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“Funrural” e STF


Resumo: Há poucos dias o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) julgou inconstitucional o artigo 1º da Lei 8.540 de 1992 que obrigava produtores rurais a pagar contribuição social à União incidente sobre a receita da comercialização da produção, chamada “Funrural”.


Há poucos dias o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) julgou inconstitucional o artigo 1º da Lei 8.540 de 1992 que obrigava produtores rurais a pagar contribuição social à União incidente sobre a receita da comercialização da produção, chamada “Funrural”.


Tratou-se do julgamento do Recurso Extraordinário 363.852, interposto em 2002 por um frigorífico mineiro contra o Instituto Nacional do Seguro social (INSS), que tinha por objeto acórdão do Tribunal Regional Federal da Primeira Região (TRF) que julgou constitucionais os incisos V e VII do artigo 12 e incisos I e II do artigo 25 da Lei 8.212 de 1991, com a redação determinada pela Lei 8.540 de 1992. Tais dispositivos obrigavam produtores rurais pagar “Funrural”.


Notícias a respeito da decisão foram comemoradas em todo o país por adquirentes de produtos rurais – sub-rogados na obrigação de pagar “Funrural” – especialmente frigoríficos. Manchetes tais como “ STF considera inconstitucional contribuição ao Funrural”, “ STF derruba Funrural por 8 votos a 0” e “Funrural: STF extingue cobrança”, que motivaram as comemorações, foram precipitadas.


Até a presente data, não foram publicados o acórdão e os votos proferidos durante o julgamento no STF, mas foi divulgado pelo tribunal o resultado oficial do julgamento. O seu teor é o seguinte:


          “O Tribunal, por unanimidade e nos termos do voto do Relator, conheceu e deu provimento ao recurso extraordinário para desobrigar os recorrentes da retenção e do recolhimento da contribuição social ou do seu recolhimento por subrrogação sobre a “receita bruta proveniente da comercialização da produção rural” de empregadores, pessoas naturais, fornecedores de bovinos para abate, declarando a inconstitucionalidade do artigo 1º da Lei nº 8.540/92, que deu nova redação aos artigos 12, incisos V e VII, 25, incisos I e II, e 30, inciso IV, da Lei nº 8.212/91, com a redação atualizada até a Lei nº 9.528/97, até que legislação nova, arrimada na Emenda Constitucional nº 20/98, venha a instituir a contribuição, tudo na forma do pedido inicial, invertidos os ônus da sucumbência. Em seguida, o Relator apresentou petição da União no sentido de modular os efeitos da decisão, que foi rejeitada por maioria, vencida a Senhora Ministra Ellen Gracie. Votou o Presidente, Ministro Gilmar Mendes. Ausentes, licenciado, o Senhor Ministro Celso de Mello e, neste julgamento, o Senhor Ministro Joaquim Barbosa, com voto proferido na assentada anterior”. Plenário, 03.02.2010.


Ressalte-se, primeiro, que a declaração de inconstitucionalidade, no presente caso, somente produzirá efeitos para as partes no processo, isto é, o artigo 1º da Lei 8.540 de 1992 será inconstitucional exclusivamente para o frigorífico mineiro autor da ação. Após a publicação do acórdão e quando não puder mais ser interposto nenhum recurso contra a decisão, a lei declarada inconstitucional deixará de existir apenas para o autor da ação. Para todos os outros contribuintes ela continuará em vigor até que o Senado Federal, mediante comunicação do STF, exerça sua competência para suspender a execução de lei declarada inconstitucional prevista no inciso X do artigo 52 da Constituição.


De fato, o STF desobrigou o autor do recurso extraordinário de reter e recolher contribuição social sobre ““receita bruta proveniente da comercialização da produção rural” de empregadores, pessoas naturais… até que legislação nova, arrimada na Emenda Constitucional nº 20/98… ” passe a exigir o tributo.


Mas, deve-se refletir a respeito do seguinte trecho do resultado de julgamento divulgado pelo STF: “ …declarando a inconstitucionalidade do artigo 1º da Lei nº 8.540/92, que deu nova redação aos artigos 12, incisos V e VII, 25, incisos I e II, e 30, inciso IV, da Lei nº 8.212/91, com a redação atualizada até a Lei nº 9.528/97,… ”. A leitura do texto não permite saber se a declaração de inconstitucionalidade foi apenas do artigo 1º da Lei 8.540 de 1992 ou, mais, alcançou todas as leis posteriores que deram novas redações aos incisos V e VII do artigo 12, inciso I e II do artigo 25 e inciso IV do artigo 30 da Lei 8.212 de 1991 até e inclusive a Lei 9.528 de 1997, na qual a cobrança está atualmente fundamentada. A primeira hipótese é a mais provável. Num caso como o presente, recurso extraordinário, a inconstitucionalidade deve ser argüida no processo (artigo 176 do Regimento Interno do STF). Além disso, para admissão e julgamento de recurso extraordinário, a matéria deve ter sido previamente julgada pelo tribunal de instância inferior. O acórdão do TRF que foi objeto do recurso extraordinário julgado pelo STF menciona apenas as alterações promovidas na Lei 8.212 de 1991 pela Lei 8.540 de 1992. Apenas depois de publicado o acórdão, portanto, será possível saber quais dispositivos legais foram julgados inconstitucionais.


 Uma vez que a declaração de inconstitucionalidade noticiada pelo STF através da divulgação de resultado de julgamento foi incidental e tem conseqüências somente para as partes vinculadas pelo respectivo processo, tendo em conta que antes da publicação do acórdão do julgamento e dos votos correspondentes não é possível saber com certeza quais os dispositivos legais foram declarados inconstitucionais e, por fim, considerando-se que somente quando o Senado Federal exercer a sua competência constitucional e suspender a vigência das normas julgadas inconstitucionais os efeitos do julgamento serão estendidos a todos os contribuintes é necessário ler com cautela notícias sensacionais que apregoam o fim do “Funrural”.


É inegável que a decisão do STF é um precedente animador para os contribuintes, mas também é verdade que, até a presente data, a contribuição estipulada no artigo 25 da Lei 8.212 de 1991 é exigível e deve ser paga.



Informações Sobre o Autor

Moacyr Pinto Junior

Advogado especializado em Direito Tributário, Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental pela Escola Nacional de Administração Pública.


Equipe Âmbito Jurídico

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