Direito Internacional

Indivíduos Como Sujeitos de Direito Internacional

Filipy Calixto[1];

Gustavo Wohlfahrt Bohnenberger[2].

 

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Resumo

Diante da necessidade de esclarecimentos acerca da personalidade jurídica internacional do indivíduo, analisar-se-á a questão sob a opinião de doutrinadores consagrados, que, usualmente, definem os indivíduos como não possuidores de tal personalidade, tendo como base para essa argumentação a relação de obediência do indivíduo frente à soberania do Estado. Buscar-se-á identificar e compreender os porquês que justificam os posicionamentos adotados pela doutrina. Além disso, buscar-se-á verificar a questão por haver manifesta controvérsia entre algumas doutrinas, a partir de seu estudo. Quanto à metodologia, a pesquisa é essencialmente analítico/bibliográfica; assim, ter-se-ão livros, teses, dissertações, legislações e demais materiais produzidos sobre o tema; em seguida, inferir-se-ão as conclusões necessárias para atender a problemática. Finalmente, entende-se que, embora possa ser um sinal de evolução do Direito Internacional Público, na atual conjuntura, é inviável concluir pela personalidade internacional dos indivíduos: uma vez que não dispõem de jurisprudência, de apoio doutrinário, de reconhecimento pelos já membros da sociedade internacional, de interesse internacional e de possibilidade fática.

Palavras-chave: Sujeitos internacionais. Direito Internacional. Indivíduo.

 

Abstract

In the face of an opinion on doctrines referring to the international law of the individual, an issue will be analyzed in the opinion of consecrated jurists, who usually defined those who do not have such personality, based on this argument the relation of obedience of the individual to the sovereignty of the State. To look for and identify the reasons that justify the positions adopted by the doctrine. In addition, it will be sought to verify if there is some manifest controversy between some doctrines, from his study. As for the methodology, the research is fundamental analytical/bibliographical; thus, there will be books, theses, dissertations, legislations and other materials produced on the subject; Then infer the differences needed to address a problem. Finally, what is it, if it is a sign of evolution of international law or no we cannot be so sure about that, international society of international interest and factual possibility.

Keywords: International subjects. International right. Individual.

 

Sumário: Introdução; 1. Objetivos; 2. Material e métodos; 3. Aspectos históricos e conceituais do tema; 4. Indivíduos enquanto sujeitos de Direito Internacional; Conclusão.

Introdução

Diante na necessidade de esclarecimentos acerca da personalidade jurídica internacional do indivíduo, entende-se que são necessários novos estudos, uma vez que, embora haja aceite histórico acerca de quais sãos os sujeitos possuidores de personalidade jurídica internacional, a doutrina moderna começa a voltar os olhos para as pessoas físicas, empresas e outras associações, passando, por vezes, a considerá-los nessa qualidade. Para tanto, este estudo propõe-se a analisar a temática partindo das doutrinas vigentes e de outras interpretações, como a jurisprudência do Direito Internacional, para determinar qual o melhor posicionamento frente a problemática.

 

  1. Objetivos

Busca-se verificar se os indivíduos possuem ou não personalidade jurídica internacional, partindo do estudo de doutrinas majoritárias e minoritárias que constituam ou não os indivíduos com tal qualidade. Com suas características personificadas seja por uma visão humanitária ou por uma visão rigorosa da norma internacional. Tendo, também, como base o tribunal internacional da corte de Haia.

 

  1. Material e métodos

No que concerne à metodologia, pesquisa é essencialmente analítico/bibliográfica. Com consultas às doutrinas, jurisprudências, artigos, teses, dissertações e monografias concernentes ao tema.

 

  1. Aspectos históricos e conceituais do tema

Historicamente, os indivíduos são classificados como pessoas naturais, que normalmente estão vinculadas ao Estado, sendo sujeitos de Direito Interno. É experimental a ideia de que o indivíduo tenha deveres diretamente impostos pelo Direito Internacional Público, de modo que, segundo o tribunal internacional de Nuremberg, apenas de forma excepcional houve a atribuição de personalidade jurídica internacional pós Segunda Guerra Mundial aos nazistas para que assim pudessem ser julgados. Entretanto, tal decisão sem base científica não constitui jurisprudência justamente por sua exemplar singularidade. Para a obra precursora de Hugo Grotius (1625) já no primeiro meado do Século XVII, admite-se que toda norma jurídica – seja de Direito Interno ou de Direito das Gentes – cria direitos e obrigações para as pessoas a que se dirige. Chegando a propor a possibilidade de proteção internacional dos direitos humanos contra o próprio Estado.

