Resumo: O objetivo do labor colocado em vitrine é repensar a nova hermenêutica à propriedade, em vista, da função social e boa-fé subjetiva, fertilidade de um neonato Estado de Direito. Tendo o cuidado de consubstanciar a tecnicidade do assunto à praticidade, para um entendimento salutar. Este trabalho foi orientado pela Professora Joelma Bomfim.
Palavras-chaves: propriedade, função social, boa-fé, Estado de Direito.
Abstract: The aim of the work put into the showcase is to rethink the new hermeneutic property in view of the social function and subject good faith, the fertility of a newborn the rule of law. Taking care to substantiate the technicality of the subject to practicality, to a healthy understanding. ords:, boa-fé e eito. salutarcidade do assunto com e adquirir a propriedade, nse em Sag
Keywords: property, social function, good faith, rule of law.
Sumário: Introdução. 1. Evolver histórico da propriedade e sua socialização (função social). 2. A socialização e democratização da propriedade como corolário do Estado do Bem Estar Social. 2.1. Breve apêndice do Estado de Direito. 3. A projeção da função Social e Boa-fé no que concerne a propriedade imóvel. 3.1. Função Social. 3.2. Escorço da Boa-fé. 4. Nuances das Acepções da Boa-fé. 5. O Registro Púbico do Contrato como Efetivação da Função Social e Boa-fé propriedade imóvel.6. DasTeoriasSavinge Ihering. Considerações Finais.
“A espada sem balança é a força brutal; a balança sem espada é a impotência do direito. Uma não pode avançar sem a outra, nem haverá ordem jurídica perfeita sem que a energia com que a justiça aplica a espada seja igual à habilidade com que manejar a balança.” (Rudolf Von Ihering)
Introdução
Como a função social e boa-fé subjetiva, no que tange a propriedade, é proveniente do Estado de Direito, faz-se mister compreender e apreender a evolução histórica da propriedade, da primitiva à contemporânea, onde a mesma adquire feições coletivas em detrimento da concepção individualista do Direito Patrimonialista fruto do sucumbido Estado Liberal. Sendo um assunto por demais relevante, pois, abarca não só os direitos reais como todo o ramo do direito civil, mormente, a respeito do direito de sucessões e contratos, visto que, o aludido Instituto, ou melhor, Instituição, tem como aspecto atemporalidade, ou seja, a propriedade é imanente se comparada com outros institutos, como Estado, Família; Ela mantém ao longo dos anos uma natureza substancial imutável. Isto posto, os direitos reais não é um ramo estanque, ele se comporta de forma orgânica com outros sistemas jurídicos vigentes. Portanto, é irrefutável não fazer um paralelo com a acepção contratual exordial até as complexas relações atuais, muitas vezes, utilizando-se dos subterfúgios da teoria geral dos contratos no que condiz a função social e boa-fé como mitigadores da propriedade hodierna, visto que, aquele é o meio de exteriorização desta.
1. Evolver histórico da propriedade e sua socialização (função social).
Durante o período do Estado Liberal (Iluminismo) as partes contratavam de forma paritária (princípio da igualdade formal dos contratantes), em que, observava-se absoluta aplicabilidade do “Pacta sunt servanda” corolário à época aludida. Em contrapartida ao exacerbado individualismo contratual (antropocentrismo extremo), o Estado Moderno passou a interferir nas relações privadas, adotando a postura de dirigir certos atos jurídico (strict sensu), daí a acepção dirigismo contratual, como consectário do mesmo, houve a sociabilização e democratização do negócio jurídico (como espécie o contrato), com constitucionalização dos princípios da função social contratual e da boa-fé objetiva, albergado pelo supra princípio da dignidade da pessoa humana.
Com a nova roupagem dada pela Constituição de 1988 à propriedade, em que, a mesma deve atender aos fins sociais sempre em respeito à pessoa humana, o contrato também sofre influências dessa nova axiologia, visto que, àquela é parte estática e o contrato parte dinâmica nas relações socioeconômica, logo, esse corporifica aquela, propriedade imóvel.
