Roberta Webber Gugel. Mestre em Direito no perfil Economia e Análise Econômica do Direito pela Universidade de Lisboa. Advogada. E-mail wg.roberta@gmail.com
Área do Direito: Direito Econômico
Resumo: O estudo analisa o fenômeno da concentração bancária e destaca como a formação de grandes grupos financeiros complexos tem se tornado uma tendência global (“too big to fail”). O artigo aborda a situação da concentração bancária no Brasil, na Europa e nos Estados Unidos, bem como a possível violação ao princípio concorrencial no âmbito do Sistema Financeiro Nacional. O artigo traz também a questão do risco moral (“moral hazard”, uma vez que a confiança dos grandes bancos no auxílio estatal em caso de crises pode incentivar comportamentos arriscados. Ainda, o estudo discorre sobre a complexidade na definição de um modelo regulatório para o sistema financeiro. Por fim, despretensiosamente, apresenta sugestões para que determinados problemas envolvendo as instituições estudadas sejam sanados
Palavras-chave: Concentração bancária. “Too big to fail”. Concorrência. Risco moral. Sistema Financeira Nacional.
Abstract: The study analyzes the phenomenon of banking concentration and highlights how the formation of large complex financial groups has become a global trend (“too big to fail”). The article discusses the situation of banking concentration in Brazil, Europe and the United States, as well as the possible violation of the competition principle within the scope of the National Financial System. The article also addresses the issue of moral hazard, since the trust of large banks in state aid in the event of crises can encourage risky behavior. Furthermore, the article analyzes the complexity of defining a regulatory model for the financial system. Finally, unpretentiously, it presents suggestions so that certain problems involving the studied institutions can be solved.
Keywords: Bank concentration. Too big to fail. Competition. Moral hazard. National Financial System.
Sumário: Introdução. 1. Instituições Financeiras “too big to fail”. 2. Concentração Bancária No Brasil 3. Concentração Bancária nos Estados Unidos da América e União Européia. 4. Críticas atribuídas à Concentração Bancária. 4.1. Exacerbação do risco sistêmico. 4.2. Quebra da concorrência: concentração de poder e diminuição da confiança pública na equidade do Sistema Financeiro. Conclusão. Referências Bibliográficas.
Introdução
A ideia de um negócio complexo que atingiu dimensões exageradamente grandes e essenciais na seara economica de forma que o arcabouço estatal providenciará ajuda a fim de prevenir uma possível falência é o significado mais corriqueiro da expressão “too big to fail” (TBTF) ou “grande demais para falir”. Tal expressão descreve uma situação em que se grandes companhias falirem, os efeitos sobre o sistema econômico seriam tão nefastos que justificariam a intervenção do Estado.
Tal quadro ocorre, haja vista que grandes empresas – no caso em tela, grandes instituições financeiras – possuem relações com outras empresas. Se uma dessas grandes empresas envolvidas na “teia comercial” decretarem falência, diversas serão as consequências, não apenas para a companhia individualmente, como para todo o sistema – risco sistêmico -, portanto, o governo, em determinados casos, pode entender que se o custo de um resgate for menor do que o custo universal do fracasso para a economia, uma intervenção financeira é a solução mais rentável.
No decorrer do presente trabalho, analisaremos os efeitos da excessiva concentração bancária, bem como os problemas que são atribuídos às instituições TBTF. Ademais, de forma breve, verificaremos a situação da concentração bancária no Brasil, na Europa e nos Estados Unidos, bem como a possível violação ao princípio concorrencial no âmbito do Sistema Financeiro Nacional. Por fim, despretensiosamente, apresentaremos sugestões para que determinados problemas envolvendo as instituições estudadas sejam sanados.
1 Instituições Financeiras “Too Big To Fail”
A função do banco, essencialmente, é operar como intermediário especializado, estabelecendo uma ligação econômica entre credores e devedores que não se conhecem, e subsituindo-se a uns e a outros, assumindo em face dos primeiros a posição de devedores e em face dos segundos, a posição de credores.[1]
Além das operações acima citadas – operações passivas e ativas -, os bancos também oferecem as operações bancárias acessórias ou secundárias, que não se enquadram no esquema apresentado, mas que geram créditos para a instituição em razão da prestação de determinado serviço.
Em razão da chamada “revolução bancária”, ocorrida em meados de 1986, os bancos passaram a prestar serviços que antes não eram relacionados à atividade bancária, tais como venda de seguros, novos meios de pagamento – cartão de crédito –, aconselhamento financeiro, etc.[2]
Portanto, considerando a variedade de operações bancárias, compreende-se que determinadas instituições financeiras dediquem-se a todos os serviços passíveis de serem oferecidos e, noutros casos, ocorra a especialização de determinada atividade. Contudo, discute-se as vantagens e inconvenientes da especialização bancária, haja vista que para além das vantagens gerais do conhecimento aprofundado de determinado serviço, como por exemplo a manutenção do paralelismo entre os capitais recebidos e emprestados a curto prazo e entre os capitais recebidos e emprestados a longo prazo, há inconvenientes, tais como a vulnerabilidade maior às crises, tendo em vista que a instituição desenvolve suas atividades em apenas um setor.
Os problemas relacionados à estrutura dos bancos não se limitam à especialização, abrangem também a dimensão da insitituição financeira, ou seja, a concentração bancária, sendo essa a tendência mais proeminente no setor bancário e industrial.[3]
Tornou-se uma tendência mundial o aparecimento de grandes grupos financeiros que associam vertentes industriais, comerciais e financeiras, criando gigantes de tal forma complexos que o seu andamento deixou de ser preocupação apenas de seus proprietários, mas tornou-se também preocupação das autoridades estatais e da coletividade, merecendo, portanto, tratamentos especiais por parte dos governos.[4]
Consoante dispõe Carlos Baptista Lobo[5]:
Esse processo contínuo e marcado de concentração bancária, é acompanhado pela questão de aproximação intra e intersetorial, sobretudo dentro de setores específicos, conduzindo a uma despecialização progressiva tendendo os bancos a agrupar-se ou a formar filiais com empresas financeiras não bancárias, criando ´supermercados financeiros`, o que já se observa nos Estados Unidos.
O mesmo autor, justifica o movimento de concentração com os seguintes argumentos: “realização de economias de escala ou de gama, alargamento da gama de produtos, aumento da quota de mercado, aumento da massa crítica da instituição, privatização, transferência de recursos e de capacidades, expansão internacional e geográfica, diversificação, exploração de nichos de mercado, desenvolvimento de sinergias, entre outras.[6]”
Contudo, infelizmente, de forma corriqueira, empresas decretam falência com consequências adversas para todas as partes envolvidas no negócio e possíveis externalidades negativas – danos colaterais -. Na maioria dos casos, os efeitos da bancarrota da empresa não gera externalidades de grande monta e a resolução pelo processo habitual previsto no sistema jurídico de cada país é capaz de alocar as perdas para as contrapartes da empresa a fim de que não sejam geradas celeumas significativas.
