As mudanças
Agora, para a cobrança de condenação imposta judicialmente, o credor não precisa passar pelas agruras do processo de execução. Recentes reformas no processo de execução aboliram o processo de execução dos títulos executivos judiciais (Lei 11.232/05). O cumprimento da sentença não mais depende de processo autônomo e transformou-se em um incidente processual. Trata-se de mera fase do processo de conhecimento, e não de nova demanda a angularizar-se pelo ato citatório.
O silêncio do legislador no que diz com a execução dos alimentos tem semeado discórdia em sede doutrinária, sendo questionado se a simplificação dos atos de cumprimento da sentença alcança os encargos de natureza alimentícia.
Como era
A execução dos alimentos está prevista tanto no Código de Processo Civil (arts. 732 a 735) como na Lei de Alimentos (Lei 5.478/68, arts. 16 a 19). Os alimentos provisórios, provisionais ou definitivos; fixados em sede liminar ou incidental; por sentença sujeita a recurso ou transitada em julgado; ou ainda estabelecidos por acordo dispõem dos mesmos meios executórios: desconto, expropriação ou coação pessoal.
Não havendo possibilidade de desconto da prestação alimentícia do salário, de aluguéis ou outras rendas (CPC, art. 734 e LA, art. 17), abre-se ao credor duas possibilidades executórias: a expropriação e a prisão do devedor. Os arts. 732 e 735 do CPC e o art. 18 da Lei de Alimentos fazem expressa remissão à via da execução por quantia certa contra devedor solvente. A outra possibilidade de obter o pagamento – e de modo mais célere – é a que admite a prisão do devedor, prevista no art. 733 do CPC.
Entre esses dois procedimentos não existe preferência legal. A identificação do meio de cobrança a ser utilizado pelo credor acabou sendo feita pela jurisprudência. A execução pelo rito que pode levar à prisão ficou reservada às prestações mais recentes. É o que dispõe a Súmula 309 do STJ: “O débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é a que compreende as três prestações anteriores ao ajuizamento da execução e as que se vencerem no curso do processo.”
Débitos mais antigos somente comportavam execução por meio da penhora, sob o fundamento de terem perdido o caráter urgente para garantir a sobrevivência do credor. Antes das últimas reformas introduzidas no estatuto processual, o devedor era citado para, no prazo de vinte e quatro horas, pagar ou nomear bens à penhora, sob pena de lhe serem arrestados tantos bens quantos fossem necessários para garantir a execução. Seguro o juízo, o devedor podia, no prazo de 10 dias, oferecer embargos que, apensados ao processo de execução, tinham efeito suspensivo (CPC, art. 739, § 1º). Apesar de o recurso da decisão que rejeitasse liminarmente ou desacolhesse os embargos dispusesse do só efeito devolutivo (CPC, art. 520, IV e LA, art. 14), como os autos da execução eram encaminhados ao Tribunal, na prática, a execução restava suspensa até o retorno dos autos à origem, depois do julgamento da apelação.
Quando a dívida alcançava prestações recentes e antigas, era necessário o uso simultâneo de dois processos executórios: um pelo rito da coação pessoal para cobrar as três últimas parcelas vencidas; e outro, para a cobrança das prestações anteriores, pela via expropriatória do art. 732 do CPC.
As polêmicas
A partir da vigência da Lei 11.232/05 não mais existe o processo de execução de título executivo judicial. Somente os títulos executivos extrajudiciais dispõem de procedimento autônomo, e isso com as alterações trazidas pela Lei 11.382/06. Para o cumprimento da sentença condenatória por quantia certa basta o credor peticionar nos autos do processo de conhecimento. O devedor não é citado, até porque não se está em sede de nova demanda.
Pela dicção da lei parece não haver dúvida de que a mora constitui-se independentemente da intimação do devedor. Ante sua inércia pelo período de quinze dias, a contar da sentença que desafia recurso no só efeito devolutivo ou do seu trânsito em julgado, o montante do débito já resta acrescido do valor da multa, que tem incidência automática, não havendo necessidade de ser imposta pelo juiz (CPC, art. 475-J). Frente a omissão do executado, o credor só precisaria requerer a expedição de mandado de penhora e avaliação.
