Função Ressocializadora Da Pena No Brasil E Sua Íntima Relação Com Os Altos Índices De Reincidência

JULYANA LUCENA SANTOS – GRADUADA EM DIREITO PELA ASCES-UNITA. ADVOGADA. julyana.lucena@hotmail.com

PAULA ROCHA WANDERLEY – DOUTORA EM DESENVOLVIMENTO URBANO PELA UFPE. ADVOGADA. PROFESSORA UNIVERSITÁRIA. paularochawanderley@gmail.com

Resumo: O presente trabalho se propõe a fazer uma análise da função ressocializadora e uma abordagem dos índices da reincidência criminal no Brasil, através do método dedutivo. Partirá de uma explanação sobre a pena no Brasil, seus pressupostos para aplicação, mediante uma verificação das prerrogativas trazidas pela Lei de Execução Penal, observando as garantias que são propostas a fim de que haja um melhor cumprimento da pena privativa de liberdade comparando com a atual situação do sistema carcerário. O artigo apresenta conceitos embasados em doutrinas considerados importantes para uma melhor compreensão do tema. Abordando características do sistema progressivo e a real finalidade da pena, qual seja, a de ressocializar. Será feita uma análise do método utilizado pela APAC (Associação de Proteção e Assistência aos Condenados), assim como mostrará a importância da assistência material, à saúde, à educação, à religião, jurídica e social no andamento do processo de reintegração ao meio social do apenado. Depois de uma breve análise, apresentará que as prerrogativas trazidas pela LEP, se realmente aplicadas de forma correta, trará como benefício direto a ressocialização do indivíduo. Por fim, explanará dados obtidos pelo Relatório de Pesquisa do IPEA acerca da faixa etária, sexo, raça e cor, nível de escolaridade, tipos penais imputados e quais dentre estes possuem os maiores índices de reincidência. A conclusão que se obtém a partir deste artigo, é de que se os direitos que são garantidos aos presidiários fossem realmente aplicados haveria uma maior probabilidade de diminuição dos índices da reincidência, alcançando assim os reais motivos para aplicação da pena privativa de liberdade de maneira que o sujeito seja reintegrado e não apenas punido.

Palavras-Chave: ressocialização; reincidência; pena; sistema prisional brasileiro.

 

Abstract: The present work proposes to analyze the resocializing function and an approach of the indices of criminal recidivism in Brazil, through the deductive method. It will start from an explanation of the prision sentence in Brazil, its presuppositions for application, by means of a verification of the prerogatives brought by the Law of Criminal Execution, observing the guarantees that are request in order to obtain a better fulfillment of the custodial sentence compared with the current one situation of the prison system. The article will bring concepts based on doctrines that are considered important for a better understanding of the theme. It will also present characteristics of the progressive system and the real purpose of the sentence, that is of resocializing. After that, an analysis will be made of the method knon as APAC (Association for the Protection and Assistance of Convicted Persons), as well as the importance of material assistance, health, education, religion, legal and social assistance in the process of reintegration into the distressed. After a brief analysis, it will present that the prerogatives brought by LEP, if actually applied correctly, will bring the re-socialization as a direct individual benefit. Finally, it will explain the results obtained by the IPEA Research Report on the age, sex, race and color, level of schooling, imputed criminal types and which among them have the highest rates of recidivism. The conclusion to be drawn from this article is that if the rights granted to prisoners were actually enforced there would be a greater probably of decrease in recidivism rates, what consequently achieve the real grounds for applying the custodial sentence in a way that would the person is reinstated and not just punished.

Keywords: resocialization; recidivism; penalty; prison system.

 

Sumário: Introdução. 1. Pressupostos sobre a pena no Brasil e sua aplicação: um olhar a partir da Lei nº 7.210\84. 1.1. Pena no Brasil. 1.2. Lei de Execuções Penais (Lei nº 7.210\84). 2. Finalidade da pena e sistema progressivo. 2.1. O método APAC (Associação de Proteção e Assistência ao Condenado). 3. O mito da ressocialização: dados da reincidência no Brasil. 3.1. O mito da ressocialização no sistema penitenciário brasileiro. 3.2. A reincidência e seus altos índices no Brasil. Considerações finais. Referências.

 

INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como objetivo analisar os motivos da pena privativa de liberdade não funcionar no Brasil, tendo como consequências a não ressocialização do encarcerado, gerando a reincidência no crime, analisando os motivos das penitenciárias estarem superlotadas e verificar a inércia do Estado quanto à aplicação de melhores condições para os detentos.

Partirá da premissa de que a pena privativa de liberdade não tem como fim apenas punir o delinquente, mas de reabilita-lo para que não volte a cometer crime quando retornar ao meio social, mostrando a decadência do sistema penitenciário brasileiro, diante de tantas dificuldades encontradas, como por exemplo, a superlotação dos presídios, as condições degradantes em que os presos se encontram, fazendo com que a pena perca seu real objetivo, o qual seria de reeducar os carcerários.

Será analisado o rumo que a prisão vem tomando, ou seja, o de apenas depósito dos indivíduos encarcerados, não possuindo meios suficientes para que estes sejam afastados da criminalidade, pelo contrário, estão ficando cada vez mais próximos, como prova disso, são os índices da criminalidade e da reincidência, fatores estes que preocupam a sociedade em geral.

Outro problema abordado, será o desrespeito com as respectivas penas, pois no momento da sua aplicação, no que se diz respeito à progressão de regime, por exemplo, acarretam um maior cumprimento dos apenados em um determinado regime em relação ao que realmente deveriam cumprir, tornando assim as penitenciárias, casas da criminalidade, e não de reeducação.

Serão abordadas as situações degradantes em que são postos os indivíduos que cumprem suas respectivas penas, não favorecendo seu retorno ao convívio com a sociedade, já que, os encarcerados são rotulados mesmo após o cumprimento de sua pena, fazendo com que se perca o sentido de punir, já que eles não serão mais tratados como pessoas e sim, ex-presidiários. Sendo assim um grande causador para que a punição perca seu real efeito o qual seria o de reintegrá-lo a comunidade.

Com isso, ferindo claramente o princípio da dignidade da pessoa humana encontrado como um dos princípios fundamentais da Constituição Brasileira de 1988, como também fere a Lei de Execução Penal, criada com o intuito de proporcionar ao apenado uma integração social e direito básicos para que possa cumprir sua pena com o mínimo de dignidade e sem violar sua integridade física ou psicológica.