Entretanto, há situações em que o quadro acima não se aplica. A ideia de um negócio complexo que atingiu dimensões exageradamente grandes e essenciais na seara econômica de forma que o arcabouço estatal providenciará ajuda a fim de prevenir uma possível falência é o significado mais corriqueiro da expressão “too big to fail” (TBTF) ou “grande demais para falir”. Tal expressão descreve uma situação em que se grandes companhias falirem, os efeitos sobre o sistema econômico seriam tão nefastos que justificariam a intervenção do Estado.
Tal quadro ocorre, haja vista que grandes empresas – no caso em tela, grandes instituições financeiras – possuem relações com outras empresas. Se uma dessas grandes corporações envolvidas na “teia comercial” decretarem falência, diversas serão as consequências, não apenas para o negócio individualmente afetado, como para todo o sistema – risco sistêmico -, portanto, o governo, em determinados casos, pode entender que se o custo de um resgate for menor do que o custo universal do fracasso para a economia, uma intervenção financeira é a solução mais rentável.
Em um exemplo simples, o fracasso de uma grande empresa financeira significa que outras grandes empresas financeiras correm o risco de não terem os seus empréstimos saldados, bem como correm o risco de não receberem recursos que lhes eram devidos pela entidade que corre o risco de falência. Em outro caso, o fracasso de uma grande empresa financeira poderia impedir o fornecimento de serviços essenciais para os participantes do mercado financeiro, como a compensação e liquidação de transações financeiras. Em ambos os exemplos, o choque para a entidade, além de prejudicar suas operação habituais, prejudicaria os seus clientes, bem como todo o restante do sistema econômico.[7]
Diferentemente do entendimento comum, o problema de lidar com bancos TBTF não é novo na política financeira. Entretanto, com a gravidade da crise econômica e financeira mundial que se iniciou em 2007, colocou-se um holofote sobre tal questão de forma nunca antes vista[8].
Tal destaque deu-se em razão da dimensão e do alcance das medidas intervencionistas estatais a fim de evitar o fracasso de uma séria de bancos grandes e complexos.
O termo “too big to fail” foi originado em 1984, quando o Continental Ilinois National Bank and Trust Company, o sétimo maior banco dos Estados Unidos da América em depósitos na época, entrou em dificuldade financeiras graves e teve que ser resgatado com apoio da liquidez da Reserva Nacional, bem como com garantias do FDIC – Federal Deposit Insurance Corporation -. Na oportunidade, o Controlador da Moeda dos EUA admitiu que o Estado Americano não deixaria os onze maiores bancos do país falirem. Em razão de tal ocorrência, a expressão “too big to fail”, pelo menos tal como é aplicada aos bancos, diz-se que data desse episódio[9].
Consoante o termo técnico criado pelo Cômite de Supervisão Bancária da Basiléia, por controlarem uma cifra elevada de ativos e depósitos, tais bancos podem ser definidos como “bancos domésticos sistematicamente importantes”[10].
Dessa forma, “too big to fail” implica num clássico problema de moral hazard (risco moral), tendo em vista que, por vezes, a gestão e o público de determinada empresa acabam por acreditar que a instituição financeira receberá ajuda financeira (bailout) e, consequentemente, assumem maiores riscos, o que reforça a necessidade de fortalecer o controle estatal sobre tais instituições.
No que tange aos conglomerados grandes demais para quebrar, cumpre ressaltar que não há critérios fixos e seguros a fim de classificar uma instituição como passível ou não de ser objeto de bailout. Trata-se de conceito indeterminado que, consoante Karl Engisch[11] é um “conceito cujo conteúdo e extensão são em larga medida incertos”, devendo, portanto, seus conteúdos valorativos serem preenchidos caso a caso, através de atos de valoração.
Portanto, para definir se determinada instituição é ou não “too big to fail” devem ser analisados diversos fatores e, conforme cada caso concreto, tomar-se-ão, ou não, medidas intervencionistas por parte do governo[12].
O fato de banco “grande demais para quebrar” ser um conceito indeterminado é alvo de críticas, tendo em vista que não há como determinar com clareza quando uma instituição será passível de receber apoio estatal ou não, o que, de certa forma, acaba por gerar certa insegurança no mercado.
Pode-se citar como exemplo o recente episódio envolvendo o banco Lehman Brothers nos Estados Unidos da América. O banco não foi socorrido de forma direta pelas autoridades governamentais (em que pese todos os esforços realizados pelo governo americano). Para alguns tratou-se de claro caso de “too big to fail”, contudo, o governo americano deixou que o banco tentasse uma recuperação de forma privada.
Em meados dos anos 1960, o número de bancos no estado brasileiro era considerado elevado, bem como era instável a situação econômica-financeira de muitos deles. Sendo assim,o governo brasileiro tomou uma série de medidas a fim de concentrar e estabilizar o setor bancário[13]. O escopo estatal era de concentrar os bancos a fim de que fossem alcançados custos operacionais menores, por meio de uma suposta economia de escala na atividade bancária, que seriam convertidos em menores taxas de juro[14].
Posteriormente, em 1994, com a implementação do “Plano Real” muitas foram as transformações e problemas enfrentados pelo sistema bancário brasileiro após o fim da alta e crônica inflação. Planos governamentais de reestruturação, bem como medidas de regulamentação prudencial, supervisão e fiscalização foram implementadas para aumentar a solidez e garantir a segurança do sistema. Ademais, realizou-se uma série de privatizações de bancos públicos e abertura do setor ao capital estrangeiro com o escopo de aumentar a concorrência.
Contudo, em 1995, foram sentidos no país os efeito da crise do México e a taxa de juros foi elevada em 20 pontos percentuais – para 65% ao ano – provocando retração no setor e elevação do nível de inadimplência. Diante de tal cenário, não se mostrava mais condinzente ao momento a dimensão do setor bancário – com a criação dos bancos múltiplos em 1998, passaram de 107 para 248 o número de instituições financeiras entre os anos de 1988 e 1994 -. Os pequenos e novos bancos foram os mais atingidos nesse momento, com grande parte desaparecendo nos meses seguintes, o que, consequentemente, favoreceu o aumento da concentração bancária.[15]
Em meados de 2014, conforme se depreende de dados disponibilizados pelo Banco Central do Brasil, os cinco maiores bancos do país concentravam aproximadamente 83% de todos os depósitos realizados, sendo, portanto, o maior nível de concentração bancária já atingido.
