Resumo: O objetivo deste artigo é analisar a eficácia da mediação nos conflitos sociais. Adotou-se pesquisa bibliográfica e documental, com análise de legislações e coleta de dados nos Núcleos de Mediação da cidade de Montes Claros. Ressalta-se que a partir do seu marco legal, a Lei 13.140/2015, a mediação passou a ser mais praticada e valorizada, com a resolução de vários processos nos Núcleos estudados, o que pode ser observado pelos resultados colhidos durante a pesquisa que mostram aproveitamento de mais de 80% das sessões de mediação realizadas. Isso demonstra o grau de relevância dessa forma de resolução de conflito, tendo em vista que não há perdedores, mas ambas as partes se satisfazem com os resultados. Assim, a pesquisa se justifica, uma vez que o trabalho busca contribuir para a desconstrução da cultura demandista, ou seja, a cultura do litígio, enraizada na concepção de Justiça da sociedade, e busca a democratização do acesso à Justiça, que é um direito garantido a todos. Portanto, para fins deste trabalho, conclui-se que a mediação surge como um dos meios mais adequados de tratamento de conflitos, especialmente para aqueles de caráter familiar, que pressupõem uma relação mais íntima e duradoura, sendo valoroso manter vínculo estável. [1]
Palavras-chave: sociedade, conflito, mediação.
Abstract: The purpose of this article is to analyze the effectiveness of mediation in social conflicts. Bibliographical and documentary research was undertaken, with analysis of legislation and data collection in the Mediation Centers of the city of Montes Claros. It is noteworthy that from its legal framework, Law 13.140 / 2015, mediation became more practiced and valued, with the resolution of several lawsuits in the Nuclei studied, which can be observed by the results gathered during the research that show more than 80% of the mediation sessions held. This demonstrates the degree of relevance of this form of conflict resolution, given that there are no losers, but both parties are satisfied with the results. Thus, the research is justified, since the work seeks to contribute to the deconstruction of the demand culture, that is, the culture of litigation, rooted in the conception of Justice of society, and seeks the democratization of access to Justice, which is a right guaranteed to all. Therefore, for the purposes of this study, it is concluded that mediation emerges as one of the most adequate means of handling conflicts, especially for those of a family character, which presuppose a more intimate and lasting relationship, and it is valuable to maintain a stable bond.
Keywords: society, conflict, mediation.
Sumário: Introdução. 1. Breve histórico sobre a vida humana em sociedade. 1.1. O convívio social e os primeiros conflitos. 1.2 O surgimento das famílias. 2. Formas de solução de conflitos. 2.1. Mediação. 2.1.1. Marco legal da mediação e princípios. 2.1.2 Limites e vedações para mediação. 2.1.3 Mediação e Direito de Família. 2.1.4 Mediação em Montes Claros. Considerações finais. Referências.
Introdução
O presente trabalho apresenta como tema um dos meios autocompositivos, a mediação, suas discussões e práticas – sobretudo no âmbito familiar –, os recursos que a cercam, seu processo legislativo e suas formas de aplicação, a fim de levá-la ao conhecimento da população brasileira.
Faz-se necessário que o conhecimento e o acesso aos métodos autocompositivos alcancem a população de forma geral e homogênea. Busca-se a mudança da cultura do litígio para a cultura do diálogo, reconhecendo a relevância da mediação familiar para converter os conflitos de caráter combativo em soluções consensuais de benefício mútuo.
Uma das dificuldades encontradas acerca da pesquisa é a cultura jurídica brasileira, que prevê a solução de conflitos através de meios adversariais, vistos como a verdadeira forma de Justiça. Como hipótese de solução para esse problema, apresenta-se a mediação, que trabalha com o diálogo e com a autonomia da vontade das partes, o que favorece compreender os reais interesses dos envolvidos.
Foi realizada pesquisa bibliográfica, pesquisa documental e pesquisa de campo com coleta de dados nos Núcleos de Mediação da cidade de Montes Claros. Adotou-se o método de estudo indutivo, estabelecendo-se uma proposição a partir de uma cadeia de raciocínio ascendente, da análise particular para a geral, e o método monográfico, que trata do estudo de conteúdo determinado, previamente delimitado (MEZZAROBA; MONTEIRO, 2014).
O objetivo geral deste artigo é verificar a eficácia da prática de mediação como forma de pacificação de conflitos na sociedade brasileira.
