Inconstitucionalidade da pena de suspensão ou proibição do direito de dirigir contida no art. 302, do CTB, no que tange ao motorista profissional

Está com um problema jurídico e precisa de uma solução rápida? Clique aqui e fale agora mesmo conosco pelo WhatsApp!

O tema acima delineado, aparentemente, não verte sobre questão tecnicamente complexa para os operadores do Direito;


Não obstante isso, o fato é que no campo prático a questão não vem sendo tratada com a importância que o tema merece, sobretudo, porque direitos fundamentais vem sendo cerceados; tanto que nem o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, nem o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA pacificaram a questão; operando-se, por conseguinte, decisões diametralmente opostas a cada julgamento;


Especifica a legislação em cotejo:


Art. 302. Praticar homicídio culposo na direção de veículo automotor:


Penas – detenção, de dois a quatro anos, e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.


Grosso modo, não existe dificuldade para a interpretação do dispositivo legal referendado; porém, a questão toma outros contornos quando o condenado é ‘motorista profissional’; e, sendo primário, além das 2 (duas) penas restritivas de direitos (CP, art. 44, § 2.°, “b”), terá uma terceira, qual seja, a suspensão ou proibição de dirigir veículo automotor;


Sem entrar no mérito, de que, em tese, estaríamos criando uma figura atípica, uma vez que se descreve a aplicação de 3 (três) penas restritivas de direito, onde a regra geral, (CP, art. 44), não fez distinção; ou, em outras palavras, para se harmonizar esse conceito estaríamos fazendo interpretação ampliativa em matéria penal, o que é vedado, conforme todos sabemos;


Porém, o fato que mais salta aos olhos, é o inobservância dos direitos fundamentais, a referida norma não está em consonância com a interpretação constitucional positiva. Sim, porque, o condenado ‘motorista profissional’ – não pode ter seu direito de dirigir suspenso ou proibido, pois assim não teria condições de trabalhar, ferindo, por conseguinte, de morte seus direitos fundamentais;


O núcleo dos direitos fundamentais está na dignidade da pessoa humana (CF, art. 1.°, III), e, no direito ao livre exercício profissional contemplado no (CF, art. 6.°), constituindo, portanto, direitos substanciais do ser humano;


“O principal direito constitucionalmente garantido é o da dignidade da pessoa humana. É ela, a dignidade, o último arcabouço da guarida dos direitos individuais e o primeiro fundamento de todo o sistema constitucional. De fato, não há como falar em dignidade se esse mínimo não estiver garantido e implementado concretamente na vida das pessoas”[1]


A questão em torno da qual reside a controvérsia na hipótese do presente feito diz respeito à violação do art. 5.°, XVII, da Lex Mater, vazado nos seguintes termos:


é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”.


Entre os direitos fundamentais estão os direitos sociais, assim definidos:


Art. 6.º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, O TRABALHO, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição


Logo, não é permitido ao Legislador, a seu livre arbítrio, através de diploma normativo hierarquicamente inferior, restringir direitos fundamentais;


Inexoravelmente, a aplicação da pena de suspensão ou proibição do direito de dirigir (CTB, art. 302), para o ‘motorista profissional’ – viola, obstaculariza, restringe, fere de morte os direitos fundamentais em cotejo; devendo, em última análise, ser reconhecida sua inconstitucionalidade no STF;


O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana estaria garantido, se o direito ao trabalho é negado ao individuo?


Como garantir os direitos fundamentais se o LIVRE EXERCÍCIO PROFISSIONAL lhe é negado!