Após a crise de 2007, avolumaram-se as medidas de regulação sofridas pelos bancos a fim de evitar que uma nova onda de colapços bancários atinjam novamente os Estados Unidos. Com a criação da Lei Dodd-Frank, que promoveu reformas no setor financeiro americano com o intuito de reduzir os problemas dos bancos “too big to fail”, muitos bancos estruturalmente menores são obrigados a seguir determinadas regras, a um custo não necessariamente inferior às grandes instituições, fazendo com que a regulação acabe, de certa forma, a incentivar ainda mais a concentração no setor.
Conforme dados da Federal Deposit Insurance Corp. os índices de concentração bancária nos Estados Unidos vêm aumentado. Atualmente, os americanos contam com cerca de 4.200 bancos comunitários. No final do ano de 2013, o país possuia um total de 6.812 bancos, enquanto que no final do ano de 2007, possuia 8.534 instituições financeiras.
Diversas são as diferenças entre o sistema bancário americano e europeu, haja vista que o mercado europeu é formado por Nações independentes entre si, mas com fortes ligações financeiras transfronteiriças. Os governos nacionais, a fim de defender sua própria política econômica interna, têm sido encorajados a construir e manter um setor financeiro nacional forte e autônomo para competir com os países vizinhos, ou seja, em períodos de crise, a inclinação é geralmente para proteger o mercado nacional[17].
De acordo com Véron e Goldstein[18], na União Européia o problema “too big to fail” parece ser maior e mais complexo do que ocorre em território americano, haja vista que os conglomerados financeiros comunitários são ainda maiores e há forte presença transfronteiriça, ou seja, as instituições estão espalhadas por diversos países da União Européia.
Isso ocorre, entre outros motivos, pois os bancos europeus desemprenham um papel muito maior na intermediação financeira do que os bancos americanos, haja vista que muitos serviços financeiros que são prestados por empresas financeiras não-bancárias nos Estados Unidos, são na sua maioria prestados por conglomerados bancários na União Européia, o que, consequentemente, faz com que o bancos europeus sejam relativamente maiores do que seus homólogos norte-americanos, ou seja, os bancos comunitários têm mais chances de serem considerados grande demais para quebrar.
Ainda, conforme os mesmos autores, o debate sobre as consequências da excessiva concentração bancária é pouco presente em discussões e iniciativas em território europeu, incluindo a Comissão Européia de Política Financeira.
Os países europeus têm tendência a favorecer a aplicação de regulamentos uniformes para as instituições financeiras, em que pese o tamanho e a importância sistêmica de cada uma delas.
Em países como França, Bélgica ou Áustria, sucessivas ondas de consolidação levaram ao desaparecimento quase que por completo de bancos locais independentes, outrossim, tornou-se rara a criação de novos operadores bancários em diversos mercados bancários europeus, diferentemente do que ocorre nos Estados Unidos da América, onde há um fluxo quase contínuo de bancos sendo novamente criados a nível local.
Outra grande diferença entre o mercado bancário europeu e americano é a atitude no que tange às falências bancárias. Os Estados Unidos são mais tolerantes à insolvência de empresas do que a maioria das culturas européias, bem como são mais protetores com os executivos e empregados de conglomerados financeiros do que a maioria dos congenêres europeus. Para os decisores políticos europeus os fracassos bancários são vistos como desastres políticos que devem ser evitados a todo o custo, mesmo no caso de bancos relativamente pequenos.
4 Críticas Atribuídas À Concentração Bancária
Sumariamente, podemos apontar diversos pontos positivos no que tange às estratégias de concentração. À primeira vista, quanto maior for a instituição financeira e, consequentemente, maior for o número de clientes, maior será a probabilidade de que os depósitos criados sob a forma de empréstimos não diminuirão suas reservas, ou seja, quanto maior o banco, menor a probabilidade de ele perder reservas em decorrência de pedidos de transferência de outros bancos[19].
Ademais, entende-se que essencial entender que o estímulo à concentração bancária não advém apenas dos altos lucros gerados pela expansão do crédito, mas também do simples instinto de sobrevivência dos bancos. Quando uma crise bancária se instala, fusões e aquisições são alternativas bastante razoáveis para as falências bancárias[20]. Isto é, quando um banco não está a ser gerido de forma eficiente pelos seus administradores, uma concentração bem sucedida é uma forma viável de originar grande poupança de custos[21].
O aumento da dimensão das instituições bancárias também pode ser considerada como uma resposta ao aumento da dimensão das empresas clientes, haja vista que, conforme anteriormente dito, a concentração também é uma tendência no âmbito empresarial[22].
À luz dos órgãos fiscalizadores a excessiva concentração bancária também não seria um mal; para uma autoridade bancária central a menor quantidade de instituições constituiria fator facilitador de fiscalização, em razão do número reduzido de instituições a serem fiscalizadas[23].
Outrossim, há quem entenda que os rendimentos de tais conglomerados tendem a ser maiores, haja vista que os bancos de maior dimensão costumam ter uma atividade mais equilibrada.
Contudo, as inconveniências geradas pela concentração bancária parecem superar as vantagens acima apresentadas. Para Carlos Baptista Lopo[24], “a concentração do poder econômico, retratado exponencialmente pela concentração do mercado bancário, reveste um perigo real para a democracia”.
O sistema financeiro tem particularidades operacionais que o diferenciam dos demais setores, haja vista sua função de intermediar as relações entre os agentes econômicos – interações essas que baseiam-se, sobretudo, na confiança -. Por tal motivo é importante que as instituições pertencentes ao sistema financeiro sejam classificadas pelo grau de risco a fim de que haja transparência e publicidade para com seus usuários, bem como com a sociedade em geral.
Os riscos na seara econômica não são apenas uma ameaça à estabilidade financeira, são uma ameaça a todo tecido político, vez que envolvem a opinião e a confiança de todos. Se a confiança no sistema for mantida, haverá um equilíbrio eficiente, alcançado no ponto de ótima distribuição de risco entre os agentes. Caso contrário, haverá uma corrida bancária e os incentivos serão distorcidos. Trata-se de argumento bastante relevante, pois considera-se que na base do sistema financeiro encontra-se a confiabilidade, que é muito preciosa e sensível.
Conforme afirma José Simoes Patrício[25], “a confiança no sistema é o objetivo final da regulação financeira, pois, em última análise, é na confiança que se encontra o controle da solidez das instituições supervisionadas e da própria proteção aos consumidores.”
Justifica-se toda a preocupação acerca da confiança e estabilidade bancária pela comunidade financeira, tendo em vista que os efeitos negativos de uma crise envolvendo o setor bancário recairiam sobre todos os ramos do tecido social.
