado, a interposição de embargos de retenção (art. 744 do CPC). Igualmente, pode valer-se o devedor das denominadas defesas impróprias ou indiretas, por meio de ações autônomas prejudiciais à execução.[26]
Com o destaque da doutrina e jurisprudência, tem angariado cada vez mais força no processo de execução, a possibilidade de o executado exercer a sua defesa intraprocessual ou endoprocessual, por meio da exceção de pré-executividade.
O processo de execução tem se flexibilizado, com a possibilidade de o devedor declinar matérias de ordem pública em face da falta das condições e pressupostos da ação[27].
Tem-se concebido uma permuta entre o processo de conhecimento e execução, conferindo a este o lábaro do contraditório, mesmo sendo um procedimento de cunho satisfativo. Naquele tem a legislação processual conferido meios de execução no próprio processo de conhecimento, não necessitando de instaurar processo de execução autônomo.
A Constituição de 1988, no seu artigo 5o, LV, conferiu aos litigantes, em processo judicial a garantia do contraditório e da ampla defesa, sendo estes, corolários lógicos do máximo princípio do devido processo legal.
A par disso, concedeu ao cidadão a garantia de que a lei não pode excluir da apreciação do Poder Judiciário, lesão o ameaça a direito (art. 5o, XXXVI da CF/88). Se por um lado tem o credor o direito de ver satisfeito o seu crédito, tem igualmente o devedor o direito de não ser admoestado em seus bens, se o processo executivo não for legítimo e, por conseguinte, justo.
Como conseqüência lógica do princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional das lesões a que estão sujeitas as partes e a possibilidade de o devedor ser tolhido em seu direito ou ameaçado de sê-lo, tem o executado, por oportuno, o poder de contradizer à pretensão satisfativa, de modo a obter uma tutela jurisdicional negativa do Estado, buscando a salvaguarda de seu direito de propriedade[28] e a eficácia do princípio do devido processo legal.
Os novos contornos do Direito Processual decorrem do balizamento constitucional conferido a institutos de cunho processual, isto é, a constitucionalização das garantias de um processo justo e legítimo, resguardando o direito ao devido processo legal, ampla defesa, contraditório e isonomia.
Esse novo processo como “instituição constitucionalizada”[29] conferiu à ciência processual um novo status, cujos procedimentos regidos pelos princípios supra citados são regidos como garantia fundamental do demandado.
Como derradeiro do fenômeno acima, surgiu na doutrina a denominação Direito Constitucional Processual[30], consistindo em “interpretar as normas processuais infraconstitucionais em função dos valores e princípios constitucionais, adaptando as primeiras às inovações dos segundos”(…) [31].
Como consectário da Supremacia da Constituição, a Carta Magna tem a função precípua de consagrar valores e princípios que norteiam o ordenamento jurídico infraconstitucional, devendo esta se amoldar àquela, dada incisiva superioridade hierárquica das normas constitucionais e da carga político-valorativa nela prevista.
Dado ao fenômeno constitucionalizante das normas de Direito Processual, relevando os princípios norteadores da ampla defesa, contraditório e isonomia ao patamar de garantia individual fundamental, assim como os princípios do devido processo legal e da inafastabilidade das lesões ou ameaças à direito do controle jurisdicional, temos a absoluta legitimidade da argüição da exceção de pré-executividade ou qualquer outro requerimento no bojo da execução, de modo a sobrestar o procedimento executivo.
O Estado de Direito não permite o desrespeito aos direitos e garantias do ser humano, não podendo as normas de direito adjetivo, ainda que de cunho satisfativo como o processo de execução, se sobreponham a ditos princípios-garantias.
3. Do Lançamento Tributário
Dispôs o Código Tributário Nacional que com a ocorrência do fato gerador ou hipótese de incidência[32], temos a origem da obrigação tributária.
Não obstante a estirpe de um dever de fazer, dar ou deixar de fazer por parte do sujeito passivo, prevê o mesmo sistema normativo que deve o sujeito ativo realizar atos jurídicos de modo a dar ciência ao sujeito passivo da ocorrência do fato gerador, para que o mesmo satisfaça a obrigação.
Para tanto, o ato jurídico por parte do ente arrecadador consiste em formalidade escrita, conforme predispuser a lei, para que o contribuinte efetue o adimplemento da obrigação tributária por ele contraída[33].
Prevê o código citado o nascimento da obrigação tributária por meio da realização fática de atos do indivíduo de modo a se amoldar à hipótese de incidência tributária prevista legalmente.
Embora realizado o fato imponível[34] pelo indivíduo, este somente estará obrigado à pagar ao ente competente, se este efetuar a formalidade prevista em lei, que recebeu o nome no Brasil de Lançamento Tributário[35].
A despeito da expressão lançamento tributário, nos explica o saudoso mestre Aliomar Baleeiro:
“A expressão “lançamento”’ corresponde ao accertamento do Direito Fiscal italiano, a determinación das leis tributárias argentinas, ao rôle nominatif, liquidacion, dos franceses, à liquidación, dos espanhóis, steurveranlagung, dos alemães, tax assessment dos americanos, ato tributário, do Cód. Proc. das Contribuições e Impostos, de Portugal etc”.[36]
Por meio do lançamento é que o ente federado, dotado de competência constitucional para a instituição do tributo, determinará o valor do tributo e dará ciência ao sujeito passivo. Nos ensina Luciano Amaro que se o sujeito ativo não efetuar o lançamento, mesmo nascida a obrigação tributária, estará a mesma desprovida de exigibilidade[37].