Todavia, a propriedade com carácter absoluto não se limita apenas, aos períodos do Estado Liberal, mas, desde Roma que a propriedade se mostra ante todos de forma oponível (erga omines). Existem pessoas que equivocadamente, atribui a expressão propriedade ao cronológico do medievo e baixo império Romano. Fala-se em propriedade desde a Grécia Antiga, com a formação das tribos encabeçada pelo pater-família, em que, na verdade, existia a ideia de uma situação fática, porém, ainda não era concebível que essa situação de fato geraria umasituação jurídica como em Roma, sendo que nesta, era limitado esse direito apenas a questões de vizinhança e prédios urbanos, mas não a propriedade imóvel propriamente dita. Isto porque, na verdade não existia ali uma propriedade particular, era apenas a posse cedida para uso da família, que se tinha como ligação um ancestral comum através do chefe (pater). Com o advento das invasões dóricas e a fragmentação das tribos em cúrias que consentiu no surgimento das cidades-estados, passasse a falar em propriedade de cunho coletivo, mas, ainda não surgira nesse exato momento o direito a propriedade, pois as terras coletivas eram de uso da comunidade e não havia ali o juízo persecutório da coisa (direito de reivindica-la e persegui-la através da sequela).
A propriedade é fruto do Estado moderno no século XIX, com a Revolução Francesa, após a venda das terras dos senhores e clérigos. Com isto, discute-se a partir de então o título e a propriedade como direito e não fato. E ao transcorrer dos tempos à propriedade imóvel foi subtraindo outros direitos oriundo dos reflexos histórico-políticos de cada época.
É relevante afirmar diante do que fora exposto, que a situação de fato (posse) prescindiu o direito a propriedade, já que, essa é uma semântica dos Estados modernos que tem uma supraestrutura que fora condicionado pela infraestrutura (propriedade privada).
2. A sociabilização e democratização da propriedade como corolário do estado do bem estar social
2.1. Breve apêndice do estado de direito
Com a instituição do Estado Democrático, consectário do Estado de Direito, em que, esse corporifica um conjunto de normas axiológicas fundamentadas por Princípios Gerais de Direito, com aspectos naturais e positivistas, logo eclético (pós-positivismo), que visa o respeito do indivíduo como cidadão (todo) e o indivíduo em si (parte do todo), conforme o escólio de Alexandre de Moraes (2010): “Assim, o princípio democrático exprime fundamentalmente a exigência da integral participação de todos e de cada uma das pessoas na vida política do país, a fim de garantir o respeito à soberania popular.”(p.6).Destarte, essas meta-normas incutem caracteres sociais e democráticos, ao albergar direitos fundamentais de 2ª (direitos sociais, econômicos e culturais) e 3ª geração (direitos difusos e coletivos), que se coadunam com as liberdades clássicas (direitos de 1ª geração)[1]. O Estado de Direito é vinculado à supremacia legal, através do princípio do devido processo legal, até mesmo em situações discricionária, a exemplia gratia, na expropriação e concessão de uso da propriedade imóvel, que se deve levar em consideração o fim social e interesse público. Logo, o poder-dever é limitado pela sociabilização e democratização da Constituição, após a transcendência valorativa da pessoa humana.
Como a ideologia constitucional é basilar a todos os sistemas jurídico vigente sob sua égide, o Código Civil 2002, recebem esses reflexos da lex mater, mormente, quando são insculpidos valores personalíssimos (Princípio da dignidade da pessoa humana) que diretamente reflete no campo dos Direitos Reais, especificamente a propriedade imóvel e sua sucessão, visto que, a mesma faz parte do patrimônio, que se entende como a universalidade de todos os direitos reais e obrigacionais de uma pessoa[2], logo, a personalidade de uma pessoa, física e/ou jurídica, não se imiscui a personalidade moral ou ficta. Há quem, erroneamente, entenda que o patrimônio abrange o aspecto moral, não a priori. Pois essa, não se expressa em pecúnia, não a prima face, porém, podem gerar obrigações pecuniárias como a de pagar (danos morais).Conforme a dicção do novel Código Civil:
“Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.
