ICMS. Descontos incondicionais não integram a base de cálculo do imposto em qualquer tipo de operação


A respeito da exclusão da base de cálculo do ICMS do valor dos descontos incondicionados prescreve o art. 13, § 1°, II, “a”, da Lei Complementar n° 87/96, nos seguintes termos:


Art. 13. A base de cálculo do imposto é: (…)


§ 1º Integra a base de cálculo do imposto, inclusive na hipótese do inciso V do caput deste artigo:


I – o montante do próprio imposto, constituindo o respectivo destaque mera indicação para fins de controle;


II – o valor correspondente a:


a) seguros, juros e demais importâncias pagas, recebidas ou debitadas, bem como descontos concedidos sob condição;”


Vê-se claramente da parte final da letra “a” retrotranscrita que os descontos incondicionados não integram a base de cálculo.


Em razão da clareza do texto da lei de regência nacional do ICMS o STJ editou a Súmula 457 com o seguinte enunciado:


“Os descontos incondicionais nas operações mercantis não se incluem na base de cálculo do ICMS.”


Tanto o texto legal, como o teor da Súmula são genéricos não comportando interpretação restritiva. A Súmula refere-se a “operações mercantis” como gênero de que são espécies as operações normais e as operações por substituição tributária para trás ou para frente.


Entretanto, o STJ, em recente acórdão publicado em fevereiro de 2011, reformulou seu antigo entendimento, passando a distinguir as operações normais das operações por substituição tributária para frente, conforme se verifica da ementa abaixo:


 “Processual. Tributário. Ofensa ao art. 535 do CPC não comprovada. ICMS. Substituição tributária “para frente”. Desconto incondicional. Base de cálculo. Art. 8° da LC 87/1996. Precedentes.


 1. É pacífico no STJ que a decisão que soluciona a lide com fundamentos suficientes, ainda que não enfrente todos os argumentos das partes, não viola o art. 535 do CPC.


2. A Segunda Turma fixou o entendimento de que o desconto ou a bonificação concedidos pelo substituto ao substituído tributário não são necessariamente repassados ao cliente deste último, de modo que inexiste direito ao abatimento da base de cálculo do ICMS na sistemática da substituição tributária “para frente”.


3. É inquestionável que, se não houvesse substituição tributária, o desconto incondicional não integraria a base de cálculo do ICMS na primeira operação (saída do fabricante para a distribuidora), aplicando-se o disposto no art. 13, § 1º, II, “a”, da LC 87/1996.


4. Em se tratando de substituição tributária, no entanto, a base de cálculo refere-se ao preço cobrado na segunda operação (saída da mercadoria da distribuidora para o seu cliente), nos termos do art. 8º da LC 87/1996. Inviável supor, sem previsão legal, que o desconto dado pela fábrica, na primeira operação, seja repassado ao preço final (segunda operação).


5. Entendimento pacificado pela Primeira Seção, no julgamento dos EREsp 715.255/MG, e reafirmado pela Segunda Turma, ao apreciar o REsp 1.041.331/RJ.


6. Agravo Regimental não provido” (AgRg no REsp nº 953219/RJ, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe 04-02-2011).


Verifica-se o item 4 da ementa que a Corte promoveu uma interpretação econômica do texto legal para incluir na base de cálculo do ICMS o valor dos descontos incondicionais em se tratando operação de circulação de mercadorias pelo regime da substituição tributária para frente.


Exatamente esse tipo de raciocínio é que conduziu a criação, por parcela ponderável da doutrina, da figura do contribuinte “de fato” que seria o legitimado para pleitear a restituição do indébito tributário.


Essa doutrina equivocada, por sua vez, foi a responsável pela inserção do art. 166, do CTN que condiciona a restituição dos tributos indiretos à prova de que o contribuinte, autor da ação de repetição, assumiu o encargo tributário, ou no caso de tê-lo transferido a terceiro estar por este expressamente autorizado a recebê-la.


Criou-se uma situação que torna impossível a repetição, permitindo que a Fazenda se aproprie indefinidamente do valor de  um crédito tributário inexistente. É patente que o valor do tributo indireto integra o preço das mercadorias ou serviços porque representa um custo, a exemplo das despesas salariais, de aluguéis etc.


Retornando ao exame da questão, se desconsiderado o valor do desconto incondicionado concedido pelo estabelecimento substituente para a fixação da sua base de cálculo, a base de cálculo na operação seguinte, a do estabelecimento substituído, aumentará por força do disposto no art. 8°, II, “a”, da Lei Complementar n° 87/96:


 “Art. 8º. A base de cálculo, para fins de substituição tributária, será:


II – em relação às operações ou prestações subsequentes, obtida pelo somatório das parcelas seguintes:


a) o valor da operação ou prestação própria realizada pelo substituto tributário ou pelo substituído intermediário;”


Portanto, teoricamente, a manutenção do desconto incondicionado permitirá ao estabelecimento substituído fixar um preço menor para o consumidor.


Não cabe ao intérprete considerar possíveis manobras do contribuinte substituído para não repassar ao consumidor o benefício do desconto incondicional. Na política de formação do preço entram diversos fatores (matéria prima, folha de remuneração de mão de obra, valor dos tributos indiretos, margem de lucro etc.) que serão dosados para obtenção de um preço que assegure o desenvolvimento da empresa. Não significa necessariamente que o exato valor do desconto incondicional será levado em conta na fixação do preço final de venda, comportando sua flexibilização a exemplo da margem de lucro que poderá variar de conformidade com a conjuntura do momento.


Se formos questionar o não repasse do benefício, nenhuma isenção tributária deveria ser concedida, pois não há garantia de que esse benefício tributário será auferido pelo consumidor.


Lembro-me do início da vigência do novo Sistema Tributário implantado pela Constituição de 1967. Quando se concedeu a isenção do ICM aos chamados produtos horti-fruti-granjeiros os preços das verduras e batatas para o consumidor final continuou sendo o mesmo, antes e depois da isenção.


Nem por isso cabe ao aplicador desconsiderar a lei isentiva que deve ser interpretada exclusivamente sob o ângulo jurídico, podendo detectar eventual vício formal.


Concluindo, conquanto possível em nosso ordenamento jurídico a chamada interpretação econômica enquanto desdobramento da interpretação teleológica, principalmente no âmbito da verificação da ocorrência do fato gerador da obrigação tributária, o aplicador da lei não pode prescindir da interpretação jurídica a fim de aplicar a norma escrita ao objeto do litígio, dirimindo os conflitos de interesses, objetivando a manutenção da ordem jurídica global.



Informações Sobre o Autor

Kiyoshi Harada

Especialista em Direito Tributário e em Ciência das Finanças pela FADUSP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro em várias instituições de ensino superior. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.


Equipe Âmbito Jurídico

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