1 Breve histórico sobre a vida humana em sociedade
1.1. O convívio social e os primeiros conflitos
O surgimento das sociedades sempre foi alvo de pesquisas, que acarretaram diferentes teorias sobre o que realmente levava às associações dos indivíduos. Existem os adeptos à máxima de que o desejo de viver em grupo é um anseio natural (MONTESQUIEU, 2010); outros, como Thomas Hobbes, John Locke e Rousseau atribuíam essa coexistência ao fruto da vontade humana através da necessidade de um contrato social. (DALLARI, 2010).
Os conflitos, por sua vez, definidos como “[…] um processo ou estado em que duas ou mais pessoas divergem em razão de metas, interesses ou objetivos individuais percebidos como mutuamente incompatíveis” (Cf. YARN, 1999), são vistos pela maioria como algo negativo, ou seja, sinônimo de retrocesso, alimentando a crença de que haverá sempre a perda para pelo menos uma das partes.
Atualmente, entretanto, busca-se mostrar que o conflito é um fenômeno natural para os seres vivos e que, a partir de uma visão menos combativa, pode resultar em mudanças e resultados positivos e satisfatórios para todos os envolvidos. Há duas principais saídas para situações de conflito: a adversarial e a cooperada. A primeira incentiva a disputa entre os indivíduos; enquanto a segunda busca restabelecer a comunicação sem desavenças e com clareza, administrando os conflitos por meio de múltiplas interações entre as partes, desconstruindo a ideia de disputa e encontrando a raiz do problema para que ele possa ser, de fato, solucionado. (NUNES, 2016).
1.2 O surgimento das famílias
Por muitos anos, no período da Antiguidade, o significado de “família” pautava-se em núcleo político, econômico, religioso e militar, comandado sempre pela figura de um homem. Assim, o ascendente (o membro mais velho) detinha o poder até a sua morte, independente de convolação em matrimônio, sobre as demais pessoas que compunham tal núcleo entendido como família. Naquela época, o critério adotado para a determinação de parentesco era a sujeição ao poder patriarcal, não a consanguinidade como observado hoje. (PAMPLONA FILHO; GAGLIANO, 2016).
A família cristã teve sua origem na herança de um modelo patriarcal, tida como célula básica da Igreja e da sociedade, fundada através do casamento, um sacramento e não mais apenas uma situação de fato (DIAS, 2011). O conceito de família cristã perdurou assim por séculos até que, com o advento da Revolução Industrial, no século XVIII, houve a alteração na estruturação das famílias. Com a pobreza disseminada e a necessidade de mão de obra, as mulheres, que antes se restringiam aos cuidados do lar, ingressaram no mercado de trabalho, deixando, assim, de ser o homem o único provedor da casa bem como o líder espiritual. Além disso, a ideia de tê-lo como centro da família foi sendo gradativamente abandonada. (PAMPLONA FILHO; GAGLIANO, 2016).
O século XX trouxe mudanças ainda mais substanciais nas famílias. A formação de grandes centros urbanos, os movimentos feministas, os divórcios como alternativa, dentre vários outros eventos, colaboraram para um novo conceito de família. A sociedade atual apresenta “[…] uma variada gama de arranjos familiares que se enquadram na tutela jurídica constitucionalizada da família, com os olhos voltados para um evidente e contínuo processo de dessacralização do Direito de Família.” (PAMPLONA FILHO; GAGLIANO, 2016, p.55).
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/1988), em seu art. 226, caput, aduz ser a família a “base da sociedade”, gozando de inteira proteção do Estado, pois é considerada como o alicerce da sociedade brasileira. Mais adiante, a CRFB/1988 cuida de estabelecer as três categorias de família: advindas do casamento, da união estável e do núcleo monoparental. Percebe-se, pois, o avanço na legislação, visto que o ordenamento jurídico brasileiro reconhecia apenas como forma legítima de família aquela oriunda do casamento, sendo assim, qualquer outro arranjo que não decorresse do matrimônio era marginalizado, a exemplo do concubinato. Com a mudança de valores e o avanço científico (técnicas de reprodução assistida, por exemplo), tratou a Constituição de conferir dignidade constitucional também aos núcleos monoparentais, formados por qualquer dos pais e sua prole.