§ 1º O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas.”
Portanto, a ilação no qual podemos subtrair no referido preceito, demonstra de forma plausível, o respeito com os direitos e garantias anteriormente aludidos. Como é cediço, a partir do momento em que o Estado de Direito tutela os direitos difusos e coletivos ponderando-os com os direitos e garantias individuais, configura-se como o Estado do Bem-estar Social.
Seguindo essa corrente moderna,o novel código civil 2002, protegendo os direitos personalíssimos nas relações horizontais (particulares) estabeleceu novos paradigmas que até então não tinha dicção normativa no código obsoleto, de 1916. São eles a sociabilidade, operabilidade e eticidade. O primeiro é o direito subjetivo com o escopo de cooperação em uma relação intersubjetiva, garantindo a convivência dos indivíduos, apaziguando as pretensões contrapostas, conforme
Cristiano Chaves, 2009:
“[…] a socialidade, ou função social, consiste exatamente na manutenção de uma relação de cooperação entre os partícipes de cada relação jurídica, bem como entre eles e a sociedade, com o propósito de que seja possível, ao seu término, a consecução do bem comum da relação jurídica.” (p. 23)
O segundo, de forma simplória é a concretude das normas, situando-as a cada caso concreto, em detrimento da igualdade formal dos indivíduos, em que todos eram visto de forma patrimonialmente igual, negando peculiaridades de cada pessoa, como exemplo, atualmente no processo civil o prazo contado em dobro para apresentação da defesa do pobre na forma da lei; éa clássica igualdade distributiva. BOBBIO apud Cristiano Chaves, 2010, in sui generis afirma: “o século XX foi a “era dos direitos e o século XXI pretende-se como a “era da efetividade dos direitos””(p.82).
E o último paradigma, a eticidade, esse é por demais, singelo, ele legitima os anteriores, pois quando falamos e normas-valores concebe-se ao direito o aspecto ético, contrapondo-se a corrente clássica, imbuído de pura tecnicidade e formalismo. Com isso, o Código Civil de 2002, ganha a moralidade necessária para inserir-se no Estado de Direito.
3. A projeção da função social e boa-fé no que concerce a propriedade imóvel
3.1. Função social
O Direito com meros desígnios egoístico se torna anacrônico com o fim para qual foi instituído, o bem comum. Com isso a função social no direito veio a sanar esse paradoxo, em vista que, o princípio em destaque, busca a realização do indivíduo e ao mesmo tempo a coletividade, sopesando valores e fins, consoante o escólio de Cristiano Chaves apud Oliveira Ascensão, 2010: “o direito é uma realidade finalista, racionalmente ordenada a fins. A ordem jurídica não é casual, mas é normativamente ordenada para finalidades, sendo que o fim do direito é o bem comum”(p.212). A função social de forma singela é o direito subjetivo direcionado a justiça e bem-estar social.
