Imposição tributária no processo de integração econômica e a proteção constitucional do contribuinte

Sumário: 1. Considerações sobre a proteção dos Direitos Fundamentais no âmbito do Mercosul 2. Compromissos Democráticos firmados pelos Estados do Bloco 3. Proteção Constitucional do Contribuinte  4. Conclusões 5. Bibliografia.


1. Considerações sobre a proteção dos Direitos Fundamentais no âmbito do Mercosul


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O Tratado de Assunção que instituiu o Mercosul[1] tem como objetivo principal a inserção mais competitiva das economias dos países integrantes do Bloco. Visa incrementar a produtividade, além de estimular os fluxos de comércio com outros países ou blocos. Suas características estão voltadas para a livre circulação de bens e serviços e fatores produtivos entre os países, estabelecendo uma tarifa comum em relação a terceiros países.


Os Estados partes do Mercosul apresentam quadro econômico em que o lento processo de desenvolvimento, a concentração de rendas, o excesso de tributação e falta de políticas adequadas, estabelecem a violência institucional geradora de desemprego, miséria e fome para boa parte de sua população.[2]


Embora, tendo como principal objetivo a entrada e saída de mercadorias nos países signatários do Mercosul, a valorização do homem, no que tange aos direitos e garantias fundamentais vem sendo preocupação constante dos países que integram o Bloco.


Mesmo que algumas modificações conceituais tenham sido realizadas, os princípios estruturais dos direitos humanos continuam sendo os mesmos daqueles contemplados na Declaração Universal de 1948, marco inicial para o processo de universalização dos direitos humanos, considerando as atualizações constitucionais.[3]


Na Convenção Americana de Direitos  Humanos (Pacto de San Jose da Costa Rica) foram tratados os direitos essenciais da pessoa humana, ao direito à vida, à integridade pessoal, proibição da escravidão, à liberdade pessoal, à legalidade e da irretroatividade, à indenização, à liberdade de pensamento, de expressão de consciência e de religião, proteção da honra e da dignidade, à resposta, de reunião, de associação, igualdade perante a lei, listados nos artigos 1º a 26.


As Constituições dos países do Mercosul tratam sobre a proteção dos direitos humanos, sendo que a maioria, opta por aprovar a recepção de tratados internacionais, desde que sejam firmados em condições recíprocas ou igualitárias, respeitando a democracia e os direitos humanos, como pode ser observado na Constituição Argentina (artigo 75 – 24).[4]


A Carta Política do Uruguai dispõe sobre os direitos fundamentais no art. 7º, que são os direitos de primeira geração. O artigo 72 dispõe destaca os direitos sociais. Busca, entre outras disposições, a integração sócio-econômica entre as nações latino-americanas, assegurando a todos os indivíduos o princípio de igualdade e garante que todos os habitantes do Uruguai os direitos à vida, à honra, à liberdade, à segurança, ao trabalho e à propriedade protegidos. (Art. 6º e 7º)


O preâmbulo da Constituição do Paraguai esboça sobre a soberania nacional e a independência. Dispõe sobre a garantia pelo respeito aos direitos humanos, a paz, a justiça, a cooperação e o desenvolvimento político, econômico, social e cultural. (art. 145)[5]. O Paraguai trata dos direitos fundamentais no capítulo V da Constituição, dispondo sobre os direitos, as garantias e as obrigações. A Constituição também fixa deveres que devem ser cumpridos por todos da sociedade, o que seria verdadeira espécie de dever de solidariedade. Enuncia a liberdade individual, reconhece o direito de asilo, a igualdade de todos os habitantes do Paraguai, tanto em termos de dignidade como de direitos. Demonstra que os direitos e garantias não são exaustivos. (artigos 12, 43 e 45)


A Constituição brasileira apresenta os direitos e garantias individuais no artigo 5º, demonstrando que são direitos auto-aplicáveis, constituindo-se em cláusulas pétreas[6]. A Carta Política brasileira está baseada na soberania, na dignidade da  pessoa humana, nos valores sociais do trabalho, na livre iniciativa e no pluralismo político, sob um Estado Democrático de Direito. (art. 1º – I a V) Preceitua também, no que se refere às relações internacionais, ao princípio da integração econômica, política, social e cultural entre os povos da América Latina (Art. 4º – Parágrafo Único). Adota ainda os princípios da independência nacional, a prevalência dos direitos humanos, a autodeterminação dos povos, a não-intervenção, a igualdade entre os Estados, a defesa da paz, a solução pacífica dos conflitos, o repúdio ao terrorismo e ao racismo, a cooperação entre os povos para o progresso da humanidade e acessão de asilo político. Garante também o direito à vida, à igualdade, à segurança e à propriedade a todos os brasileiros e estrangeiros residentes no país.


A Constituição brasileira enuncia que os direitos e garantias, nela protegidos não excluem outros provenientes de tratados internacionais de que o Brasil seja parte, e que as normas definidoras desses direitos e garantias fundamentais têm efeito direto. (art. 5º – Parágrafo 2º). A Emenda Constitucional 45,  deu nova redação ao § 3º do referido artigo, ressaltando que os tratados e as convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, com três quintos dos votos, dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais. Assim, as respectivas declarações de direitos humanos nas Constituições da Argentina e Brasil, não constituem numerus clausus, abrindo-se a ulteriores complementações[7].


Os textos constitucionais dos países do Mercosul estão pautados na dignidade da pessoa humana, enquanto princípio fundamental da defesa dos direitos fundamentais. Portanto, pode-se observar que a dimensão internacional dos direitos humanos não se permite que um bloco econômico que busca a formação de um mercado comum, deixe de lado uma real preocupação com a proteção dos direitos humanos. Ao consagrar o primado do respeito aos direitos humanos, como paradigma propugnado para a ordem internacional, abre a ordem jurídica interna ao sistema internacional de proteção desses direitos. Vê-se, dessa forma que as Constituições do Mercosul trazem princípios sobre direitos humanos que estão em consonância com a Convenção Americana de direitos humanos.


Os dispositivos constitucionais que protegem os direitos humanos e as liberdades fundamentais se mostram muito similares em todos os Estados integrantes do Mercosul.


Norberto Bobbio salienta sobre a era dos direitos, onde cada Estado possui um dever internacional de proteger os direitos fundamentais da pessoa humana em seu território.[8]


A doutrina dos direitos fundamentais conforme a Constituição vem destacada por Canotilho, salientando que as teorias dos direitos fundamentais apenas auxiliam na busca de uma compreensão material, constitucionalmente adequada, dos diretos fundamentais. Em suma, torna-se necessária uma doutrina constitucional dos direitos fundamentais está construída com base numa constituição positiva, e não apenas uma teoria de direitos fundamentais de caráter exclusivamente teorético.[9]


A Constituição brasileira de 1988 constitui um marco importante na institucionalização dos direitos humanos no Brasil. A dignidade humana e os direitos e garantias fundamentais vêm caracterizar os princípios constitucionais
Ao consagrar o primado do respeito aos direitos humanos, como paradigma propugnado para a ordem internacional, abre a ordem jurídica interna ao sistema internacional de proteção dos direitos humanos, com a ratificação de diversos acordos internacionais.