Hugo de Brito Machado elucida que lançamento tributário tal como disposto no CTN, consiste:
“[N]o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, identificar o seu sujeito passivo, determinar a matéria tributável e calcular ou por outra forma definir o montante do crédito tributário, aplicando, se for o caso, a penalidade cabível”.[38]
A teor do artigo 142, parágrafo único do Código Tributário Nacional, consiste o lançamento tributário em atividade administrativa vinculada e obrigatória. Enaltece Américo Luís Martins Silva que por decorrer de lei, estabelecendo requisitos e condições de operacionalização da realização do lançamento, é que temos a vinculação da atividade administrativa, não havendo liberdade por parte da autoridade administrativa, mas sim, imposição legal no agir, objetivando a declaração do crédito[39].
Nos explica Mizabel Abreu Machado Derzi que não se pode confundir ato administrativo com o procedimento, da mesma forma que no processo civil não há como misturar o processo com a sentença dele advinda.
Explicita a referida autora:
“Pode ocorrer que a Administração disponha de todos os elementos necessários ao lançamento e que proceda ao ato sem instauração de um prévio procedimento. Notificado o contribuinte do teor do lançamento assim efetuado, pode se dar o pagamento, com a extinção do crédito tributário, sem ocorrência de procedimento contencioso, depois de já efetivado o lançamento. Em suma, não se confunde o ato de lançamento com o caminho que percorreu, juridicamente regulado, e, uma vez aperfeiçoado e apto a desencadear os efeitos que lhe são próprios, também não fica reduzido e apto a desencadear os efeitos que lhe são próprios, também não fica reduzido a posteriores formalidades por via das quais poderá ser alterado ou confirmado”.[40]
Concordando com a professora Misabel Derzi, leciona Luciano Amaro que o conceito prescrito no artigo 142 do Código Tributário Nacional apresenta várias impropriedades, pois enaltece que o caráter do lançamento é constitutivo do crédito tributário, ao passo que ante a análise sistemática do CTN, revela-se o contrário[41].
Da leitura dos artigos 143 e 144 do CTN, a conclusão que chegou a doutrina brasileira é a de que o lançamento tributário não constitui o crédito tributário, mas sim, declara o crédito. Aliomar Baleeiro defende que “ele apenas determina, faz certo, apura, ou reconhece um direito preexistente, espancando dúvidas e incertezas”.[42]
Acerca do caráter declaratório do lançamento, defende o professor Sacha Calmon Navarro Coelho:
“O lançamento, como ato administrativo de aplicação da lei genérica e abstrata aos casos concretos, deve reportar-se à lei que vigia ao tempo do fato gerador, aplicando-a. Conseqüentemente, a função não é, absolutamente, criadora do crédito, senão que declaratória do seu prévio existir nos exatos termos da lei contemporânea ao seu nascimento. O fato gerador, ao acontecer, instaura a obrigação e o crédito tributário, como prescreve o CTN”.[43]
Divergindo da tradicional doutrina, defende Alberto Xavier que os efeitos conferidos pelo lançamento não são diversos dos decorrentes do fato imponível, explicando que a executoriedade é uma qualidade do crédito fazendário e não do lançamento.
Para ele o direito subjetivo ao crédito sobrevindo do tributo consiste no objeto da execução, “e não o ato administrativo que se limita a declarar a existência e o conteúdo daquele direito ao caso concreto”.[44]
Ainda, acerca da problemática envolvendo a natureza jurídica da eficácia do lançamento, adverte Ricardo Lobo Torres, que a mesma está atrelada à natureza jurídica da relação jurídico-tributária envolvida, ponderando o referido autor:
“Aqueles que defendem a tese de que a relação tributária tem natureza obrigacional vão concluir que o lançamento é meramente declaratório da obrigação existente.
As correntes que entendem ter a relação tributária natureza procedimental vão chegar à conclusão de que a eficácia do lançamento é constitutiva.”[45]
O mesmo autor, mais adiante, advoga a tese de que consiste o lançamento em declaração da obrigação tributária, porque a constituição da mesma deu-se com a ocorrência do fato gerador.[46]
Portanto, ante a análise da doutrina dominante, resguardado o posicionamento em contrário, temos que o lançamento tributário consiste em ato administrativo vinculado ao predisposto em lei, que visa declarar o montante do tributo devido, em face da ocorrência no plano fático da hipótese de incidência tributária. O referido ato, sublinhando o ensinamento de Luciano Amaro, conferir-se-á exigibilidade à obrigação tributária, fator este imprescindível à cobrança da dívida, seja no plano administrativo ou judicial[47].
4. Da inscrição da dívida ativa
Conforme enaltecido alhures, a lei descreve um fato jurídico que se praticado pelo contribuinte nasce a obrigação tributária, imputando a este o dever de pagar determinada importância pecuniária, cuja cobrança se dará mediante atividade administrativa vinculada (CTN, art. 3º).
Prevê o artigo 201 do Código Tributário Nacional que escoado o prazo para pagamento de tributo, seja decorrente de lei ou em decisão em processo regular, tem a Fazenda Pública o dever[48] de inscrever a receita a que tem direito, objetivando constituir o título executivo, de modo a poder acionar o Judiciário para que este satisfaça o crédito público.
Em outras palavras, efetuado o lançamento tributário em sede administrativa, abrir-se-á o prazo para que o contribuinte pague o tributo ou interponha recurso. Não o fazendo ou se recorrer extemporaneamente, ou ainda, se não provido, deverá o contribuinte efetuar o pagamento. Se não o fizer no prazo determinado, ensejará por parte da repartição fazendária competente, a inscrição do crédito tributário do ente arrecadador em dívida ativa, de modo a possibilitar a cobrança judicial[49].