A função social surgiu frente a um Estado Individualista extremamente coercitivo, indo de encontro a atos que viessem a constranger o interesse coletivo, daí como consequência, passou-se a um Estado-função em que alberga positivamente o interesse individual, desde que, o mesmo seja consubstanciado com o interesse do todo. Portanto, a socialização do direito veio mitigar, ou melhor, relativizar o direito subjetivo (Princípio da relatividade do Direito subjetivo), podendo tomar-se como parâmetro, esse efeito na aquisição derivada da propriedade fruto de um ato jurídico (in stricto sensu), em que os contratos só tem manifestação jurídica entre as partes, somente após a transcrição ganha caracteres “erga omnes”, outra situação, é a anulabilidade de clausula abusiva (cláusulas leoninas), tutelando o direito do consumidor em detrimento do credor, nesse sentido, o dirigismo estatal garante em, ipso facto, a proteção do patrimônio do consumidor diante de uma disparidade material entre as partes (princípio igualdade material das partes), atendendo o fim social e o mínimo existencial da pessoa humana. Conforme a assertiva de Pablo Stolze Glagliano e Rodolfo Pamplona, 2010:
“De fato somente se poderá, atingir o tão solidarismo social, em fina sintonia com a proteção da dignidade da pessoa humana, se o contrato buscar, de fato, o equilíbrio entre as prestações das partes pactuantes, evitando-se, assim, o abuso do poder econômico e a tirania – já anacrônica- do vestuto pacta sunt servanda.” (p.97)
A finalidade social é multifacetária, pois, ela não apenas mitiga o direito subjetivo do proprietário (possuidor pleno) como também cria meios para que a proteção do dominus, em que, as ações petitórias adquirem eficácia e legitimação, quando a propriedade colima um fim comum. Não se fala em tutela jurídica, o que se estende as possessórias, sem observar a função social exercível, Não indo de encontro a Constituição Federal (art.186 c/ art. 182, § 2º), Gomes, 2010 afirma:
“A partir do momento em que o ordenamento jurídico reconheceu que o exercício dos poderes do proprietário não deveria ser protegido tão somente para satisfação do seu interesse, a função da propriedade tornou-se social”. O novo esquema manifestou-se pela consistência da função sob tríplice aspecto:
1-a privação de determinadas faculdades; 2-a criação de um complexo de condição para que o proprietário possa exercer seus poderes; 3-a obrigação de exercer certos direitos elementares do domínio.” (p.120)
Continuando Silvio de Salvo Venosa, 2010:
“Sempre que se transitar pela posse, sua defesa e pelas ações possessórias, devem ficar bem claros aos operadores de Direito os princípios gerais que norteiam a propriedade na Constituição Federal, a começar de sua função social” (art. 170,III). (p.129)
Para alguns doutrinadores a propriedade perde sua qualificação de direito subjetivo para torna-se direito função, ou seja, social, como é o posicionamento de Orlando Gomes apud Leon Duguit, 2010:
“A propriedade deixou de ser o direito subjetivo do indivíduo e tende a se tornar a função social do detentor da riqueza mobiliária e imobiliária; a propriedade implica para todo detentor de uma riqueza a obrigação de emprega-la para o crescimento da riqueza social e para a interdependência social. Só o proprietário pode executar uma certa tarefa social só ele pode aumentar a riqueza geral utilizando a sua própria; a propriedade não é, de modo algum, um direito intangível e sagrado, mas um direito em continua mudança que se deve modelar sobre as necessidades sociais as quais deve responder.” (p.121)
Com a devida vênia, nem todo detentor da riqueza tem todos os direitos da propriedade, uso, gozo e disposição, apenas tem o terceiro, como possuidor indireto, nesse caso fala-se do direito de propriedade como subjetivo contra aquele que a possui diretamente, este sim tem a responsabilidade solidária de exercer a facultat agendis como função socializadora em sua plenitude, pois detém o uso e gozo. Visto que, existe uma relação tal qual, o direito subjetivo está em pertinência com a situação jurídica que tem a tutela estatal (direito a propriedade), e o direito-função está intrínseco com a situação fática, a posse. Logo, é merecedora a eminente e plausível assertiva, em parte, de Leon Duguit, pois, não cabe a ela a condição do possuidor direito. Ambos têm a função social como direito subjetivo.
Porém, existem determinadas situações em que a função social se mostra como absoluto direito subjetivo a propriedade, encarado até mesmo como patrimônio moral do pleno possuidor (proprietário), como se verifica do poder de autotutela legal, vetusta art. 1210,§1º: “O possuidor turbado, ou esbulhado, poderá manter-se ou restituir-se por sua própria força, contanto que o faça logo, os atos de defesa, ou de desforço, não podem ir além do indispensável à manutenção, ou restituição da posse”.