Estado e Igreja deixaram de ter peso e de serem instâncias que legitimavam a família para que, então, fosse valorizada a liberdade afetiva do casal na formação de seu núcleo familiar. Nas palavras de Rodolfo Pamplona Filho e Pablo Stolze Gagliano (2016, p.47), família “[…] é o núcleo existencial integrado por pessoas unidas por vínculo socioafetivo, teleologicamente vocacionada a permitir a realização plena dos seus integrantes […]”. Dessa maneira, tendo como base o conceito dos autores, sistematiza-se família como um núcleo composto por mais de uma pessoa, sendo a afetividade responsável pelo vínculo entre seus membros, como vocação para a realização pessoal de seus integrantes.
Os modelos familiares existentes sejam eles formal, informal, matrimonial, anaparental, mosaico, eudemonista ou homoafetiva, serão sempre regidos pelos princípios constitucionais (art. 226), que são os princípios da dignidade da pessoa humana, da solidariedade familiar, da isonomia conjugal e filial, da não intervenção do Estado, do melhor interesse do menor, da função social da família, da paternidade responsável e, sobretudo, da afinidade.
É com base no fim do autoritarismo e sendo a afetividade o elemento agregador da família que, como já citado, além da tríade casamento/ união estável/ núcleo monoparental, reconheceu o Direito pátrio também as várias formas de arranjos familiares, como exemplo mais marcante a união entre pessoas do mesmo sexo.
2 Formas de solução de conflitos
A jurisdição, exercida pelo Estado através dos juízes, é o meio mais buscado para solucionar um conflito que não foi resolvido pelas partes de forma independente (ALMEIDA, 2010). A sociedade, embora busque independência, soluções mais rápidas e completas, ainda é demandista (NUNES, 2016) e incumbe ao Estado a responsabilidade de tomar decisões frente aos problemas individuais, garantindo a ordem social.
A ideia é que técnicas variadas sejam utilizadas para garantir a todos o acesso à Justiça. Portanto, tão importante quanto detectar o problema é escolher a maneira mais eficaz de tratá-lo. As formas de solução de conflitos se resumem nos meios heterocompositivos e nos autocompositivos.
“A heterocomposição é praticada pelo Estado, no exercício da jurisdição, bem como na atividade privada da arbitragem e a autocomposição é a obtenção da solução por obra dos próprios litigantes, que pode ser obtida espontaneamente ou após incentivo praticado em mecanismos predispostos para esse fim.” (CALMON, 2008, p.36).
Aravés da heterocomposição, a solução das controvérsias é imposta às partes por um terceiro, alheio ao problema. Os meios tradicionais são o processo jurisdicional, exercido pelo Estado, e a arbitragem, praticada na atividade privada e prevista pela Lei da Arbitragem, (Lei n. 9.307 de 1996).Leal (2005) salienta que a arbitragem é um meio heterocompositivo pelo qual as partes, por livre vontade, optam por submeter o seu conflito a um terceiro, o árbitro, que decidirá a questão; tal decisão não poderá ser revista pelo Judiciário.
As culturas do litígio, da burocracia e da competição dificultam a implantação de formas mais “fáceis” de resolver embates. A crença na decisão judicial como única forma de solução de lides contribui para o aumento da morosidade do Judiciário. (NUNES, 2016). Nesse contexto, há a necessidade de diminuir a “terceirização” das desavenças e levar os próprios sujeitos a encontrarem soluções que sejam satisfatórias para ambas as partes.
Diante disso, os meios autocompositivos, ao contrário do que se espera, não aparecem como algo capaz de curar todas as “enfermidades” sociais, mas como alternativas viáveis a uma sociedade cujos protagonistas carecem de soluções mais céleres e completas para as suas divergências.
Além de gradativa mudança cultural, é necessário que haja maior conhecimento dos meios autocompositivos para que possam ser efetivamente utilizados. São eles a conciliação, a negociação e a mediação (LEAL, 2005). A conciliação: “[…] consiste em um mecanismo de autocomposição, onde as próprias partes buscam encontrar uma solução eficaz para suas controvérsias. Os interessados contam com o auxílio de um terceiro, o conciliador, que interfere no diálogo, apontando possíveis soluções para o litígio[…] é empregada em conflitos em que as partes não possuem vínculo emocional, afetivo. Trata-se de litígios esporádicos, mais simples. Geralmente é utilizada para solucionar conflitos patrimoniais.” (MENEGHIN, 2010).