Merecem destaques os dizeres do Professor Antonio Augusto Cançado Trindade quando ensina que a construção da moderna cidadania se insere assim no universo dos direitos humanos, e se associa de modo adequado ao contexto mais amplo das relações entre os direitos humanos, a democracia e o desenvolvimento, com atenção especial ao atendimento das necessidades básicas da população (a começar pela superação da pobreza extrema) e à construção de uma nova cultura de observância dos direitos humanos.[10]


O Mercosul, conforme disposto no art. 1º do Tratado de Assunção, é uma experiência de integração meramente econômica, sendo a proteção dos direitos humanos tema político, que de alguns anos para cá, começou a ser mais destacado no processo de integração do bloco.


De fato, como acentua André de Carvalho Ramos, os objetivos comerciais e econômicos foram os que mais imperam no Tratado de Assunção como no Protocolo de Ouro Preto. Entretanto, é possível observar que a cooperação entre os países não pode ser compartilhada, já que mesmo o mais fiel defensor da soberania dos Estados reconhece a necessidade da existência de fórmulas de convivência pacífica entre estes entes soberanos em todos os campos da atividade humana, incluindo-se neles o tema da proteção dos direitos humanos.[11]


Durante a II Jornada Tributária do Mercosul[12] realizada em São Paulo em 1997, com o objetivo de preservar a base tributária das nações, a competitividade global das empresas, entre outras observações, foram apresentadas recomendações, envolvendo a tributação justa com o transfer pricing. Ao final vem destacado, que as referidas regras pertinentes ao preço de transferência se faça de forma justa, adequada e razoável, segundo os maiores princípios de justiça e boa – fé que devem necessariamente regular as relações fisco-contribuinte.


E neste direcionamento, escreve Antonio Carlos Rodrigues do Amaral, ressaltando que a introdução da nova sistemática de controle das operações entre as partes vinculadas será tanto mais positiva quanto mais compatível for com o regramento internacional, e quanto mais preservar e enaltecer os direitos e garantias fundamentais dos cidadãos e dos seus negócios.[13]


Como pode ser observada a preocupação com os direitos fundamentais tem suas passagens, mesmo que isoladas, quando refere a alguns tributos. Interessante destacar os princípios da ordem econômica, estabelecidos no artigo 170 da Carta Constitucional brasileira que deriva da liberdade de contratar, da liberdade de iniciativa e da livre concorrência, pilares também que devem fortalecer o processo de integração.


Ricardo Lobo Torres, escreve que o tributo nasce no espaço aberto pela auto-limitação da liberdade, o que equivale a dizer que vive permanentemente limitado pela liberdade individual, que lhe é existente. Assevera também, que as idéias de liberdade e tributo, e, de direitos humanos e poder de tributar, ligam-se essencialmente na mesma equação de valores e se encontram em permanente interação, sendo que a legitimidade do poder de tributar, fundada na liberdade absoluta, sendo as imunidades tributárias tão indefiníveis, como os próprios direitos da liberdade, as discriminações fiscais são desigualdades infundadas que prejudicam a liberdade do contribuinte. Qualquer discriminação injustificável que implique, excluir alguém da regra tributária geral ou de um privilégio não odioso, constituirá ofensa aos direitos humanos, posto que desrespeitará a igualdade assegurada no artigo 5º da Constituição brasileira.[14]


Flávia Piovesan[15] destaca que a partir do momento em que o Brasil se propõe a fundamentar suas relações internacionais com base na prevalência dos direitos humanos, está ao mesmo tempo reconhecendo a existência de limites e condicionamentos à noção de soberania estatal, ao modo pelo qual tem sido tradicionalmente concebida.


Essa assertiva demonstra que decorre do processo de globalização a prevalência dos direitos humanos, que com isso vem destacar a abertura da Constituição brasileira às normas internacionais, abertura que constitui um traço marcante da ordem constitucional contemporânea.[16]


Em 1991, quando foi assinado o Tratado de Assunção ficou demonstrando em seu preâmbulo, a necessidade de se atingir o desenvolvimento econômico com justiça social e preservação do meio ambiente, além de melhorar as condições de vida de seus habitantes.


Logo mais, em agosto de 1995, foi elaborado o Regulamento da Comissão Parlamentar Conjunta do Mercosul, enaltecendo que os propósitos do Regulamento são entre outros, o de proteger a paz, a liberdade, a democracia e a vigência dos direitos humanos.


Atualmente não se pode negar que o respeito e a promoção dos direitos humanos é um padrão de conduta de natureza obrigatória.


2 – Compromissos Democráticos firmados pelos Estados do Bloco


Em 1992 foi firmado o Acordo entre a Comunidade Européia e o Mercosul com objetivo de ampliar o comércio e a prestação de serviços entre os blocos com a diminuição de barreiras diversas. Referido Acordo de Cooperação dispõe em suas justificativas iniciais a plena adesão aos princípios consagrados na Carta das Nações Unidas, aos valores democráticos, ao Estado de Direito, e ao respeito à promoção dos direitos do Homem.[17]


Através deste Acordo, vê-se que o Mercosul deverá buscar sempre uma estabilidade democrática sobre o princípio de uma solução pacífica para conflitos políticos regionais e os internos. É nessa perspectiva que deve ser apresentada a importância dos direitos humanos como elemento integrativo no Mercosul. 


No Tratado de Assunção não foi prevista nenhuma disposição sobre a condição de democracia no Mercosul ou a prevalência do Estado de Democrático de Direito sobre qualquer outro. Novos rumos foram dados ao bloco integracionista com a aprovação dos documentos a seguir dispostos.


A Comissão Parlamentar Conjunta do Mercosul abordou temas fundamentais para o tratamento uniforme dos direitos humanos. Resultou dessas abordagens a Recomendação CPC 006/96, para que fosse incluída uma verdadeira cláusula democrática que obrigasse todos os membros a manter o regime democrático, sob pena de exclusão do processo de integração. O resultado dessa recomendação foi disposto na Declaração Presidencial sobre Compromisso Democrático e pela Declaração Diálogo Político, ambas firmadas na Argentina, durante o X Conselho do Mercosul em 25 de junho de 1996. A primeira Declaração estabelece que toda alteração da ordem democrática constitui um obstáculo inaceitável à continuidade do processo de integração, estabelecendo uma imediata consulta entre os Estados, no caso de ruptura da ordem democrática.