É curial esposar que o direito subjetivo não se torna inócuo com a limitação pela função social, ele apenas é reeducado para que não seja utilizado como ato imperativo nas relações horizontais dos particulares, ou seja, diante de uma relação obrigacional, por exemplo, em que, é comum atualmente o contrato standardizado[3]diante da massificação social; é inaplicável o princípio da igualdade formal entre as partes, até porque, o aspecto material (econômico) não está em paridade com o formal (liberdade negocial), conforme preleciona Pablo Stolze e Ganglona citando LEONARDO MATTIETO:
“Nas palavras emblemáticas de Ripert, o contrato já não é ordem estável, mas eterno vir a ser. A noção de liberdade contratual havia sido construído como projeção da liberdade individual, ao mesmo tempo em que se atribuía à vontade o papel de criar direitos e obrigações. A força obrigatória do contrato era imposta como corolário da noção de direito subjetivo, do poder conferido ao credor sobre o elevador. Com a evolução da ordem jurídica, já não tem mais o credor o mesmo poder, o direito subjetivo sofre limites ao seu exercícios e não compete aos contratantes, com exclusividade, aautodeterminação da lex inter partes, que sofre a intervenção do legislador e poder submeter-se à revisão pelo juiz”.(p.41)
Por fim, alguns doutrinadores afirmam que o direito subjetivo do titular da propriedade não se consubstancia de índole moral apenas patrimonial, pois, conceitua essa denominação de o conjunto de direitos reais e obrigacionais de uma pessoa, conforme preleciona Silvio de Salvo Venosa, 2010:
“[…]Expusemos que o conjunto de direitos reais e obrigacionais, passivo e ativo, pertencente a uma pessoa denomina-se patrimônio.”
… Daí porque o patrimônio engloba tão somente direitos avaliáveis em pecúnia. Compreende um complexo de bens e direitos. Apenas por extensão semântica e figura de linguagem pode se falar em patrimônio moral ou patrimônio da humanidade.” (p.181)
Porém, como discorrer sobre um ser dotado de personalidade física e moral, e transpondo entre essa dualidade um óbice, por entender que os Direitos Reais, ao qual, se encontra o Direito de Propriedade são qualificáveis em quanto exprime pecúnia? A partir do momento em que o proprietário labora em sua terra, exercendo um direito subjetivo em relação a outrem e mitigado pelo seu fim social, a mesma integra seu patrimônio moral, visto que, o mesmo é consubstanciado ao patrimônio puro (econômico), não sendo possível sua decantação, em uníssono a IHERING, 2010:
“…A defesa do direito é portanto um dever da própria conservação moral; o abandono completo, hoje impossível, mas possível em época, passada, é um suicídio moral.(p.37)
…Nessas condições qualquer ataque atingirá o que é meu, mas também a minha pessoa, e se é dever meu defender essa última, esse dever estende-se a defesa das condições sem as quais não pode existira a pessoa.
Na sua propriedade se defende, a parte lesada a si própria, defende a sua personalidade.” (p.38)
Por fim, a função social não faz com que o direito subjetivo a propriedade seja um devaneio.
3.1.2. Escorço da boa-fé
A boa-fé é oriunda de um sistema flexível em detrimento do sistema rígido e de pouca mobilidade, como o é o sistema positivista tendo como fundante a Teoria Pura de Kelsen, iminentemente formal que por conta da aplicação direta da norma acaba por desvirtuar o direito como adequação social e justiça comum, respectivamente, meio e fim. O sistema fechado, expressão utilizada por Cristiane Chaves, 2010: “É possível trabalhar com ordenamentos jurídicos baseados em sistemas jurídicos fechados ou abertos”(p.129); perde mobilidade, pois, não se adequa as fatos em consequência da exacerbada tipificação jurídica, em contraste, a essa ineficácia social, emerge o sistema aberto impregnado de normas indeterminadas, em branco ou abertas, fundamentado por princípios gerais de direito, como o é a boa-fé, se moldando diante da mais variadas situações fáticas, são as mesmas denominadas de fattispecie[4], conforme o doutrinador aludido linhas atrás.
Contudo quando se fala em boa-fé é profícua a correlação com o princípio da dignidade humana, tantas vezes alhures citada, que é meta-norma fundamentadora do princípio em discurso, visto que, com a “Constitucionalização do direito civi”[5]ou com a eloquência do ilustre civilista Francisco Amaral,“direito civil materialmente contido na Constituição”[6], que é o “ser sobre o ter”, diante da proeminência da personalidade da pessoa, a boa-fé atua como princípio instrumental e concretizador daquele.