Um dos principais problemas advindos das instituições “too big to fail” é a exacerbação do risco sistêmico, ou seja, o aumento do risco de colapso de todo o sistema financeiro ou de um mercado. O Comitê de Bancos da Basiléia definiu risco sistêmico como sendo aquele em que a inadimplência de uma instituição para honrar seus compromissos contratuais pode gerar uma reação em cadeia, atingindo grande parte do sistema financeiro. Esta definição pressupõe elevada exposição direta entre as instituições, de modo que a falência de qualquer uma desencadeie um “efeito cascata” sobre o sistema[26]. Ainda, de acordo com a publicação do Acordo de Capital da Basiléia (BCBS, 1988), pelo Comitê da Basiléia sobre Supervisão Bancária foi estabelecido que a aferição do valor em risco dá-se pela relação entre os ativos e o patrimônio líquido.[27]
Conforme Martins e Alencar[28], “trata-se da transmissão de um choque isolado em um determinado agente ou grupo de agentes econômicos para outros participantes do mercado, sem que, necessariamente, o choque inicial gere diretamente efeitos reais nos demais participantes.”
De Bandt e Hartmann[29], por sua vez, definem evento sistêmico como “aquele no qual ‘más notícias’ sobre uma instituição financeira, ou sua falência, produzem uma sequência de efeitos adversos em outras instituições financeiras, ou mesmo na economia real.”
O ponto principal dos conceitos acima apresentados reside na interdependência entre as instituições financeiras, que permite um “efeito de contágio” entre as instituições. Outrossim, importante ressaltar que instituições de pequeno porte também podem ter repercussões sistêmicas decorrentes da assimetria de informações.
Portanto, depreende-se dos conceitos acima que a crise sistêmica é composta de dois elementos básicos: o primeiro deles é o choque inicial, que atinge determinada instituição e posteriormente propaga-se por meio do “efeito de contágio”. O mecanismo de propagação é o segundo elemento básico da crise sistêmica, pois é por meio dele que o choque inicial irradia-se para as demais instituições, ou seja, para o sistema financeiro em geral.
A irradiação pelo chamado efeito de contágio ou dómino ocorre, basicamente, pela perda de fidúcia no sistema ou por determinado vínculo contratual – no contato interbancário ou no sistema de pagamentos – entre as instituições.
Importante salientar também que o risco de contágio também pode ocorrer internamente no grupo bancário, tendo em vista que se uma entidade ou setor do conglomerado financeiro apresentar algum comportamento suspeito ou de risco, tal situação poderá desestabilizar o estado financeiro de todo o grupo, podendo as dificuldades numa área do grupo gerarem falta de confiança em todo o conjunto, mesmo que as outras “partes” do conjunto estejam economicamente saudáveis.[30]
Para Capelleto e Corrar, a análise dos efeitos das variáveis econômicas, tais como a taxa de juros, taxa de câmbio e reservas internacionais, e de natureza contábil, como créditos vencidos, ativos líquidos, depósitos à vista e patrimônio líquido permitem a mensuração do nível de risco sistêmico e da proximidade das crises.[31]
Tem-se a ideia de que a concentração bancária diminiui o risco de insolvência – risco idiossincrático – em razão da maior diversificação da instituição bancária, contudo, mesmo com a diminuição do risco de insolvência, há um grande risco deste ser interpretado pelo mercado como um choque sistêmico na seara bancária. Em suma, se um banco altamente diversificado em com grande penetração no mercado torna-se inadimplente, há hipótese do mercado interpretar que há problemas financeiros nas demais instituições bancárias semelhantes àquela.
Quando determinadada instituição financeira tem um comportamento passível de gerar perdas, não só a instituição atingida será examinada individualmente pelos agentes econômicos, bem como toda a saúde financeira do sistema será avaliada. Portanto, mesmo as instituições que não se encontrarem insolventes e ainda que não possuam exposição direta com o banco problemático podem sofrer com o choque inicial.
Conforme o BCBS, Comitê de Supervisão Bancária da Basileia[32], “a importância da liquidez transcende o banco individualmente, desde que a escassez de liquidez em uma simples organização possa ter repercussões sistêmicas. Assim, o gerenciamento de liquidez está entre as atividades mais importantes conduzidas pelos bancos”.
A falência de qualquer banco, principalmente de uma instituição “too big to fail”, tem uma enorme potencialidade para gerar elevados danos colaterais, produzindo vítimas inclusive em quem não tem quaisquer relações com a instituição falida, sendo vulgar que os custos sociais decorrentes da falência superem os custos privados.
Em razão de tais custos sociais, tais instituições criam um passivo contingente enorme para os governos, que, em casos extremos, podem ameaçar a sua própria sustentabilidade financeira[33], isto é, algumas instituições financeiras atingiram uma dimensão de tal modo gigantesca que a sua salvação por um Estado isolado não seria sequer viável.[34]
Ademais, as complexas estruturas jurídicas e orgânicas das entidades financeiras grande demais para quebrar, que por muitas vezes compõem vários grupos e filiais em diversos países, dificultam a avaliação correta dos compromissos e riscos assumidos pela entidade bancária[35].
Tendo em vista a ameaça de danos à coletividade e à preocupação estatal no que concerne à tais empresas, afirma-se que as instituições “too big to fail” falseiam a concorrência. Trata-se, portanto, de condição intimamente relacionada ao risco sistêmico, haja vista que advém de uma tentativa de diminuí-lo, conforme veremos a seguir.
A Constituição Federal de 1988 estabelece princípios que devem guiar a atividade econômica, levando em consideração tanto os aspectos sociais quanto econômicos. Isso demonstra o reconhecimento de que o mercado não pode operar de forma isolada, mas deve contribuir para a redução das desigualdades e para o desenvolvimento econômico do país.
O princípio constitucional da livre concorrência é fundamental para assegurar uma competição saudável entre os diferentes participantes do mercado. Essa ideia é muito importante, porque traz benefícios sociais significativos, como o poder de escolha do consumidor, a eficiência econômica, o acesso democrático aos bens de consumo e o progresso social e tecnológico, e busca garantir que os agentes econômicos atuem de forma regular e justa, promovendo uma exploração equitativa da atividade econômica no mercado[36].
Para Carlos Baptista Lobo[37], “o grau de concentração de uma indústria é um indicador de poder, no foro econômico e político, numa sociedade. Mas, além do grau de concentração é igualmente importante o grau de concorrência existente entre firmas concorrentes, fator esse determinante o discernimento das estratégias de mercado”.
Portanto, é essencial o estudo da concorrência no âmbito bancário, haja vista que operam no mercado um número reduzido de empresas dominantes que, pelo exercício conjunto da mesma atividade, acabam por adquirir um conhecimento aprofundado da situação dos “concorrentes”, criando condições para prever as reações de outras insituituições frente à mudanças no mercado.