Os Chefes dos Estados do Bloco do Mercosul firmaram em 1997 a Declaração de Defesa da Democracia,[18] com o vista a necessidade de preservar e fortalecer a democracia representativa cujo valor é compartilhado por todos os seus integrantes e seu exercício efetivo constitui uma obrigação para os Estados Partes. Ficou estabelecido no referido documento que a democracia representativa é o fundamento da legitimidade dos sistemas políticos e condição indispensável para a paz, a estabilidade e o desenvolvimento da região, assim como para o processo de integração hemisférica no qual se encontram comprometidos os países integrantes do Bloco. Concordaram que a eliminação da pobreza extrema, a obtenção da justiça social, a promoção de formas de exercício da cidadania, assim como a melhoria das condições de vida e o bem estar dos povos, que são objetivos permanentes dos países, os quais podem ser mais facilmente alcançados através da cooperação e da coordenação entre os governos democráticos. Ficou reiterado que a promoção e a observância dos valores éticos e o respeito aos direitos humanos são o fundamento e a razão de ser da legitimidade dos sistemas políticos, e que somente a democracia garante efetivamente a sua vigência. Reafirmaram que toda agressão à democracia de um país da região constitui um atentado contra os princípios que fundamentam a solidariedade dos Estados americanos. Por isso, na busca da preservação da democracia representativa e da plena vigência das instituições, acordaram que, no caso de ocorrer, em qualquer dos países integrantes do bloco mercosulino, fatos que alterem o Estado de Direito ou impliquem uma ruptura da ordem constitucional, a Secretaria Pro Tempore convocará uma reunião de Ministros das Relações Exteriores para examinar a situação.


Reiterando a Declaração Presidencial de Las Leñas de 27 de junho de 1992, no sentido de que a plena vigência das instituições democráticas é condição indispensável para a existência e desenvolvimento do Mercosul, os Presidentes dos países integrantes do Mercosul afirmaram em Ushuaia na Argentina em 1998, que a plena vigência das instituições democráticas é condição essencial para o desenvolvimento dos processos de integração entre os Estados Partes,  incluindo o Chile e a Bolívia.


Assim, toda ruptura de ordem democrática em um dos Estados partes do Mercosul dará lugar a aplicação dos procedimentos dispostos no Compromisso firmado em Ushuaia. Em caso de ruptura da ordem democrática em um Estado parte do Mercosul, os demais Estados promoverão as consultas pertinentes entre si com o Estado envolvido. A gravidade da situação será analisada e poderão ser aplicadas medidas de suspensão do direito de participar dos distintos órgãos e processos de integração do Bloco. Referidas medidas deverão ser tomadas por unanimidade dos demais integrantes do Mercosul. Cessando os efeitos da ruptura da ordem democrática, a integração será reiniciada, quando verificado o pleno restabelecimento da ordem democrática.


No Rio de Janeiro em dezembro de 1998, os Presidentes dos Países do Mercosul juntamente com os Presidentes da Bolívia e do Chile, reafirmaram a prioridade que atribuem ao processo de integração e reiteraram seu entendimento de que o Mercosul constitui um instrumento eficaz para impulsionar a competitividade das economias dos Estados partes, dinamizar sua inserção no plano internacional e incrementar a captação de investimentos produtivos. Reiteraram, sua certeza de que o desenvolvimento do processo de integração constitui elemento essencial para assegurar o crescimento, a estabilidade econômica e níveis cada vez mais elevados de bem-estar social para os povos dos quatro países.[19] Reafirmaram os direitos humanos e liberdades fundamentais como parte indissociável da identidade permanente de suas sociedades. Nesse sentido, renovaram o compromisso compartilhado dos respectivos Governos de tornar efetivos em cada um dos países e por meio de esforços conjuntos, os enunciados e direitos consagrados na Declaração Universal dos Direitos Humanos e na Declaração dos Direitos e Deveres do Homem, ao adotar, no âmbito das comemorações dos 50 anos daqueles dois marcos da proteção internacional da pessoa humana, a Proclamação do Rio de Janeiro. [20]


Consideram que a defesa do consumidor é indissociável do desenvolvimento econômico equilibrado do Mercosul e que é dever dos Estados partes encetar esforços para atingir um nível de proteção adequado dos consumidores. Reafirmam sua vontade política em avançar no processo de harmonização da matéria na região, destacando a importância de garantir, entre outros, o direito à adequada proteção à saúde e segurança, à informação e à educação, à reparação por danos sofridos, à proteção de seus interesses econômicos e ao acesso à justiça ou a meios alternativos de solução de controvérsias. Nesse sentido, expressaram a satisfação pela aprovação da Resolução do Grupo Mercado Comum sobre Garantia Contratual, que contribui concretamente à defesa dos direitos consumidores no Mercosul, dando um primeiro e significativo passo na harmonização dos direitos do consumidor na sub-região. Saudaram a aprovação da Resolução do Grupo Mercado Comum relativa às Políticas de Apoio às Micros, às Pequenas e as Médias Empresas, a qual vem reconhecer o papel de relevo desempenhado por ela na relação de emprego e renda nas economias da sub-região.


Após outras disposições, os Presidentes reiteraram a convicção de que o êxito do processo de integração tem permitido, em patamares sem precedentes, o estreitamento contínuo das relações entre os países, em todos os setores e em todos os níveis de suas sociedades. Reiteraram, ademais que processo de integração reforça a vocação dos Estados partes para a construção de sociedades crescentemente prósperas e justas, alicerçadas no respeito dos direitos humanos e no exercício da democracia.


Em 2004, foi criado o Centro Mercosul de Promoção do Estado de Direito com a finalidade de analisar e reforçar o desenvolvimento do Estado, a governabilidade democrática e todos os aspectos vinculados aos processos de integração regional, com especial ênfase no Mercosul,  para organizar e executar ações em matéria de investigação acadêmica, capacitação e difusão fundamentada na democracia, no respeito aos direitos humanos e nas liberdades fundamentais, indispensáveis  para o desenvolvimento, integral, justo e eqüitativo da região.


O Compromisso para a Promoção e Proteção dos Direitos Humanos do Mercosul foi firmado em 20 de junho de 2005 em Assunção.  Destaca que os Estados Partes cooperarão mutuamente para a promoção e proteção efetiva dos direitos humanos e liberdades fundamentais através dos mecanismos institucionais estabelecidos no Mercosul. O presente Protocolo se aplicara em caso de que se registrem graves e sistemáticas violações dos direitos humanos e liberdades fundamentais em uma das Partes em situações de crise institucional ou durante a vigência de estados de exceção previstos nos ordenamentos constitucionais respectivos. A tal efeito, as demais Partes promoverão as consultas pertinentes entre si e com a Parte afetada. Poderá ocorrer desde a suspensão do direito a participar deste processo de integração ate a suspensão dos direitos e obrigações emergentes do mesmo. O presente Protocolo se encontra aberto a adesão dos Estados Associados ao Mercosul.