Pode-se dizer que o Direito Internacional consiste no aglomerado de normas, princípios e costumes consagrados pelos doutrinadores, dentro do âmbito internacional que servem para regular a atividades entre os entes internacionais. Vale lembrar que, embora amplamente aceito, por oferecer segurança jurídica nas relações envolvendo Estados, cidadãos e organizações internacionais, não possui caráter coercitivo como as normas nacionais internas de um país (ACCIOLY, 1968).

A consideração rígida da diferença entre direito internacional público externo e interno começa a abalar-se no fim do século XVIII. Nessa época, a crescente concentração de poder econômico nas mãos de um número menor de pessoas acentuou os problemas relacionados à desigualdade, ponto fundamental que aproximou os olhos do Estado para as questões sociais, aumentando seu campo de atuação e relevância dentro da sociedade. Outro fator responsável por aumentar a ação estatal foi o abalo na doutrina liberalista, que tinha como base as garantias à vida privada e liberdade no trato de seus negócios em detrimento às obrigações estatais, dando-lhe pouco espaço de ação (ACCIOLY, 1968).

Para Francisco Rezek (2016) as normas de direito interno possuem hierarquia semelhante a uma pirâmide encabeçada pela lei fundamental. Entretanto, no direito das gentes não há hierarquia entre as normas, apenas há a análise política. As relações entre o Estado e os indivíduos ou empresas fazem com que toda ordem jurídica nacional seja marcada pela ideia de subordinação. Tal posicionamento não é encontrado nas normas internacionais, onde a coordenação é o princípio que preside a convivência organizada de tantas soberanias.

O Estado, no plano internacional, não é obrigatoriamente submisso à jurisdição de nenhuma corte. Seu consentimento em dela participar, e só ele, convalida a autoridade de um foro judiciário arbitral, de modo que a sentença resulte obrigatória e que seu eventual descumprimento configure um ato ilícito. Dentro do atual contexto, a ideia de dois ordenamentos distintos e com o mínimo de influência entre si, um externo e outro interno, começa a ser fortemente questionada, pois essa nova realidade passa a requerer medidas internacionais para ser sanada. Fato fundamental para o surgimento de duas teorias: a monista e a dualista (AMARAL JUNIOR, 2012).

O monismo prega que não podem haver conflitos entres as normas internas e as externas, uma vez que não são direitos opostos ou existentes em âmbitos essencialmente diferentes; portanto, passando o país a ser signatário dele, não há a necessidade de internalização (AMARAL JUNIOR, 2012).

Para o dualismo a temática se vê sob outra ótica, qualitativamente falando, os temas tratados pelos direitos externo e interno são diferentes, o que gera âmbitos de aplicação igualmente diferentes. Ou seja, para ser exigível internamente, o tratado precisa passar por um processo denso, com aprovação nas casas legislativas e do chefe de governo, ou que uma nova lei seja criada com o conteúdo normativo que reproduza e permita a aplicação da norma estranha no ordenamento interno, conforme aponta Amaral Junior (2012).

O Brasil é signatário da corrente dualista, como bem ilustra a ementa do seguinte julgado: “ORGANISMO INTERNACIONAL. IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO. RECONHECIMENTO DO TRATADO INTERNACIONAL INSERIDO NO ORDENAMENTO JURÍDICO. Fonte de Direito Internacional, o tratado nasce no ordenamento jurídico pela manifestação autônoma e soberana dos sujeitos que o celebram. É pela ratificação que o tratado passa a integrar o direito interno, depois de aprovado pelo Congresso Nacional. A autoridade do tratado apenas é mitigada, por entendimento ainda não pacificado, quando ingressa no ordenamento jurídico norma legal de direito interno, que revogue o seu conteúdo. Os fundamentos que nortearam o rompimento com a imunidade absoluta de jurisdição não podem ser aplicados, nem por analogia, aos organismos internacionais. A análise da origem Estado estrangeiro x organismo internacional, em face do alcance da imunidade de jurisdição, deve ter como norte os princípios de direitos internacional, em especial os relativos à reciprocidade e à natureza da constituição do privilegio. Quanto ao primeiro, a imunidade de jurisdição funda-se no costume e, quanto ao segundo, a imunidade funda-se no tratado internacional de que o Brasil, em sendo signatário, pela ratificação, tem inserido no ordenamento jurídico interno e não pode descumprir. Deve ser reformado o entendimento da turma que relativizou a imunidade de jurisdição do organismo internacional, em face do mandamento constitucional inserido no art. 5°, § 2°, da Constituição Federal, que prevê, no capitulo relativo aos direitos fundamentais, o reconhecimento do tratado internacional. Embargos conhecidos e providos. (TST, 2011, on-line, grifo nosso)”.