O trabalho trará uma explanação do funcionamento do método Apac, seus benefícios e contribuições para o alcance da ressocialização, e uma breve comparação com o atual sistema penitenciário, mostrando direitos que são assegurados pela Lei de Execução Penal, mas que o descumprimento é claramente notável por aqueles que cumprem suas respectivas punições.

Dados levantados pelo Relatório de Pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) em 2015, ajudarão na composição de uma compreensão dos fenômenos que levam a polêmica do tema, abordando diversas categorias, como níveis de escolaridade e faixa etária, como também os atuais números da reincidência criminal.

A Função Ressocializadora da Pena, possui fontes doutrinárias e até mesmo artigos científicos por ser um tema que gera repercussões de uma forma geral sobre a atuação do Estado e quanto à aplicação do Direito Penal, ajudando assim no desenvolvimento do trabalho. O estudo apresentado partirá de pesquisas bibliográficas e documentais, contando com documentos já utilizados e abordados, fundamentando conceitos importantes para o desenvolvimento do trabalho.

A abordagem será feita de forma qualitativa e quantitativa por sua investigação científica possuir caráter subjetivo, e terá como base os dados apresentados pelo IPEA em 2015, juntamente com o Conselho Nacional de Justiça – CNJ, apresentando o perfil dos apenados e os índices da reincidência, trazendo também dados sobre as ações relacionadas para que sejam realizadas a reintegração social em algumas regiões do território nacional brasileiro.

O objetivo é realizar uma pesquisa descritiva, já que na mesma é feito um estudo detalhado, com coleta de dados, analise e interpretação dos mesmos, relatando e analisando as condições dos carcerários, como também uma pesquisa explicativa, por aproximar o conhecimento da realidade, explicando os motivos e processos diante deste tema. O método escolhido foi o dedutivo, por se utilizar a dedução para se alcançar uma determinada conclusão.

A relevância do tema consiste em uma contribuição para que a realidade seja notada, qual seja, a de que não só o Direito Penal é o responsável pela função da ressocialização, o Estado e a sociedade possuem um enorme papel, talvez o mais importante, para que este fator seja alcançado, tendo como benefício a diminuição significativa da violência e a não reincidência do no âmbito da criminalidade.

 

1. PRESSUPOSTOS SOBRE A PENA NO BRASIL E SUA APLICAÇÃO: UM OLHAR A PARTIR DA LEI Nº 7.210/84.

Ao aplicar o direito penal, parte-se da simbologia da pena, qual seja, que esta possua o vínculo direto com o delito, para que seja garantido o reequilíbrio esperado socialmente. E muitas vezes não importando nesta aplicação se o patamar está elevado demais ao que realmente o indivíduo deveria ou terá condições de cumprir. Como bem traz a autora Messuti (2003, p. 40):

Porque ao direito penal o que interessa, fundamentalmente, é que a pena guarde a relação devida com o delito; por isso, ainda que o sujeito não tenha a mínima possibilidade de “viver toda sua pena”, esta se fixa em função da meta de restabelecer o equilíbrio, independentemente de que depois não se cumpra realmente. Neste aspecto sobretudo, ou seja, em sua fixação, reafirma-se o caráter simbólico da pena.

 

A criação da Lei de Execução Penal (LEP) parte do objetivo de assegurar um efetivo cumprimento dos requisitos da sentença e proporcionar condições harmônicas para a integração do condenado dentro do estabelecimento onde deverá ser cumprida sua correspondente pena, assim como traz o artigo 1º da citada lei: “Art. 1º A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado”.

Esta Lei garante também o efetivo cumprimento de direitos que não sejam atingidos pela sentença, sem distinção de natureza racial, social, religiosa ou política (art. 3º), preservando assim o princípio da dignidade da pessoa humana, garantido pela Constituição Federal de 1988 (art. 1º, III da Constituição Federal).

A Constituição Federal de 1988 também proíbe o cumprimento de penas desumanas, assegurando a igualdade, a liberdade entre outros preceitos de forma igualitária a todos sem nenhuma distinção, redação trazida pelo artigo 5º, inciso XLVII:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(…)

XLVII – não haverá penas:

  1. a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX;
  2. b) de caráter perpétuo;
  3. c) de trabalhos forçados;
  4. d) de banimento;
  5. e) cruéis;

 

Como pode ser observado, prerrogativas não faltam para o efetivo cumprimento das penas privativas de liberdade, garantindo a integridade do indivíduo encarcerado. Resta, portanto, a junção tanto do Estado como da sociedade para que essas atribuições sejam asseguradas e ocorra o auxílio para que a sombra do encarceramento não permaneça na vida do apenado, pelas palavras de Greco (2017, p.750):  “Impedindo-se a prisão perpétua, mantém-se vivo o ensinamento cristão do perdão, devendo a sociedade, em vez de emitir um novo juízo condenatório, auxiliar o condenado a se livrar do estigma do encarceramento”.

De acordo com o relatório de pesquisa realizado pelo IPEA, torna-se notório que as condições básicas são violadas antes mesmo da prisão, ou seja, em seu convívio social, o que acarreta o sentimento de exclusão, não podendo ser utilizado o termo reinserir para este indivíduo. Pelo relatório do IPEA (2015, p. 86):

Como que ele vai ser reinserido numa sociedade onde ele nunca foi inserido? O acesso aos direitos não existe, à escola, à saúde, previdência (…). É complicado trabalhar ressocialização em quem desde o nascimento foi destituído dos seus direitos básicos, nunca teve acesso à educação, à saúde, à alimentação (…). Como que o serviço social vai reinserir quem nunca foi inserido? (Profissional da equipe de assistência social).

 

Diante da falência notória que se encontra o sistema de penas, que fogem do seu caráter ressocializador, fica claro que o papel que o Estado vem realizando é apenas o de prender e fazer das penitenciarias depósitos de pessoas, não importando as condições em que convivam, retirando de circulação essas pessoas que são tratadas como difíceis aos olhos da sociedade (Wacquant, 2003, p. 63).