Os Presidentes dos países do Mercosul assinaram um Comunicado Conjunto em 2006 reafirmando o interesse em promover o desenvolvimento integral, enfrentar a pobreza e a exclusão social, baseada na solidariedade, na cooperação como medida para fomentar a integração produtiva e a inserção de suas economias no contexto mundial bem como a implementação do Fundo de Convergência Estrutural do Mercosul (FOCEM). Demonstraram o avanço no marco do Mercosul político nas áreas da cultura, do desenvolvimento social, migrações, seguridade social, educação, saúde, meio ambiente e promoção dos direitos humanos para o progresso dos povos do Bloco.


A Decisão  do CMC Nº 05/07 de 18.01.07 aprovou o Observatório da Democracia do Mercosul associado ao Centro Mercosul de Promoção do Estado de Direito, para contribuir para o fortalecimento dos objetivos do Protocolo de Ushuaia sobre Compromisso Democrático no Mercosul e realizar o acompanhamento de processos eleitorais nos Estados partes do Mercosul, que contou também da adesão da Colômbia, do Chile e da Bolívia.


É comum observar que alguns países instituem legislações com baixos graus de proteção de direitos humanos, com objetivo de obter menores custos para instalação de atividades econômicas e comercialização de seus produtos. Há, portanto, uma pressão de muitos países no sentido exigir o cumprimento de alguns direitos fundamentais, fazendo desta forma com que se multiplicam acordos de livre comércio, com referência as regulações mínimas. Tais regulamentações mínimas visam demonstrar as vantagens competitivas de cada nação, sem que estas sacrifiquem ou limitem direitos humanos ou garantias fundamentais.[21] Esta prática é feita no sentido de baixar a competitividade internacional em um baixo custo laboral. Isto resulta na diminuição do custo da mão-de-obra e, conseqüentemente, do valor da mercadoria.


Deve-se evitar o prejuízo ao trabalhador e à empresa que utiliza a força braçal que causaria uma dupla tributação, com a finalidade de financiar a seguridade social de ambos os Estados, da nacionalidade e do exercício da profissão desse empregado ou do exercício da atividade dessa empresa. Essa situação, segundo Edison Fernandes, somente seria garantida através de acordos internacionais, bilaterais ou plurilaterais.[22] Embora a matéria sendo trabalhista e previdenciária envolve diretamente ao aspecto tributário, e, deve ser tratado em conjunto com a tributação.


Daí ressaltar, que assegurar a todos a existência digna conforme dispõe a Constituição brasileira (art. 1º) nos ditames da justiça social, não é tarefa fácil em sistemas de base capitalista, considerando as limitações e as dificuldades na atual fase de integração do Mercosul.


Na prática os avanços constitucionais significam a superação das violações dos direitos fundamentais?  Tais dispositivos, propostas e intenções por si só bastam para assegurar o real respeito aos direitos humanos e garantir o exercício eficaz da cidadania e a defesa do contribuinte?


3 – Proteção Constitucional do Contribuinte


De maneira geral as Constituições do Bloco prevêem princípios e demais disposições de proteção das pessoas,  direitos e garantias envolvendo os contribuintes.


A Constituição Argentina enaltece que tanto a Constituição como os tratados internacionais são normas de nível superior naquele País, conforme a previsão do artigo 75 (24).[23] O Congresso Nacional  aprova os tratados de integração que dão competência e jurisdição a órgãos supranacionais, sob condições recíprocas e igualitárias, respeitando sempre a democracia e os direitos humanos. O Artigo 4º dispõe que o Governo Federal provê os gastos da Nação com as demais contribuições que eqüitativa e proporcionalmente à população imponha o Congresso Geral. Destaca assim, os princípios da eqüidade e da proporcionalidade, envolvendo a capacidade contributiva. Já o artigo 17 ressalta a proibição de confisco[24]. De igual modo consagra a Constituição Argentina que a igualdade é a base dos impostos e das cargas públicas (art. 16).


A Carta Política do Uruguai dispõe sobre os direitos fundamentais no art. 7º. Embora o Estado seja unitário, a criação e aumento de impostos departamentais, por decreto, não fere o princípio da legalidade estrita, pois este é emanado da Junta Departamental, que exerce as funções legislativas e de controlador do governo departamental (art. 273).


O preâmbulo da Constituição do Paraguai esboça sobre a soberania nacional e a independência. O Paraguai trata dos direitos fundamentais no capítulo V da Constituição, dispondo sobre os direitos, as garantias e as obrigações. Enuncia a liberdade individual, reconhece o direito de asilo, a legalidade, a irretroatividade, a igualdade de todos os habitantes do Paraguai, tanto em termos de dignidade como de direitos. Demonstra que os direitos e garantias não são exaustivos. (art. 12, 43 e   45) De igual modo a Carta constitucional prevê também a vedação do confisco (que está inserida no contexto do direito penal).


A Constituição brasileira dispõe sobre os direitos e garantias individuais no artigo 5º, demonstrando que são direitos auto-aplicáveis e constituindo-se em cláusulas pétreas.[25] A Carta Política brasileira está baseada na soberania, na dignidade da pessoa humana, nos valores sociais do trabalho, na livre iniciativa e no pluralismo político, sob o Estado Democrático de Direito. (art. 1º – I a V) Ressalta também, no que se refere às relações internacionais, ao princípio da integração econômica, política, social e cultural entre os povos da América Latina (Art. 4º – Parágrafo Único).


Estão dispostos na Constituição brasileira os princípios da legalidade, da isonomia, da irretroatividade, da anterioridade, da não confiscatoriedade, da pessoalidade, da capacidade contributiva, da seletividade, da não cumulatividade, da progressividade entre outros (artigos 145, 150, 153 e 155), além de dispor sobre a imunidade tributária (art. 150, VI).


Quanto ao Princípio da legalidade as Constituições mercosulinas destacam o processo legislativo bem como as competências em caráter excepcional do Poder Executivo. No entanto, no Brasil, as Medidas Provisórias editadas em excesso tem enfraquecido o Estado Democrático de Direito, uma vez que, são editadas muitas sem a justificada urgência e relevância (art. 62 Constituição Federal). De igual modo, na Argentina há consideráveis edições de Decretos tidos como necessários e urgentes e que não encontram amparo na Constituição.