Destaca-se que DIP é pautado em um sistema jurídico autônomo, onde a exigência entre os Estados Soberanos repousa sobre o consentimento. As comunidades nacionais organizam-se sob a forma de Estados independentes, e ingressam numa comunidade internacional carente de estrutura centralizada. Mediante tal circunstância é plausível que os Estados não se subordinem, senão às normativas que livremente reconheceram ou construíram (GUTIER, 2011).

Neste sentido, os Sujeitos de Direito Público, classicamente, possuem essa qualificação em função de sua soberania

Sendo assim, apenas os Estados Soberanos, dada a competência originária, e as Organizações Internacionais, pela competência derivada, possuem capacidade em âmbito internacional; ainda, fruto do fator histórico, a Santa Sé também assim é reconhecida, vale lembrar, apenas para o trato de assuntos religiosos (AMARAL JUNIOR, 2012). Excepcionalmente, alguns autores mencionam empresas/pessoas nessa qualidade, por poderem responder a processos (como os criminosos da 2° Grande Guerra) ou ativamente (como a conhecida representação feita contra o Brasil pela Maria da Penha Maia Fernandes).

Os Estados se constituem como sujeitos de DIP (aos quais se equipara a santa Sé por razões singulares). Não há muito tempo que a qualidade de sujeito de direito internacional era-lhes única. Hoje, é certo que outras entidades, carentes de base territorial e de dimensão demográfica, ostentam também de personalidade jurídica de Direito das Gentes, porque foram-lhe possibilitadas a titularidade de direitos e deveres internacionais, numa relação imediata e direta com aquele corpo de normas (DOLINGER, 1997). Após a revolução industrial e o início das Organizações Internacionais, houve a necessidade na mente dos operadores de Direito Internacional para que assim os sujeitos de direito, em determinado sistema jurídico, não precisem ser idênticos quanto a natureza ou as potencialidades. A personalidade jurídica do Estado, diz-se originária, enquanto que derivada a das Organizações Internacionais. O Estado, com efeito, não tem apenas precedência histórica: ele é, antes de tudo uma realidade física, um espaço territorial sobre o qual vive uma comunidade de seres humanos com um regramento jurídico uno (ACCIOLY, 1968).

A Organização Internacional carece dessa tripla dimensão material. Ela é produto exclusivo de uma elaboração jurídica resultante da vontade conjugada de certo número de Estados. Desse modo, se pode afirmar que o tratado constitutivo de toda organização internacional, tem, para ela, importância comparada a da Constituição Federal para o Estado. O Estado é contingente humano a conviver sob alguma forma de regramento dentro de certa área territorial, sendo certo que sua Constituição não passa do princípio jurídico dessa ordem. A organização internacional é apenas uma realidade procedente dessa norma. A existência dessas entidades não possui apoio senão no tratado constitutivo, cuja principal virtude não consiste, assim, em disciplinar seu funcionamento, mas em dar-lhe vida, sem que tenha havido nenhum elemento material preexistisse ao ato jurídico criador (GROTIUS, 1625).

O fator que gera a personalidade das Organizações Internacionais frente ao DIP está na vontade que os Estados têm de assim o fazer. Usualmente chamada pela doutrina de capacidade derivada (GROTIUS, 1625). O interesse estatal nelas reside, principalmente, na praticidade de se ter um foro para resolução de conflitos e no fato de que incumbe a elas cuidar de pontos específicos — tais como comércio, direitos humanos, questões ambientais, questões sobre navegação em rios e mares, relações diplomáticas e outros, a depender do que for decidido nas constituições de cada (AMARAL JUNIOR, 2012).

Leciona Amaral Junior (2012, p. 149) acerca das funções das organizações: “a) influenciar as decisões dos Estados; b) instituir mecanismos de resolução dos conflitos; c) prever um procedimento para a tomada de decisões; d) criar a presunção de legitimidade em relação às decisões tomadas; e) aumentar o poder dos países em desenvolvimento nas negociações internacionais”.

