1. – Introdução.
O Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90), ao tratar da responsabilidade civil do fornecedor pelos defeitos de produtos (art. 12) e de serviços (art. 14), prevê expressamente que a responsabilidade de reparação pelos danos causados aos consumidores, em face dos produtos ou serviços colocados no mercado de consumo, independe da existência de culpa, logo trata-se de responsabilidade objetiva.
Anote-se que a responsabilidade que o Código de Defesa do Consumidor impõe ao fornecedor (de produtos ou de serviços) é um dever de qualidade e de segurança. Isto quer dizer que aquele que coloca um produto ou um serviço no mercado tem a obrigação legal de ofertá-lo sem risco ao consumidor no que diz respeito à sua saúde, à sua integridade física e ao seu patrimônio.
Nestas circunstâncias, a isenção do dever de indenizar somente ocorrerá se o fornecedor, de produtos ou de serviços, provar que não colocou o produto no mercado (art. 12, § 3°, I), ou que mesmo tendo colocado o produto no mercado ou fornecido o serviço, não existe o defeito apontado (art. 12, § 3°, II e 14, § 3°, I), ou ainda, que o dano decorrente se deu por culpa exclusiva da vítima ou de terceiro (art. 12, § 3°, III e 14, § 3°, II).
No que diz respeito aos comerciantes é importante esclarecer que o mesmo será igualmente responsável quando o fornecedor (fabricante, construtor, produtor ou importador), não puder ser identificado ou quando no produto fornecido não for possível identificar com clareza seu fornecedor ou ainda, nos casos de produtos perecíveis, na hipótese de não os conservar de forma adequada (art. 13, I, II e III).
Frise-se ademais, que em havendo mais de um causador do dano, todos responderão solidariamente a teor do que dispõe o art. 7°, § único e o art. 25, § 1°, da lei consumerista, cabendo ao consumidor escolher se demanda o fornecedor mediato, imediato ou todos envolvidos na cadeia de produção/circulação. Evidentemente que o fornecedor que vier a cumprir com a obrigação de indenizar, terá direito de regresso contra os demais participantes do fato lesivo indenizado. Contudo, deverá servir-se de processo autônomo ou ainda que se sirva dos próprios autos que originou sua condenação, terá que fazê-lo depois de atendida a reivindicação do consumidor visto que o Código proíbe, expressamente, a denunciação à lide (art. 88, da lei 8.078/90).
Importante esclarecer que com relação aos profissionais liberais, o Código exige, para configuração da responsabilidade, que seja demonstrada a culpa, adotado a responsabilidade subjetiva como elemento ensejador do dever de indenizar, porém este, será tema de um outro artigo.
2. Das excludentes expressamente previstas no Código
Como expresso alhures, o Código de Defesa do Consumidor previu, de maneira expressa, as eximentes elencadas em seu corpo normativo (art. 12, § 3°, no que diz respeito produtos e art. 14, § 3°, no que diz respeito serviços). Em face desta expressa determinação legal, diversos doutrinadores entendem que não cabe perquirir sobre outras possíveis causas excludentes da responsabilidade do fornecedor.[1] Outros defendem que não se pode ir além das eximentes expressamente tratadas na lei consumerista porque a responsabilidade civil definida pelo Código de Defesa do Consumidor abraçou a teoria do risco integral,[2] com o que, com a devida vênia, não concordamos.
De toda sorte, abordaremos cada uma das excludentes expressamente prevista no Código de Defesa do Consumidor, sua amplitude e compreensão dentro do contexto da moderna doutrina consumerista brasileira.
2.1 – Não colocação do produto no mercado
É importante destacar inicialmente que há uma presunção legal de que o produto colocado em circulação foi introduzido na cadeia de consumo pelo fornecedor, contudo, esta presunção pode ser ilidida pela contraprova.
A toda evidência que, se o fornecedor enquanto fabricante, construtor, produtor ou importador, não introduziu no mercado de consumo o produto viciado ou defeituoso, não poderá ser responsabilizado pelos danos dele decorrente.