Ao dispor sobre a igualdade, um dos pilares dos direitos fundamentais do contribuinte, prevista em todas as constituições mercosulinas deve ser interpretada no contexto constitucional e das demais legislações em conjunto com os demais princípios constitucionais, especialmente o da capacidade contributiva e o da vedação de excessos. Só haverá desigualdade suscetível de censura judicial quando o discrime resvalar para a ofensa a direitos fundamentais, imantados também pela igualdade. Isso acontecerá se o imposto atingir o mínimo existencial, ou assumir proporção confiscatória, ou discriminar pessoas em razão do sexo, cor, religião, domicílio, etc., ou conceder a terceiros privilégios excessivos que redundem em prejuízo do contribuinte.[26]  E como confiscatório pode ser considerado o ato que em virtude de uma obrigação fiscal determina uma injusta transferência patrimonial do contribuinte ao fisco, injusta pelo montante ou pela falta de amparo jurídico. Ou seja, quando não é justa nem razoável, conforme ensina Bielsa.[27]


O principio da capacidade contributiva está aliado ao princípio da vedação do confisco, a imunidade e a isenção demonstram a proteção do mínimo necessário à existência, das condições sociais e das liberdades.[28]


No Brasil, o princípio da irretroatividade está previsto no artigo 150 da Constituição, que veda a União, os Estados e os Municípios a cobrar tributos em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que instituir ou aumentar os mesmos. Na Constituição do Uruguai referido princípio está implícito no princípio da segurança jurídica. Na Argentina, não há previsão constitucional e a Suprema Corte admite, a validade de lei retroativa, com exceção das que regulem matéria penal ou sancionatória.


Devem ser consideradas, de forma abrangente, as deduções no imposto de renda no Brasil, para os dependentes, incluindo também a faixa de rendimentos fixados anualmente, daqueles que não serão tributados, considerando aí o mínimo existencial.  Nos impostos indiretos, no Brasil, podem ser listados os impostos sobre produtos industrializados e o imposto sobre circulação de mercadorias com alíquotas seletivas, possibilitando uma tributação com alíquotas mais reduzidas ou isentas para os produtos ou mercadorias consideradas essenciais ou de primeira necessidade.


A progressividade de alíquotas tem demonstrado ao lado da generalidade, da proporcionalidade e da capacidade contributiva que são fortes instrumentos de justiça tributária, se adequadamente aplicados. A progressividade deve atuar como elemento vetor para corrigir desigualdades sociais.


Outra questão de relevância é a que trata do gasto público e especialmente da destinação da arrecadação de tributos específicos. Ou seja, a aplicação do dinheiro público para diminuição da desigualdade social e distribuição da renda. Por isso a importância em estudar o tributo com a vinculação com o seu gasto (receita pública). Tal controle pode ser realizado tanto no âmbito interno quanto externo conforme determina a Constituição brasileira. Uma correta adequação do gasto público está relacionada com os direitos do homem, conforme alerta Norberto Bobbio[29], o problema fundamental dos direitos do homem, não é tanto de justificá-los, mas o de protegê-los. Daí avaliar a transparência da administração pública no atendimento dos interesses da comunidade através do orçamento e da aplicação do dinheiro público. Isto porque, conforme afirmava Alfredo Becker, o tributo é um direito da sociedade e não do Estado.  Tributar é um dever do Estado, porém, o tributo é um direito da sociedade.  Assim, os princípios da moralidade e da eficiência, ambos previstos no artigo 37 da Constituição Federal revelam o principio do justo gasto do tributo arrecadado.[30]


Do ponto de vista da economia internacional, é possível observar os interesses opostos entre as nações, uma vez que os países ricos utilizam os direitos humanos como argumento adicional e condicional à assistência e à cooperação econômica ao terceiro mundo. Os países em desenvolvimento, buscam obter assistência e cooperação econômica para que possam ter meios de assegurar os direitos humanos de suas populações.


Da mesma forma, a proibição da utilização do tributo com efeito de confisco, a teor do inciso IV do art. 150 da Carta Política brasileira, é considerada uma limitação constitucional ao poder de tributar. Escreveu Villegas, que há confisco quando se está face à exigência tributária que exceda a razoável possibilidade de colaborar para os gastos públicos, isto é, que vão além do que permite a capacidade contributiva do particular afetado.[31]


A razoabilidade da imposição se deve estabelecer em cada caso concreto, segundo as exigências de tempo e lugar os fins econômicos e sociais de cada imposto. Com isso, verifica-se que há confisco sempre que houver afronta aos princípios da liberdade de iniciativa, ou de trabalho ou profissão, quando ocorrer absorção pelo Estado, de valor equivalente ao da propriedade imóvel ou quando o tributo acarretar a impossibilidade de exploração de atividades econômicas.[32] Toda vez que ocorrer o confisco através da tributação elevada, haverá ofensa aos direitos fundamentais do contribuinte.


A capacidade contributiva disposta no §1º do art. 145, da Constituição brasileira, exige que o imposto seja graduado segundo a capacidade econômica do contribuinte. Assim, o legislador deve graduar a exigência do imposto, segundo a capacidade contributiva do contribuinte. Este princípio está dirigido ao legislador, confirmando tal posicionamento, quando destaca que a graduação deverá ser feita com base na lei. Portanto, somente a lei poderá estabelecer esta graduação, cujo limite legal se encontra na necessidade respeitar os direitos individuais previstos no artigo 5º da Constituição Federal brasileira (Direitos e Garantias Individuais). Para Villegas a capacidade contributiva é o limite material quanto ao conteúdo da norma tributária, garantindo sua justiça e razoabilidade. É também um princípio distributivo da carga tributária, integrando ainda a caracterização jurídica do tributo.[33]


A capacidade contributiva é a base fundamental de onde partem as garantias, materiais diretas ou indiretas que as Constituições outorgam aos particulares, tais como a generalidade, a igualdade, a proporcionalidade e a vedação de confisco.


O art. 3º da Constituição brasileira dispõe: I – construir uma sociedade, livre, justa e solidária. As limitações à indiscriminada instituição e cobrança de tributos, estão em última análise concentradas na idéia de justiça tributária, sendo esta conseqüência direta do objetivo fundamental da República de construção de uma sociedade justa.[34]


A necessidade de justiça tributária está presente na quase totalidade das Constituições, sob a forma de um princípio, seja implícito ou explícito. No direito brasileiro, por mais que se afirme que este princípio não é explícito, pois entendido como uma conseqüência do ideal de construção de uma sociedade justa, estaria ele resguardado nas diversas formas através das quais se manifesta, quais sejam a capacidade contributiva, a progressividade, a não confiscatoriedade, além de outras já mencionadas.


A anterioridade tributária deve refletir um lapso temporal razoável para que o cidadão possa antecipar a forma e os meios com os quais vai contribuir para o custeio coletivo das despesas da sociedade e não apenas para que o governo possa exercer o seu poder arrecadador. É preciso o adequado planejamento a economia do país, para que os cidadãos vivam com segurança e previsibilidade, e isto deve interferir nas negociações do processo de integração.


A incidência de impostos indiretos existentes no Brasil tem pesadas conseqüências sobre o preço final dos produtos, sobrecarregando o usuário final. O Brasil destaca-se internacionalmente pela alta carga tributária sobre os contribuintes, incluindo os encargos sociais obrigatórios para as empresas.