No mais, são responsáveis por seus atos, passíveis de responsabilidade internacional, devem possuir estatuto e órgãos internos para poderem guiar suas atividades, sem fugir do definido na constituição que a criou, com independência em relações aos seus membros, evitando assim o seu uso para fins “particulares”. Exemplos de órgãos presentes nas mais diferentes organizações são a Assembleia, o Conselho e a Secretaria; responsáveis, respectivamente: pela tomada das principais decisões executivas, deliberação no processo decisório e por dispor a organização burocrática (AMARAL JUNIOR, 2012).

As entidades beligerantes são aquelas que participam de revoluções de grande porte, com tropas próprias, detendo sob seu controle parcela do território do Estado em que surgiram (MELLO, 2000). Embora em desuso, o instituto surgiu a partiu dos princípios do tratamento humanitário, prediz que os seres devem ter isonomia no trato, e da autodeterminação dos povos, esse último dá aos grupos humanos que se reconhecem como tais a chance de organizaram-se como um todo. O reconhecimento é feito, via de regra, por meio da declaração de neutralidade expedida pelo país, tendo caráter, igualmente em via de regra, aqui a doutrina já aponta uma mudança no posicionamento, de ato discricionário e tem como efeitos afastar do Estado a responsabilidade dos atos praticados pelos nacionais beligerantes — como quando da compra de armas ilegais para sua organização.

Mello elenca como seis os principais efeitos desse instituto: “a) aplica-se às leis da guerra nos combates, e os prisioneiros têm tratamento de prisioneiros de guerra; b) o governo “de jure” não é responsável pelos atos praticados pelos beligerantes; c) os navios dos revoltosos não são considerados piratas; d) os direitos de presa e bloqueio são reconhecidos aos revoltosos e ao governo “de jure”; e) os Estados estrangeiros ficam sujeitos aos direitos e deveres da neutralidade; f) os beligerantes podem concluir tratados com os Estados neutros. (2000, p. 532)”.

Os insurgentes são aqueles que estão no caminho para a beligerância (MELLO, 2000), ou seja, detêm, em diversos pontos, as mesmas características e diferem-se apenas no tamanho, no alcance delas. Sempre sem proporção de guerra civil. Daí que se fala em estado de insurgência, pois seria uma situação de fato a caminho da beligerância. Sendo de difícil determinação e tendo caráter de mudança: ou o retorno ao status quo ou o aumento de sua proporção. A insurgência não gera efeitos fixos, dependerá do caso fático e do ato de reconhecimento editado pelo país em relação à situação. Vale lembrar, em casos de revolução, é o primeiro passo que permite a aplicação do direito de guerra a conflito interno.

Já sobre os efeitos, segundo Mello (2000, p. 533), geralmente[3] são: “a) os navios dos insurgentes não são considerados piratas; b) os insurgentes terão tratamento de prisioneiros de guerra; c) o governo “de jure” não é responsável pelos atos dos insurgentes; d) apesar de não terem o direito de bloqueio, eles podem. […]. Os terceiros Estados não estão sujeitos obrigatoriamente à neutralidade; todavia, podem declará-la, e os revoltosos não têm direito de captura na guerra marítima”.

As Nações, em desconformidade com os demais, não são pessoas de direito das gentes, entretanto, já foi assim reconhecida (MELLO, 2000). O fato é que, durante os movimentos tchecos e poloneses para a sua libertação de seus respectivos impérios centrais, as potências aliadas reconheceram essas duas nações como sujeitos internacionais na tentativa de dar-lhes poder político para organizarem sua independência. Fato que teve seu fim 1941, durante a Segunda Grande Guerra.

Mello (2000, p. 534) frisa a insignificância dos efeitos produzidos por esse reconhecimento e elenca-os em dois: “a) autorizava a remessa de bandeiras aos poloneses e tchecos que lutavam ao lado dos aliados; b) atribuía ‘certas imunidades diplomáticas aos agentes representantes dos comitês em território estrangeiro’”.