Situações que podem ser excepcionadas são aquelas decorrentes de roubo ou furto de produto defeituoso, desde que não se possa culpar o fornecedor em virtude da culpa in vigilando ou in eligendo. Outra situação possível de exemplificar como excludente é a que se refere a produtos falsificados, em que marca e sinais são adulterados e colocados em produtos que são comercializados em detrimento, tanto do fornecedor quanto do consumidor.[3]
Ao fazer suas considerações sobre as causas de exclusão da responsabilidade ora em comento, Antonio Herman de Vasconcelos e Benjamin preleciona que “é até supérfluo dizer que inexiste responsabilidade quando os responsáveis legais não colocaram o produto no mercado”, porque não haveria nexo causal entre o prejuízo sofrido pelo consumidor e a atividade do fornecedor, concluindo ao depois, que esta regra fica mais evidente quando se trata de “produtos falsificados que trazem a marca do responsável legal ou, ainda, para os produtos que, por ato ilícito (roubo ou furto, por exemplo), foram lançados no mercado”.[4]
O magistrado Rizzatto Nunes considera que no primeiro exemplo não haveria excludente porquanto sempre seria possível enquadrar o fato na culpa in vigilando ou in eligendo, quando então, não caberia indagar sobre a culpa já que a responsabilidade é objetiva. Para aquele mestre, a única exceção é no que diz respeito aos produtos falsificados, até por tornar o fornecedor parte ilegítima para figurar no polo passivo, porquanto é o vendedor quem deve ser responsabilizado, tanto na órbita do direito penal quanto civil.[5]
Nosso entendimento segue na direção de que, se o fornecedor não colocou o produto no mercado de consumo, não poderá ser responsabilizado pelos eventuais danos causados a consumidores porquanto a lei é clara ao fixar que o fornecedor poderá ser exonerado se provar que “não colocou o produto no mercado” (art. 12, § 3°, I, da lei 8.078/90). Logo, se o produto foi colocado no mercado de consumo à revelia do fornecedor, seja por ter sido furtado ou roubado, seja por ser produto falsificado ou pirateado, e depois venha a causar danos à consumidores, a toda evidência, não haverá de ser responsabilizado o fornecedor que em nada contribuiu para o evento danoso que se procure reparar.
2.2 – Inexistência do defeito apontado
O dever de indenizar, quando falamos do fato do produto ou de serviço, tem como pressupostos a existência de um “defeito” e a ocorrência de um “dano” relacionado ao defeito apontado. Por conseguinte, se o produto não apresentar nenhum defeito que possa diminuir-lhe as qualidades ou quantidades, não causando nenhum dano ao consumidor, não se poderá falar em indenização.
Preleciona o jovem desembargador Paulo de Tarso Vieira Sanseverino que “não basta que os danos sofridos pelo consumidor tenham sido causados por um determinado produto ou serviço. É fundamental ainda que esse produto ou serviço apresente um defeito, que seja a causa dos prejuízos sofridos pelo consumidor”, para depois concluir que “o defeito do produto ou do serviço aparece como um dos principais pressupostos da responsabilidade do fornecedor por acidentes de consumo”.[6]
Conforme o escólio de Fábio Ulhoa Coelho, no caso de inexistência de defeitos, caberia ao “empresário demonstrar que o produto fornecido ao mercado não apresentava qualquer impropriedade, seja na concepção, execução ou comercialização”.[7]
Significa dizer que, à luz do Código de Defesa do Consumidor, principalmente em se tratando de fato do produto ou do serviço, a responsabilização do fornecedor é objetiva. Conseqüentemente, o consumidor, em ação de responsabilidade civil decorrente de acidente de consumo, somente precisará provar a existência do dano e o nexo causal que o liga ao produto ou serviço que adquiriu.[8]
2.3 – Da culpa exclusiva da vítima ou de terceiro
As hipóteses assinaladas no inciso III, § 3° do artigo 12, da Lei n° 8.078/90, assim como no inciso II, § 2° do artigo 14, exclui a responsabilidade do fornecedor, se ficar provado que o acidente de consumo se deu em razão da culpa exclusiva da vítima ou por ação exclusiva de terceiro, porquanto não haveria nexo de causalidade entre o dano sofrido pelo consumidor e a atividade do fornecedor do produto ou serviço.