A inscrição da dívida, consoante preceitua o artigo 201 do CTN, deve ser feita em livro próprio, observados os requisitos constantes no artigo 202, no que concerne à identificação do sujeito passivo, como o devedor e/ou co-responsáveis; o valor objeto de cobrança; a fundamentação legal; a data em que se procedeu a inscrição; o processo administrativo correspondente, caso haja, assim como a indicação do livro e a folha de inscrição[50].
A inobservância do preceituado no artigo 202 acarretará a nulidade formal da certidão da dívida ativa, caso haja omissão ou erro, conforme preceitua o artigo 203 do CTN. Contudo, o mesmo artigo dispõe que “a nulidade poderá ser sanada até a decisão de primeira instância, mediante a substituição da certidão nula, devolvido ao sujeito passivo, acusado ou interessado, o prazo para defesa…”
No processo de execução tradicional, se o pretenso credor instaurar um procedimento satisfativo embasado em título nulo, tem o juiz o dever de extinguir o processo, ante a falta das condições da ação, prestigiando o princípio do devido processo legal, segurança jurídica e inafastabilidade do controle jurisdicional.
Ora, se nula a certidão, pela ausência do predisposto no artigo 202 do CTN, ao analisarmos o princípio da isonomia, combinados com a segurança jurídica e inafastabilidade de lesões ou ameaças à direitos do controle jurisdicional, constitucionalmente consagrados, não há que se falar em substituição da certidão nula, não sendo recepcionado o referido comando normativo pela Constituição Federal.
Em semelhante linha de entendimento, quanto aos requisitos de validade da inscrição da dívida ativa, nos ensina o professor Luciano Amaro:
“Esses requisitos são essenciais, dados os efeitos da inscrição, e qualquer omissão acarreta nulidade da inscrição e do processo de cobrança dela decorrente (art. 203). O mesmo dispositivo prevê que a nulidade pode ser sanada até a decisão de primeira instância, mediante substituição da certidão nula. Ora, se a nulidade era da inscrição, por conseqüência, a certidão também o será, mas não se corrige nulidade da inscrição mediante singela troca da certidão… Essa seria a solução se o vício fosse apenas da certidão. Se a hipótese tratada no Código é de erro da inscrição, o conserto há de ser feito em livro próprio, a fim de que se possa extrair certidão correta”.[51]
Explica Lídia Maria Lopes Rodrigues Ribas que “sob o prisma jurídico, dívida ativa é o crédito da Fazenda Pública apto à cobrança executiva, mediante inscrição em registro próprio, com caráter de ato jurídico administrativo, no qual estão contidos elementos caracterizadores: a natureza do crédito, sua exigibilidade e o inadimplemento”.[52]
Nos aponta Aliomar Baleeiro que sobreleva a importância da inscrição da dívida ativa tendo em vista o surtir efeitos de criação de título líquido e certo para que a Fazenda Pública possa ingressar com a ação executiva[53].
Portanto, não há que se falar em legitimidade do título, se ausentes os requisitos constantes no artigo 202, pois é por meio da inscrição da dívida ativa que estará a Fazenda Pública apta a ingressar em juízo, uma vez que é a certidão advinda da inscrição que dotará de título executivo. Se a inscrição não respeitar os ditames legais, o título estará maculado, eivando de nulidade o processo de execução.
5. Da Execução Fiscal
5.1 Escorços Históricos
5.1.1 O Estado e o exercício do poder
Como corolário do absolutismo, tínhamos a denominação Estado de Polícia ou Estado de Poder, ao qual o detentor do poder detinha ampla e irrestrita liberdade, mormente sem submissões, a não ser do seu interesse privado camuflado de público.
Em contraposição ao referido exercício de poder, surgiu o Estado de Direito, cuja concepção foi a de submissão de todos à lei, seja governante ou governado, devendo agir de conformidade com os ditames legais na consecução de seus fins[54].
O desenvolvimento das estruturas de poder levou à criação de limites ao seu exercício. Sobrepondo-se ao arbitrário Estado de Poder, adveio o Estado de Direito, com sua limitação ao previsto em lei. Contudo, neste sistema houve transferência do absolutismo, de modo que o poder legiferante passou a detê-lo, uma vez que competia a este delimitar o alcance e modo de agir.
Como antítese à desmedida liberdade do Poder Legislativo no Estado de Direito, desenvolveu-se o salutar Estado Constitucional, corroborando para edificar uma Lei maior, objetivando delimitar a justaposição dos Poderes.
Enaltece Roque Antonio Carrazza acerca da criação do Estado Constitucionalista:
“Diferentemente, nos Estados Constitucionais, a Constituição, Lei das Leis, é o fundamento de validade de toda a ordem jurídica nacional, disciplinando a atuação não só dos Poderes Executivo e Judiciário, senão, também, do Poder Legislativo.
Por outra retórica, no Estado Constitucional a Constituição regula a situação do indivíduo diante do Poder Público, criando-lhe um campo privativo, que o coloca a salvo das investidas não só do Executivo e do Judiciário, como, principalmente, do Legislativo”. [55]
Inobstante a evolução do Estado no seu seio organizacional, com preocupação em estruturar-se sob a égide do Constitucionalismo e seus consectários, o mesmo não ocorreu com relação à legislação, uma vez que inúmeras delas foram “recepcionadas” irregularmente, por estarem em descompasso com os novos princípios norteadores da Constituição ora em vigor, fato este pouca ou de rara contestação em sede doutrinária e principalmente jurisprudencial.