Aqui já começam as divergências. Questiona-se sobre a necessidade de dar ciência ao devedor para cumprir a sentença no prazo de 15 dias, sob pena de imposição da multa de 10%. Enquanto uns entendem que o devedor não precisa ser intimado[1] outros sustentam que é indispensável sua intimação pessoal.[2] Já outra corrente diz que basta a intimação do procurador do devedor pela imprensa oficial.[3]
Porém, não é possível dispensar a intimação do réu. Precisa ser intimado pessoalmente para ser constituído em mora. Só então começará a fluir o prazo para o cumprimento da sentença, ainda que eventualmente haja o risco de se estar perpetuando o velho sistema que o legislador fez tanta questão de banir. A intimação serve também para dar ciência ao devedor da incidência da multa, caso não proceder ao pagamento no prazo de quinze dias. Não basta a intimação de seu procurador. Descabido impor-lhe o ônus de procurar seu cliente para que ele faça o pagamento. Certamente resistirão os advogados, pois, quando a intimação é de ser feita na pessoa do procurador, expressamente a lei faz tal ressalva, como ocorre com o auto de penhora e de avaliação (CPC, art. 475-J, § 1º).
Não há como pretender que o réu, no prazo de quinze dias contados da intimação da sentença, compareça espontaneamente em juízo e deposite o valor que entender devido para não ficar sujeito à multa. A intimação da sentença não pode servir de marco temporal para o adimplemento voluntário, pois o recurso geralmente dispõe de efeito suspensivo. Ao comparecer a juízo para o depósito corre o risco de os autos não estarem em cartório, pois remetidos ao Tribunal. Porém, a intimação pessoal deve ser feita pelo correio (CPC, 238) e não por meio de oficial de justiça. O art. 611 do CPC, que determinava a citação pessoal do devedor, foi expressamente revogado.
De forma singela prevê a lei que o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de dez por cento, caso o devedor não efetue o pagamento no prazo de quinze dias (CPC, art. 475-J). Também no que diz com o marco inicial de incidência da multa existem posições antagônicas. Para uns o prazo é contado a partir da exigibilidade da dívida quer por a sentença ter transitado em julgado, quer porque interposto recurso sem efeito suspensivo.[4] Para outros a multa torna-se exigível mediante a intimação do procurador do devedor.[5]
Há quem entenda que a intimação deve ser determinada, de ofício,[6] Porém, não há previsão legal autorizando ao juiz que tome a iniciativa de cientificar o devedor. Ao contrário, não sendo requerida a execução no prazo de seis meses, o juiz mandará arquivar os autos (CPC, art. 475-J, § 5º). Com mais coerência, outros dizem que a intimação deve ser pessoal, pelo correio, mas dependente de provocação do credor.[7] Em face das ações que tem por objeto a entrega de coisa (CPC, art. 461) já se manifestou o STJ[8] pela necessidade de intimação pessoal, uma vez que se trata de ato a ser praticado pela parte e não por seu advogado.
É necessário distinguir os atos processuais que exigem capacidade postulatória dos atos materiais de cumprimento da obrigação. O advogado é intimado para os atos a serem por ele praticados. Porém, para a prática de atos que dizem com o cumprimento da obrigação objeto do litígio, a parte deve ser intimada pessoalmente. Como o cumprimento da sentença condenatória é ato da parte, esta é que deve ser intimada.[9]
Apesar da boa intenção do legislador de emprestar celeridade ao cumprimento da sentença condenatória para o pagamento de quantia em dinheiro, somente mediante solicitação do credor é que o juiz irá determinar a intimação do devedor, pelo correio, para proceder ao pagamento em quinze dias, sob pena de incidência da multa. Não há como reconhecer a exigibilidade da multa sem prévia intimação do devedor. Tal é ir um pouco além da própria finalidade de sua cominação, que visa a estimular o adimplemento, livrando o credor de prosseguir com a cobrança judicial.
A execução dos alimentos
Não houve expressa revogação e nem qualquer alteração no Capítulo V do Titulo II do Livro II, do CPC que trata “Da Execução de Prestação Alimentícia”. Também não há nenhuma referência à obrigação alimentar nas novas regras de cumprimento de sentença, inseridas nos Capítulos IX e X do Título VIII do Livro I: “Do Processo de Conhecimento” (CPC, arts. 475-A a 475-R).
Em face disso, boa parte da doutrina[10] sustenta que à execução de alimentos não tem aplicação a nova lei. Um punhado de justificativas impõe que se reconheça como inadequada esta postura. A cobrança de quantia certa fundada em sentença não mais desafia processo de execução específico. O credor só necessita ajuizar execução autônoma quando dispuser apenas de um título executivo extrajudicial.