Neste caso o que o Código prevê é a possibilidade de exclusão de responsabilidade decorrente do uso inadequado de produto seja pelo próprio adquirente, seja por terceira pessoa. Mas não é somente o uso inadequado que poderá exonerar o fornecedor do dever de indenizar, pois poderão ocorrer também outras hipóteses, tais como: o consumidor ser negligente ao manusear o produto; não seguir as instruções de uso; entregar o produto para uso a pessoa não recomendada; consumir o produto com validade vencida, dentre outras.
Conta-se que nos Estados Unidos da América, uma senhora, após dar banho em seu gatinho, o teria colocado para secar dentro do forno microondas. Resultado da experiência: o gatinho teria explodido. Nestas circunstâncias, resta evidente a irresponsabilidade do fornecedor pelo ocorrido, que somente aconteceu em face do uso do produto para fins que não é recomendado.
Com relação aos serviços vejamos a relação de transportes. A responsabilidade do transportador é objetiva, secundo o art. 734 do Código Civil. Além disso, a relação entre o transportado e o transportador é uma relação de consumo logo se aplica, subsidiariamente, o Código de Defesa do Consumidor que prevê que a responsabilidade é objetiva em face de danos ocorridos por falha na prestação dos serviços. Apesar de não haver dúvidas quanto ao fato da responsabilidade ser objetiva com relação às empresas de transportes, não se pode responsabilizar, por exemplo, as empresas ferroviárias pelos acidentes ocorridos com os chamados “surfistas ferroviários”.[9]
Nos dois exemplos apresentados é forçoso reconhecer que, se o usuário por moto próprio resolve exacerbar os riscos, expondo-se a acidentes que, em condições normais, o produto ou serviço não ofereceria, não se pode responsabilizar o responsável pela atividade na exata medida em que, tendo ocorrido acidente, o mesmo não decorreu dos riscos da atividade oferecida, mas sim em face do uso inadequado promovido pelo próprio acidentado.
Já fizemos este alerta, porém cabe repetir: O Código de Defesa do Consumidor não proíbe o fornecimento ou comercialização de produtos ou serviços perigosos, apenas exige do fornecedor que sejam ofertadas ao consumidor, de forma clara, correta, ostensiva, precisa e em língua portuguesa, com todas as informações de uso adequado do produto ou serviço (art. 31 do CDC). Se o consumidor é negligente, não se pode premiar sua falta de diligência, responsabilizando que não contribuiu para o evento danoso.
No que diz respeito ao terceiro, necessário se faz que seja pessoa estranha à relação de consumo, entabulada entre o consumidor e o fornecedor. Isto é, não pode ser enquadrado como terceiro o empregado, o preposto ou o representante autônomo; Da mesma forma o comerciante varejista ou atacadista de que trata o Código de Defesa do Consumidor (art. 13), não poderá ser considerado terceiro porque é parte integrante do ciclo de fornecimento do produto ou do serviço.
Esclareça-se por fim que, pelo disposto no art. 34, do mesmo diploma legal, o fornecedor de produtos ou serviço é solidariamente responsável pelos atos de seus prepostos ou representantes autônomos, assim como, a norma do art. 7°, § único e o art. 25, § 1° estipula que, na eventualidade de mais de um causador do dano, todos deverão responder solidariamente. Assim, também por este prisma, o comerciante não pode ser considerado terceiro.