Em resumo, é necessário que ocorra decisão final acerca dessa matéria no âmbito da Corte Máxima, para reconhecendo a inconstitucionalidade do dispositivo em cotejo pela via incidental, ocorra o processamento nos termos do art. 52, X, da Lex Major. [2]


Em que pese a leitura sistemática dos dispositivos constitucionais, para se chegar a conclusão de que a pena de suspensão ou proibição do direito de dirigir aplicada aos motoristas profissionais está em descompasso com a ordem constitucional, há que se observar que as Cortes Constitucionais, abarcaram entendimento diametralmente oposto ao defendido pela maioria esmagadora dos operadores do Direito, e, Tribunais de Justiça:


O julgamento do habeas corpus n.° 103.029 SP, da Relatoria da Min. CARMEN LÚCIA, de 10.03.2010, é a síntese do entendimento do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, que assim se posicionou:


“PENAL. RECURSO ESPECIAL. ART. 302 DA LEI N.° 9.503/97 – CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO. MOTORISTA PROFISSIONAL. APLICAÇÃO DA PENA DE SUSPENSÃO DA HABILITAÇÃO PARA DIRIGIR. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES DESTA CORTE. A imposição da pena de suspensão ao direito de dirigir é exigência legal, conforme previsto no art. 302 da Lei 9.503/97. O fato de o paciente ser motorista profissional de caminhão não conduz à substituição dessa pena restritiva de direito por outra que lhe seja preferível” (HC 66.559/SP. 5.° Turma, Rel. Min. Arnaldo Esteves. DJU de 07/05/2007 – Recurso provido).


O SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA – decide no mesmo sentido:


“DIREITO PENAL. HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO NA DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR. SUSPENSÃO DA HABILITAÇÃO. MOTORISTA PROFISSIONAL. ILICITUDE DA APLICAÇÃO DA PENA. CONSTRANGIMENTO. AUSÊNCIA. 1. A cominação da pena de suspensão da habilitação decorre de opção política do Estado, cifrada na soberania popular. O fato de o condenado ser motorista profissional não infirma a aplicação da referida resposta penal, visto que é justamente de tal categoria que mais se espera acuidade no trânsito. 2. Ordem denegada. (STJ; HC 110892 / MG – Rel. Maria Thereza de Assis Moura (1131) julgado em: 05/03/2009 – Sexta Turma).


Chega a causar espécie que as principais Cortes Constitucionais, defendam posição política em detrimento da Constituição Federal;


Por outro lado, os principais Tribunais de Justiça da Federação, por maioria esmagadora de seus julgados, já reconheceram a inconstitucionalidade do dispositivo em cotejo:


TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL:


“PENAL: HOMICÍDIO CULPOSO – CRIME DE AUTOMÓVEL – MOTORISTA PROFISSIONAL QUE AO ULTRAPASSAR COLETIVO ESTACIONADO EM PARADA DE ÔNIBUS LOGRA ATINGIR PASSAGEIRO QUE AO DELE SAIR TENTAVA ATRAVESSAR A PISTA. (…) SUA PRETENSÃO DE SUBSTITUIÇÃO DA PENA DE SUSPENSÃO DE SEU DIREITO DE DIRIGIR PROCEDE ÀS ESCÂNCARAS, POIS SENDO O MESMO MOTORISTA PROFISSIONAL UMA PENA NESTE SENTIDO O LEVARIA AO DESEMPREGO, E ISSO EFETIVAMENTE NÃO É DO INTERESSE DO LEGISLADOR NEM DO OPERADOR DO DIREITO, QUE DEVEM ATENDER AO INTERESSE MAIOR DO ESTADO EM RECUPERAR OS VIOLADORES DA LEI PERMITINDO-LHES UM MELHOR CONVÍVIO COM OS DEMAIS MEMBROS DA SOCIEDADE, SEM QUE ISSO, TODAVIA, SIGNIFIQUE QUALQUER ESPÉCIE DE IMPUNIDADE. SUSPENDER SIMPLESMENTE O DIREITO DO MOTORISTA PROFISSIONAL DE DIRIGIR EM VEZ DE CORRIGIR AQUELES QUE PORVENTURA TENHAM INFRINGIDO POR UMA ÚNICA VEZ A LEI, NÃO LEVA A NADA E A PENA VAI SERVIR PARA ENGROSSAR A MASSA DE DESEMPREGADOS NESTE PAÍS (…)”(Apelação Criminal 6382-0 – TJDF, 1ª Turma Criminal – Rel. P. A Rosas de Farias, DJU 04.09.2002).


TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO GRANDE DO SUL:


“EMENTA: APELAÇÃO-CRIME. TRÂNSITO. HOMICÍDIO. CULPA. CARACTERIZAÇÃO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. INEXISTÊNCIA. MAJORANTE. PENA. MOTORISTA PROFISSIONAL. SUSPENSÃO DA HABILITAÇÃO. EXCLUSÃO. (…) TRATA-SE DE SANÇÃO QUE ATINGE O DIREITO AO TRABALHO, GARANTIA CONSTITUCIONAL DE TODO CIDADÃO BRASILEIRO (…)” (Apelação Cr. 353719-8 – Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul – 2ª Câmara Criminal – Rel. Walter Jobin Neto)


TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE MINAS GERAIS:


“PENAL E PROCESSO PENAL – PRELIMINAR – LESÕES CORPORAIS CULPOSAS – DIREITO DE REPRESENTAÇÃO – DECADÊNCIA – RECONHECIMENTO – PRELIMINAR ACOLHIDA – MÉRITO – HOMICÍDIOS CULPOSOS NO TRÂNSITO – EXCESSO DE VELOCIDADE – IMPRUDÊNCIA – ALEGAÇÃO DE IMPRUDÊNCIA DA VÍTIMA – IRRELEVÂNCIA – IMPOSSIBILIDADE DE COMPENSAÇÃO DE CULPAS – RECURSO A QUE SE DÁ PARCIAL PROVIMENTO. v.v.p: APELAÇÃO – HOMICÍDIO CULPOSO – MOTORISTA PROFISSIONAL – PENA DE SUSPENSÃO DO DIREITO DE DIRIGIR – INCONSTITUCIONALIDADE – DECOTAÇÃO. A pena de suspensão do direito de dirigir veículos aplicada ao motorista profissional viola o direito ao trabalho, assegurado constitucionalmente, no art. 5º XVII, devendo, em tais casos, ser declarada inconstitucional e decotada da condenação.” (Apelação Criminal, TJMG 1.0024.04.462734-7, Relator: HÉLCIO VALENTIM, Data de Julgamento: 15/05/2007, Data de Publicação: 02/06/2007)


Em resumo conclusivo, o dispositivo em cotejo (CTB, art. 302 – suspensão ou proibição do direito de dirigir), no que tange ao motorista profissional, é absolutamente inconstitucional – em razão de restringir, obstacularizar e ferir de morte o núcleo dos direitos fundamentais citados; isso se deve, no nosso modo humilde de sentir, a extrema dificuldade de prequestionamento explícito (STF) e implícito (STJ); o que dificulta visivelmente que esses recursos cheguem a essas cortes, dificultando, uma releitura constitucional da Carta Política.


 


Referências bibliográficas:

ABADE, Denise Neves. Garantia do processo penal acusatório: o novo papel do Ministério Público no processo penal de partes. Rio de Janeiro: Renovar, 2005.

ARANHA, Adalberto José Q. T. de Camargo. Da prova no processo penal. 5. ed. Atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 1999.

BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Ônus da prova no processo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.

BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Poderes instrutórios do juiz. 3. ed. ver., atual. e. ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.

BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 19. ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2006.

BRASIL, Constituição (1988). PINTO, Antonio Luiz de Toledo. WINDT, Márcia Cristina vez dos Santos. CÉSPEDES, Lívia. 39. ed. atual. até a Emenda Constitucional n. 52, de 8-3-2006. São Paulo: Saraiva, 2006.

COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. O papel do novo juiz no processo penal, in: Crítica à teoria geral do direito processual penal. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.

DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 9. ver. E atual. São Paulo: Malheiros, 2001.