Há um fundamento que põe por terra qualquer tentativa de emprestar sobrevida à execução por quantia certa de título executivo judicial relativo a alimentos. O Capítulo II do Título III do Livro II, do CPC, que se intitulava: “Dos Embargos à Execução Fundada em Sentença”, agora se denomina: “Dos Embargos à Execução contra a Fazenda Pública”. Ou seja, não existem mais no estatuto processual pátrio embargos à execução de título judicial. Esse meio impugnativo só pode ser oposto na execução contra a Fazenda Pública. A vingar o entendimento que empresta interpretação literal ao art. 732 do CPC, chegar-se-ia à esdrúxula conclusão de que o devedor de alimentos não dispõe de meio impugnativo, pois não tem como fazer uso dos embargos à execução.
Os alimentos podem e devem ser cobrados pelo meio mais ágil. O fato de a lei ter silenciado sobre a execução de alimentos não pode conduzir à idéia de que a falta de modificação dos arts. 732 e 735 do CPC impede o cumprimento da sentença.[11] A omissão não encontra explicação plausível e não deve ser interpretada como intenção de afastar o procedimento mais célere e eficaz logo da obrigação alimentar, cujo bem tutelado é exatamente a vida.
Finalmente, cabe lembrar que a nova sistemática não traz prejuízo algum ao devedor de alimentos, pois a defesa pode ser deduzida, com amplitude, por meio da impugnação (CPC, art. 475-L), que corresponde aos embargos que existiam na legislação revogada (CPC, art. 741). A impugnação pressupõe a penhora e avaliação de bens, ou seja, é necessária a segurança do juízo (CPC, art. 475-J, § 1º). Ademais, como não dispõe de efeito suspensivo (CPC, art. 475-M), a impugnação não vai poder ser usada com finalidade exclusivamente protelatória, como ocorria com os embargos à execução. De qualquer modo, às claras, continuará sendo aceitas as famosas exceções de pré-executividade, criação pretoriana que entrava ainda mais a satisfação do credor.
A sentença que impõe o pagamento de alimentos dispõe de carga eficacial condenatória, ou seja, reconhece a existência de obrigação de pagar quantia certa (CPC, art. 475-J). O inadimplemento não pode desafiar execução por quantia certa contra devedor solvente, uma vez que essa forma de cobrança não mais existe, sendo possível somente ser buscado o cumprimento da sentença nos mesmos autos da ação em que os alimentos foram fixados (CPC, art. 475-J). Portanto, o crédito alimentar está sob a égide da Lei 11.232/05. Houve mero descuido do legislador ao não retificar a parte final dos arts. 732 e 735 do CPC e fazer remissão ao Capítulo X, do Título VII: “Do Processo de Conhecimento”. A omissão, mero cochilo ou puro esquecimento não pode levar a nefastos resultados.
O rito da coação pessoal
A Constituição Federal excepciona o dever alimentar da vedação de prisão por dívida (CF, art. 5º, LXVII). O meio de dar efetividade a esse permissivo constitucional encontra previsão no art. 19 da Lei de Alimentos e no art. 733 do CPC, que estão em plena vigência. As alterações introduzidas no CPC não revogaram o meio executório da coação pessoal.[12]
Quando se trata de alimentos estabelecidos em sentença definitiva, o pagamento pode ser buscado nos mesmos autos. Sujeita a sentença a recurso que não dispõe de efeito suspensivo (CPC, art. 520, II), o cumprimento depende de procedimento autônomo, nos moldes da execução provisória (CPC, art. 475-O). Em ambas as hipóteses possui o credor a faculdade de optar: pedir a intimação do devedor para pagar em quinze dias para evitar a incidência da multa (CPC, art. 457-J) ou requerer sua citação para pagar em três dias sob pena de prisão (CPC, art. 733). Caso o devedor proceda ao pagamento nos respectivos prazos, não há incidência da multa.