3 – Outras possíveis excludentes (não previstas no CDC)
A regra geral, prevista no Código de Defesa do Consumidor e conforme já frisamos, é a que somente prevê a exclusão da responsabilidade em face das eximentes expressamente previstas em seu corpo normativo (art. 12, § 3° e 14, § 3°), contudo, alguns doutrinadores tem se posicionado no sentido de ser, perfeitamente possível, o abrandamento de tal rigor, considerando outras eventuais hipóteses de exclusão de responsabilidade, tais como o caso fortuito ou força maior, riscos de desenvolvimento e exercício regular de direito, além de considerar possível a redução do valor indenizatório quando se puder provar a culpa concorrente da vítima, razão porque, neste capítulo, abordaremos, de maneira distinta, cada uma destas eximentes.
3.1 – Culpa Concorrente
Embora o Código de Defesa do Consumidor não faça nenhuma menção à culpa concorrente, seja da vítima seja do terceiro, somos de entendimento que é perfeitamente possível a aplicação de tal preceito com o fito de minorar o dever de indenizar por acidentes de consumo decorrente do fornecimento de produtos ou serviços. Tal decorre do fato de que não há nenhuma incompatibilidade com as regras consumeristas, a aplicação desta minorante.
E assim pensamos, porque é perfeitamente possível que o consumidor possa contribuir para que a fruição do produto ou de serviço possa ser realizada de maneira inadequada, vindo a gerar um dano, quando então, não se poderia responsabilizar exclusivamente o fornecedor. Nesse norte, cabe também destacar que o Código de Defesa do Consumidor não trata da culpa concorrente, seja do utende ou adquirente, seja de terceiro. Nestes casos, contudo, cabe aplicar por analogia o Código Civil e, embora não possa ser considerada uma eximente, deve concorrer para minorar a responsabilidade do fornecedor.[10]
Nesta mesma linha de pensar, Alberto do Amaral Junior afirma que “o concurso de culpa do consumidor lesado produz, como conseqüência, a redução do montante a ser pago a título de ressarcimento”.[11] Também o magistrado Paulo de Tarso Vieira Sanseverino para quem a “culpa concorrente do ofendido deverá ser valorada no momento da fixação do valor da indenização”, concluindo em seguida que tanto na indenização por danos materiais quanto por danos morais, “o juiz, no momento do arbitramento, deverá valorar a culpa concorrente do consumidor como uma das circunstâncias mais expressivas para a fixação do montante indenizatório”.[12]
Outros doutrinadores brasileiros têm defendido a mesma tese e, por ilustrativo, trazemos à colação a lição do mestre Carlos Alberto Bittar que, prelecionando sobre a matéria, deixou assentado: “havendo culpas concorrentes, poderão forrar-se à reparação na proporção em que provarem a culpa do consumidor”.[13] Da mesma forma João Batista de Almeida considera que “a culpa concorrente não a exclui (a responsabilidade) mas conduz a uma redução do ‘quantum’ indenizatório”.[14]
Assim, não se admitir esta minorante, vai contra o senso do direito e da justiça porquanto não se pode admitir que quem cause, culposamente, um dano a si mesmo, venha a se beneficiar da integralidade indenizatória se para o evento lesivo veio a concorrer.[15]
3.2 – Do caso fortuito e da força maior:
Devemos destacar inicialmente, que tanto o novo Código Civil quanto o de 1916, quando trata de responsabilidade civil objetiva, prevê “hipóteses que excluem a responsabilidade objetiva, que são o caso fortuito, a força maior, a culpa exclusiva da vítima e o fato de terceiro”, conforme tivemos oportunidade de enfatizar em nossa obra sobre danos morais.[16]
Da mesma forma, o mestre Roberto Senise Lisboa, em sua obra sobre direito civil, preleciona que “as excludentes da responsabilidade civil são: a culpa exclusiva da vítima, a culpa exclusiva de terceiro, a força maior e o caso fortuito”, fazendo depois ressalva tão somente quanto ao chamado risco exacerbado, quando então, as excludentes se limitariam a tão somente duas hipóteses que são a culpa exclusiva da vítima e a força maior.[17]
Quando adentramos em seara consumerista, verificamos que o Código de Defesa do Consumidor não considera, de forma expressa, como eximentes o caso fortuito ou a força maior (a teor do que dispõe os já mencionados art. 12, § 3° e art. 14, § 2°, da lei 8.078/90).