4. Nuances das acepções da boa-fé
.A prima face é de salientar que existem duas acepções da boa-fé: subjetiva e objetiva. Antes de encetarmos nas peculiaridades da boa-fé, é forçoso conceituá-la para a posteriori discerni-las, deste modo, facilitando o entendimento diante das provenientes elucidações a que cabe nesta oportunidade ressaltar.
A boa-fé objetiva está localizada na seara da etiologia, ou eticidade, que é conduta reta em relação intersubjetiva, acordando com os paradigmas sociais. A boa-fé subjetiva se localiza na “psique” doindivíduo, com a confirmação do desconhecimento do sujeito diante determinadas circunstância.
A precípua discrepância da boa-fé subjetiva e a objetiva, reside no fato daquela ser apenas, cognição-psíquica não gerando outros deveres como subprincípio, geralmente é notório em situações de direito real, arts.1.201, 1.255, 1.242 do CC/02, dentre outros. Já o segundo, impõem deveres jurídicos satélite que são irradiações dele, tais como os deveres jurídicos anexos ou de proteção (probidade, cooperação, solidariedade, confiança, etc.), que vem a obrigar a lealdade e confiança, geralmente perceptível no âmbito jurídico obrigacional. Enunciado 24 da Jornada de Direito Civil da Justiça Federal: “art.422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade eboa-fé.”No entanto, sendo todos dois albergados pelo supra princípio da dignidade da pessoa humana.
5. O registro público do contrato como efetivação da função social e boa-fé propriedade imóvel
O motivo pelo qual essa temática foi escolhidaé pelo fato de que,em determinadas situações, em que existe a posse, sendo essa uma exteriorização aparente[7] da propriedade, mediante um negócio jurídico, mas para que se adquira a eficácia real, mesmo que atendido os princípios objetos desse estudo (função social e boa-fé), necessita-se de um contrato solene. Utilizando-se da Teoria Geral das obrigações e Contratos, é cediço que determinados negócios jurídicos atende a forma livre, quando previsto em lei[8], o que não é o caso em diagnose. É curial explicitar o assunto de forma satisfatória para melhores lucubrações, cabendo aqui ressaltar, como visto alhures, que não se fala de boa-fé subjetiva, como no caso da usucapião e fâmulo da posse[9], e sim, em boa-fé objetiva (lealdade e confiança) que prepondera nas obrigações, como princípio norteador dos contratos em geral, de acordo com que se depreende da ponderação de CLÁUDIO GODOY citado por Cristiano Chaves(2009):
“alguém pode perfeitamente ignorar o indevido de sua conduta, portanto obrando de boa-fé (subjetiva) e, ainda assim, ostentar comportamento despido da boa-fé objetiva, que significa um padrão de conduta leal, pressuposto da tutela da legítima expectativa daquele com quem se contrata. Daí dizer-se que pode alguém estar agindo de boa-fé (subjetiva), mas não segundo a boa-fé (objetiva).” (p.132)
Portanto, existem relações ditas intermediárias entre o Direito obrigacional (ius ad rem) e Real (ius ad re). O direito obrigacional é uma relação de cooperativo entre indivíduos, já o direito real é atributivo, pois atribui um direito a um único indivíduo (proprietário), como o de uso/gozo. É palpável trazer a tona essa diferenciação, pois, pode-se incorrer em equívocos dantes de certas controvérsias que venha a surgir, visto que, é de grande celeuma esses direitos inter-penetrantes. Como é o caso das obrigações propter rem, ou como alguns doutrinadores aludi, reipersecutórias[10], em que, são obrigações oriundas, acessórias, de direitos reais, não se confundido com esse, conforme se subtrai da dicção do preceito da lei 10.406/2002:
“Art. 1.297. O proprietário tem direito a cercar, murar, valar ou tapar de qualquer modo o seu prédio, urbano ou rural, e pode constranger o seu confinante a proceder com ele à demarcação entre os dois prédios, a aviventar rumos apagados e a renovar marcos destruído ou arruinado, repartindo-se proporcionalmente entre os interessados as respectivas despesas.” (grifo nosso)