Historicamente tratado como sujeito de direito internacional, a Santa Sé, que nada mais representa que a união da Cúria Romana e o Papa, passou por momentos de questionamentos por volta de 1870, quando da invasão das tropas do General Cardona. Alguns estudiosos defendiam que lhe faltava o território para que figurasse como soberana, esse era o principal argumento, em contrapartida, os que a defendiam, faziam baseados na ideia de que, embora minúsculo em parâmetro mundial (não mais que 44 hectares), ela detinha o território do Vaticano e que sua soberania também advinha de um plano espiritual (MELLO, 2000).      Pouco mudou na prática. Como dito, apesar da discussão, o papado continuava pessoa internacionalmente falando e mantinha na normalidade suas atividades como tal, enviando e recebendo diplomatas, bem como celebrando concordatas. A pendenga somente é decidida em 1929 com os Acordos de Latrão entre a Santa Sé e a Itália. Foram três ao todo: um econômico, uma concordata e um político — este reconhecendo a soberania internacional e o direito à propriedade e jurisdição sobre o Vaticano.

O instituto dos territórios sob mandato e tutela internacional surge com o objetivo de administrar as colônias dos países vencidos na Primeira Guerra Mundial até que pudessem alcançar a independência. Inicialmente, o instituto era regulado pela Sociedade das Nações, cabia a esta conceder os instrumentos (mandatos) que permitiriam essa administração (REZEK, 2016). Haviam três tipos de mandato: a, assemelhava-se a um protetorado, foi o que aconteceu com a Síria entregue à França; b, tido como uma metrópole controlando a colônia, foi o caso de Tanganica, entregue para os cuidados da Inglaterra e o tipo; c, basicamente uma anexação do território pelo mandatário, aconteceu com locais pouco desenvolvidos e com baixa população, um exemplo foi o sudoeste africano entre à União Sul-Africana.

O instituto do mandato internacional some com o desaparecimento da Sociedade das Nações e retorno sob a figura da tutela internacional, está prevista pela Carta da ONU e regulada pelo conselho de tutela. A finalidade continuava sendo conduzir os povos que se encontravam nessa situação até sua independência. Possuíam personalidade internacional uma vez que recebiam do ordenamento jurídico das gentes direitos e deveres. Porém não existem mais, o último território nessa condição foram as Ilhas Palaos, situadas no Oceano Pacífico e administradas pelos Estados Unidos da América, ganhando independência em 1994 com o nome de Belau (REZEK, 2016).

O Comitê Internacional da Cruz Vermelha germinou a partir da ideia de um comerciante de Genebra chamado Henri Dunant, pois teria ficado chocado com o sofrimento que presenciou na Batalha de Solferino (1859), durante a guerra travada entre a França e a Áustria (REZEK, 2016). Instituiu-se como sociedade organizada em 1928, composta pelas Sociedades Nacionais da Cruz Vermelha, pelo Comitê Internacional da Cruz Vermelha e pela Liga das Sociedades da Cruz Vermelha e com o intuito de prestar assistência sanitária/humanitária às pessoas envolvidas em guerras. Sobre sua relação com o Direito Internacional, começa a ganhar força quando esse grupo de entidades privadas se vê necessitando do reconhecimento internacional para agir sem entraves no socorros às vítimas; reconhecimento imprescindível, uma vez que lidam comumente com zonas de conflito. Depois da Primeira Guerra Mundial, expande sua atuação para a profilaxia[4], passando a agir também em tempos e territórios de paz.

O órgão detentor da personalidade internacional é o Comitê Internacional, com sede na Suíça e poder de autogoverno. Apoia-se sempre na sua sede e no tratado firmado com a Suíça para alegar o direito a seu status. Esse acordo apenas reafirma o direito costumeiro, inclusive com jurisprudência assentada, de que ela possui personalidade internacional. Tem como prerrogativas: “a) contratar; b) adquirir e vender bens; c) ser parte na justiça” (MELLO, 2000, p. 541) e seus funcionários de alto escalão têm direitos e deveres equiparados aos dos diplomatas e seus agentes, no exercício das funções, possuem imunidades fiscais e de jurisdição, para que assim não sejam tolhidos no atendimento às vítimas. Por funções, entenda-se garantir o acolhimento e acompanhamento necessário para as vítimas de guerra; por isso. Os locais e o pessoal guardados com qualquer de suas insígnias, sendo a mais famosa a cruz vermelha em um fundo branco, estão protegidos pelo Direito contra qualquer tipo de violência, porque intervém sempre que há necessidade de um órgão/agente/instituição neutro. Portanto, é um Organismo de direito das gentes, regido pelo Código Civil, uma vez que se trata de Organização Não Governamental [no Brasil], desempenhando função pública internacional.