Doutrinando sobre a matéria, e agora tratando especificamente de direito do consumidor, o mestre Senise é peremptório ao afirmar que “o microssistema é incompatível com as normas do sistema civil que exoneram a responsabilidade por caso fortuito ou força maior”.[18] E, assim o faz, após tecer considerações no sentido de que a lei do consumidor é silente quanto à matéria, portanto, não deveriam ser aplicadas as normas do Código Civil, porque na interpretação das normas restritivas de direito não pode o interprete querer alargar a aplicação da norma, devendo se ater a sua forma declarativa ou estrita.[19]
Mesma opinião é partilhada pelo magistrado Rizzatto Nunes, que de forma mais contundente, afirma que o legislador ao utilizar o advérbio “só”, para discriminar as excludentes do § 3° do art. 12 (produtos) e do § 2° do art. 14 (serviços), não deixou nenhuma margem de dúvida, sendo taxativo, logo, não cabendo perquirir sobre nenhuma outra excludente que não as expressamente elencadas nos referidos parágrafos.[20]
De outro lado, Antonio Herman de Vasconcelos e Benjamin tem entendimento divergente no tocante à matéria. Segundo o nobre jurista, com a autoridade de quem foi um dos elaboradores do anteprojeto do código consumerista, a regra geral no direito pátrio é que o caso fortuito e a força maior excluem a responsabilidade civil, concluindo que, se o Código de Defesa do Consumidor não os elenca como excludentes, também não os nega, razão porque entende que o caso fortuito e a força maior afastam o dever de indenizar.[21]
Da mesma forma Jaime Marins que, embora fazendo uma distinção no que diz respeito a força maior, se ocorrente na cadeia de produção ou após a introdução do produto no mercado, defende que a força maior e o caso fortuito devam ser aceitas como exoneradora da responsabilidade civil, na exata medida em que afastam o nexo de causalidade, indispensável para que haja responsabilização civil.[22]
Embora advirta que o caso fortuito e a força maior não estão entre as causas eximentes da responsabilidade pelo fato de produto, Zelmo Denari ressalva que “a doutrina mais atualizada já se advertiu de que esses acontecimentos – ditados por focas físicas de natureza ou que, de qualquer forma, escapam ao controle do homem – tanto podem ocorrer antes como depois da introdução do produto no mercado de consumo”, para concluir, apoiando-se em Jaime Marins, que no segundo caso, quando a ocorrência aconteceu após a introdução do produto no mercado, aplicar-se-ia as excludentes porquanto, o nexo de causalidade ter-se-ia rompido.[23]
Nosso entendimento segue na direção da aceitação da tese pelo acolhimento do caso fortuito e da força maior como excludentes da responsabilidade civil do fornecedor, na exata medida em que se de deve compreender a lei consumerista, como legislação destinada a proteger as relações de consumo e, não exclusivamente o consumidor, de tal sorte que, ocorrido o fato imprevisível e inevitável, após a colocação do produto ou serviço no mercado de consumo, haveria a quebra do nexo causal, não se podendo responsabilizar o fornecedor por evento que não deu causa, nem tinha como prever ou evitá-lo.