Ademais, não se pode confundir as obrigações propeter rem com as obrigações de eficácia real. O que seja as mesmas? São obrigações que ganham um cunho real pelo ordenamento jurídico, pois, é princípio básico que somente a lei pode criar direito real; Nessas situações não se pode olvidar que as obrigações são transitórias e relativas, são oponíveis apenas entre as parte, destarte, no caso em discussão, torna-se erga omines, pois, quando o contrato de locação devidamente registrado tem a faculdade de opor seu direito, o locador, de preferência na aquisição do imóvel contra todos, ou seja, surge como corolário de uma relação intersubjetiva, os direitos reais, como se verifica nos artigos 33 da Lei 8.245/91 e 1.417 do novel Código Civil, respectivamente:
“Art. 33. O locatário preterido no seu direito de preferência poderá reclamar do alienante as perdas e danos ou, depositando o preço e demais despesas do ato de transferência, haver para si o imóvel locado, se o requerer no prazo de seis meses, a contar do registro do ato no cartório de imóveis, desde que o contrato de locação esteja averbado, pelo menos trinta dias antes da alienação junto à matrícula do imóvel.
Parágrafo único. A averbação far-se-á à vista de qualquer das vias do contrato de locação, desde que subscrito também por duas testemunhas.
Art. 1.417. Mediante promessa de compra e venda, em que se não pactuou arrependimento, celebrada por instrumento público ou particular, e registrada no Cartório de Registro de Imóveis, adquire o promitente comprador direito real à aquisição do imóvel.”
Mesmo, que o locador (possuidor indireto) dê uma finalidade social, que é observável pela geração de renda através do imóvel, e que o locador (possuidor direito) tenha a intenção de no fim do contrato ser dono da propriedade a que lhe serve, sem a transcrição do título imobiliário não há que falar em transferência do dominus, pois essa é a forma legítima de aquisição derivada da propriedade (classifica-se assim, porque a propriedade estabelecia relação de direitos com um possuidor anterior), logo, o mesmo emerge na situação ora citada, como instrumento de eficácia, que independe da boa-fé subjetiva e função social, segundo a Teoria do plano da válidade[11]. Vetusto Código Civil de 2002:
“Art. 1.238. Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis.”
6. Das teorias de Saving e Ihering
Como a posse é a externação da propriedade. “A posse é o poder de fato e a propriedade o poder de direito”[12]. São assuntos dentre mais correlatos, aos pares, sendo plausível ressaltar a função social e boa-fé, até mesmo, quando consubstanciada no conceito de animus e Corpus, das Teorias em epígrafe.
Pois bem, na Teoria de Savigny, reside na ideia que somente é configurada a posse quem tem o corpus e animus, sendo este último preponderante. Ou seja, além de deter materialmente a coisa, é salutar considerar o elemento anímico para realmente ser verificada a posse, essa observação não é estéril, pois, ao discrepar o mero detentor, servidor na posse, do possuidor indireto, verifica-se a intencionalidade do possuidor, se ele age como dono o fosse, tem a posse, se age sem essa intenção ou até mesmo em nome de outrem, no caso em que lhe permitem possuir, a exemplia gratia, o locatário, o comodatário. Assim preleciona Orlando Gomes, 2010:
“[…] o elemento material que se traduz no poder físico da pessoa sobre a coisa. O animus, o elemento intelectual, representa a vontade de ter essa coisa como sua. Não basta o corpus, como não basta o animus….Se não existe a vontade de ter como própria, haverá simples detenção. É o que se chamava naturalis possessio, que, não sendo verdadeiramente posse pela ausência de animus, não produzia efeitos jurídicos. A essa posse desfigurada contrapõem-se a posse civil, resultante da conjunção dos elementos corpus e animus”. (p.32)
É visão bastante conservadora deste, pois, o detentor, é um caso de degradação da posse, melhor dizendo, existem sim certos efeitos jurídicos, porém, de forma diminuta, pois, o servidor na posse, responde processualmente por sua omissão diante de determinadas situações, em consonância com a dicção do mencionado Código de Processo Civil: “Art. 62. Aquele que detiver a coisa em nome alheio, sendo-lhe demandada em nomepróprio, deverá nomear àautoria o proprietário ou o possuidor”.