5.1.2 O Decreto-lei 960/38
O referido comando normativo teve a sua edição no final da década de 30, cujo efeito foi o de unificar o procedimento executivo no país, amparado na competência outorgada pela Carta Política de 1934, que, como nos dias atuais, conferiu competência privativa à União[56].
O Decreto-lei em comento adiantou o procedimento técnico que outrora seria previsto no Código de Processo Civil de 1939, no que concerne à cobrança dos títulos executivos extrajudiciais, prevendo como meio de defesa do executado, o uso dos Embargos, com defesa de amplitude irrestrita[57].
Não satisfeito com o processo de cobrança especial, buscou a Fazenda Pública, por meio de propostas de alteração legislativa junto ao Congresso Nacional, retalhando a concepção originária do procedimento executivo fiscal de 1938, alterando-o diversas vezes, sob os alegados fundamentos tendentes a desobstruir o Judiciário das inúmeras ações fiscais executivas em andamento, mas que de fundo, tinham como objetivo a celeridade e a maior eficiência na cobrança do crédito.
5.1.3 O Código de Processo Civil de 1973
Com o advento da Lei 5.869 de 11 de janeiro de 1973, unificou-se o procedimento executivo, fazendário e entre particulares, relegando o novo estatuto processual a possibilidade de todos que estivessem diante de quantia determinada em face do exeqüente solvente, o rito próprio entitulado como execução por quantia certa contra devedor solvente.
Para o professor Clito Fornaciari Júnior, com a entrada em vigor do novo Código de Processo Civil, o Decreto-lei quedou-se totalmente revogado, uma vez que o conteúdo de direito material havia sido revogado pelo Código Tributário Nacional de 1966, ao passo que o diploma processual de 1973 então em vigor, terminou por revogar as normas adjetivas do Decreto-lei 960[58].
5.1.4 A Lei 6.830 de 1980
Não satisfeitos os governantes com o rito de cobrança da dívida ativa da Fazenda Pública, elaboraram um anteprojeto com a previsão de um procedimento autônomo, enaltecendo a cobrança especial do Estado em face do particular.
Cientes do bom estatuto processual de ascendência italiana que fora editado em 1973, previu o legislador, no caput do art. 1o, a aplicação subsidiária deste no procedimento executório especial.
Dentre as opções de mudança que dispunham os relatores dos anteprojetos, adotaram aquele que resguardava as linhas gerais do Código, fazendo com que este servisse de suporte à Lei 6830/80[59].
5.2 Do Procedimento Executivo Fiscal
5.2.1 Considerações iniciais
Entende a doutrina que o procedimento de execução fiscal equivale ao da execução por quantia certa por devedor solvente[60], ou, ainda, que a expressão execução fiscal equivale à execução forçada[61] de que vale o fisco para ver adimplido a obrigação dos contribuintes.
Com o advento da Lei 6.830/80 houve uma modificação no rol do que seria objeto de cobrança. Com a legislação anterior, disciplinada pelo Decreto-lei 960/38, havia a previsão de modo a considerar Dívida Ativa, a proveniente de tributos – latu sensu – acrescidos da obrigação acessória, bem como havia previsão de considerá-la a advinda dos contratos celebrados com o Poder Público, como foros, laudêmios e alugueres.
A atual Lei de Execuções Fiscais no seu artigo 2o, passou a tratar como sendo Dívida Ativa toda e qualquer receita a que faz jus a Fazenda Pública, seja de ordem tributária ou não, conforme disciplinado na Lei Ordinária, com força de complementar, nº 4.320/64, conferindo às normas de direito das finanças a constituição da Dívida Ativa.
Estatui o artigo 39 da Lei 4.320/94[62] o que vem a ser Dívida Ativa tributária e não-tributária e, de igual forma, enaltece o Código Tributário Nacional o que constitui Dívida Ativa tributária, cuja liquidez e certeza vêm reiterada no artigo 204 do mesmo diploma.
A dívida de natureza tributária, conforme retro mencionado, compreende a decorrente de impostos, taxas, contribuições de melhoria, contribuições sociais e empréstimos compulsórios[63].
Nos elucida Cláudia Rodrigues acerca da dívida ativa não-tributária:
“Pela dicção do artigo 39, a dívida ativa não tributária é aquela que decorre de quaisquer débitos de terceiros perante a Fazenda Pública, resultantes de obrigações instituídas por lei, contratos ou regulamentos que, vencidas, não são adimplidas pelo sujeito passivo.
O conceito de dívida ativa não-tributária, por ser mais amplo e enumerar as hipóteses de forma exemplificativa, comporta a inclusão de outros tipos não expressos no parágrafo retrocitado. Os exemplos mais comuns de dívidas ativas não-tributárias, no âmbito estadual, são as multas criminais e as multas por infrações ambientais e, no âmbito federal, as multas impostas pelo Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Inmetro), pela Comissão de Valores Mobiliários e pelos Conselhos Profissionais”.[64]
Na espécie tributária temos que o crédito da Fazenda Pública decorre do chamado ato de império do Estado, ao qual este por meio de lei prevê uma hipótese de incidência que, se amoldada faticamente faz nascer para o contribuinte (sujeito passivo) o dever de dar determinada importância pecuniária aos cofres públicos. Na não-tributária temos a atividade negocial do Estado para com os administrados, cujo nascedouro da obrigação deste decorre de atos de direito privado entre o Estado e o particular.