Os países, da mesma forma que as empresas, devem competir para produzir o máximo com o custo mínimo. Os impostos são parte importante dos custos de produção e do custo de vida. O sistema tributário, da maioria dos países, que penaliza, por exemplo, os aumentos de renda, penalizam ao mesmo tempo os aumentos de produção. Para a população de maneira geral, não é importante saber se a tributação é direta ou indireta, se recai sobre empresas ou pessoas. O país em que há perda do seu capital (fuga de capitais) e do seu capital humano (emigração de profissionais),[35] apresenta dificuldade em seu desenvolvimento, quanto à qualidade de vida de seus habitantes.


O princípio da igualdade jurídica abrange o Direito como um todo. Trata de princípio essencial entre os direitos fundamentais previstos na Constituição brasileira e nas demais Constituições mercosulinas. Vem a calhar as orientações passadas por Geraldo Ataliba quando disserta sobre o tema enfocado não teria sentido que os cidadãos se reunissem em República, erigissem um Estado, outorgassem a si mesmos uma Constituição, em termos republicanos, para consagrar instituições que tolerassem ou permitissem, seja de modo direto, seja indireto, a violação da igualdade fundamental, que foi o próprio postulado básico, condicional da ereção do regime. ( … ) A res publica é de todos e para todos. Os poderes que de todos recebe devem traduzir-se em benefícios e encargos iguais para todos os cidadãos. De nada valeria a legalidade, se não fosse marcada pela igualdade.[36]  


A Exposição de Motivos do projeto do Código de Defesa do Contribuinte brasileiro,[37] abre a página de uma nova cidadania. Com ele o cidadão-contribuinte passa a ter uma relação de igualdade jurídica com o Fisco para, mediante co-responsabilidade cívica, tratarem juntos, e com transparência democrática, da origem e da aplicação da arrecadação pública. Os deveres e os direitos são mútuos; nada se presume negativamente contra um ou outro.


O projeto implica, substancialmente, uma revolução cultural na compreensão da Constituição, para nela se ler o quanto em outras sociedades democráticas, mais sólidas e corajosas no reconhecer e tornar eficazes os direitos da cidadania, já o fizeram há séculos ou décadas. Tal  projeto de lei complementar pretende tornar eficaz, na relação do cidadão-contribuinte com o Fisco, a ordem de valores normatizados no sistema constitucional brasileiro.


Para tornar substantivamente eficazes os dispositivos constitucionais sobre a declaração de direitos fundamentais do contribuinte e sobre os princípios de justiça fiscal condicionadores da tributação, põe a sociedade civil em igualdade legal, a administração pública busca e consecução dos grandes ideais de justiça social e redistribuição da riqueza mediante a tributação. Enaltece que há um fortalecimento dos direitos fundamentais, seja no plano das legislações internas e dos tratados internacionais, seja no campo da reflexão jurídica e da busca da sua justificativa ética. Nessa perspectiva, os direitos fundamentais do contribuinte passam a ter nova relevância.


A Constituição brasileira de 1988 dedica todo um capítulo (art. 150 a 152) às limitações ao poder de tributar, que consubstanciam os direitos básicos do cidadão frente ao poder fiscal do Estado, e, que se colocam como contraponto tributário do elenco dos direitos e garantias proclamados e assegurados pelo art. 5º. As normas constitucionais, contudo, por sua generalidade, necessitam de complementação legislativa a fim de harmonizar os direitos humanos e o ordenamento tributário positivo. Por outro lado, reafirma a preocupação com a justiça fiscal, que, sendo especial emanação da idéia de justiça social, necessita de princípios positivados que a instrumentalizem.[38] O Código de Defesa do Contribuinte, que ora se propõe, tem, por conseguinte, o objetivo de fortalecer a cidadania fiscal, complementando as normas constitucionais pertinentes e compatibilizando a legislação brasileira com a internacional num momento de globalização e expansão das economias nacionais. Destaque-se, de início, algumas disposições que, no projeto, mais afetam a relação do cidadão-contribuinte com Fisco e mais demandam o repensar de práticas consagradas no Direito Público: A cláusula que conceitua justiça tributária como aquela que atenda aos princípios constitucionais da isonomia, capacidade contributiva, eqüitativa distribuição da carga tributária, generalidade, progressividade e não confiscatoriedade (art. 3º, parágrafo único), são parâmetros para a validade dos tributos, tanto para o Fisco que o institua, quanto para o contribuinte que o conteste. Sua abstração cederá à eficácia no exame de cada caso concreto, seja no plano administrativo ou no processo judicial.


Enaltecendo, novamente, o aspecto formal do Estado Direito, tem-se que compete à lei (legislador), estabelecer os critérios tributários para não ferir dispositivos constitucionais que desigualam os contribuintes nas mesmas condições. Daí, a legalidade destacar-se para garantir os demais princípios constitucionais.


Em matéria fiscal, a igualdade de todos perante a lei, é entendida como igualdade para os indivíduos da mesma categoria, dentro da qual a legislação não pode estabelecer diferenças de tratamento. Com isso, tributos com incidências iguais devem ser estabelecidos em condições iguais.


As pessoas políticas, enquanto tributam, não podem agir de maneira arbitrária, sem obstáculo algum, diante dos contribuintes. Nas relações com eles, submete-se a um rígido regime jurídico. Assim, regem suas condutas de acordo com as regras que veiculam os direitos fundamentais e que colimam, também, limitar o exercício da competência tributária, subordinando-o à ordem jurídica.[39]


Pode-se dizer, que diante o princípio republicano, é proibida a concessão de vantagens tributárias fundadas em privilégios dirigidos aos indivíduos isoladamente ou a determinados grupos. Desta forma, estar-se-á diante ao atendimento dos direitos fundamentais estatuídos nas Constituições dos países do bloco do Mercosul.


Um dos aspectos mais relevantes do processo de integração entre os países do Mercosul, diz respeito à eliminação de diferenças legislativas que possam dificultar ou obstaculizar o seu desenvolvimento. O Tratado de Assunção menciona o compromisso dos países membros do Mercosul de harmonizar suas legislações nas matérias pertinentes, para obter o fortalecimento do processo de integração.[40] No âmbito tributário significa inicialmente, a busca de coordenação que facilite o desenvolvimento comercial.


Não obstante o reconhecimento de que a integração de mercados e a harmonização tributária são mecanismos essenciais para o desenvolvimento econômico e social do Bloco mercosulino, os países envolvidos ainda dão os seus primeiros passos no sentido de promoverem a coordenação de seus sistemas positivos, especialmente no âmbito tributário. Pelo terceiro parágrafo do Tratado de Assunção, tem-se inicialmente, que o processo de integração nos países do Mercosul implicará na coordenação de políticas macroeconômicas, incluindo aí a política fiscal. Essa coordenação tem por finalidade assegurar o compromisso dos membros e parceiros do Mercosul em harmonizar as suas legislações, notadamente a área tributária.