A negociação, outro meio autocompositivo, “se faz pelo consenso direto pelas pessoas, ou de seus representantes, com ou sem a intervenção de terceiros, através do diálogo e de mecanismos de argumentação […] e que gera ganhos mútuos” (NUNES, 2016, p. 39). Por fim, a mediação, que é objeto deste estudo científico.
2.1 Mediação
Mediação constitui técnica de solução de conflitos de forma não-adversarial (MENEGHIN, 2010). Para a sua execução, utiliza-se o diálogo como principal ferramenta de resolução de conflitos entre as partes e o poder de tomar decisões é dos próprios litigantes, o que os possibilita reexaminar suas perspectivas, visando o mesmo problema por diversos ângulos, acarretando, assim, acordo satisfatório para ambos (NUNES,2016).
Segundo a Lei n. 13.140 de 2015, a mediação pode ser definida como “atividade técnica exercida por terceiro imparcial sem poder decisório, que, escolhido ou aceito pelas partes, as auxilia a identificar ou desenvolver soluções consensuais para a controvérsia”. É indicada para todo tipo de conflito principalmente àqueles que os envolvidos mantêm relação subjetiva contínua, como nas relações familiares, societárias e de vizinhanças.
A legislação brasileira prevê algumas formas de mediação, como a extrajudicial, a judicial, a pré-processual, a processual e a on-line (NUNES, 2016). A extrajudicial é a de caráter privado, realizada fora do Poder Judiciário, assim sendo, sua realização passa a ser nas Câmaras de Mediação e nos escritórios de mediação e advocacia. A presença do advogado não é obrigatória e o processo não chega até a Justiça, ou seja, o conflito é encerrado e arquivado pelo mediador, se todo o processo for solucionado. (NUNES, 2016).
A Lei de Mediação estabelece que a Mediação Judicial seja realizada no âmbito do Poder Judiciário, em que os Tribunais são responsáveis por criar os Centros Judiciários de Solução Consensual de Conflitos (CEJUSCS). Além dos CEJUSCS, as sessões também ocorrem nos Juízos, Juizados, Varas e Tribunais. Para tanto, a Mediação Judicial é subdividida em duas espécies: a pré-processual, para os casos que ainda não são ações judiciais, e a processual, para os casos que são processos judiciais cíveis já instaurados. A Mediação Processual pode ocorrer em qualquer fase do processo civil e a presença de advogado para assistir cada parte é obrigatória, sendo que aqueles que comprovarem carência financeira serão assistidos pela Defensoria Pública. (BRASIL, 2015).
A Lei de Mediação também permite, em seu artigo 46, a mediação através da internet ou de outros meios de comunicação à distância, desde que ambas as partes estejam de acordo. A Mediação Virtual, portanto, vai ao encontro das novas necessidades da era digital em que os acontecimentos fluem de forma rápida e constante, tendo em vista que as pessoas e organizações também precisam de respostas rápidas e eficientes para seus problemas. (BRASIL, 2015)
2.1.1. Marco legal da mediação e princípios
A solução alternativa de conflitos positivou-se no direito brasileiro, a princípio, através da Constituição Política do Império do Brasil, de 1824, que oferecia às partes a possibilidade de, em determinadas causas, nomear juízes árbitros. (ALMEIDA, 2010).
O Código Civil de 1916 (CC/1916) e o Código de Processo Civil de 1939 (CPC/1939) e o de 1973 (CPC/1973) também trataram da arbitragem. Posteriormente adveio a Lei n. 9.307/1996, que dispunha que as pessoas capazes de contratar poderiam valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis. Após quase vinte anos, a Lei n. 9.307/1996 tornou-se obsoleta, de forma que foi editada a Lei n. 13.129/2015 que, entre outras inovações, permitia a utilização da arbitragem pela Administração Pública.
Embora os recursos autocompositivos já existissem, somente depois de estabelecidos pelo novo CPC e regulamentados pela Lei de Mediação é que tiveram a devida visualização e respectivos estudos aprofundados (NUNES, 2016). O fator primordial que poderá se dar pela concretização desses recursos é o acesso mais democrático à Justiça brasileira, pois “o acesso à Justiça engloba a melhor prestação jurisdicional ou não-convencional até aquele que clama pelo justo direito […]” (2007).