 

1.1 Pena no Brasil

O conceito trazido sobre pena de prisão por Hobbes apud Messuti (2003, p.27): “A definição da pena de prisão que Hobbes oferece é a seguinte: “por esta palavra, ‘prisão’, entendo toda limitação do movimento causado por um obstáculo externo””.

Apesar da pena de prisão não atingir seu fim necessário, seu objetivo é o de punir e recuperar o indivíduo que cometeu algum delito. Para Greco (2017, p.583) “A pena é a consequência natural imposta pelo Estado quando alguém pratica uma infração penal”. É esta fundamental para uma melhor convivência em sociedade, onde o Estado deve apenas aplica-la quando for necessário.

A Constituição Federal de 1988 em seus artigos, trata justamente dos direitos fundamentais garantidos a todos os cidadãos, inclusive os presos. Direitos estes que são essenciais para a conservação da dignidade da população carcerária.

Art. 5º […]

III – ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante;

[…]

XLVIII – a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado;

XLIX – é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral;

Nota-se que são asseguradas condições básicas para o efetivo cumprimento da pena, sem que seja ferida a integridade física e psicológica do apenado, e que lhe sejam impostas apenas o que for cabível de acordo com o delito cometido. Com isso, a pena se torna a punição gerada pela violação de uma norma existente no ordenamento jurídico, criada para que se estabeleça o convívio social e que seu fundamento é a reeducação do apenado. Segundo Führer (1991, p.98):

A pena tem um aspecto de retribuição ou de castigo pelo mal praticado: punitur quia peccatum. E também um aspecto de prevenção. A prevenção geral visa ao desestímulo de todos da prática de crime. A prevenção especial dirige-se à recuperação do condenado, procurando fazer com que não volte a delinqüir.

Uma das decorrências trazidas pela pena, é a geração de uma prisão que tem como seu conceito a privação de liberdade de locomoção, pela prática de ato ilícito ou através de decisão judicial. Pelas palavras de Távora e Alencar (2016, p. 948):

A prisão é o cerceamento da liberdade de locomoção, é o encarceramento. Pode advir de decisão condenatória transitada em julgado, que é a chamada prisão pena ou, ainda, ocorrer no curso da persecução penal, dando ensejo à prisão sem pena, também conhecida por prisão cautelar, provisória ou processual.

A prisão traz como característica a ruptura com o mundo social, o isolamento daquele indivíduo de todo o ambiente externo, perdendo o contato até mesmo com seus familiares. Explanação bem exposta por Messuti (2003, p.31):

A prisão caracteriza-se, sobretudo, pela mínima comunicação com o mundo social externo. Uma prisão é tal precisamente pela impossibilidade de franquear livremente suas portas. Seus muros marcam uma ruptura no espaço social.

Uma pesquisa realizada pelo IPEA em 2015 traz a abordagem da reincidência em sua concepção legal, com visitas realizadas nas penitenciárias, proporcionando depoimentos de como encontra-se a realidade desses estabelecimentos prisionais. Com isso, divide o relatório em casos denominados de Caso A, Caso B e Caso C, cada um trazendo dados de uma unidade prisional visitada.

Em cada caso são abordadas as formas das assistências materiais, educacionais e as formas de trabalho proporcionadas para os detentos e de pessoas relacionadas ao funcionamento das penitenciárias, a respeito da ressocialização e as reintegrações.

A reintegração e reincidência, vistas através dos detentos no caso A, trazia consigo algumas divergências relativas à prisão, mas que reconheciam ser um meio necessário, assim pelo relatório de pesquisa do IPEA (2015, p. 103):

Para mim a prisão significa assim: se a pessoa errou, a prisão é um tempo para ela refletir, pagar pelo seu erro. Que pagasse, mas que, ao mesmo tempo, fosse educada lá dentro para sair uma pessoa melhor. A prisão para mim é certo porque a pessoa cometeu esse erro e tem que pagar. A prisão para mim tem que existir, senão vira bagunça. Existindo prisão já é um caos, se não existisse seria pior. Agora se existisse prisão com mais atenção dos governantes para a pessoa sair dali melhor, e não do jeito que é. Agora, a prisão é certo, cometeu um erro, tem que pagar. Agora, que a pessoa saia melhor (Condenado do regime semiaberto).

Este castigo vem sendo aplicado apenas por forma de resposta aos anseios da sociedade que tanto espera do Judiciário a aplicação deste meio, pouco importando a harmonização desses indivíduos encarcerados. Sociedade que clama por justiça, até mesmo pela criação de penas cruéis não importando a integridade física e psíquica do encarcerado. Questão abordada por Greco (2017, p.586):

O sistema de penas, infelizmente, não caminha numa escala ascendente, na qual os exemplos do passado deviam servir tão somente para que não mais fossem repetidos. A sociedade, amedrontada com a elevação do índice de criminalidade, induzida pelos políticos oportunistas, cada vez mais apregoa a criação de penas cruéis, tais como a castração, nos casos de crimes de estupro, por exemplo, ou mesmo a pena de morte.

Pensamentos assim dificultam a aplicação da pena de forma correta, já que quando penas menos gravosas são impostas, dependendo do crime cometido, fica um sentimento de que o Direito Penal não funciona, por não castigar da forma que a sociedade espera. Mas a verdade é que, se não tiver uma real proporção entre o delito cometido e sua punição, este indivíduo penalizado é que se torna vítima da aplicação deste Direito Penal (Messuti, 2003, p. 75).

Resta claro que a inércia do Estado quanto ao seu papel de proporcionar melhores condições sociais, tanto nos presídios como fora deles, é o principal causador dos elevados números de reincidência.

 

1.2 Lei de Execuções Penais (Lei nº 7.210/84)

A Lei de Execução Penal – LEP, mostra que se for aplicada de forma correta pelo Estado, possibilita a ressocialização do encarcerado para o convívio social. Ressocialização tão desejada, pois possui o intuito de beneficiar a sociedade, pois se o apenado alcança esta característica, não voltará a cometer delitos, permitindo o progresso tanto da sociedade, assim como, do indivíduo.

Art. 10. A assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade.

Art. 11. A assistência será:

I – material;

II – à saúde;

III -jurídica;

IV – educacional;

V – social;

VI – religiosa.

Art. 17. A assistência educacional compreenderá a instrução escolar e a formação profissional do preso e do internado.