Ademais, em razão da natureza essencial desse setor para a economia, torna-se imperativa a necessidade de uma especial atenção à regulamentação da concorrência, tendo em vista que desequilíbrios no meio bancário propriciam efeitos sistêmicos, como anteriormente mencionados, de grande gravidade.
O grau de concentração do meio bancário é tamanho que reflete diretamente o direito da concorrência e autoriza afirmar que o mercado tem caracterísiticas oligopolísticas. Dessa forma, pode-se concluir que os grandes bancos acabam por ditar as “regras do jogo”, atuando sem preocupações substanciais com os pequenos bancos quando da tomada de decisões[38].
O cenário vem sendo alterado no Brasil, contudo, com o aumento de fintechs, plataformas digitais que oferecem serviços financeiros por meio da tecnologia. Tais empresas representam uma verdadeira mudança de paradigma para o Sistema Financeiro Nacional, pois têm o potencial de promover transformações significativas na forma como os bancos operam, ao mesmo tempo em que representa um desafio regulatório para as autoridades monetárias .
Por isso, um dos fatores que impactou na redução dos índices de concentração bancária foi a criação do “sandbox regulatório”. Trata-se de ambiente regulatório que acolha a crescente aplicação de novas tecnologias nos mercados financeiro e de pagamento . Seu primeiro ciclo teve início em dezembro de 2021 e duração prevista de um ano, podendo ser prorrogado por igual período.
Outra iniciativa do Banco Central que visa estimular a concorrência bancária e aumentar a competição e a oferta de produtos e serviços financeiros é o “Open Finance”. Tal projeto permite o compartilhamento entre diferentes instituições reguladas das informações cadastrais e financeiras de seus clientes, mediante consentimento .
Em que pese tais inovações, é inegável que a estrutura do sistema bancário brasileiro apresenta especificidades que atuam como entrave à livre concorrência no setor.
Isso ocorre, pois, apesar do conjunto de normas estabelecidas pelas autoridades monetárias no Brasil, é evidente que tais normas têm historicamente buscado garantir a solidez aos tradicionais participantes do sistema financeiro, baseando-se na concepção de que instituições bancárias mais robustas seriam capazes de impulsionar o crescimento econômico desejado pelo país e assegurar maior estabilidade econômica.
Nesse sentido, o Conselho Monetário Nacional e o Banco Central do Brasil têm atuado com o objetivo de criar um sistema financeiro mais eficiente e menos suscetível a crises financeiras inerentes ao modelo capitalista. No entanto, essa atuação não tem sido direcionada para a promoção da concorrência no setor bancário, mas sim para estimular a concentração de instituições financeiras[39].
Além do mais, corre-se o risco de que, devido ao tamanho das instituições e à grande variedade de clientes, as preferências da instituição financeira não coincida com as de seus clientes, gerando, até mesmo e não de forma rara, confrontação de interesses entre grupos distintos de clientes dentro da mesma entidade.[40]
Ademais, pode-se dizer que a confiança dos grandes bancos no auxílio estatal significa maior propensão a comportamentos ousados e temerários que colocam em risco a estabilidade da economia e exacerbam o risco sistêmico, conforme dito anteriormente. Portanto, “to big to fail” implica num clássico problema de “moral hazard” (risco moral), onde governo se torna refém de grandes conglomerados financeiros e, necessariamente, tem que disponibilizar ajuda, mesmo sabendo que as instituições ajudadas podem se colocar em posições arriscadas novamente. Quanto maior for a rede de segurança do governo, mais o governo transfere o risco dos credores de instituições financeiras para os contribuintes. Com menos a perder, os credores têm menos incentivos para monitorar as empresas financeiras e disciplinar a assunção de riscos[41].
O excesso de confiança dos agentes econômicos de que serão socorridos se forem mal-sucedidos em suas ações também acaba por prejudicar a concorrência, vez que os agentes econõmicos menores, que teoricamente não contam com tal benefício, arriscam menos se comparados aos bancos “too big to fail”.
Segundo a Moodys[42], os 50 maiores bancos em 2009, beneficiaram-se de uma vantagem média de 3 pontos em suas classificaçoes de crédito, o que foi relacionado ao apoio oficial. Ademais, os maiores bancos têm recebido a maior parte da intervenção estatal. Para dimensionar tal afirmação, basta perceber que os 145 bancos globais com ativos acima de 100 bilhoes de doláres foram os responsáveis por mais de 90% do apoio estatal desde o início da crise que se iniciou em 2007[43].
Além disso, sob a justificativa de que se está em “tempos de crise financeira”, tais apoios podem ser usados de forma indiscriminada caso não sejam tomadas as devidas atenções sobre a análise de concorrência em detrimento da atenção de minimização de risco sistêmico.
Conforme Carlos Baptista Lobo, a concorrência bancária reveste “forças não homogêneas”[44]. As particularidades do mercado e a natureza das instituições obriga a uma reflexão diferenciada. E completa afirmando que “quanto mais forte for a pressão concorrêncial negocial intra-institucional mais incentivos existem a uma concertação global estrutural por parte das empresas bancárias dominantes”.
Parece-nos que o tratamento diferenciado dado à tais instituições diminuiu a confiança pública na equidade do sistema e prejudica o quadro de responsabilidades e prestação de contas que deve caracterizar as economias capitalistas, tendo em vista, que no caso das instituições “too big to fail”, há uma privatização dos lucros e socialização das perdas.
Há especialistas que afirmam que em alguns casos o comportamento mais adequado seria o de deixar uma instituição em dificuldade seguir para a falência, a fim de evitar a socialização das perdas decorrente da intervenção estatal e para que tal atitude tenha um cunho pedagógico. Contudo, trata-se de decisão arriscada, haja vista os efeitos nefastos de uma falência[45]. Por outro lado, sendo o risco um elemento essencial da dinâmica dos mercados financeiros, seria errado pensar num regime que elimine por completo a falência dos bancos, pois dessa forma não há concorrência.
Há de se realizar, portanto, uma ponderação em cada caso concreto entre a manutenção da concorrência – mesmo tendo a concorrência bancária particularidades – e o risco sistêmico. Entretanto, a prática demonstra que as autoridades normalmente não aceitam a falência de bancos de grande dimensão, tendo em vista os grandes custos que estão associados à falência.
Conclusão
Em que pese todos os progressos realizados no âmbito da regulação e supervisão bancária a nível mundial, os acontecimentos ocorridos desde que, no segundo semestre de 2007 deu-se início a crise financeira internacional, com epicentro nos Estados Unidos e originada no setor de crédito imobiliário, evidenciaram-se diversas falhas nas estruturas da regulação bancária e financeira, principalmente no que concerne à avaliação e distribuição de risco[46], tais como uma dependência excessiva de agências de classificação, especulações e concessão imprudente de créditos.