O Conselho Nacional de Justiça estimulou programas e ações de incentivo à autocomposição de litígios, além de regularizá-los através da Resolução 125 de 29/11/2010. Essa norma determinou a criação e instalação dos CEJUSCS, que são as centrais de atendimento e de orientação ao cidadão, os locais onde se realizam as sessões e as audiências de conciliação e mediação e onde se registram os pedidos de resolução de conflitos.
A Lei n. 13.105/2015 – CPC/2015 – estabelece tratamento destacado às formas alternativas: adota o sistema multiportas, que permite ao cidadão escolher entre os métodos autocompositivos ou heterocompostivos. Em consequência disso, confere maiores poderes aos autores envolvidos nos processos para possibilitar maior cooperação entre as partes. Ademais, estimula especificamente a mediação, assim como outros meios consensuais de solução de conflitos, que também deverão ser incentivados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público.
O marco legal para a mediação no Brasil veio com a Lei n. 13.140, de 26/06/2015. A Lei de Mediação surgiu como política pública essencial para a mudança do Sistema Jurídico Brasileiro, apesar de que apenas as disposições legais não promovem, por si só, essa alteração. É preciso que haja também mudança na cultura e na postura jurídica do cidadão brasileiro.
A vantagem da mediação é que ela se baseia no princípio da autonomia da vontade das partes, respeitando as individualidades. Em vista disso, o CPC/2015 estabelece para a mediação, e para a conciliação, os princípios da independência, da imparcialidade, da autonomia da vontade das partes, da confidencialidade, da oralidade, da informalidade e da decisão informada. A Lei de Mediação complementa com os princípios da isonomia entre as partes, busca de consenso e boa-fé. (NUNES, 2016).
Vale ressaltar alguns desses princípios, conceituados por Nunes (2016) e pela Lei de Mediação: o princípio da imparcialidade é direcionado ao mediador, que deve se manter neutro e equidistante em relação às partes; não deve apresentar interferências nas decisões dos envolvidos no processo.
O princípio da autonomia da vontade das partes, por sua vez, se caracteriza pelo livre-arbítrio que os participantes possuem para administrar o próprio conflito, isto é, decidir os meios de conduzir a mediação, estabelecer os procedimentos, definir o cronograma de reuniões, ter a liberdade para participar ou não das atividades sugeridas pelo mediador, enfim, ter o poder de tomar todas as decisões. Ademais, pelo princípio da isonomia das partes, os envolvidos devem receber tratamento igualitário em todo o processo. Assim, se apenas uma das partes estiver assistida por advogado, a sessão só prosseguirá se a outra parte também estiver. (NUNES, 2016).
Finalmente, o princípio da oralidade é um dos princípios que mais exemplifica a simplicidade da mediação, cuja principal característica é a busca do consenso através do diálogo. Durante a elaboração do consenso entre as partes, as pessoas discutem entre si os argumentos para tal finalidade, cabendo ao mediador apenas anotar as devidas observações para facilitar a identificação das soluções de benefícios mútuos. Consequentemente, apenas o acordo final será escrito. (NUNES, 2016)
2.1.2 Limites e vedações para mediação
O ideal seria que o litígio fosse resolvido totalmente pela mediação, contudo, há situações em que a trama de conflitos é muito complexa e extensa, demandando muito tempo para a solução e fugindo da proposta inicial, que é a solução de forma rápida e eficaz. Logo, em alguns casos, limitar os debates a partes do processo seria mais interessante e produtivo do que tentar resolvê-lo integralmente. (NUNES, 2016).
Pode ser objeto de mediação os direitos disponíveis, referentes aos direitos patrimoniais, e indisponíveis que admitam transação, como o Direito de Família. No entanto, há casos que não são passíveis de serem tratados por esse método, como os que versem sobre direitos indisponíveis que não admitam transação. Exemplo disso são os direitos fundamentais, intransferíveis e irrenunciáveis: direito à vida, à liberdade, à dignidade humana, entre outros (BRASIL, 2015).
Implicitamente é vedado aos menores de 16 anos de idade, os absolutamente incapazes, participar de forma direta da mediação, assim como também é para as pessoas incapazes relativamente a certos atos ou à maneira de exercê-los – os ébrios habituais e os viciados em tóxico e aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade. Todavia nada impede que as pessoas listadas acima participem das sessões, desde que devidamente representadas ou assistidas. (BRASIL, 2015; NUNES, 2016).