Não é por outra razão que João Batista de Almeida vaticina: “Apesar de não prevista expressamente na Lei de proteção, ambas as hipóteses possuem força liberatória e excluem a responsabilidade, porque quebram a relação de causalidade entre o defeito do produto e o dano causado ao consumidor”. Para não deixar dúvida quanto ao seu posicionamento, renomado mestre exemplifica: “Não teria sentido, por exemplo, responsabilizar-se o fornecedor de um eletrodoméstico, se um raio faz explodir o aparelho, e, em conseqüência, causa incêndio e danos aos moradores: inexistiria nexo de causalidade a ligar eventual defeito do aparelho ao evento danoso”.[24]
É interessante destacar que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, com relação aos serviços, já pacificou a matéria, admitindo as excludentes de caso fortuito ou força maior, a partir do voto do E. Ministro Eduardo Ribeiro, que na condição de relator, decidiu questão acerca de prestação de serviço e, conforme ementa que se colaciona, assim decidiu: “O fato de o art. 14, § 3º do Código de Defesa do Consumidor não se referir ao caso fortuito e à força maior, ao arrolar as causas de isenção de responsabilidade do fornecedor de serviços, não significa que, no sistema por ele instituído, não possam ser invocadas. Aplicação do art. 1.058 do Código Civil” (a referência é ao Código de 1916, correspondente ao atual art. 393).[25]
A nosso sentir o Código de Defesa do Consumidor adotou a teoria do risco da atividade como pressuposto para responsabilizar o fornecedor, conseguintemente justifica-se a aplicação subsidiária dos princípios esculpidos no Código Civil naquilo em que a lei consumerista for omissa. Daí, conclusão que exsurge é que as excludentes força maior e caso fortuito são plenamente aplicáveis em seara consumerista.
3.3 – Riscos de Desenvolvimento
Questão das mais controvertidas é saber se é possível excluir a responsabilidade do fornecedor pelos acidentes de consumo decorrentes de produtos que venham a lesionar o consumidor, nos casos em seria impossível prever a lesividade do mesmo, seja porque o empresário tenha seguido todos os cuidados técnicos necessários para a apresentação do produto no mercado, seja por desconhecimento técnico dos efeitos que tais produtos pudessem oferecer ao consumidor à época de sua colocação no mercado.
Observe-se que é perfeitamente possível ocorrer que, com os conhecimentos cientifico disponíveis em dado momento, se possa garantir que determinado produto é seguro, ou que, ainda não se tenha total certeza, é possível informar ao consumidor das eventuais hipóteses de acidentes. Nestas circunstâncias, “ao fornecer no mercado consumidor produto ou serviço que, posteriormente, apresenta riscos cuja potencialidade não pôde ser antevista pela ciência ou tecnologia, o empresário não deve ser responsabilizado com fundamento nem na periculosidade (pois prestou informações sobre os riscos adequados e suficientes), nem na defeituosidade (porque cumpriu o dever de pesquisar)”, é o que preleciona o mestre Fábio Ulhoa Coelho.[26]
Os doutrinadores que defendem a exclusão da responsabilidade dos fornecedores pelos riscos de desenvolvimento, em sua grande maioria, escudam-se nos ensinamento de Jaime Marins que se abeberando na doutrina de Angel Rojo y Fernandez afirmou que “o limite da previsibilidade exclui a obrigação de reparar aqueles eventos danosos que no momento da comercialização do produto não houveram podidos ser previstos de acordo com o nível de conhecimento científico e técnicos existentes nesse momento, chegando mesmo a possibilitar que se afirme tratar de hipótese de caso fortuito, liberador da responsabilidade”.[27]
Contudo, Rizzatto Nunes assevera que tais disposições estão diretamente ligadas ao tipo previsto no art. 64 do Código de Defesa do Consumidor, valendo apenas, no que diz respeito às sanções penais já que, para aspectos civis, a situação se resolveria a partir da responsabilidade objetiva do fornecedor, assumindo assim, uma posição em sentido contrário à aceitação dos riscos de desenvolvimento.[28]
Da mesma forma, o magistrado paulista Sílvio Luís Ferreira da Rocha, para quem, se o defeito existia no momento em que o produto foi colocado no mercado, e tão somente os conhecimentos científicos existentes à época não o permitiam detectar, não poderia autorizar a exclusão da responsabilidade do fornecedor, porquanto para ser aceita tal hipótese, o Código de Defesa do Consumidor deveria tê-la expressamente consignada entre as eximentes estatuídas no art. 12, § 3°, da lei em comento.[29]