A uniformização por sua vez pressupõe mais do que uma aproximação, exigindo uma identidade de texto.[41] O estabelecimento de princípios referentes a um determinado tributo pode significar o início da harmonização legislativa ele. No entanto, no âmbito do Mercosul, em matéria tributária, o processo de aproximação legislativa está direcionado na fase da coordenação de tributos ou coordenação fiscal, onde deverá se ater aos princípios da ordem democrática e atender aos ditames dos Direitos Humanos estatuídos, com o objetivo de alcançar uma tributação justa.


4 – Conclusões


O Estado é um ente criado para o atendimento do bem comum em prol de toda a sociedade que o constituiu. Dentre os principais valores pretendidos pela sociedade brasileira, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, a valorização do trabalho e a livre iniciativa encontram-se no topo da hierarquia dos valores preconizados pelo Estado.


Uma legítima política tributária deve ser fundada em diversos fatores e não apenas baseada na sua arrecadação procedida pelo Estado. Referida política deve atender os ditames constitucionais, visando o desenvolvimento econômico e social, garantindo os direitos do contribuinte.


Quando da harmonização dos ordenamentos vigentes (tanto interna quanto externa) dos países do Mercosul,  esta deverá se preocupar mais com as vantagens competitivas, considerando os direitos humanos e garantias fundamentais de cada país, colocando-os sempre em primeiro plano.


Vale ressaltar que o bloco mercosulino não atingirá o seu processo de integração, sem compromissos efetivos, para evitar que ocorram práticas comerciais, que possam impedir, restringir ou prejudicar o livre exercício dos direitos humanos, a livre iniciativa e a livre concorrência.


A questão maior da proteção dos direitos humanos está na capacidade do Estado em exigir o respeito a estes direitos. Efetivar esses direitos, conforme escreve Konrad Hesse, ao demonstrar que a Constituição jurídica está condicionada pela realidade histórica. Ela não pode ser separada da realidade concreta de seu tempo. A pretensão de eficácia da Constituição somente pode ser realizada se levar em conta essa realidade.[42]


O Compromisso para a Proteção dos Direitos Humanos, deverá efetivamente ser implantado com  a máxima urgência e de igual modo, efetivamente aplicado para que alcance a eficácia pretendida.


Conforme foi observado, os direitos fundamentais do contribuinte, devem merecer destaque não só no âmbito constitucional ou da legislação ordinária, e sim, deve a administração tributária fazer valer, efetivamente em suas ações  fiscalizadoras e aplicadoras das regras tributárias. Assim, estará garantindo a segurança e a justiça tributária, e, enaltecendo os direitos fundamentais no Estado Democrático de Direito.


No entanto, no âmbito do Mercosul, em matéria tributária, o processo de aproximação legislativa está direcionado na fase da coordenação de tributos ou coordenação fiscal, onde deverá se ater aos princípios da ordem democrática e atender aos ditames dos Direitos Humanos estatuídos.


Em derradeira análise, um dos objetivos da integração econômica é elevar o bem-estar da população de todas as regiões. Assim, a redistribuição de rendas contribui para esse fim, sendo que a política fiscal tem função importante. Quanto mais baixo o padrão de vida em algumas regiões a serem integradas, mais importante a harmonização política e fiscal dos países membros nos seus aspectos redistributivos.


Para que haja integração efetiva dos países do Mercosul, é necessário que cada Estado que compõe, reveja suas políticas econômicas e sociais e  seus sistemas financeiro e tributário, ajustando os setores vitais da economia e viabilizando a cidadania plena e coletiva para os seus diversos segmentos em atendimento aos objetivos do processo de integração.


A reciprocidade de tratamento e as isonomias e as liberdades são elementos essenciais do processo de integração. Assim, estará valorizando o homem, e efetivando as liberdades de circulação de mercadorias, serviços e capitais, e dessa forma permitindo a verdadeira integração social, a econômica e a cultural nos países do Mercosul e dos países associados.


 


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Notas:

[1] – Serão feitas abordagens sobre os Estados Partes do Mercosul (Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai) com algumas informações sobre os Estados Associados do Bloco.

[2] – Soares, Mário Lúcio Quintão. Mercosul – Direitos Humanos, Globalização e Soberania. Belo Horizonte, Inédita, 1997, p. 101.

[3] –  Há, atualmente, uma tendência de atuação dos direitos humanos, democracia e desenvolvimento, fortalecidos nas Conferências das Nações das Nações Unidas que mostraram a preocupação internacional sobre as condições de vida de todos os povos.

[4] – A Constituição Argentina enaltece que tanto a Constituição como os tratados internacionais são normas de nível superior naquele País, conforme a previsão do artigo 75 (24). O Congresso Nacional fica encarregado de aprovar tratados de integração que dão competência e jurisdição a órgãos supranacionais, sob condições recíprocas e igualitárias, respeitando sempre a democracia e os direitos humanos. O artigo 33 dispõe sobre os direitos fundamentais, listando um rol exemplificativo. O artigo estabelece os conceitos e princípios fundamentais que preservam a liberdade e a segurança das pessoas. A Constituição não pode ser alterada por lei, fazendo também distinção entre os direitos sociais e individuais, exemplificando-os no artigo 42.

[5] – A Constituição paraguaia, reformada em 1992, declara em seu artigo 137 que é a lei suprema da República do Paraguai e que os tratados e convenções e acordos internacionais, aprovados e ratificados, estão no mesmo nível hierárquico da Constituição.

[6] O artigo 60, parágrafo 4º da Constituição Federal enaltece, entre outros dispositivos, que os direitos e garantias constitucionais não podem ser alterados por Emenda Constitucional.

[7] TORRES, Ricardo Lobo. Direitos humanos e tributação nos países latinos.  In: MELLO, C.D.A & TORRES, R. L. Arquivos de direitos humanos. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. Vol. 3, p.115

[8] – Bobbio, Norberto. A Era dos Direitos. Rio de Janeiro, Ed. Campus, 1992.

[9] – Canotilho, J. J. Gomes. Direito Constitucional. Coimbra, Almedina, 1995, p. 512.

[10] – Memória da Conferência Mundial de Direitos Humanos (Viena – 1993), in Revista Brasileira de Estudos Políticos (80): 149-225, jan., 1995, p. 222.

[11] – Direitos Humanos e o Mercosul, in Casella, Paulo Borba. Mercosul – Integração Regional e Globalização, Rio de Janeiro, Renovar, 2000, p. 868.

[12] –  As legislações dos Estados partes do Mercosul, devem ser compatíveis umas com as outras, para que prevaleça o princípio da coordenação tributária entre as várias jurisdições envolvidas, evitando uma competição fiscal entre os países. Deverá ser ampliada a rede de acordos internacionais para evitar a bitributação e para permitir a troca de informações entre as autoridades fiscais das várias jurisdições, sendo recomendado aos países do Mercosul o estabelecimento de um tratado para evitar a bitributação mutilateral, cujas regras sejam interpretadas de forma harmônica com a tradição internacional. Publicado na obra coordenada pelo Prof. Ives Gandra da Silva Martins, O Direito Tributário no Mercosul, Rio de Janeiro, Forense, 2000, p.133/136.