A escolha por uma ou outra modalidade de cobrança está condicionada ao período do débito, se vencido ou não há mais de três meses. No que diz com a dívida pretérita, a forma de cobrar é por meio do cumprimento da sentença: intimação do devedor para que pague em quinze dias. Não realizado o pagamento, incide a multa, e o credor deve requerer a expedição de mandado de penhora e avaliação (CPC, art. 475-J). Rejeitada a impugnação (CPC, art. 475-L), igualmente, incide a multa. Penhorado dinheiro é possível mensalmente o levantamento do valor da prestação (CPC, art. 732, parágrafo único). Como se trata de crédito alimentar, descabe a imposição de caução, a não ser que o valor da dívida seja superior a sessenta salários mínimos e não tenha demonstrado o credor situação de necessidade (CPC, art. 475-O, § 2º, II).
Com relação às parcelas recentes, ou seja, se o débito for inferior a três meses, o credor pode fazer uso do rito do art. 733 do CPC. Ainda que o pedido possa ser formulado nos mesmos autos, mister a citação pessoal do devedor para que proceda ao pagamento, no prazo de três dias. Não paga a dívida ou rejeitada a justificação apresentada, expedir-se-á mandado de prisão. Sobre o valor do débito não se incorpora a multa. Embora a lei diga que o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de 10% (CPC, art. 475-J), tal encargo não integra a obrigação alimentar quando o pagamento é exigido sob pena de prisão. Descabe dupla sanção. No entanto, cumprida a prisão e não feito o pagamento, como a execução prossegue pelo rito do cumprimento da sentença (CPC, art. 475-J), a multa incide sobre a totalidade do débito.
A cobrança dos alimentos definitivos pode ser levada a efeito nos mesmos autos, seja por meio do cumprimento da sentença ou da execução por coação pessoal. Pretendendo o credor fazer uso de ambos os procedimentos, isto é, quando quiser cobrar tanto as parcelas vencidas há mais de três meses como a dívida recente, mister que o pedido de execução sob a modalidade de prisão seja veiculado em apartado. Nos mesmos autos será buscado o cumprimento da sentença. A diversidade de rito entre as duas formas de cobrança certamente retardaria o adimplemento da obrigação se processadas em conjunto.
Quanto aos alimentos provisórios ou provisionais fixados liminar ou incidentalmente, também é possível o uso de qualquer das modalidades executórias. Nada obsta que busque o credor a cobrança por meio de procedimentos distintos, um para a cobrança das parcelas vencidas há mais de três meses e outro para a dívida mais recente. No entanto, a cobrança não pode ser processada nos mesmos autos, para não obstaculizar o andamento da ação. O pedido será levado a efeito em outro procedimento, nos moldes da execução provisória (CPC, art. 475-O).
Da mesma forma é cabível a execução da sentença sujeita a recurso (CPC, art. 475-I, § 1º). Como a apelação que condena à prestação de alimentos dispõe do só efeito devolutivo (CPC, art. 520, II e LA, art. 14), pode haver a busca do pagamento antes de os alimentos tornarem-se definitivos. A cobrança deverá ser feita tal qual a execução provisória (CPC, art. 475-O).
Também aqui a escolha do rito vai depender do prazo do inadimplemento. Intimado o devedor e não feito o pagamento em 15 dias, passa a incidir a multa de 10%. Ao credor cabe requerer a expedição de mandado de penhora e avaliação, já indicando bens para garantir a segurança do juízo (CPC, art. 475-J). No entanto, se preferir o credor o rito da coação pessoal, mister que o réu seja citado para pagar em três dias, provar que pagou ou justificar a impossibilidade de fazê-lo (CPC, art. 733).
Sobre alimentos provisórios ou provisionais, incide a multa de 10%. Ainda que a lei faça referência à “condenação” (CPC, 475-J), não se pode retirar o caráter condenatório dos alimentos fixados em sede liminar. Basta lembrar que se trata de obrigação pré-constituída e que os alimentos são irrepetíveis. O pagamento precisa ser feito mesmo que os alimentos não sejam definitivos. Ainda que o valor do encargo venha a ser diminuído ou afastado, tal não livra o devedor da obrigação de proceder ao pagamento das parcelas que se venceram neste ínterim. Não admitir a incidência da multa pelo fato de os alimentos não serem definitivos só estimularia o inadimplemento e a eternização da demanda.
Pela natureza da dívida não é possível concluir que a omissão do legislador, em atualizar os dispositivos que regulam a execução dos alimentos, desautoriza o uso da forma simplificada e célere que as reformas visaram implementar.
O resultado seria dos mais perversos.
Advogada, Ex-Desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Vice-Presidente Nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM
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