Reforçando a tese contrária a aceitação da teoria do risco de desenvolvimento, e cobrando mudança legislativa para aclarar a questão, Paulo de Tarso Vieira Sanseverino preleciona que “embora seja inaplicável a eximente dos riscos de desenvolvimento no direito brasileiro, consideramos que o legislador brasileiro deveria regular com maior clareza essa importantíssima questão, afastando-a (ou admitindo-a) expressamente do sistema”.[30]
Em nossa opinião, em que pese o Código de Defesa do Consumidor não ter previsto expressamente o risco de desenvolvimento como excludente do dever de indenizar, é possível cogitar-se desta eximente a partir da análise do contido no art. 10 da lei consumerista porquanto ao fazer previsão de que “o fornecedor não poderá colocar no mercado de consumo produto ou serviço que sabe ou deveria saber apresentar grau de nocividade ou periculosidade à saúde ou segurança”, deixa antever a possibilidade de que, se não seria possível antever os riscos, no caso de sua ocorrência, a exigência seria somente aquela prevista no § 1° do artigo supra citado que estabelece o dever de informar às autoridades competentes e aos fornecedores do conhecimento, à posteriori, dos riscos que o produto ou serviço oferece.[31]
Logo, de se concluir que o dever imposto ao fornecedor de produto ou serviço, que venha a apresentar riscos após sua inserção no mercado de consumo, se circunscreve ao dever de prestar a devida informação. Assim, se o fornecedor atendeu adequadamente o prescrito em lei, não há falar-se em dever de indenizar eventuais danos sofridos pelos consumidores em face de o fornecedor ter se desincumbido do mister de informar.
Tal não ocorreria se não tivesse sido vetado o artigo 11 da lei consumerista, o que lamentamos, que obrigava a retirada do produto ou serviço do mercado de consumo, sempre que nocivo ou perigoso, às expensas do fornecedor, e previa também, a responsabilidade pela reparação dos eventuais danos causados aos consumidores.
3.4 – Exercício regular de um direito
Também no que se refere a este instituto, o Código de Defesa do Consumidor foi silente, contudo, é nosso entendimento que, por analogia, aplicar-se-ia subsidiariamente as normas contidas no Código Civil, excluindo-se o dever de indenizar.[32]
Exemplo ilustrativo é aquele decorrente da inscrição do nome do devedor nos bancos de dados e cadastro de consumidores. Se a inscrição se faz atendendo os ditames do art. 43 do Código de Defesa do Consumidor, o fornecedor terá agido dentro dos limites de seu direito de agir, logo não podendo ser responsabilizado pelos danos, que a toda evidência, termina por impor ao consumidor com tal inscrição.
Da mesma forma, ocorrendo o inadimplemento e a mora, o envio de título para cartório de protesto, com a conseqüente inclusão do nome do devedor em banco de dados, ainda que cause transtornos, dissabores e prejuízos ao consumidor, também deve ser considerado exercício regular de direito do credor.
O mestre Senise admite o exercício regular de um direito como forma de exonerar responsabilidades quando trata das excludentes de responsabilidade subjetiva. Assim, renomado autor considera que nas relações de consumo, nos caso que envolvam o profissional liberal, dentre outros, tal excludente pode ser admitida.[33]
A nosso sentir, mesmo quando se tratar de responsabilidade objetiva, é cabível argüir o exercício regular de direito como forma de exoneração da responsabilidade de indenizar, por parte do fornecedor. Utilizando-se do exemplo fornecido pelo professor Rizzatto Nunes, temos que frente ao consumidor inadimplente, o credor tem o direito de cobrar seu crédito garantido. Somente não o poderá fazer com abusividade. Pode até ‘ameaçar’, “desde que tal ameaça decorra daquele regular exercício de cobrar; por exemplo, o credor remete carta ao devedor dizendo (ameaçando) que irá ingressar com ação judicial para cobrar o débito”.[34] Da mesma forma, o credor tem o direito de protestar o cheque, enviar o nome do devedor para o Serasa e CPC bem como adotar formas de cobrança judicial e extrajudicial para ver garantido o eventual direito de recebimento de seus créditos.