Como estatuído pelo artigo 585, VI do Código de Processo Civil, constitui título executivo extrajudicial a dívida ativa da Fazenda Pública em todas as esferas, desde que documentada em certidão correspondente ao crédito a que esta tem direito.
Para que a inscrição da dívida ativa ocorra, deve a Fazenda Pública efetuar o lançamento tributário, de modo a constituir o seu crédito em face do contribuinte-administrado e, se não for pago pelo mesmo, teremos a dívida, nascendo para o Estado a possibilidade de inscrevê-la, para que possa acionar o Poder Judiciário para a constrição do patrimônio do inadimplente.
Dos créditos a que têm direito os entes federativos, cuja cobrança está pautada em título executivo extrajudicial, conforme artigo 585, VI do Código de Processo Civil, tem seu regramento de cobrança executiva disciplinada pela Lei nº 6.830/80, conferindo aplicabilidade do referido procedimento a Fazenda Pública em todas as esferas.
O artigo 2o da referida lei enaltece a natureza da dívida a ser cobrada, bifurcando-a em tributária e não-tributária, sempre incidindo sobre a mesma, juros e multas de mora, atualização monetária e demais encargos legalmente ou contratualmente previstos.
Para que o Estado ingresse em juízo para a satisfação de seu crédito, deve estar munido de título executivo líquido, certo e exigível, cujos referidos adjetivos são inerentes a qualquer execução e é conferida ao título executivo extrajudicial mediante a inscrição da dívida ativa[65], que abordará os créditos de natureza tributária ou não.
Discordando do Professor da PUC/SP, aponta o jurista José da Silva Pacheco: “O órgão encarregado da inscrição faz a prévia verificação administrativa de sua legalidade quanto à existência dos valores. A inscrição faz nascer a dívida ativa, que, por ter sido, antes, apurada e examinada quanto à legalidade existencial e quantitativa, tem presunção de certeza e liquidez”.[66]
A teor do artigo 3o, a dívida ativa regularmente inscrita goza da presunção de liquidez e certeza, estatuindo uma presunção juris tantum ou relativa[67], de modo a poder ser elidida ante prova inequívoca, se assim o fizer o sujeito passivo ou terceiro prejudicado[68].
Observa José da Silva Pacheco sobre a presunção de certeza e liquidez da dívida ativa:
“A Lei 6.830/80 concebe a dívida ativa, inscrita de conformidade com o estabelecido no art. 2o, como dotada de presunção juris tantum de certeza e liquidez. O documento que a certificar faz presumir que a dívida ativa, a que se refere, existe, pelos valores constantes do respectivo termo de inscrição.
A certeza diz respeito à sua existência regular, com origem, desenvolvimento e perfazimento conhecidos, com natureza determinada e fundamento legal ou contratual induvidoso.
A liquidez concerne ao valor original do principal, juros, multa, demais encargos legais e correção monetária, devidamente fundamentados em lei”.[69]
O artigo 6o da LEF estabelece os requisitos da petição inicial, prevendo requisitos simplistas, de modo que estabeleceu como imprescindíveis apenas o endereçamento ao juiz; o pedido e o requerimento de citação, devendo a mesma estar instruída pela Certidão da Dívida Ativa, sendo esta a única prova do procedimento executivo fiscal, estando dispensada a Fazenda Pública de requerer a produção de outras provas na exordial[70].
Dispõe o § 4o do artigo 6o que o valor da causa a ser constado na inicial, corresponderá ao valor da inserido na certidão, acrescidos dos encargos legais.
Por força do artigo 39, ao ingressar com a Execução Fiscal, prevê a isenção de custas processuais, emolumentos, preparo ou prévio depósito por parte Fazenda Pública, excetuando se a mesma sucumbir, ao qual deverá ressarcir o executado nas despesas por ele suportadas, inclusive em honorários de advogado[71].
Se deferida a instauração do procedimento executivo fiscal, será expedido mandado de citação para pagar o montante previsto na certidão da dívida ativa com os encargos ou, para garantir a execução, pelo prazo de cinco dias, consoante artigo 7o c/c 8o.
Se não paga ou garantida a dívida por depósito ou fiança bancária, constará do mandado a possibilidade de penhora dos bens do executado (art. 7o, II) ou arresto, caso o mesmo não tenha domicílio fixo ou se oculte (art. 7o, III).
Igualmente, a teor inciso IV do mesmo artigo, ordenará o juiz o registro da penhora ou arresto, assim como a avaliação dos bens constritos (art. 7o, V).
O procedimento expropriatório mostra-se peculiar, privilegiando de sobremaneira o Estado, corroborando em tratar de forma desigual a relação executiva em que o mesmo aparece como credor.
5.2.2 A relação processual executiva fiscal
Como exposto alhures, constitui título executivo extrajudicial a certidão da dívida ativa, de modo que, se devidamente inscrita, possibilita à Fazenda Pública exercitar a pretensão executiva.
Não obstante os pressupostos gerais de validade e eficácia[72] a que estão sujeitos os procedimentos executivos, previu a Lei 6.830/80 especificidades afetas aos “pressupostos processuais da pretensão de execução”.[73]
5.2.3 Do título executivo
Consiste o título executivo em fundamento jurídico parcial das chamadas condições da ação executiva, abarcando a legitimação para agir e a possibilidade jurídica do pedido[74], ao passo que o inadimplemento da obrigação faz nascer o interesse jurídico à pretensão estatal.