Acerca da discussão vinculada à atribuição de personalidade de direito internacional, destaca-se que ela é impulsionada pelo conceito de sociedades comerciais, posto que algumas estão inseridas em organizações internacionais, tendo deveres e direitos, como o de prestar contas quando solicitada e o de reclamar à corte das organizações (ITUASSÚ, 1986). São as chamadas empresas multinacionais, a Organização das Nações Unidas emprega a palavra ‘transnacionais’ para se referir a elas. Às vezes, dada a grande dificuldade de defini-las, mesmo entre os estudiosos da área, são também usualmente citadas como “investimento estrangeiro”. Suas características giram em torno de “a) seriam aquelas capazes de influenciar a economia de diversos países ao exercerem atividades neles; b) seriam as sociedades em que o poder de decisão está disperso nas suas subsidiárias; c) seriam aquelas que atuam no estrangeiro por meio de subsidiárias ou filiais” (MELLO, 2000, p. 542), em outras palavras, não basta que elas tenham território de ação em diferentes localidades, sua ação deve ser, de alguma forma, coordenada para um fim uno por uma matriz ou qualquer outro tipo de organização central.

Dentre os pontos que fazem delas objeto de olhares estão os fatos de que usam e são usadas por seus Estados nacionais, a depender se andam em consonância ou não seus interesses (ITUASSÚ, 1986). Podem atuar como braços do país de origem a influenciar a política externa, seu próprio país de registro atua como escudo protetor para que a multinacional tenha certa liberdade de ação, seu grande poderio econômico faz com que sua vontade tenha que ser ouvida e seus interesses levados em conta quando da elaboração de políticas internas que possam, de alguma forma, influenciá-la — ameaçando a soberania do governo onde se instala —, além do mais, via de regra, instalam-se em países de baixo desenvolvimento econômico, onde a política não está consolidada e revestida de defesas para suportar sua influência, o que agrava o grau de nocividade de sua ação.

O problema da influência internacional das empresas multinacionais[5] atingiu tal porte que a Organização das Nações Unidas, desde 1972, trata da elaboração de um código de conduta para regular a ação dessas empresas — ainda não aprovado. Fato que, per si, não lhes confere personalidade internacional.

Esse próprio código é fonte de discórdia. Coloca interesses que já são opostos, mas que não tinham como medir forças, como combatentes; as nações mais ricas querem que ele incentive a expansão do capital para fora de suas fronteiras, as mais pobres, que ele as blinde em face da ação nociva desse capital na economia e política nacionais. Servindo de desestímulo por contrariar o objetivo do Direito Internacional (a proteção e boa harmonia nas relações entre seus membros). Não contando o esforço que teria de ser dispensado para submeter a multinacional ao regramento do código, não seria de sua natureza o caráter coercitivo, algo assim foge da jurisdição internacional e, só em vista de outros benefícios é que elas aceitariam, o que igualmente desvirtua o cerne do código, fazendo-o, de antemão, refém da influência do “investimento estrangeiro” (ITUASSÚ, 1986).

A corporação, por ter proteção legal para agir livremente, pode agir contra a própria pátria quando seus interesses não forem atendidos, portanto, mesmo o país de principal origem do capital pode por ela ser prejudicado se não houver consonância entre os interesses dos dois (ITUASSÚ, 1986). O estado que a recebe também possui pouco controle sobre ela, as decisões são tomadas na matriz e com interesse exclusivo em si própria, inclusive, a maior parte do capital é repatriado, a matéria-prima, comprada de suas filias de forma subfaturada e o produto final vendido novamente às filiais, só que agora superfaturado, faltando investimentos no local onde ela se encontra instalada.

Portanto, fazem parte da evolução natural do Direito das Gentes, que antes era calcado na noção básica de soberania e, por esse fato, era nitidamente interestatal (MELLO, 2000); hoje, os doutrinadores, juristas, as próprias organizações internacionais e outros interessados começam a ver as transnacionais com “outros olhos”, pois aceitá-las na comunidade internacional bem constitui forma de proteger-se de sua influência, limitando-as, passando a conhecer seus passos (ITUASSÚ, 1986). Por outro lado, reconhecê-las como tal lhes daria amplos poderes para tratarem em igualdade com outros sujeitos do DIP, tornando suas ações ainda mais imprevisíveis e imperativas, configurando um paradoxo, uma imprevisibilidade sua aceitação no ambiente internacional.