4. – Conclusões.
A nosso sentir o Código de Defesa do Consumidor adotou a teoria do risco da atividade como pressuposto para responsabilizar o fornecedor, conseguintemente justifica-se a aplicação subsidiária dos princípios esculpidos no Código Civil naquilo em que a lei consumerista for omissa. Daí, conclusão que exsurge é que as excludentes força maior e caso fortuito são plenamente aplicáveis em seara consumerista.
Se o estatuto do consumidor tivesse adotado a teoria do risco integral não teríamos dúvidas em acompanhar aqueles que defendem que na responsabilização do fornecedor aplicar-se-ia tão somente as eximentes taxativamente explicitadas (art. 12, § 3° e art. 14, § 3°, da Lei 8.078/90).
Nesse norte, cabe também destacar que o Código de Defesa do Consumidor não trata da culpa concorrente, seja do utende ou do adquirente, seja de terceiro. Nestes casos, contudo, cabe aplicar por analogia o Código Civil e, embora não possa ser considerada uma eximente, deve concorrer para minorar a responsabilidade do fornecedor.[35] Não admitir esta minorante, vai contra o senso do direito e da justiça porquanto não se pode admitir que quem cause culposamente um dano a si mesmo, venha a se beneficiar da integralidade indenizatória se para o evento lesivo veio a concorrer.[36]
O Código de Defesa do Consumidor estaria a merecer a atenção do legislador no sentido de melhor disciplinar algumas matérias que são consideradas controvertidas e que poderiam ser adequadamente solucionadas por via legislativa, tais como o caso fortuito e a força maior, o risco de desenvolvimento e a culpa concorrente, institutos estes que poderiam ser taxativamente excluídos ou incorporados entre as eximentes aceitas pela lei consumeristas.
Assim, sem a pretensão de esgotar a matéria, mas tão somente com o intuito de contribuir para o debate, acreditamos ter dado nossa contribuição para uma melhor compreensão de tão importante questão.
Notas
[1] Ver, por exemplo, Prof. Roberto Senise Lisboa.
Advogado, palestrante, conferencista e parecerista.
Professor de Direito Civil nos cursos de Graduação e Pós-Graduação em Direito do Centro Universitários das Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU/SP). Professor de Direito Civil, Direito Processual Civil e Direitos Difusos (Consumidor, Ambiental e ECA) nos cursos de Graduação e Pós-Graduação em Direito na Universidade Paulista (UNIP/SP). Professor Convidado da Escola Superior da Advocacia (ESA/OAB/SP). Professor Convidado de cursinhos preparatórios para carreiras jurídicas. Mestre em Direitos Difusos e Coletivos (ênfase em Direitos do Consumidor) e Especialista em Direito Civil e Direitos do Consumidor. Ocupou diversos cargos na OAB Seccional de São Paulo: Membro da Comissão de Defesa do Consumidor; Assessor da Comissão de Seleção e Inscrição; Membro efetivo da Comissão da Criança e do Adolescente e Examinador na Comissão de Exame da Ordem. Também no Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP) onde é Associado efetivo e Membro da Comissão de Direitos do Consumidor. Membro do Conselho Editorial da Revista Magister de Direito Empresarial, Concorrencial e Consumidor. Tem artigos jurídicos publicados em Sites e Revistas especializadas. Publicou os seguintes livros: Dano moral – problemática: do cabimento à fixação do quantum, 2ª. ed. (Atlas, 2010); Da culpa e do risco – como fundamentos da responsabilidade civil (Juarez de Oliveira, 2005); Direito do Consumidor (Robortella, 2006); Dano moral trabalhista (Atlas, 2007); Dano moral nas relações de consumo (Saraiva, 2008); Manual de prática jurídica civil (Atlas, 2008); Responsabilidade civil por erro médico (Atlas, 2008) e Da defesa do consumidor em juízo (Atlas, 2010).
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