A definição de um modelo regulatório para o sistema financeiro é uma tarefa complexa. Uma abordagem regulatória que busque promover a concorrência entre os bancos pode resultar no estímulo à atuação dessas instituições em mercados de menor expressão, na redução dos custos e, consequentemente, na diminuição das margens de lucro dos bancos. No entanto, esse contexto pode comprometer a solidez financeira das instituições, gerando maior instabilidade no sistema financeiro como um todo. Por outro lado, a adoção de modelos regulatórios concentracionistas ou excessivamente restritivos pode levar a uma concentração excessiva no mercado bancário, resultando em ineficiências e comportamentos inadequados e oportunistas por parte das instituições bancárias[47].
Para Jorge Nunes Lopes[48], “a própria arquitetura do sistema financeiro constitui o primeiro foco de risco comportamental (moral hazard), determinante da instabilidade e fragilidade financeira”. Conforme o autor, isso ocorre, pois desacompanhados de medidas reestruturantes da atividade bancária, os auxílios estatais de nada adiantam, sendo, tão-somente, um desperdício de recursos.
Em estudo denominado “Have public bailouts made banks loan books safer?” [49]os autores demonstram que, após analisar 87 bancos de grande dimensão que obtiveram auxílios públicos após a crise de 2007, as instituições ajudadas não reduziram os riscos de uma nova crise de forma significante se comparadas com instituições não socorridas[50].
A política regulatória adotada pelo Brasil tem sido marcadamente conservadora, focada na estabilidade sistêmica do mercado por meio de requisitos rigorosos de indicadores econômicos e monitoramento da solidez e liquidez das instituições financeiras. Essa postura adotada pelas autoridades monetárias brasileiras evidencia uma visão de estabilidade sistêmica e concorrência como valores opostos e inconciliáveis.
A adoção de um padrão regulatório conservador pelo Brasil é reconhecida por ter méritos, sendo inclusive atribuída como uma das razões para o bom desempenho dos bancos brasileiros durante a crise econômica global de 2008. No entanto, é importante analisar as consequências concorrenciais desse modelo para o setor bancário, apesar das virtudes identificadas na política regulatória conservadora adotada pelo país[51].
A concorrência desempenha um papel crucial como instrumento para o exercício do poder de escolha dos consumidores, promovendo maior diversificação de produtos, redução de preços e estímulo ao desenvolvimento tecnológico. No entanto, quando o setor bancário é dominado por poucos agentes econômicos, isso pode resultar em distorções significativas na concessão de crédito, altas taxas de juros e abusos aos direitos do consumidor, além de representar um obstáculo ao progresso tecnológico[52].
As instituições bancárias argumentam que a concentração no setor não é a única responsável pelas elevadas taxas de juros praticadas no Brasil. De acordo com a Federação Brasileira dos Bancos (Febraban), principal entidade representativa dos bancos no país, os custos da intermediação financeira, como inadimplência, despesas tributárias, regulatórias, administrativas e operacionais, seriam os principais fatores que contribuem para as altas taxas de juros nacionais[53]. Contudo, apesar da posição dos bancos de que a concentração bancária não é a principal causa das altas taxas de juros e spreads, há evidências empíricas que indicam uma possível relação entre a concentração bancária e os elevados custos financeiros.
Recentemente, tem havido uma mudança de paradigma nas autoridades reguladoras do setor bancário, que passaram a considerar a concorrência e a estabilidade do sistema financeiro como objetivos conciliáveis. Um exemplo dessa tendência é o estabelecimento de um ato normativo de cooperação entre o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e o Banco Central do Brasil, que busca deliberar sobre temas com potenciais impactos concorrenciais. Além disso, o acordo prevê a colaboração técnica entre o Cade e o Banco Central em processos administrativos relacionados ao controle de atos de concentração e apuração de infrações à ordem econômica. Esse acordo representa um progresso significativo para o setor bancário, destacando o reconhecimento da importância da concorrência na atividade bancária[54].
Como resultado dessa atuação coordenada entre as autoridades reguladoras, espera-se que haja um aumento da concorrência no setor bancário, o que pode resultar em benefícios concretos para os consumidores, como a entrada de novos participantes no mercado, o desenvolvimento tecnológico, a diversificação de produtos e a redução de preços.
Ademais, conforme já referido, o setor bancário tem passado por grandes transformações impulsionadas pelo desenvolvimento tecnológico que permitiu a criação das fintechs.
As fintechs têm impactado o comportamento dos bancos tradicionais no Brasil, que têm sido pressionados a atuar de forma mais eficiente, transparente e desburocratizada para se adequarem à nova dinâmica do mercado. Além disso, a entrada das fintechs no setor financeiro tem promovido a desmaterialização e descentralização econômica, o que tem levado a mudanças no desenho do Sistema Financeiro Nacional e nas práticas adotadas pelos grandes bancos.
Nesse contexto, tem-se que o surgimento das fintechs tem trazido benefícios aos consumidores, uma vez que o aumento do número de instituições no setor financeiro tem criado uma estrutura de mercado mais propícia a preços menores, maior qualidade de produtos, maior diversidade e maior inovação. Há, portanto, um implemento significativo na concorrência no setor bancário. Por tal motivo, as instituições bancárias tradicionais passaram a adotar práticas mais eficientes, investir em tecnologia e oferecer crédito de forma mais satisfatória e democrática[55].
Apesar do poder econômico das grandes instituições bancárias e das vantagens que possuem em relação às fintechs, é possível observar que, em um primeiro momento, as novas instituições podem não representar uma concorrência direta para os bancos tradicionais já consolidados. No entanto, o que se constata é que essas empresas, cujo desenvolvimento é centrado no consumidor, têm a capacidade de promover transformações significativas no mercado bancário, exercendo pressão para que os bancos tradicionais adotem posturas voltadas aos interesses dos consumidores.
Diante de tal contexto, parece-nos recomendável a taxação sobre o “moral hazard”, haja vista que assim, além do cunho punitivo-pedagógico de tal medida que recairrá sobre as instituições bancárias que utilizarem de apoio estatal, trata-se de uma forma de diminuir a socialização das perdas e privatização dos lucros.
Ademais, deve-se ponderar de forma proporcional entre a concorrência e o risco sistêmico, como anteriormente referido. Por exemplo, a quebra do banco Lehman Brothers pode ser entendida como uma sinalização de que a doutrina failing firm poderia ser aplicada, mas não para todos os casos.