 

  1. Indivíduos enquanto sujeitos de Direito Internacional

Acerca das pessoas físicas, os apontamentos no sentido de reconhecê-las como sujeitos de direito internacional ainda são tímidos, entretanto, considerá-las, junto com as empresas e associações econômicas no âmbito internacional é uma possível evolução na interpretação do Direito. Vale lembrar que, na antiguidade, nem todos os humanos possuíam personalidade jurídica interna; os escravos, antes de tudo, eram objetos de direitos, não podiam contrair obrigações nem chamar para si direitos. Por vezes as mulheres tiveram seus direitos tolhidos, situação que foi evoluindo com o tempo até o entendimento de que elas detêm direitos iguais aos dos homens (CAPARROZ, 2012).

Logo, a consideração de pessoas e suas organizações dentro do direito internacional representaria parte de essa evolução constante na qual o Direito é objeto. Hoje, existem pessoas com poder econômico exorbitante ou mesmo influência política, por ser líder de um grupo, a exemplo religioso, com muitos seguidores. Muitas dessas pessoas lideram movimentos com poder armado, então, por que ela não poderia deliberar um tratado com um país se é capaz de ameaçá-lo belicamente? (CAPARROZ, 2012). Seria uma questão de bom senso agir pacificamente. Empresas ou associações econômicas de grande porte são capazes de oferecer bloqueios econômicos ou influenciar taxas de câmbio e comércio, então por que preferir enfrentá-las a celebrar tratados de ordem econômica? (AMARAL JUNIOR, 2012).

Claro que a questão não é tão simples, essa ideia ainda se encontra em fase embrionária e encontraria forte oposição de outros países. Seria quase uma demonstração pública de fragilidade da soberania interna (algo tão caro de ser conquistado para os países), de sujeição desses países a fatores externos e é aqui onde a maior ironia se aloja, pois, esses fatores externos são os próprios entes —  indivíduos ou entidades econômicas — ligados pelo vínculo de soberania ao Estado, que deveriam protegê-lo e a ele deverem se sujeitar (CAPARROZ, 2012).

Para Roberto Caparroz (2012), os Estados alcançam a capacidade internacional a partir do preenchimento de três requisitos: território, povo e governo soberano; as Organizações Internacionais pela vontade dos Estados de criar um novo sujeito, visando vantagens como a determinação de um fórum e/ou tribunal para solução de suas pendências; e Santa Sé pela construção histórica e influência mundial, porém apenas para a celebração de Concordatas. Diferentemente, os sujeitos, embora possam ser sujeitos passivos em lides internacionais, não possuem capacidade de postular por serem súditos/indivíduos de um certo país, cabendo àquele, via de regra pelo vínculo da nacionalidade, postular em seu nome; a título de exemplo: esse autor entende que, no caso da Maria da Penha, o que houve foi uma representação feita em nome alheio, logo, ela não figurava no polo ativo da ação, entretanto, lá via-se representada.

Para Francisco Rezek (2016), nem os indivíduos e tampouco as empresas possuem personalidade jurídica de direito internacional. Há uma teoria generosa e progressista na ideia, hoje pertinente, de que essa espécie de personalidade se concentra na pessoa humana – de cuja criação, em fim de contas, resulta de toda a ciência do Direito, e ao qual o bem é a finalidade primária do Direito. Mas se partirmos do pressuposto de que a pessoa, além da personalidade jurídica que lhe reconhecem que já as possuem mediante o direito nacional de seu respectivo Estado e os demais Estados, tem ainda – em certa medida, dizem alguns – personalidade jurídica de direito internacional , enfrentar-se-á em nosso discurso humanista o incomodo de dever reconhecer que a empresa, a sociedade mercantil, a coisa juridicamente inventada com o ânimo do lucro a luz das regras do direito privado de um país comum, possui também personalidade em direito das gentes.

Para Hugo Grotius (1625), o Estado não é um fim em si mesmo, mas um meio que assegura o ordenamento social junto a inteligência humana, de modo a aprimorar a vida em sociedade, tida aqui como aquilo que abarca toda a humanidade. Os sujeitos têm direitos em vista do Estado soberano, que não pode exigir obediência de seus cidadãos de forma absoluta (imperativo comum); assim, na visão de Grotius, a razão de Estado é limitada.