 

Essas assistências asseguradas são de suma importância para o fator da prevenção da reincidência, já que cada uma possui sua particularidade e função neste meio. A assistência material garante a sobrevivência do indivíduo encarcerado; o direito à saúde e a educação são garantias básicas fundamentais, trazendo benefícios a quem tem acesso; as assistências jurídicas devido ao fato de que na maioria das vezes os indivíduos não possuem condições financeiras para a contratação de advogado; a ajuda social por alcançar o bem estar e a resolução de problemas; e por último, a assistência religiosa pois todo cidadão possui necessidades espirituais.

A LEP também traz direitos que são garantidos aos presos, constatados no artigo 41 da citada lei, como por exemplo, o direito à alimentação, ao vestuário, ao trabalho, ao exercício de atividades profissionais, à visitação, entre tantos outros presentes no rol deste artigo. Direitos estes, na maioria das vezes, violados por negligência do Estado, o qual é responsável por todos em que nele habitem.

Para o respectivo cumprimento da pena são impostos encontrados no artigo 39 da LEP, podendo ser resumidos em comportamento disciplinado, obediência, execução do que lhe seja imposto, indenização tanto da vítima quanto ao Estado (neste último, quando possível), higienização e conservação dos objetos pessoais.

Portanto, se as condições não forem alcançadas e os direitos forem violados, o indivíduo, possivelmente, voltará a delinquir, causando danos novamente à sociedade. Sendo assim, esta possui o papel de abrir novas portas para os que já tenham cumprido efetivamente sua pena, deixando o preconceito de lado. Já o Estado deve garantir os direitos e deveres amparados legalmente.

 

2. FINALIDADE DA PENA E SISTEMA PROGRESSIVO

Sabe-se que a finalidade da pena é prevenir o mal acarretado pela conduta do indivíduo, assim como a prevenção de novas infrações (Greco, 2017, p.587). O Código Penal, em seu artigo 59 deixa claro qual a real finalidade da aplicação da pena:

Art. 59 – O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) (Grifo nosso)

I – as penas aplicáveis dentre as cominadas; (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

II – a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos; (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

III – o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade; (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

IV – a substituição da pena privativa da liberdade aplicada, por outra espécie de pena, se cabível. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984).

 

Incontestável, assim, que a pena só deve ser aplicada quando se enquadrar nas necessidades acima mencionadas.

O conceito trazido por Durkheim apud Messuti (2003, p.27) a respeito do lugar onde a pena deverá sem cumprida, deixa claro que devem ser lugares com espaço suficiente e organizados, para que seja alcançado a finalidade da pena:

Durkheim se refere ao lugar que se destinava às prisões, cuja presença relaciona com a aparição de certas condições que permitiam a existência de estabelecimentos públicos com espaço suficiente, militarmente ocupados, organizados de um modo concebido para impedir as comunicações com o exterior.

 

O fato é que diante da superlotação em que se encontra o sistema carcerário e partindo da análise das pessoas que cumprem suas penas, evidenciam-se as condições mínimas e precárias em que o apenado e sua respectiva família sobrevivem, fazendo com isso, um governo desigual para essas classes baixas (Wacquant, 2003, p. 68).

O problema não está com o indivíduo que comete um crime, mas está na presença de um conjunto de fatores que o distanciam socialmente, impossibilitando-o até mesmo de atingir fatores culturais, já que as condições econômicas não o favorecem. Como diz Wanderley (2016, p. 95):

Verifica-se, pois, que o comportamento desviante não é fruto de um trabalho individual ou de uma formação patológica do indivíduo, mas de uma construção socialmente percorrida e estruturalmente montada. O ser desviante, portanto, é aquele forjado no coração de uma estrutura social que se contradiz aos fatores culturais. À medida que os fins culturais não são atingidos, pela ausência de condições socioeconômicas de acesso no âmbito da estrutura social, essa fragmentação cria um ambiente favorável e até permissivo ao desvio, para a qual Merton (1970) chama de anomia.

 

Fator constatado na pesquisa realizada pelo IPEA (2015, p.36), é a falta de estrutura física dentro das penitenciárias, pois a celas ultrapassam de forma exorbitante sua capacidade estipulada, fazendo com que os encarcerados convivam em um espaço muito mal adequado e que não proporciona condições para a realização dos trabalhos que são desempenhadas as equipes:

A estrutura física das unidades prisionais foi outro problema mencionado: “a estrutura física é o problema mais gritante da cadeia. Não temos espaço adequado de trabalho para praticamente nenhum dos profissionais que aqui trabalham, quanto mais para os presos. Há celas com capacidade para quatro pessoas e que hoje abrigam doze”. (Profissional da equipe de assistência social).

 

O sistema progressivo repassa a ideia de que o indivíduo poderá atenuar sua pena, desde que possua bom comportamento, e desde que cumpra os requisitos legais exigidos, seja pela Lei n° 7.210/84 (Lei de Execução Penal) ou na Lei n° 8.072/90 (Lei dos Crimes Hediondos), assegurando que transcorra de um regime para o outro, como por exemplo, do regime fechado para o semiaberto, o qual, é um regime menos gravoso do que o primeiro.

No regime semiaberto é assegurado que o encarcerado trabalhe durante o dia, e retorne ao sistema carcerário à noite. O problema é que diante de uma sociedade tão preconceituosa e de um Estado tão inerte, esse direito assegurado é imensamente violado, fazendo com essas progressões sejam aplicadas apenas como forma de folgar as penitenciárias, não dando suporte algum para esta reinserção, pela pesquisa do IPEA (2015, p. 140):

[…] Noventa e nove por cento dos que cometem assalto têm hábito de cometer assalto. E o estado não tem condição de monitorar ela em casa. Então você vai colocar uma pessoa dessas na rua, simplesmente para desafogar o sistema prisional? Não é muito mais interessante o governo investir em educação, criar emprego para essas pessoas, incentivar à indústria a empregar, para essas pessoas viverem com dignidade? Então eu vejo que essas medidas alternativas não estão resolvendo o problema […] (Juiz de execução penal).

 

A LEP assegura que os presos sejam separados de acordo com o delito, do regime de pena, bem como pela sua situação no processo, ou seja, o indivíduo provisório esteja separado do já condenado. Mas se o sistema carcerário como um todo, não possui condições mínimas para que a pena seja cumprida de forma digna, quem dirá estrutura para essas separações (IPEA, 2015, P.92).