Para Gary H. Stern[56], presidente do Federal Reserve Bank of Minneapolis, a chave para a resolução da celeuma em tela é mudar os incentivos a fim de convencer as instituições financeiras de que correm riscos de perda, haja vista que, se as entidades continuarem a esperar uma proteção especial governamental, o moral hazard perdurará. Para o autor, a assunção excessiva de riscos pelas instituições bancárias desperdiça recursos econômicos valiosos e, em casos extremos, leva a crises financeiras que impõem perdas substanciais para os contribuintes. Dito de outra forma, se a questão “too big to fail” não for abordada de forma correta pelos políticos, os danos serão ainda maiores do que os já causados.
Gary H. Stern ainda completa afirmando que não crê que a intensificação da fiscalização e regulamentação de grandes empresas financeiras resolveriam efetivamente o presente problema e aponta três abordagens gerais para o problema que, de certa forma, aumentariam a disciplina do mercado.
A primeira delas seria a realização de reformas que fizessem os políticos mais confiantes de que podem impor perdas sobre os credores sem criar riscos sistêmicos que justifiquem a proteção do governo. Em segundo lugar, reduzir as perdas que empresas em falência podem impor a outras empresas ou mercados. Em terceiro lugar, alterar os sistemas de pagamentos para reduzir a possiilidade de transmissão de prejuízos sofridos entre empresas bancárias.
Fernando Ulrich[57], economista brasileiro, por sua vez, afirma que “em vez de estimular fusões entre instituições financeiras, os Bancos Centrais deveriam promover medidas para reduzir a concentração bancária. No entanto, atacar somente a concentração bancária, sem levar em consideração as forças fundamentais que estimulam a concentração do setor — no caso, as reservas fracionárias — significa apenas mais regulamentação e mais supervisão governamental. É, portanto, essencial entender que o estímulo à concentração bancária não advém apenas dos altos lucros gerados pela expansão do crédito, mas também do simples instinto de sobrevivência dos bancos”.
Outra alternativa para a resolução do problema em tela é o estabelecimento de freios e incentivos ao tamanho das instituições, por meio da imposição de capital e liquidez mais ou menos elevados de acordo com o tamanho do banco, contudo essa parece já ser uma medida que está sendo tomada pelas entidades governamentais.
Em suma, conforme Luiz Máximo dos Santos[58] há cinco objetivos essenciais a serem alcançados no presente caso: “reforçar a estabilidade e a solidez do sistema financeiro, em particular dos mecanismos de gestão de risco dos bancos e do funcionamento dos mercados de titularização; reduzir a probabilidade de situações de crise em instituições bancárias, mediante reforço do enquadramento regulatório, de supervisão e de disponibilização de auxílio de liquidez; reduzir o impacto das situações de crise que possam afetar determinada instituição; consagrar mecanismos de compensação efetivos, que suscitem a confiança dos consumidores; reforçar o papel dos bancos centrais e a cooperação entre as autoridades nacionais e internacionais.”
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[1] SOAREZ MARTÍNEZ, Economia Política, 11ª edição, Lisboa, 2010, p. 697.
[2] MORAIS, Luis Branco. A evolução recente do sistema financeiro. Alguns apontamentos sobre o direito comunitário da concorrência. AAFDL. 1999, p.27.
[3] A penetração de instituições bancárias comunitárias nos mercados nacionais dos Estados-membros foi simplificada e favorecida pela Segunda Diretiva Bancária.
[4] MORAIS, Luis Branco. A evolução recente do sistema financeiro. Alguns apontamentos sobre o direito comunitário da concorrência. AAFDL. 1999, p.07
[5] LOBO, Carlos Baptista. Concorrência Bancária? 2001. Almedina, Coimbra, p. 554
[6] LOBO, Carlos Baptista. Concorrência Bancária? 2001. Almedina, Coimbra, p. 558
[7] STERN, Gary H.; FELDMAN, Ron J. Managing the expanded safety net. The Region, Federal Reserve Bank of Minneapolis, vol. 22, 2008, p.5
[8] GOLDSTEIN, Morris; VÉRON, Nicolas. Too big to fail: the transatlantic debate. Bruegel Working Paper 2011/03, fevereiro de 2011.
[9] GOLDSTEIN, Morris; VÉRON, Nicolas. Too big to fail: the transatlantic debate. Bruegel Working Paper 2011/03, fevereiro de 2011.
[10] ULRICH, FERNANDO. A ameaça da concentração bancária no Brasil. Instituto Ludwig von Mises Brasil. http://www.mises.org.br/ArticlePrint.aspx?id=1407, 2012
[11] ENGISCH, Karl. Introdução ao pensamento jurídico. 9.ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2004, p.208.
[12] Como exemplo concreto podemos citar o caso do Lehman Brother Holdings Inc. que em 2008 pediu concordata em razão dos prejuízos causados pela crise dos subprimes nos Estados Unidos. O banco não recebeu injeção de dinheiro do governo americano, contudo, para alguns economistas, tratava-se de uma instituição financeira “too big to fail”.
[13] A politica de fusões e incorporações só foi claramente incentivada a partir de 1971 com a criação do COFIE – Comissão de Fusão e Incorporação de Empresas.
[14] TAVARES, Martus A. R. Concentração bancária no Brasil: uma evidência empírica. Rev. adm. empres. [online]. 1985, vol.25, n.4, p. 55-62.
[15] ROCHA, Fernando A. S. Evolução da concentração bancária no Brasil (1994-2000). Notas Técnicas, Banco Central do Brasil, 2001.
[16] BANCO CENTRAL DO BRASIL. Relatório de Economia Bancária e Crédito – 2021. Brasília, 2022, p. 95.
[17] VERÓN, NICHOLAS. European Banking Union: Current Outlook and Short-Term Choices. Statement presented at the conference “Banking Union and the Financing of the Portuguese Economy,” Assembleia da Republica / Portuguese Parliament, Lisbon, February 26, 2014.
[18] GOLDSTEIN, Morris; VÉRON, Nicolas. Too big to fail: the transatlantic debate. Bruegel Working Paper 2011/03, fevereiro de 2011
[19] ULRICH, FERNANDO. A ameaça da concentração bancária no Brasil. Instituto Ludwig von Mises Brasil. http://www.mises.org.br/ArticlePrint.aspx?id=1407, 2012
[20] ULRICH, FERNANDO. A ameaça da concentração bancária no Brasil. Instituto Ludwig von Mises Brasil. http://www.mises.org.br/ArticlePrint.aspx?id=1407, 2012
[21] LOBO, Carlos Baptista. Concorrência Bancária? 2001. Almedina, Coimbra, p. 552
[22] LOBO, Carlos Baptista. Concorrência Bancária? 2001. Almedina, Coimbra, p. 552
[23] PINTO, Marcos Mello Ferreira Pinto. A Autoridade Reguladora – Banco de Portugal – e o direito da concorrência. Universidade de Lisboa, 2007. p. 6
[24] LOBO, Carlos Baptista. Concorrência Bancária? 2001. Almedina, Coimbra, p. 20.