Por fim, há direitos sobre os quais a mediação não pode ser concretizada, tendo em vista que não há possibilidade de acordo, por exemplo, se seu objeto for ilícito, impossível ou indeterminável; se o motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito ou se a mediação tiver por objetivo fraudar a lei. (NUNES, 2016).
2.1.3 Mediação e Direito de Família
Quando surgem problemas no meio familiar, não raro que seus próprios membros não consigam solucioná-los, necessitando de uma alternativa ou que um terceiro promova a pacificação do impasse. Exemplos mais corriqueiros podem ser observados na dissolução da união entre casais, através da separação ou do divórcio, em que nascem outros entraves, como a guarda dos filhos e o pagamento de alimentos; ademais, também é comum haver diferenças que envolvam questões patrimoniais acerca de heranças.
Assim como ocorre em outros ramos, é mais usual que as famílias recorram ao Poder Judiciário para resolver seus problemas – possivelmente por desconhecer outras vias de resolução de conflitos, ou por não acreditarem na eficácia de meios alternativos –, o que pode se tornar um processo árduo e prolongado, quando na verdade há necessidade de certa urgência por se tratar de questões que possam envolver a dignidade da pessoa humana.
Entre os meios alternativos de resolução de conflitos, como já especificado acima, a mediação é o mais indicado para tratar de questões familiares, uma vez que, visto as peculiaridades de cada caso de família, promove o diálogo entre as partes para que elas próprias decidam o entrave e cheguem a um acordo satisfatório, além de possibilitar a manutenção do vínculo familiar preexistente; porquanto um terceiro, ainda que imparcial, não estaria apto para oferecer soluções tão particulares do que os próprios envolvidos.
Para Liane Thomé (2007), a mediação oferece aos familiares que passam por um momento conturbado um ambiente propício à negociação, à escuta e à autodeterminação, o que propicia que os envolvidos assumam as responsabilidades de seus atos.
Uma vez que o objetivo do diálogo promovido através da mediação é atingido, percebe-se o restabelecimento da comunicação, o que ajuda, por sua vez, questões emocionais, deixando-se sentimentos como a vingança de lado, o que promove resultados mais racionais. (DA ROSA, 2012)
Por fim, afirma Deisimara Langoski: “No âmbito do Direito das Famílias a mediação proporciona aos sujeitos a vivência de valores cooperativos e solidários com vistas a encontrar respostas qualitativas, justas e humanas aos conflitos”. (LANGOSKI, 2011). Logo, seria o método mais eficaz e coerente para pacificar problemas familiares.
2.1.4 Mediação em Montes Claros
Em Montes Claros, há alguns centros de mediação promovidos pelos núcleos de práticas jurídicas dos Cursos de Direito, pela Polícia Militar (PM), pela Polícia Civil, além do CEJUSC, situado no Fórum. O Núcleo de Mediação de Conflitos do 10º Batalhão de Polícia Militar e a Mediação na Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher de Montes Claros-MG são decorrentes do Projeto de Extensão do Núcleo de Práticas Jurídicas de Montes Claros (NPJ Solidário), proveniente do curso de Direito das Faculdades Integradas Pitágoras de Montes Claros (FIPMoc).
Em março de 2016, o NPJ das FIPMoc e a Delegacia da Mulher iniciaram os atendimentos de casos pré-processuais em sessões de Mediação Judicial. Nas dependências das FIPMoc, entre março e junho (2016), houve 15 ocorrências na área de família e sete na área cível, sendo que, desses casos, foram firmados dez acordos, cinco não comparecimentos, quatro em andamento e três não indicados para mediação. (NPJ das FIPMoc). Entre março e julho (2016), nas dependências da Delegacia da Mulher, foram 27 ocorrências na área de família e duas na área cível, resultando em 12 acordos completos, três acordos parciais, sete sem acordo, três não comparecimentos e quatro em andamento. (MINAS GERAIS, Delegacia da Mulher, 2016).