Ainda dentro do relatório de pesquisa realizado pelo IPEA, uma das abordagens trazidas no caso B, é sobre a violação a respeito da separação dos indivíduos, tornando a prisão uma escola de especialização no mundo do crime, impossibilitando a ressocialização, como traz o IPEA (2015, p. 55):

Muitas vezes não tem seleção de preso, a pessoa entra aqui 155 e sai traficante. Não tem a seleção de colocar um artigo fraco com o pesado. Exemplo: um cara que entra roubando um supermercado, roubando mulher no meio da rua, chega e colocar com um traficante, com um assaltante de banco e o assaltante de banco já chega para a pessoa e diz que vai dar uma oportunidade. Um entra no sistema do outro, aqui não tem seleção (Preso em unidade comum).

 

Amparos legais não faltam para que o indivíduo cumpra sua pena em boas condições proporcionando sua reintegração ao convívio social, a grande questão também parte do sentido da forma de execução dessa pena, que por horas viola a integridade deste ser, como também o seu tempo de vida, questão trazida por Messuti (2003, p. 50):

Na prisão confiamos ao tempo a execução da pena. O sujeito que, expulso da comunidade de pessoas, entra na prisão, não será o mesmo que sairá prisão e que se reintegrará a essa comunidade da qual foi expulso. O tempo (independentemente das condições que transcorra) operará sua gradual transformação. Porque o tempo da pena, por mais peculiar que seja, escoa-se em comum com o tempo que transcorre livre de pena – o tempo de vida de um ser humano. E, na medida em que vão se descontando os anos de pena, igualmente vão se descontando os anos de vida.

 

No artigo 11, inciso III da Lei de Execução Penal, é garantido ao apenado o direito à assistência jurídica, já que a maioria dos presos não possui condições de arcar com os custos do processo, dependendo assim de uma justiça gratuita proporcionada pelo Estado. O que encontra-se é uma assistência falha e insuficiente, e com isso, acaba violando os direitos garantidos, como por exemplo, o de uma simples progressão de um regime, acarretando um aumento no cumprimento da pena. Pelas palavras do IPEA, no caso B (2015, p. 93):

O indivíduo entra, por causa de uma morosidade, talvez ele tenha uma progressão de regime, um lapso temporal para progressão de pena. Aquilo não é acompanhado, a nossa advocacia de estado sofre diante da falta de estrutura, a maioria dos presos, infelizmente sabemos, é de presos sem condições; não fica preso, a própria ação de advogado já entra em cima e ele vai conseguir usar os benefícios. Então esse indivíduo vai sofres excesso de pena. Quando ele sofre uma punição maior, aquilo gera revolta, então não adianta querer colocar a responsabilidade da ressocialização no sistema prisional (Diretor de segurança interna).

 

Tempo este retirado do apenado, tanto da forma social como familiar, e até mesmo, tempo extrapolado, pois comuns são os casos de cumprimentos de pena com um número muito maior de anos em um determinado regime, do qual já poderia ter sido alcançada sua devida progressão. Foge assim, mais uma vez, o Estado, do seu papel de proporcionar a devida ressocialização, praticamente jogando os encarcerados nas penitenciárias, tirando-lhes de uma expectativa de melhoria de vida.

 

2.1 O método APAC (Associação de Proteção e Assistência ao Condenado)

A Associação de Proteção e Assistência ao Condenado vem alcançando resultados positivos quanto à questão da ressocialização como também a diminuição significativa da superlotação carcerária, aproximando assim do real motivo para a aplicação de uma determinada punição. Pelo IPEA (2015, p.67):

Havia pavilhões diferenciados destinados aos presos de regime fechado e semiaberto e cada cela abrigava no máximo quatro condenados. Não existe superlotação carcerária: eram 94 presos do regime fechado e 33 do semiaberto. Não havia divisão por tipo penal. Também existiam jardins e espaços destinados a refeições, lazer, laborterapia, atividade religiosas, atendimento psicossocial e palestras, principalmente relacionadas à atividades de valorização humana.

 

Reiterando que a busca dessa alternativa é para que seja garantida a retirada apenas da liberdade e não da dignidade do encarcerado, a fim de que seja garantido o cumprimento dos direitos assegurados pela Lei de Execução Penal.

No modo de encarceramento estabelecido pela citada Associação, os detentos possuem uma série de obrigações a serem cumpridas, sendo realizadas de forma humanitária a fim de garantir educação, trabalho, saúde, assistências jurídica e religiosa, dignificando os que cumprem suas penas. Vale ressaltar que aqueles que não tiverem conduta condizente serão passíveis de punição, mas aqueles que cooperarem terão o respectivo reconhecimento (IPEA, 2015, p.67).

São ações assim que mostram a diminuição quanto à reincidência, como afirma Muhle (2013, p. 9): “O índice de reincidência apaquiano médio é de 8% […]”. E afirma ainda que: “[…] o cometimento do último crime tende a ter natureza menos gravosa que o anterior […]”. Aproximando-se assim de um ideal para beneficiar a todos que em uma sociedade convivam.

Pelas assistências proporcionadas pela APAC, o indivíduo de certa forma além de aproximar-se mais da figura de um homem livre, que de fato voltará a ser após o cumprimento de sua pena, também é treinado para que não se sinta deslocado ao deparar-se com uma sociedade preconceituosa. Neste sentido, Muhle (2013, p. 10):

Na Apac esse “aculturamento” de comportamento adequado aos padrões da prisão não existe, uma vez que lá, a prisão tem a aparência física de uma casa qualquer, não existe a presença de facções criminosas, os detentos são chamados pelo nome, e o padrão de comportamento adotado é o mesmo usado pelas pessoas livres, o que facilita o retorno a sociedade, pois diminui o choque causado pela diferença de comportamento.

 

A assistência à religião é um dos grandes marcos para obtenção de uma recuperação no método Apacano, constatados até mesmos pelos condenados, como também, é de suma importância a participação e apoio da família, e é neste sentido que APAC empenha-se em proporcionar estes meios (IPEA, 2015, p.70).