[26] DATZ, MARCELO DAVI XAVIER DA SILVEIRA. Risco Sistêmico e Regulação Bancária no Brasil. Orientador: Renato Fragelli Cardoso. Rio de Janeiro: EPGE/FGV; 2002. Dissertação (Mestrado em Economia), p. 3-5
[27] CAPELLETTO, Lucio Rodrigues; CORRAR, Luiz João. Índices de risco sistêmico para o setor bancário. Rev. contab. finanç. [online]. 2008, vol.19, n.47, pp. 6-18
[28] MARTINS, B. S. & ALENCAR, L. S. (2009) Concentração Bancária, Lucratividade e Risco Sistêmico: uma abordagem de contágio indireto. – Trabalhos para Discussão n° 190 –Brasília-DF, Banco Central do Brasil: setembro, p. 5
[29] DE BANDT, O.; HARTMANN, P. Systemic risk: A survey. Working Paper, n. 35, European Central Bank, 2000.
[30] LOBO, Carlos Baptista. Concorrência Bancária? 2001. Almedina, Coimbra, p. 562
[31] CAPELLETTO, Lucio Rodrigues; CORRAR, Luiz João.Índices de risco sistêmico para o setor bancário. Rev. contab. finanç. [online]. 2008, vol.19, n.47, p. 9
[32] BASEL COMMITTEE ON BANKING SUPERVISION – BCBS. Sound practices for managing liquidity in banking organisations. Basel: BCBS Committee, 2000.
[33] Como exemplo pode-se apontar os eventos ocorridos em Islândia em 2008-2009 e Irlanda em 2010.
[34] GOLDSTEIN, Morris; VÉRON, Nicolas. Too big to fail: the transatlantic debate. Bruegel Working Paper 2011/03, fevereiro de 2011.
[35] LOBO, Carlos Baptista. Concorrência Bancária? 2001. Almedina, Coimbra, p.562
[36] PACHECO, Maria Neves Duarte Pacheco. A Ordem Econômica Constitucional e os Princípios da Livre Concorrência e da Defesa do Consumidor: Um Exame da Concentração Bancária no Brasil. Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade do Ministério Público. Porto Alegre, 2019, p. 10
[37] LOBO, Carlos Baptista. Concorrência Bancária? 2001. Almedina, Coimbra, p.17
[38] PINTO, Marcos Mello Ferreira Pinto. A Autoridade Reguladora – Banco de Portugal – e o direito da concorrência. Universidade de Lisboa, 2007. p. 4
[39] PACHECO, Maria Neves Duarte Pacheco. A Ordem Econômica Constitucional e os Princípios da Livre Concorrência e da Defesa do Consumidor: Um Exame da Concentração Bancária no Brasil. Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade do Ministério Público. Porto Alegre, 2019, p. 10
[40] LOBO, Carlos Baptista. Concorrência Bancária? 2001. Almedina, Coimbra, p.562
[41] STERN, Gary H.; FELDMAN, Ron J. Managing the expanded safety net. The Region, Federal Reserve Bank of Minneapolis, vol. 22, 2008, p.6
[42] Agência de classificação de riscos de crédito, a qual foi bastante criticada durante a crise de 2007, tendo em vista que avaliou bem bancos que logo depois apresentaram situação perigosa.
[43] GOLDSTEIN, Morris; VÉRON, Nicolas. Too big to fail: the transatlantic debate. Bruegel Working Paper 2011/03, fevereiro de 2011.
[44] LOBO, Carlos Baptista. p. 659
[45] Importante referir que Abel M. MATEUS, em seu livro A Grande Crise Financeira do Início do Século XXI, p.80, cita que um dos motivos pelos quais a recessão de 1929 transformou-se em depressão foi o fato de que para evitar criar moral hazard, os bancos foram deixados falir sem avaliação de risco sistêmico.
[46] LUIS MAXIMO DOS SANTOS, Regulacao e Supervisao Bancaria. In Regulacao em Portugal: Novos tempos, novo modelo? Almedina, 2009. p. 121
[47] ERLING, Marlos Lopes Godinho. Regulação do Sistema Financeiro Nacional: desafios e propostas
de aprimoramento institucional. São Paulo: Almedina, 2015.
[48] LOPES, Jorge Nunes. Moeda e Regulação Bancária – Crises, interesse proprio e mercado.Boletim de Ciência Económicas, vol LVI, 2013. Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, p.303.
[49] BREI, Michael; GADANECZ, Balse. Have public bailouts made banks loan book safer? in BIS Quartely Review, Setembro, 2012, pp.61
[50] “Our evidence shows thar rescued banks did not reduce the risk of their new lending significantly more than non-rescue banks”. p.62
[51] PACHECO, Maria Neves Duarte Pacheco. A Ordem Econômica Constitucional e os Princípios da Livre Concorrência e da Defesa do Consumidor: Um Exame da Concentração Bancária no Brasil. Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade do Ministério Público. Porto Alegre, 2019, p. 87
[52] PACHECO, Maria Neves Duarte Pacheco. A Ordem Econômica Constitucional e os Princípios da Livre Concorrência e da Defesa do Consumidor: Um Exame da Concentração Bancária no Brasil. Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade do Ministério Público. Porto Alegre, 2019, p. 118
[53] FEBRABAN. Como fazer os juros serem mais baixos no Brasil: uma proposta dos bancos ao governo, Congresso, Judiciário e à sociedade. 2. ed. São Paulo: Febraban, 2019, p. 13.
[54] PACHECO, Maria Neves Duarte Pacheco. A Ordem Econômica Constitucional e os Princípios da Livre Concorrência e da Defesa do Consumidor: Um Exame da Concentração Bancária no Brasil. Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade do Ministério Público. Porto Alegre, 2019, p. 142
[55] PACHECO, Maria Neves Duarte Pacheco. A Ordem Econômica Constitucional e os Princípios da Livre Concorrência e da Defesa do Consumidor: Um Exame da Concentração Bancária no Brasil. Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade do Ministério Público. Porto Alegre, 2019, p. 127-138.
[56] STERN, Gary H. Addressing the Too Big to Fail Problem. Testimony before the U.S. Senante Committee on Banking, Housing and Urban Affairs, Washington, D.C., May 6, 2009
[57] ULRICH, FERNANDO. A ameaça da concentração bancária no Brasil. Instituto Ludwig von Mises Brasil. http://www.mises.org.br/ArticlePrint.aspx?id=1407, 2012
[58] LUIS MAXIMO DOS SANTOS, Regulacao e Supervisao Bancaria. In Regulacao em Portugal: Novos tempos, novo modelo? Almedina, 2009. pp. 121 e 122.
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