ICMS e responsabilidade de transportadores

Resumo: O Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul julgou nulo um lançamento de ICMS feito através de auto de infração porque imputou ao ao transportador a obrigação de pagar o imposto estadual. É comum a fiscalização de ICMS atribuir ao terceiro transportador a obrigação de pagar o imposto estadual e pesadas multas. A responsabilidade de terceiros por obrigações tributárias do contribuinte foi atribuída pelos artigo 134 e artigo 135 do Código Tributário Nacional e tais dispositivos não permitem a imputação de responsabilidade tributária a transportadores. A Lei Complementar 87 de 1996 que regulamentou as disposições constitucionais relativas ao ICMS apenas permite a atribuição de responsabilidade a terceiros nos casos em que aqueles praticarem atos ou omissões que concorrerem para a falta de pagamento de imposto. Foi conforme a lei federal, pois, a decisão do tribunal gaúcho que julgou indevida a atribuição de responsabilidade pelo pagamento de ICMS ao transportador no caso de nota fiscal considerada não idônea pela fiscalização.


Muitos Estados brasileiros ainda mantêm fiscalização de trânsito de mercadorias para inspecionar o cumprimento de obrigações tributárias relacionadas com o Imposto Sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Contudo, em grande parte das operações de circulação de mercadorias o trânsito das mesmas é realizado por meio de terceiros transportadores.


É comum a fiscalização de ICMS atribuir ao terceiro transportador a obrigação de pagar o imposto estadual e pesadas multas, especialmente nos casos em que o remetente tem domicílio fiscal em unidade da federação distinta daquela onde ocorreu a suposta infração.


O Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (TJRS) julgou nulo um lançamento de ICMS feito através de auto de infração que atribuiu ao transportador a obrigação de pagar o imposto estadual e multas tendo em vista que a nota fiscal emitida para acobertar a operação de circulação de mercadorias foi considerada não idônea.


A legislação tributária brasileira apenas permite a atribuição de responsabilidade a terceiros nos casos em que aqueles praticarem atos ou omissões que concorrerem para a falta de pagamento de ICMS.


No Brasil, a própria Constituição estabelece os princípios gerais do sistema tributário, as limitações constitucionais ao poder de tributar e define a regra matriz, isto é, as características fundamentais de cada tributo. Ela dispõe, in casu, que lei complementar deve estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre definição de tributos, fatos geradores, bases de cálculos e contribuintes (inciso III do artigo 146 da Constituição) e que é proibido à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça (inciso I do artigo 150 da Constituição). A lei complementar referida pelo artigo 146 da Constituição é o Código Tributário Nacional (CTN).


A Constituição outorgou aos Estados e ao Distrito Federal instituir ICMS (inciso II do artigo 155 da Constituição). Ainda de acordo com a Constituição, cabe a lei complementar definir os contribuintes do imposto estadual (inciso XII do artigo § 2º do artigo 155 da Constituição). A lei complementar referida pelo artigo 155 da Constituição é a Lei Complementar 87 de 1996.


Com alicerce nas referidas disposições constitucionais, CTN – de maneira geral – e Lei Complementar 87 de 1996 – de maneira especifica com relação ao ICMS – dispuseram a respeito de atribuição a terceiros da obrigação de pagar tributo.


O CTN distingue contribuinte, que tem relação pessoal e direta com a situação que constitua o fato gerador, e responsável, cuja obrigação decorre de disposição expressa da lei (artigo 121). Confere à lei a possibilidade de atribuir a terceiro, vinculado ao fato gerador respectivo, responsabilidade pelo crédito tributário, excluindo ou não a responsabilidade do contribuinte (artigo 128). Atribui responsabilidade solidária ao pais, tutores, administradores, inventariantes, síndico e comissário, tabeliães e escrivães e sócios (artigo 134). Atribui responsabilidade pessoal em determinadas situações às pessoas referidas no artigo 134 e aos mandatários, prepostos, empregados, diretores, gerentes.


Mas o CTN não atribui ao transportador responsabilidade por pagamento de tributo nem confere tal possibilidade a lei. Observe-se que o transportador não está vinculado ao fator gerador na hipótese de operação de circulação de mercadorias que vincula exclusivamente quem possui e quem adquire as mesmas.


A Lei Complementar 87 de 1996 confere à lei a possibilidade de atribuir a terceiro a responsabilidade pelo pagamento de crédito tributário relativo ao ICMS devido por contribuinte ou por responsável se os seus atos ou omissões concorrerem para o não recolhimento daquele tributo (artigo 5º).


Mas tal qual o CTN, a Lei Complementar 87 de 1996 não permite à lei atribuir ao transportador responsabilidade por pagamento de ICMS, salvo no caso do mesmo praticar atos ou ficar omisso e daí decorrer falta de recolhimento de imposto estadual.


Tendo em vista as disposições constitucionais e complementares a respeito de imputação de responsabilidade a terceiros, no caso de ICMS a lei estadual não poderá exigir pagamento de tributo de transportadores exceto no caso de prática ou omissão da qual resultar falta de recolhimento do imposto.


A maioria das legislações tributárias estaduais, porém, impõem ao transportador o pagamento de ICMS e multa se a nota fiscal respectiva for considerada não idônea pela fiscalização, sem considerar que neste caso o local da operação é o do domicílio do remetente e que emissão de nota fiscal não idônea pelo remetente da mercadoria não caracteriza prática ou omissão do transportador. Tais disposições legislativas estaduais afrontam indiretamente a Constituição e diretamente o CTN e a Lei Complementar 87 de 1996.


Julgando um caso concreto, a decisão do TJRS foi com o seguinte teor: “Tendo a operação se realizado no estado de São Paulo, não é competente para o recebimento do ICMS e da multa pela infração material o Estado do Rio Grande do Sul.” O tribunal gaúcho concluiu da seguinte maneira: “No caso de defeito da nota fiscal emitida pelo vendedor da mercadoria localizado no Estado de São Paulo, a infração do transportador e do contribuinte adquirente é apenas formal, … Nulidade da autuação e do lançamento tributário.”[i]


Logo, foi conforme a Constituição e a lei federal a decisão do tribunal gaúcho que julgou indevida a atribuição de responsabilidade pelo pagamento de ICMS ao transportador no caso de nota fiscal considerada não idônea pela fiscalização.


 


Nota:

[i] Apelação Cível 70023899396, Relator Desembargador Marco Aurélio Heinz, Vigésima Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul.

Informações Sobre o Autor

Moacyr Pinto Junior

Advogado especializado em Direito Tributário, Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental pela Escola Nacional de Administração Pública.


Equipe Âmbito Jurídico

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