Outro ponto lembrado pelos detentos, é que a falta da figura de um agente penitenciário é um ponto positivo dentro do sistema, já que muitas vezes eram tratados com humilhação causando um total constrangimento. Ponto abordado pelo relatório do IPEA (2015, p.71):

Os internos ressaltaram que a ausência da figura do agente penitenciário era um dos aspectos mais positivos na Apac. Ao narrarem suas experiências no interior das unidades comuns, destacaram situações de desrespeito e humilhação em relação a eles próprios e seus familiares por parte dos agentes: “Minha esposa perdeu a criança. Ela estava grávida e a agente penitenciária a fez sentar e fazer força (…).

 

A dignidade aqui assegurada a esse cidadão é de suma importância diante de um sistema penitenciário que por não proporcionar condições básicas nem humanas para o cumprimento de sua respectiva pena, acaba trazendo como consequência o não alcance da ressocialização. Pelas palavras de Greco (2017, p.621):

[…] A pena é um mal necessário. No entanto, o Estado, quando faz valer o seu ius puniendi, deve preservar as condições mínimas de dignidade da pessoa humana. O erro cometido pelo cidadão ao praticar um delito não permite que o Estado cometa outro, muito mais grave, de tratá-lo como um animal. Se uma das funções da pena é a ressocialização do condenado, certamente num regime cruel e desumano isso não acontecerá.

 

Na questão de saúde, o método APAC dependia de voluntários para a realização dos atendimentos, e quanto à necessidade de uma ida a um hospital faltava a devida estrutura para a realização deste serviço, pois o sistema não possui apoio estadual e nem tampouco municipal. Segundo o IPEA (2015, p. 71): “Em relação à saúde, a APAC não tinha contato com a administração prisional do estado para a promoção dessa assistência e a Secretária Municipal de Saúde não estaria disposta a assumir esse atendimento”.

Apesar da APAC possuir alguns entraves que dificultam seu melhor funcionamento, se comparada com a atual situação em que o sistema carcerário brasileiro encontra-se, fica evidente que o método Apacano possui eficiência, já que a utilização de um olhar humanizado no processo de cumprimento de pena, trará como resultado direto uma maior efetividade no real alcance da ressoacialização.

 

3. O MITO DA RESSOCIALIZAÇÃO: DADOS DA REINCIDÊNCIA NO BRASIL

3.1 O mito da ressocialização no sistema penitenciário brasileiro

A ressocialização deveria ser o principal motivo para que a pena fosse aplicada por proporcionar a reintegração do indivíduo na sociedade, pois como bem trazem Shecaira e Corrêa Junior (1995, p. 44):

Ressocializar é a efetiva reinserção social, a criação de mecanismos e condições para que o indivíduo retorne ao convívio social sem traumas ou seqüelas, para que possa viver uma vida normal. Sabendo que o estado não proporciona a reinserção social de nenhum recluso, o que possibilita o retorno à criminalidade, ou a reincidência criminal.

 

A ressocialização não tem como fim apenas a reeducação do apenado, visa também seu retorno ao convívio social, para que possa seguir sua vida sem ser taxado como um delinquente, mesmo após o cumprimento de sua respectiva pena.

Sabe-se que a educação e o trabalho proporcionam uma expectativa de melhor condição de sobrevivência e manutenção de vida ao indivíduo encarcerado, principalmente este último, um direito do preso, que de acordo com o artigo 41, inciso II da Lei de Execuções Penais, traz um efeito de sustentação de forma licita para manutenção de sua subsistência e da família quando sua liberdade for retomada. Segundo Bitencourt (2004, p. 91):

O trabalho é o melhor instrumento para conseguir o propósito reabilitador da pena. O trabalho tem a propriedade de diminuir a repugnância que tinha o antigo mal-estar dos presidiários, e inspira-lhes, sobretudo, o amor pelo trabalho, que fosse capaz de conter ou de extinguir a poderosa influência de seus vícios e maus hábitos.

A educação possui como motivação a remição de pena e a ocupação de tempo, passando a apresentar seu valor pois causa a perspectiva de mudança no futuro. O problema é que o sistema carcerário atual não possibilita estruturas físicas para que todos sejam ensinados, já que não são ofertadas vagas suficientes nas salas de aula, com isso, alguns poucos são os privilegiados (IPEA, 2015, p. 36 e 37).

O trabalho também gera a remição da pena, ou seja, diminui um dia de pena para cada três dias trabalhados, direito assegurado no artigo 126, inciso II da Lei de Execução Penal, não podendo o preso ser vítima da falta de condições que o Estado lhe assegure para este efetivo trabalho (Greco, 2017, p. 607).

Entre a educação e o trabalho, este último possui uma proximidade maior para a efetiva reintegração social, pois os poucos que conseguem esse direito, alcançam uma diminuição da sua pena, conseguem ajudar sua família no sustento, já que na maioria das vezes não possuem condições financeiras para se manterem (IPEA, 2015, p. 38).

Ainda no caso A do já mencionado Relatório de Pesquisa, o trabalho na percepção dos presos, é que produz um aumento na autoestima e na moral, mas que está difícil de arrumar esse meio de subsistência até mesmo para aqueles que não possuem nenhum problema com a criminalidade devido à crise em que o país se encontra, piorando para aqueles que possuem, já que a sociedade sempre trata com preconceito, pelo IPEA (2015, p.45):

Eu acho que a dificuldade de emprego está tão grande, já é difícil para as pessoas que nunca tiveram um problema como o nosso, e principalmente para a gente que teve esse problema na vida; quando a gente sai, mesmo que esteja com o nome limpo, sempre a dificuldade é pior, é mais difícil (Condenada do regime semiaberto).

 

Outra dificuldade é de que quando ocorre a progressão do regime, e a parceira de trabalho só é ofertada para o antigo regime, faz com que o condenado perca a vaga de trabalho que lhe era ofertada enquanto estava dentro do sistema carcerário, acarretando a falta do sustento familiar, questão também abordada pelo IPEA (2015, p. 39):

Tivemos três turmas de curso de instalador hidrossanitário. A maioria que fez curso já saiu, e nenhum está empregado. Os convênios que fazemos só empregam a mão de obra daqueles que estão cumprindo pena. Quando, por exemplo, os reeducandos saem do semiaberto para o aberto acaba a parceria, e eles ficam novamente desempregados. A partir do momento que ele sai do sistema, eu não tenho mais nada para oferecer a ele. A minha maior dor de cabeça é esta: dizer que ele vai perder o trabalho porque já cumpriu a pena. […]. (Agente penitenciário – gerente de laborterapia).