O título executivo extrajudicial que servirá de instrumento para que a Fazenda Pública exija seu crédito, através do processo de execução, é a certidão da Dívida Ativa.
Leciona Cláudia Rodrigues que“na execução da dívida ativa da Fazenda Pública, o título é fato jurídico típico por ela formado quase unilateralmente que a autoriza a exigir, através da execução a satisfação de seu crédito, sendo este fato jurídico representado por uma certidão de sua existência”.[75]
Até estar o Estado de posse do título executivo apto a instaurar a pretensão executiva, mister se faz observar os tramites abordados nos capítulos 2 e 3, dada a natureza vinculada dos atos da administração pública, que não pode se furtar em respeitá-los, como corolário dos princípios da legalidade estrita, a que está sujeito o Poder Público e o devido processo legal, que consiste em garantia do cidadão em face das arbitrariedades estatais.
Estando obedecidas as formalidades estampadas no artigo 202 do CTN, com anteriormente abordado, estará o fisco apto a efetuar a cobrança judicial, por meio do rito próprio que lhe foi outorgado, obedecendo, por conseguinte, uma das formalidades processuais para a instauração válida e legítima do procedimento satisfativo.
6. A ilegitimidade da Execução Fiscal em Face da Constituição Federal
Sob o pálio do Estado de Direito Constitucional, mister se faz observar os princípios democráticos no exercício do poder. Amparado na participação popular na tomada das decisões, está a essência da democracia, de modo a legitimar tal exercício de poder.
O Estado, com o fito de pacificar os litígios surgidos por seu povo, avocou para si a função jurisdicional, por meio do qual são tomadas decisões em prol da paz social. Para tanto esculpiu o processo como instrumento desse poder. Objetivando tal desiderato, foi concebida a repartição de funções, em um sistema auto-limitativo do exercício de poder, conspurcando em um contrapeso do poder estatal de modo a contê-lo.
Concebeu-se o Estado em uma tríplice repartição de funções com desígnios autônomos, consistindo em administrar, legiferar e julgar.
A função julgadora ou jurisdicional foi conferida ao Poder Judiciário, pêndulo de equilíbrio ao qual se vale o administrado para resguardar seus direitos em face de particulares e do próprio Estado.
Este, ante a importância da função jurisdicional e seus primórdios, não poderia, dada às inúmeras funções que exerce, ver-se furtado de submeter-se ao crivo do Poder Judiciário, e muito menos o cidadão, de ser tolhido ou ameaçado em seus direitos.
A função legiferante, sob a ótica intervencionista do autoritarismo que acometeu a ordem jurídica brasileira de 1964 a 1985, editou a Lei 6.830/80 que disciplinou o processo de execução fiscal.
Merecem destaque os dizeres de Candido Rangel Dinamarco:
“É uma lei de profunda inspiração autoritária, feita por agentes do Poder Executivo, por ele proposta ao Congresso Nacional e ali aprovada às pressas, sem a participação de especialistas, advogados ou magistrados. As arestas de seus defeitos técnicos e políticos vão sendo aparadas pela obra dos doutrinadores e tribunais.”[76]
O Estado ditatorial vigente à época, outorgou para si inúmeros privilégios no iter satisfativo de créditos a que tem direito, ao passo que o cidadão, se pretender o mesmo, deverá submeter-se ao procedimento tradicional do Código de Processo Civil.
Inobstante tal quadro, grande fastio tem sido submetido o cidadão ao ingressar em juízo contra a Fazenda Pública, ao qual, novamente este estará em situação especial, devendo o exeqüente esperar pacientemente a inscrição de seu crédito na ordem dos precatórios. O princípio da igualdade, a teor do caput do artigo 5o, mostra-se longínquo se aplicado os referidos dispositivos pró-Estado, desprovendo a Constituição Federal de eficácia, malgrado a inobservância ao princípio da recepção das normas infraconstitucionais em face da Carta Magna posterior.
A respeito da edição da Lei de Execução Fiscal, elucida o Magistrado Federal Vallisney de Souza Oliveira, citando Eduardo Bottalo:
“(…) Mesmo visando extinguir direitos individuais e atropelar procedimentos, pode ser considerada a legitimação da ineficácia, pois os problemas enfrentados pela Fazenda Pública para a realização da cobrança de seus créditos decorrem de fatores alheios, tais como o excesso de burocracia e a ausência de meios materiais e humanos, que a simples mudança na legislação não pode resolver”.[77]
Para conferir legitimidade ao processo executivo fiscal, deve o mesmo se amoldar ao princípio do devido processo legal, valor constitucional basilar conferido ao processo. O processo executivo fiscal, tal como concebido, remonta aos tempos ditatoriais que marcaram negativamente a história brasileira, cujos objetivos delineados consistiram em proteger e privilegiar o Estado, destoando por completo dos anseios constitucionais democráticos, notadamente os princípios da isonomia, ampla defesa e contraditório.
Da mesma forma, ao conferir e manter hodiernamente a aplicabilidade ao seu procedimento, estar-se-á desprovendo o cidadão das garantias constitucionais custosamente conquistadas ao longo da história humana.
7. A Exceção de Pré-Executividade na Execução Fiscal
Tecidas as considerações acerca da constituição e declaração do crédito tributário a que tem direito o Poder Público, o procedimento executivo e o seu modo de cobrança, mister se faz analisar minudemente a possibilidade de o executado/contribuinte aviar a sua defesa no bojo da execução prevista na Lei 6.830/80.
