É regra de ouro não nos manifestarmos detidamente sobre fatos postos em julgamento dos quais não tenhamos conhecimento dos autos. Apesar disso, pensamos ser importante tecer algumas considerações sobre a ordem de prisão preventiva decretada, no caso Nardoni, por um juízo criminal da capital paulista em atendimento ao pedido do Ministério Público daquele Estado.
Por conta da amplíssima divulgação pela mídia, a trágica morte da menina Isabella Nardoni dispensa resumo. Podemos tomá-la como um fato notório para os nossos dias, ao menos em território nacional.
Pois bem.
Um dos fundamentos da prisão preventiva de Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá, acusados pela morte de Isabella, foi a garantia da ordem pública, expressão à qual centraremos nossa análise e, ainda assim, de modo pontual.
Garantia da ordem pública é uma locução de conteúdo largo. Seu preenchimento deve se dar de maneira bastante criteriosa, para não propiciar injustiças mediante atos processuais movidos ao calor do momento.
Numa explicação breve e singela, o que se pretende tutelar com o encarceramento preventivo fundado na garantia da ordem pública é a paz pública. Busca-se evitar que outras pessoas fiquem expostas aos cidadãos, em tese, responsáveis pela infração penal sob apuração. Em sucintas palavras, cuida-se de uma visão de periculosidade projetada no tempo, uma periculosidade pro futuro; um juízo valorativo provável e firmado com base em fatos pretéritos, por óbvio.
O raciocínio que reputamos adequado para concluir pela garantia da ordem pública também não deve se inclinar pela proteção dos denunciados contra as manifestações populares, mas sim o de resguardar a sociedade de novos atos criminosos de similar natureza, ou não, decorrentes dos mesmos agentes.
No caso Nardoni, muito embora nossa opinião seja de total desaprovação frente à infração penal cometida, que culminou com a abreviação da vida da menina Isabella, o contexto fático não nos parece fundamentar a prisão preventiva do casal réu. Há que ser respeitado o princípio da presunção do estado de inocência (ou de não-culpabilidade, como queiram), direito fundamental previsto no art. 5.º, LVII, da Constituição da República, bem assim devem ser observados o princípio do devido processo legal, de idêntica estatura jurídica (inciso LIV do art. 5.º), e disposições normativas aplicáveis (arts. 312 e 313 do Código de Processo Penal).
Clamor público não é ingrediente apto a ensejar prisão preventiva. Perceba: o que defendemos não é novidade. A comoção social, o clamor público ocasiado por repulsa ao crime não constitui fator hábil a autorizar que alguém, seja ele quem for, venha a ser preventivamente preso. A garantia da ordem pública tem por fiel da balança proteger a comunidade contra investidas criminosas que o denunciado possa vir a cometer caso permaneça em liberdade. Noutras palavras, a razão de decidir da preventiva há de ter por critério-guia o periculum libertatis (perigo da manutenção dos acusados em liberdade), entre outros critérios propositadamente não examinados neste artigo. Segundo divulgado pelos meios de comunicação, até aqui o histórico do casal não demonstra justificável tamanha “cautela”.
Não é demais dizer: nosso pensamento é no sentido de repugnar, sim, com todas as forças, a tragédia contra a pequenina Isabella e exigir a aplicação da justiça ao caso e a quem lhe for penalmente responsável, mas não soa nada razoável concordar com o atropelamento dos direitos fundamentais, a exemplo do devido processo legal e presunção do estado de inocência, principalmente quando mais se necessita que eles sejam respeitados. Do contrário, isso não é sinônimo de justiça. É injustiça às escâncaras.
Curitiba, 08.05.2008.
Professor de Direito Penal e Processo Penal do Curso Ordem Mais. Mestre em Direito (PUC/PR). Especialista em Direito Criminal (UniCuritiba). Assessor jurídico do Ministério Público Federal
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