 

Sabe-se que adotar políticas públicas que incentivem os detentos aos estudos, trabalho e até a religião, como também melhores condições para o convívio entre aqueles que cumprem suas respectivas penas, podem ser fatores essenciais para que a ressocialização seja alcançada.

Logo, a falta de oferecimento e de oportunidade para que estas políticas públicas se efetuem no presidio podem acarretar o efeito contrário ao desejado, prejudicando todo o sistema penal, como bem traz Wacquant (2003, p.32):

O inchamento explosivo da população carcerária, o recurso maciço às formas mais variadas de pré e pós-detenção, a eliminação dos programas de trabalho e de educação no interior das penitenciárias, a multiplicação dos instrumentos de vigilância tanto a montante quanto a jusante da cadeia carcerária: a nova penalogia que vem se instalando não tem por objetivo “reabilitar” os criminosos, mas sim “gerenciar custos e controlar populações perigosas” (Feeley e Simon, 1992:466) e, na falta disso, estocá-los em separado para remediar a incúria dos serviços sociais que não se mostram nem desejosos nem capazes de tomá-los sob sua responsabilidade.

 

A falta de programas sociais por parte do Estado e a ausência da sociedade em proporcionar condições igualitárias entre os membros da coletividade, acarreta os elevados números de violência e por consequência o inchamento dos presídios fazendo com que essas pessoas não vejam outro modo de sobrevivência se não o cometimento de novos delitos.

 

3.2 A reincidência e seus altos índices no Brasil

A reincidência criminal é a consequência direta do não funcionamento da política de ressocialização no Brasil, diante das situações degradantes em que se encontra o sistema penitenciário e a falta das condições básicas e fundamentais não proporcionadas aos brasileiros.

O conceito legal sobre reincidência encontra-se no artigo 63 do Código Penal, sendo assim: Art. 63 – Verifica-se a reincidência quando o agente comete novo crime, depois de transitar em julgado a sentença que, no País ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984). Nas palavras de Bitencourt (2012, p. 389):

Chama-se reincidente aquele que cometeu um crime após a data do trânsito em julgado da sentença que o condenou por crime anterior, enquanto não transcorrido o prazo de cinco anos, contados a partir do cumprimento ou da extinção da pena.

 

Os dados da reincidência serão apresentados conforme pesquisa realizada pelo IPEA no ano de 2015, nos estados de Alagoas, Minas Gerais, Pernambuco, Paraná e Rio de Janeiro, que trouxeram a taxa de reincidência, como também alguns motivos e justificações para os tão elevados índices.

A faixa etária que possui os maiores índices de reincidentes, se encontra nos jovens entre 18 e 24 anos, com o percentual de 34,7%. O sexo predominante é o masculino com 98,5%, contra o feminino que contabiliza apenas 1,5% que são reincidentes. Comparação realizada também foi feita entre a raça e cor, com os resultados obtidos seguem para reincidentes: branco (53,7%), preta (11,6%) e parda (34,7%). O nível de escolaridade apresentado com maior índice de reincidência (58,5%) para aqueles que possuem o ensino fundamental incompleto (IPEA, 2015, p. 23 à 26).

Foram verificados, diante do vasto mundo da criminalidade, os tipos penais imputados aos apenados na sentença e quais possuem os maiores índices de reincidência. O furto traz como porcentagem 27,5%, seguido do roubo 22,8%, deixando aproximados um ao outro. O diferente ocorre com o crime de tráfico de drogas, que se distancia um pouco dos outros dois, com o resultado de 11.9% reincidentes (IPEA, 2015, p. 29).

Com isso, a taxa de reincidência foi apresentada da seguinte forma pelo Relatório de Pesquisa do IPEA (2015, p.22): “[…]. Entre os 817 processos válidos para cálculo da taxa de reincidência, foram constatadas 199 reincidências criminais. De tal modo, a taxa de reincidência, calculada pela média ponderada, é de 24,4% (tabela 2).”

A inércia do Estado quanto às condições mínimas, tais como saúde, boa educação, lazer e trabalho, sendo ofertados na sociedade, gera um desiquilíbrio e uma desigualdade notória. A preocupação maior deriva da punição e não da prevenção que seria um fator importante, já abordado por Beccaria (2013, p. 136): “Melhor prevenir os crimes que puni-los”.

Com o acesso a essas condições básicas, direito de qualquer cidadão, acarretaria a diminuição de tantos crimes, que na maioria das vezes são cometidos para garantir o sustento mínimo próprio e de familiares. Fatores que também diminuiriam na elevada reincidência tão presente no sistema carcerário brasileiro.

Para Greco (2017, p. 695): “A reincidência é a prova do fracasso do Estado na sua tarefa ressocializadora”. Tornando-se um problema, pois poucos são os indivíduos que possuem esses direitos ofertados em seu convívio social, o que acaba causando um sentimento de que no ambiente de cumprimento de pena, o acesso como por exemplo, à saúde, é mais ofertado do que quando está posto em liberdade, como traz o na pesquisa qualitativa, do caso A, realizada pelo Ipea (2015, p. 33):

A realidade da saúde do município é muito complicada. Então os reeducandos hoje têm assistência que muitas vezes os cidadãos extramuros não tem. Um paciente até disse: “aqui tá melhor que lá fora, que lá fora eu não ia conseguir um atendimento desses”. (…). Às vezes o juiz fica com medo de dar o alvará de tão bem cuidado que o indivíduo é aqui. (Profissional da equipe de saúde).

 

Depoimento que só reforça o já alegado, que o Estado não proporciona as condições inerentes básicas a toda sociedade de forma igualitária, prejudicando assim todo o convívio social.

O fator da sociedade não estar preparada para a volta desses indivíduos, como também, a desestrutura familiar são fatores que causam elevadas chances para o cometimento de novos crimes, já que o apoio familiar para este egresso é de suma importância para a adaptação ao convívio social novamente, e para que seja evitado uma reincidência (IPEA, 2015, p.89).