O pressuposto especial, legitimador da propositura da ação executiva, ao lado das condições e pressupostos à instauração do procedimento de realização do direito, é o título executivo consubstanciado na certidão da Dívida Ativa.
Em face do contribuinte, tem-se a criação unilateral do título executivo, limitando-se o mesmo a impugnar, em sede administrativa, o lançamento tributário. Ademais, vê-se o sujeito passivo tolhido de participar efetivamente e sob o abrigo do contraditório na constituição do título executivo.
Não obstante a formação unilateral, tem-se a presunção relativa de liquidez e certeza do título executivo da Fazenda Pública, o que corrobora para a aceitação do meio de defesa no bojo da execução, tal como no procedimento executivo do Código de Processo Civil. Deveras, sendo juris tantum a presunção de legitimidade do ato do fisco, nada há que se falar em impedimento da propositura da referida defesa, se analisarmos sob o prisma dos princípios-garantias processuais consagrados na Carta Magna.
No mesmo entendimento, sustenta o professor James Marins que a aplicação da exceção de pré-executividade na execução fiscal encontra sustentáculo nas “garantias constitucionais como premissas inafastáveis”, de modo que se mantenha íntegro a Constituição Federal e o ordenamento processual.[78]
Leonardo Greco instrui acerca do cabimento do instituto na Execução Fiscal que “vistos os títulos executivos sobre este prisma, como garantia de proteção da liberdade humana contra o arbítrio da autoridade, pode ser questionada a legitimidade constitucional daquelas espécies de títulos executivos constituídos unilateralmente pelo credor, que violando a paridade de armas, o colocam em posição de vantagem no acesso à tutela jurisdicional, sujeitando o devedor a atos coativos sobre o patrimônio sem o devido processo de conhecimento anterior em que tenha sido apurada dívida, sob regular contraditório, a existência do crédito, ou sem a prévia confissão da dívida e a espontânea aceitação da força executiva do documento representativo do crédito”.[79]
Da mesma forma, James Marins é enfático acerca do cabimento da exceção de pré-executividade na execução fiscal, ao salientar que “embora se propugne pela aplicabilidade dos reclames constitucionais, inexplicavelmente, quanto à Lei de Execução Fiscal, levantam-se óbices descabidos à possibilidade de o executado valer-se de tal expediente. Busca-se impedir a discussão quanto matérias transcendem o interesse do executado, matérias de indelével interesse público. Não raro, se coloca a necessidade de estar garantido o juízo e a previsão ‘taxativa’ do art. 16, §§ 1o e 2o da Lei 6.830/80 como impeditivos à exceção de pré-executividade”.[80]
Ora, nada mais taxativo que as garantias estampadas no artigo 5o da Constituição Federal e como destacado nos capítulos anteriores, nada se sobrepõe à Carta Política de 1988. O interesse público almejado deve sempre ser o constitucional, pois é este quem delineia os fins e princípios a serem respeitados pelo Estado e pelos particulares.
Estando de posse de prova pré-constituída[81], tal como no Mandado de Segurança, fazendo com que se mostre desnecessária a dilação probatória acerca da legitimidade da execução, de modo a elidir a presunção de certeza e liquidez estatuídos no artigo 204 do Código Tributário Nacional, não se deve obstar o conhecimento do meio de defesa, ainda que não seguro o juízo.
Observa Eduardo Arruda Alvim acerca da temática exposta:
“Parece-nos que referidos preceitos, exatamente porque tratam do caráter relativo da presunção de certeza e liquidez de que se reveste a dívida ativa regularmente inscrita, antes de afastar o cabimento da objeção de pré-executividade, o reafirmam.
Desde que se admita que o espectro das matérias alegáveis pela via de objeção de pré-executividade é moldado pela fronteira da desnecessidade de dilação probatória, não há qualquer incompatibilidade entre a execução fiscal e a objeção de pré-executividade”.[82]
Resguardados julgados isolados, como o do relato do Ministro do STJ Humberto Gomes de Barros, de igual forma tem sido acolhida pela jurisprudência a possibilidade de alegar o executado o meio de defesa intraprocessual em face da Lei 6.830/80, inclusive no Superior Tribunal de Justiça, até 2003 salientava que:
“PROCESSO CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. PENHORA DE BENS. AGRAVO DE INSTRUMENTO CONTRA A DECISÃO QUE A ORDENOU CONTRA TERCEIRO INDICADO COMO SUCESSOR TRIBUTÁRIO.
A regra, na execução fiscal, é a de que o executado deverá alegar toda a matéria útil à defesa nos embargos do devedor (Lei n° 6.830, de 1980, art. 16, § 2º).
Excepcionalmente, admite-se a exceção de pré-executividade, no âmbito da qual, sem o oferecimento da penhora, o executado pode obter um provimento, positivo ou negativo, sobre os pressupostos do processo ou sobre as condições da ação – decisão, então, sujeita a agravo de instrumento.
Hipótese em que o interessado interpôs desde logo o agravo de instrumento contra o ato que ordenou a penhora.
Mal sucedido nesse recurso, não podia substituí-lo pelo mandado de segurança.
Recurso ordinário improvido”. (ROMS 9980/SP – j. 23.2.1999 – 2ª T. Rel. Min. Ari Pargendler)”.[83]–[84]
Explica Eduardo Arruda Alvim que inúmeros julgados de diversos outros tribunais também têm referendado o referido meio de defesa no bojo da execução fiscal.[85] Se o crédito tributário se extinguiu, consoante as causas arroladas no artigo 156 do Código Tributário Nacional, há que se reconhecer a inexistência de legitimidade para a cobrança do crédito, extinguindo-se a execução fiscal, sob pena de impor ao executado elevado gravame de garantir o juízo para a alegação de referidas matérias.