FERNANDES, Antonio Scarance. Processo penal constitucional. 2. ver. E atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.

FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução Ana Paula Zomer Sica; Fauzi Hassan Choukr; Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.

GUIMARÃES, Luiz Carlos Forguieri. Direitos Fundamentais e Relações Desiguais nos contratos bancários. ed. Letras Jurídicas, 2009;

GUIMARÃES, Luiz Carlos Forguieri. O prequestionamento nos recursos extraordinario e especial. A dificuldade de acesso aos Tribunais excepcionais (STF e STJ). Ed. Letras Jurídicas, 2011;

GRECO FILHO, Vicente. Manual de processo penal. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1993.

GRINOVER, Ada Pellegrini. A marcha do processo. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2000.

GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES, Antonio Scarance; GOMES FILHO, Antonio Magalhães. As nulidades no processo penal. 7. ed. ver. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.

LAZARINI, Pedro. Código Penal Comentado e Leis Penais Especiais Comentadas. Ed. Primeira Impressão, 2010;

LOPES JUNIOR, Aury. Introdução crítica ao processo penal: fundamentos da instrumentalidade garantista. 3. ed. ver., atual e ampl. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2005.

MALATESTA, Nicola Framarino Dei. A lógica das provas em matéria criminal. Tradução da 3. ed. de 1912, de Waleska Girotto Silveberg. São Paulo: Conan, 1995.

MIRABETE, Julio Fabbrini. Código de processo penal interpretado. 2. ed. atua. São Paulo: Atlas, 1995.

NORONHA, Edgard de Magalhães. Curso de direito processual penal. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 1974.

NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais Penais Comentadas. Ed. RT, 2011;

NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. 3. ed. ver., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.

PRADO, Geraldo. Sistema acusatório: a conformidade constitucional das leis processuais penais. 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2006.

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Código de processo penal comentado. 3. ed. ver., modif. e ampl. São Paulo: Saraiva, 1998.

ZAMALLOA DO PRADO, Fabiana Lemes. Ponderação de interesses em matéria de prova no processo penal. São Paulo: Monografia vencedora do 10. Curso de Monografias Jurídicas, IBCCIM, 2006.

ZILLI, Marcos Alexandre Coelho. A iniciativa instrutória do juiz no processo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.


Notas:
[1] RIZZATO NUNES, Luiz Antonio. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. Editora Saraiva. 2000, págs. 15, 16 (…)

[2] Art. 52 – Compete privativamente ao Senado Federal:  X – suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal;

Informações Sobre o Autor

Henrique Perez Esteves

Advogado criminalista; Especialista em Direito Processual Penal (Unisantos); Presidente da Comissão de Direitos e Prerrogativas do Advogado – OAB/Cubatão;


Está com um problema jurídico e precisa de uma solução rápida? Clique aqui e fale agora mesmo conosco pelo WhatsApp!
Equipe Âmbito Jurídico

Recent Posts

Salário substituição e o artigo 450 da CLT

O salário substituição é um tema relevante no direito do trabalho, especialmente quando se trata…

15 horas ago

Diferença entre audiência de justificação e audiência de custódia

A audiência de justificação é um procedimento processual utilizado para permitir que uma parte demonstre,…

19 horas ago

Audiência de justificação

A audiência de justificação é um procedimento processual utilizado para permitir que uma parte demonstre,…

19 horas ago

Observatório Nacional de Segurança Viária (ONSV)

O trânsito brasileiro é um dos mais desafiadores do mundo, com altos índices de acidentes…

22 horas ago

Nova resolução do Contran sobre retrovisores

O Conselho Nacional de Trânsito (Contran) implementou uma nova resolução que regula as especificações dos…

22 horas ago

Exame obrigatório para renovação da CNH: novas regras para 2025

A partir de janeiro de 2025, uma importante mudança entrará em vigor para todos os…

22 horas ago