O relatório de pesquisa apontou, através dos olhares dos detentos, que a discriminação social era classificada como um dos fatores que mais levava estes indivíduos a repetirem os crimes, visto que o espaço para sua readaptação não era oportunizado quando sua liberdade era concebida, pelo IPEA (2015, p.107):

A sociedade não está preparada. Eu falo isso porque eu estava lá antes de ser preso. Antes de ser preso, eu fazia isso. Preso para sociedade é bicho. Eu quando estava lá fora achava isso. Só quem sabe o que o preso passa para ouvir uma coisa dessa e achar um absurdo (Interno condenado da UER).

 

Além do preconceito, a sociedade silencia-se quanto a reivindicação de melhorias para os encarcerados e quanto aos inúmeros direitos violados. Nesse sentido, Pineschi e Sousa (2017, p. 13): “A pressão social no que tange às melhorias do sistema carcerário e no atendimento a políticas de ressocialização dos condenados é zero, não havendo nenhuma crítica da sociedade acerca desse problema”. Causando a exclusão sempre daqueles que já possuíram uma condenação a pena privativa de liberdade, pouco importando os princípios básicos aplicados e assegurados em um Estado Democrático de Direito.

Sobretudo também, é um problema de cunho político, que enquanto não obtiver interesse em resolver o problema da função ressocializadora, o seu não funcionamento continuará se estendendo, causando danos sociais incalculáveis. Pelas palavras de Greco (2017, p. 591): “Devemos entender que, mais que um simples problema de Direito Penal, a ressocialização, antes de tudo, é um problema político-social do Estado. Enquanto não houver vontade política, o problema da ressocialização será insolúvel”. Isso, porque, não adianta proporcionar, por exemplo trabalho, somente dentro dos muros das penitenciárias, se quando o apenado voltar a tentar se reinserir na sociedade, essa oportunidade não lhe será certificada (Greco, 2017, p. 591).

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante de tudo que foi exposto, torna-se incontestável que o sistema penitenciário brasileiro está falido, possuindo o caráter apenas punitivo da pena, além de não proporcionar nenhuma das condições para que o apenado seja ressocializado enquanto cumpre sua respectiva penalidade.

Vale relembrar que a lei de Execuções Penais garante direitos aos encarcerados para que sua pena privativa de liberdade seja cumprida de forma digna, garantindo ademais, a reinserção deste indivíduo quanto ao seu retorno à sociedade, configurando total responsabilidade ao Estado para que se comprometa em assegurar essas condições.

Entretanto, no nosso cenário atual, o que se encontra é um Estado inerte, apenas prendendo como forma de punição e atendendo aos anseios da sociedade, restringindo a liberdade destes que comentem crimes, mas que são esquecidas dentro do sistema carcerário não possuindo nenhuma garantia dos direitos previstos na LEP, assim como, fere princípios constitucionais como o da dignidade da pessoa humana e outros posicionamentos básicos presentes em um Estado Democrático de Direito.

A superlotação dos presídios, a falta das assistências material, jurídica, religiosa, educação e saúde, só efetivam o quanto os delitos estão abandonados dentro das prisões brasileiras, deixando a desejar o caráter ressocializador da pena, que diante de tantas condições desumanas apresentadas, este caráter se perde em meio ao tempo de pena, deixando apenas em teoria todos os aspectos positivos existentes que um cárcere voltado para essa ressocialização traria quanto ao retorno do sujeito à sociedade, trazendo para vida deste apenas aspectos negativos permanentes.

Pode-se afirmar que quanto às condições atuais do encarceramento brasileiro, este indivíduo não alcança a ressocialização, a reeducação ou a reinserção social. Este último quesito, tem como culpado, além do Estado, a sociedade tão preconceituosa que taxa o delinquente e exclui de seu meio social, inviabilizando esta reinserção mesmo após o respectivo cumprimento de sua pena, já que será sempre olhado como presidiário.

Desse modo, este indivíduo exposto ao cumprimento de pena de forma que lhe falta saúde, educação, prisões superlotadas, com condições degradantes, segue com o sentimento de falta de perspectiva de vida, reforçando as desigualdades sociais, facilitando o ingresso dele no cometimento de novos crimes.

Apresenta-se também a importância que a educação, o trabalho e a religião possuem na ajuda para uma melhor visão de vida para este encarcerado, todos possuindo reconhecimentos de que, uma vez assegurados, ajudaram no caráter ressocializador deste indivíduo.

No decorrer do presente artigo científico, foi apresentado o método APAC, deixando evidente que quando há a junção do Estado com a sociedade em torno da geração de melhores condições para o cumprimento da pena de liberdade, alcança-se significativa diminuição quanto aos índices da reincidência criminal, que gera também um regresso quantos aos índices de criminalidade socialmente vivenciados.

Estes meios apresentados pela APAC deixam evidente que se condições humanas forem proporcionadas a estes encarcerados, assim como, a aplicação dos direitos assegurados na Lei de Execução Penal, o apoio familiar e a ajuda na reinserção ao convívio social, a pena alcançará mias efetivamente a sua função ressocializadora.

Mas mesmo diante de sua clara eficiência, ainda é silente o seu meio de aplicação, já que o Estado não mostra o interesse que deveria para aplicação de tais condições dentro do sistema penitenciário, mantendo ainda como simples deposito de pessoas, evidenciando seu total descaso, presentes até mesmo antes da punição, pois resta claro que as condições básicas não são negligenciadas apenas dentro dos muros das penitenciárias, estas condições estão, sobretudo, ausentes no meio social.

É possível chegar à conclusão de que se de fato fossem respeitados todos os direitos que os encarcerados possuem, os objetivos para o cumprimento da pena seriam alcançados, os índices da reincidência caíram e a violência no meio da sociedade também seriam diminuídos.

A questão é que para que estes direitos sejam assegurados no sistema penitenciário, requer um enorme investimento quanto as estruturas e na forma de garantia das assistências, como por exemplo a jurídica, sendo garantido ainda que estas sejam efetivamente aplicadas, o que diminuiria a desigualdade tão notória que se encontra a sociedade brasileira.

Finalmente, como solução, temos que: se de fato a pena for aplicada da forma constitucionalmente prevista, proporcionando primordialmente condições dignas e assegurando a reinserção deste indivíduo na sociedade, este terá como alcançar a sua ressocialização o que dificultará que este mesmo indivíduo volte a cometer novos crimes.

 

REFERÊNCIAS

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