[13] – Visão Global da Fiscalidade no Mercosul: Tributação do Consumo e da Renda. In O Direito Tributário no Mercosul, Rio de Janeiro, Forense, 2000, p. 132.

[14] – TORRES, Ricardo Lobo. Os Direitos Humanos e a Tributação – Imunidades e Isonomia, Renovar, Rio de Janeiro, 1995, p.133 e segs.

[15] – Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional, 3ª ed., São Paulo, Max Limonad, 1997, p. 316.

[16] – Id. Ibidem, p. 317.

[17] – E no artigo 1º ao destacar os princípios da cooperação, ressalta o respeito dos princípios democráticos e dos direitos fundamentais do Homem, enunciados na Declaração Universal dos Direitos do Homem, inspira as políticas internas e externas das partes e constitui um elemento essencial do presente acordo.

[18] – Assinada em Assunção em 24.08.1997.

[19] – Ressaltaram o papel fundamental desempenhado pelo Mercosul como meio idôneo ao fortalecimento da capacidade dos Estados partes de fazer frente aos desafios impostos pela crise financeira internacional. Nesse sentido, sublinharam a importância de se estreitar a articulação e a coordenação dos países para lidar com essa realidade.

[20] – Os ressaltaram a assinatura da Declaração Sócio-Laboral do Mercosul, instrumento que reafirma um conjunto de direitos trabalhistas consagrados nas principais convenções internacionais sobre o tema e institui um mecanismo de acompanhamento de sua aplicação. A assinatura da Declaração Sócio-Laboral reforça significativamente a dimensão social do Mercosul e atesta o êxito da participação ativa dos diversos setores da sociedade no processo integracionista.

[21] –  De fato, a disparidade entre ordens normativas nacionais mais ou menos protetoras, de direitos individuais – inclusive e principalmente – os trabalhistas – cria a possibilidade de o empresário, sediado no país menos protetivo, vender os produtos, com preços bem inferiores aos praticados nos mercados dos países mais protetivos. É o que já se denominou por dumping social, problema típico da globalização da economia, responsável inclusive pela manutenção de políticas protecionistas de indústrias nacionais. Cf. Coelho, Fábio Ulhoa. Direito Transnacional – O Direito de Empresa e o Mercosul, in Revista Jurídica da Instituição Toledo de Ensino, nº 19, fevereiro de 1999, p. 12.

[22] – Sistema Tributário no Mercosul, 2ª ed., São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 1999, p. 111.

[23] – A Constituição Argentina foi modificada em 1994 e o artigo 75 (22) foi criado para elevar certos tratados sobre direitos humanos a uma categoria de nível constitucional, tais como a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem e a Declaração Universal dos Direitos do Homem.

[24] –  A Suprema Corte Argentina qualificou como alíquota máxima de 33% a incidência do Imposto sobre a transmissão gratuita de bens. (Ricardo Lobo Torres, Anais da XX Jornadas do ILADT – 2000 – Salvador, p. 20)

[25] – O artigo 60, parágrafo 4º da Constituição Federal enaltece, entre outros dispositivos, que os direitos e garantias constitucionais não podem ser alterados por Emenda Constitucional.

[26] – Direitos Humanos e Tributação, Ricardo Lobo Torres. Salvador, 2000, p. 26.

[27] – Rafael Bielsa, Estudios de Derecho Publico. Buenos Aires: Depalma, 1951, vol. II, p. 93.

[28] – A Constituição brasileira dispunha sobre a imunidade dos idosos (art. 153, § 2º) que foi revogada pela Emenda Constitucional 20/98. Na Argentina a Declaración de los Derechos de la Ancianidad (Decreto 32.138/48) que reconhece os direitos de assistência, proteção, moradia, alimentação, saúde entre outros.

[29] – A Era dos Direitos, Rio de Janeiro, Campus, 1992, p. 24.

[30] – Cabe ao Poder Judiciário, ao Ministério Público, aos Tribunais de Conta e a sociedade organizada (art. 70 da Constituição Federal) verificar a aplicação do princípio do justo gasto do tributo arrecadado.

[31] – Villegas, Hector. Curso de Direito Tributário, trad. Roque Antonio Carrazza, São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 1989, p. 89.

[32] – Barreto, Ayres Fernandino. Base de Cálculo, Alíquota e Princípios Constitucionais. São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 1986, p. 108.

[33] –  Villegas, Hector. Curso de Direito Tributário, São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 1989, p. 56.

[34] –  Rodrigo S. Muzzi escreve: Para o cidadão, a característica essencial do Estado de Direito está na limitação aos poderes dos governantes, assegurando-se duas ordens de direitos individuais: aqueles que poderíamos chamar de políticos (integridade física, inviolabilidade do lar, direito à opinião, direito ao voto, etc.); e aqueles de conteúdo econômico (direito ao patrimônio, ao exercício de atividades produtivas, à vedação ao confisco, dentre outros). São, portanto, as Constituições, cartas de direitos do cidadão contra o Estado. Ressalta que os processos históricos de independência política, quando envolveram ruptura institucional, resultaram, quase sempre, de revolta de natureza tributária. A Reforma Tributária e os Contribuintes, http://www.neofito.com.br/front.htm.

[35] – Alan Reynolds citado por Cretella Junior, José. Curso de Direito Tributário Constitucional. Rio de Janeiro, Forense, 1993, p. 12.

[36] – Instituições de Direito Público e República, mono, 1984, p. 175/6.

[37] – O Projeto de Lei Complementar do Senado brasileiro nº 646 de 1999, que tramita no Congresso Nacional, demonstra ser o primeiro passo do cidadão brasileiro rumo à modernidade em matéria fiscal.

[38] – Esses dois vetores – os direitos fundamentais do contribuinte e a busca da justiça fiscal, passam a vincular o direito hodierno no plano nacional e no internacional. Alguns tratados, como a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica – 1969), dispõem sobre os direitos básicos dos contribuintes.

[39] – Carrazza, Roque Antonio. Princípios Constitucionais Tributários e Competência Tributária. São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 2007, p. 140.

[40]  – (Art. 1º do Tratado de Assunção).

[41] –  Fernandes, Edson. Normas Tributárias no Mercosul. Rio de Janeiro, Forense, 2000, pág. 200.

[42] – A Força Normativa da Constituição (trad. Gilmar Ferreira Mendes) Porto Alegre, Sérgio Antonio Fabris Editor, 1991, p. 24.

Informações Sobre o Autor

Maria de Fatima Ribeiro

Doutora em Direito Tributário pela PUC-SP, Professora do Programa de Mestrado em Direito da UNIMAR e Vice-Presidente do Instituto de Direito Tributário de Londrina.


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Equipe Âmbito Jurídico

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