Por óbvio, pode o meio de defesa ser utilizado como instrumento procrastinatório do pleito executivo intentado, ensejando sensibilidade do julgador ao analisar se está o executado acobertado pelas razões que medeiam o objetivo do instituto ou reprimir ao seu intento protelatório.
Mas, dada às características da Execução Fiscal e a vetusta e inconstitucional condição a que o contribuinte-executado é colocado, mister exaltar a viabilização da exceção de pré-executividade, como forma de resguardar os direitos constitucionalmente garantidos, assim como frear as arbitrariedades a que estão sujeitos os executados pelo fisco.
8. Exceção de pré-executividade na execução fiscal – aspectos atuais da Jurisprudência do stj
O STJ consolidou o entendimento acerca do cabimento da exceção de pré-executividade na execução fiscal. Atualmente, é bastante enfático acerca da observância da não dilação probatória para efeito de cabimento da exceção de pré-executividade (EPE), entendendo-se como sendo a questão em que basta o mero exame da prova documental já carreada aos autos,[86] ou seja, se mostra inadequada, quando o incidente envolve questão que necessita de produção probatória.[87] A despeito, editou a Súmula n. 393 que diz que “a exceção de pré-executividade é admissível na execução fiscal relativamente às matérias conhecíveis de ofício que não demandem dilação probatória”.
Não apenas questões de ordem pública, mas igualmente, a prescrição e a decadência, assim como a inconstitucionalidade da lei, quando prescindem de dilação probatória, podem ser discutidas na via da Exceção de Pré-Executividade.[88] Como é possível a averiguação da prescrição do título executivo com a simples análise da sua exigibilidade e da propositura da ação, entende o STJ que a EPE é instrumento hábil para alegar a prescrição do título que embasa a execução.[89]
Outro ponto importante consiste na dispensa da penhora para efeito de interposição da exceção de pré-executividade, uma vez que esta está limitada às questões relativas aos pressupostos processuais; condições da ação; vícios do título e exigibilidade e prescrição manifesta.
Como para a propositura do processo ou fase executiva é imprescindível a presença do título executivo, líquido, certo e exigível, igualmente o STJ pronunciou-se pelo cabimento da Exceção de pré-executividade no que tange à observância da liquidez do título executivo fiscal, bem como os pressupostos e condições da ação executiva, desde que não haja dilação probatória, como ressaltado.[90]
Questão interessante consiste na natureza da decisão que acolhe a exceção de pré-executividade, se é decisão interlocutória ou definitiva. Salientou o Superior Tribunal de Justiça que se por fim à execução, estaremos diante de sentença, cujo recurso será o de Apelação, ao passo que se não extinguir a execução, estaremos diante de uma decisão interlocutória (CPC, 162, §§ 1º e 2º).[91]
No REsp 1.104.900⁄ES[92], o STJ posicionou-se no sentido de que é possível o redirecionamento da execução fiscal proposta contra pessoa jurídica aos seus sócios, cujos nomes constem da CDA e que a alegação de ilegitimidade passiva do sócio em sede de exceção de pré-executividade não é possível, uma vez que seria necessária dilação probatória e esta via não é adequada para tal fim. Em tal caso, para discutir-se a presunção de legitimidade da CDA dever-se-ia valer-se dos Embargos do Devedor.[93]–[94]
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça firmou-se no entendimento de ser cabível a fixação de honorários advocatícios contra a Fazenda Pública se a execução fiscal foi extinta após a citação do devedor e, em especial, se houve a contratação de advogado, que apresentou exceção de pré-executividade. [95]
A guisa do exposto, temos que consiste a exceção de pré-executividade em meio de defesa realizada no bojo do processo de execução, ao qual se argüi matéria de ordem pública que deveria ser conhecida de ofício pelo juízo da causa, desde que não necessite de dilações probatórias para enaltecer o alegado.
O referido instituto tem sido ovacionado pela doutrina e aplicado pela jurisprudência em respeito aos princípios basilares do processo civil como a instrumentalidade, economia processual, bem como a eficácia ou efetividade dos princípios constitucionais da inafastabilidade do controle jurisdicional, ampla defesa, contraditório e isonomia.
O processo de execução fiscal, tal como concebido, remonta à origens ditatoriais, pautados em premissas duvidosas acerca de interesses da Fazenda Pública, que foram travestidos de interesses públicos.
O referido processo, corroborou por personificar privilégios em prol do fisco, relegando direitos e garantias do executado, que se viu tolhido pela constrição patrimonial para que pudesse sobrestar o prosseguimento executivo.
Com a irregular recepção do ilegítimo procedimento, se analisados em face da Constituição Federal, criativamente laborou a doutrina na aplicação do meio alternativo de defesa da exceção de pré-executividade, tal como já aplicado no Código de Processo Civil, invocando os mesmos fundamentos deste, dada à equivalência indissociável existente.
De fato, consiste em salutar meio de defesa em detrimento do ilegítimo procedimento da Lei 6.830/80, merecendo apenas um maior respaldo nos Tribunais de todo o país, fazendo com que se atenue os malefícios impostos pela inconstitucional Lei de Execuções Fiscais.
Advogado militante. Professor de Direito Processual e Direitos Fundamentais na Universidade Presidente Antonio Carlos – Unipac-Uberaba. Mestrando em Direito Público Internacional pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.
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