O Núcleo de Mediação da Polícia Militar é o mais recente, inaugurado no dia 22 de junho de 2016, onde são realizadas sessões de Mediação Extrajudicial. As sessões tiveram início nesse centro no dia 29 de junho de 2016, sendo que com dois meses de funcionamento, alguns dados foram levantados: num total de 46 reclamações, 22 sessões tiveram acordo; três sem acordo; três desistências (os próprios mediandos resolveram entre si antes da sessão) e 11 não compareceram. Em agosto de 2017, cerca de um ano após inaugurado, 302 sessões foram realizadas, resultantes de 272 reclamações, das quais 265 casos foram atendidos. Dentre esses casos, 163 obtiveram acordos, 23 sem acordo e 79 desistências ou não comparecimento (MINAS GERAIS, Polícia Militar, 2017).
Os mediadores são militares do 10º Batalhão da Polícia Militar, treinados e especializados para a função pelo curso de mediadores promovido pelas FIPMoc. Segundo levantamento feito pelo Núcleo da PM, desde a sua inauguração até o atual momento, a proposta de mediação para a resolução de conflitos tem sido executada com êxito, tendo em vista o bom aproveitamento das sessões em relação ao número de acordos firmados entre as partes. (MINAS GERAIS, Polícia Militar, 2016).
Consoante o relatório (MINAS GERAIS, Polícia Militar, 2016), as pessoas que procuram o 10º Batalhão para registrar boletins de ocorrência são convidadas para comparecer ao Núcleo de Mediação, desde que haja possibilidade de o problema ser solucionado pelo meio autocompositivo. O convite é feito pessoalmente pelos mediadores, que se deslocam até os domicílios dos envolvidos utilizando as viaturas policiais. Dentre os conflitos mais recorrentes, pode-se citar: conflitos entre vizinhos (som alto, latidos de cachorro e construções irregulares), conflitos familiares (guarda de filhos, pensão alimentícia e partilha de bens) e conflitos escolares (agressões físicas ou verbais entre alunos ou entre aluno e professor). (MINAS GERAIS, Polícia Militar, 2016).
Vale ressaltar que os centros de mediação e os meios autocompositivos de resolução de conflitos ainda não são de conhecimento da maioria da população montesclarense, o que dificulta maiores resultados e sua efetiva implantação como alternativa viável para a solução de controvérsias. Nesse sentido, como um importante colaborador, tem-se o Programa de Extensão Universitária “Serviço de Assistência Jurídica Gratuita Itinerante” (S.A.J. Itinerante), pertencente ao curso de Direito da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes), que surge em 2002, como um diligente meio de propagação de informações à população acerca do assunto. Ademais, outras políticas públicas de divulgação devem ser exploradas.
Considerações finais
No Brasil, quando há divergência de interesses entre indivíduos, logo se pensa em processo jurídico para a resolução do problema pelo meio adversarial, registrando-se a vitória de uma das partes após luta demorada e desgastante, o que leva à possibilidade de enfraquecimento emocional dos envolvidos, com ressentimentos e relação social debilitada. A situação do Judiciário, por sua vez, encontra-se mergulhada em uma crise em razão dos problemas estruturais, da lentidão na prestação jurisdicional, da dificuldade de eficácia das decisões judiciais e do elevado número de processos – muitos dos quais são causas pequenas, que poderiam ser resolvidos por outras vias.
A mediação manifesta-se como a alternativa mais viável para a resolução de conflitos entre as partes e para descongestionar o Judiciário. Dessa forma, possibilita, através do diálogo, que as pessoas revejam suas perspectivas sobre determinada situação e cheguem a um acordo satisfatório, ou seja, as questões são resolvidas com base nos interesses, com maior cooperação, rapidez e flexibilidade.
Faz-se necessário mudar a cultura do litígio, não basta apenas mudar a legislação. Muda-se a cultura com educação, com trabalho, principalmente nas escolas, para que desde cedo se trabalhe a questão da importância da resolução de conflitos com diálogo e respeito. Deve-se também alterar o currículo nos cursos de Direito, para que a formação acadêmica seja voltada para a cultura de pacificação. Os próprios magistrados e servidores públicos devem também incentivar e promover os métodos consensuais. Por fim, deve-se promover campanhas públicas para mostrar que a Justiça é um direito de todos.
Acadêmica de Direito na Universidade Estadual de Montes Claros
Acadêmica de Direito na Universidade Estadual de Montes Claros
Acadêmica de Direito na Universidade Estadual de Montes Claros
Professora da UNIMONTES FIPMOC e FAVAG. Mestre Em Direito Pela Universidade Federal de Santa Catarina UFSC e Doutora em Direito Processual pela PUC Minas. Advogada
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