No que cabe nessa conveniência a função social? A partir do momento em que, o possuidor direto lhe dá um fim economicamente produtivo ou até mesmo habitacional, é presumível diante desses atos publicitários, que a intenção do possuidor é a permanência dar-se como dono da coisa. Logo, a função social pode vim a ser uma legitimadora probatória do estado anímico daquele, visto que essa intencionalidade não precisa ser manifestada necessariamente com uma declaração.
Já Ihering, com a Teoria objetiva, descarta o requisito anímico com preponderante na constatação da posse, visto que, só o fato de deter a coisa seria tido como possuidor, logo, os detentores da posse em Savigny aqui seriam possuidores derivados. Essa tese foi salutar para fundamentar a aquisição originária por usucapião, em que, a situação fática por um lapso temporal, daria aquele o possuidor o direito a propriedade, logo, nesse caso, a propriedade é derivada do poder físico sobre a coisa, sem mensurar a subjetividade do sujeito. Contudo, o instrumento judicial aludido, como forma de adquirir a propriedade, não é absoluto, e vem mitigado e legitimado em alguns casos pela boa-fé, na usucapião ordinária e função social, na usucapião rural.
Considerações finais
O legislador hodierno sentiu a necessidade, diante uma sociedade cambiante e demasiadamente complexa, de adotar no sistema jurídico brasileiro as intituladas cláusulas gerais, a função social e boa-fé, visto que, a segurança jurídica estava por demais comprometida, a partir do momento que o Direito não se compatibilizava com as mutações sofrida e imposta pelos fatos sociais, devido ao método casuístico (formal), e, sendo fonte de injustiças, por aquele não conseguir regulamentar essas flexibilidade social, prestando-lhe uma tutela jurídica satisfatória.
O novel Código Civil provoca uma ruptura com o modelo clássico do patrimonialismo exacerbado e a visão absoluta da autonomia da vontade e a força obrigatória dos pactos (pacto sunt servanda), mormente, no que se referem aos contratos, caracterizadores de um capitalismo selvagem. Destarte, as cláusulas abertas, como assim também o são, vem redimensionar o ser como ser, e não como ter, na nova hermenêutica concebida pelo Estado de Direito, relativizando direitos para que outros de maior abrangência sejam valorizados.
Diante dessa axiologia, a função social e boa-fé, não somente, na seara contratual (objetiva), como alguns de forma peremptória e errônea concluem, mas em todo ordenamento jurídico sob a égide de uma Constituição de cunho ético-social, que configura um Estado do Bem-estar Social, não sendo perfunctório em apenas delimitá-lo como Democrático de Direito.
Como bem explanado, portanto, a função social e boa-fé não são supridores de direitos, precípuo, quando se direciona aos direitos reais mais detidamente a propriedade (subjetiva), por essa ser uma instituição completamente carregada de fardos históricos, em vista do caráter imanente. Por esse mesmo atributo, foi preciso adequá-la a realidade contemporânea, em que o absolutismo dos direitos, não se coaduna com a ideologia, dignidade da pessoa humana, que reavaliou e redimensionou conceitos e valores, que por muito tempo foram olvidados. Encaram-se tais princípios como reeducadores do direito subjetivo ao lidar com a propriedade dentro de uma coletividade. Além, de propiciar a segurança jurídica através do balizamento entres os indivíduos, cumpre sua função teleológica, manter a sociedade em vivência, ou melhor, convivência.
Acadêmico de Direito da Universidade do Estado da Bahia, Campus VIII – Paulo Afonso-Bahia
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