Autor de pensamento contemporâneo, Murillo Gutier (2011, p. 30) entende que personalidade jurídica internacional é “a capacidade parar agir internacionalmente, participando das relações internacionais”. Dentro desse prisma, Estados Soberanos possuem essa característica, uma vez que podem celebrar tratados com outros países ou organizações internacionais; as Organizações Internacionais assim também são vistas, embora constituídas  de elementos diferentes dos presentes na composição dos Estados, também podem celebrar tratados, instituir tribunais e deles participar, mediar conflitos e outras capacidades dentro das relações internacionais e; os indivíduos, porém aqui há uma grave ressalva, somente o estrangeiro e quando o assunto demandado versar sobre sua condição jurídica e nacionalidade. Exclui os indivíduos, desta forma, de uma das principais facetas de ser considerado sujeito de direito internacional, a possibilidade de celebrar tratados e de tê-los reconhecidos pelos seus pares.

É interessante fazer, nesse ponto, uma ponte entre o pensamento de Gutier (2011) e o de Dolinger (1997, p. 193), quando o último fala dos estrangeiros. É direito dos estrangeiros pleitearem seus direitos frente ao DIP, mas quais seriam seus direitos? No âmbito internacional, giram, minimamente, em torno de “uma posição de igualdade com os cidadãos pelo menos no que tange à segurança de suas pessoas e propriedades” — os países não são obrigados a dar tratamento igual a seus nacionais e a estrangeiros, podendo, verbi gratia, impedi-los de assumir certos cargos públicos. No Brasil, a situação é, panoramicamente, abordada pelo artigo 5º da Constituição Federal, caput e parágrafo segundo: “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

I – LXXVIII (suprimidos)

§ 1º (suprimido)

§ 2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

§§ 3º – 4º (suprimidos) (BRASIL, 2004)”.

Amaral Junior (2012), em seu capítulo As Organizações Internacionais, é claro em dizer que essas não figuram com personalidade jurídica no direito das gentes, que apenas os Estados ou outras Organizações estão aptos a celebrar tratados por terem igual personalidade.

Consagrado autor brasileiro, Hidelbrando Accioly (1968) vê a questão sob o seguinte prisma: sujeitos de direito internacional são todos aqueles considerados pelo direito das gentes como capazes de contrair direitos e obrigações. Sendo assim, devem ser considerados os Estados, a Igreja Católica por intermédio da Santa Sé, alguns outros tipos de coletividades e o indivíduo. Defende a inclusão daquele por vê-lo como capaz dentro do cenário jurídico mundial.

A exemplo da exceção, Mello (2000), ao organizar os capítulos de sua obra, divide as pessoas internacionais em coletividades estatais, coletividades não estatais, coletividades interestatais e o indivíduo. Em suas palavras: “O homem tem adquirido cada vez maior importância na vida internacional. O próprio Direito Internacional se tem preocupado com o homem, dando-lhe maior relevância. Inúmeras organizações internacionais são criadas para atender diretamente as necessidades dos indivíduos, por exemplo, a OIT, etc. […] A posição jurídica do homem como sujeito de direito é uma decorrência da orientação jusnaturalista que adotamos para explicar o fundamento do Direito Internacional (MELLO, 2000, p. 765-766)”.

Depreende-se, então, que esse autor inclui os indivíduos como sujeitos no âmbito internacional.

Para uma breve analise sistemática acerca do tópico apontado, entende-se como responsabilidade internacional a obrigação de reparação de um dano praticado por um ato ilícito segundo o Direito Internacional. Além disso, essa breve introdução serve também para organizações internacionais que podem, com efeito, incidir em conduta internacionalmente ilícita, arcando assim com sua responsabilidade perante aquela outra pessoa jurídica de Direito que tenha sofrido o dano; e pode, por igual, figurar como a vítima do ilícito, tendo neste caso direito a uma reparação. Uma breve análise histórica se dá através de quando ocorre a situação em que, mediado das Nações Unidas na Palestina, o conde sueco Folke Bernardotte é assassinado em Jerusalém. Com isso a ONU solicita que o governo responsável pelo acontecimento venha reparar os danos cometidos mediante resolução de 3 de dezembro de 1948, que pede a corte internacional de justiça um parecer consultivo acerca do tema (DOLINGER, 1997).

Para julgar a responsabilidade do Estado ou da Organização Internacional por um ilícito, não se investiga a culpa subjetiva, bastando apenas que tenha resultado dano para outro. Igualmente certo, conduto, não se possibilita no direito internacional uma responsabilidade objetiva, independente da verificação de qualquer procedimento faltoso, exceto em casos especiais e tópicos disciplinados por convenções recentes (DOLINGER, 1997).

Uma breve análise estatística do interesse das antigas potências coloniais revelou que na maioria mais das vezes o Estado reclamante – ou, se assim se pode dizer sem especial incomodo, o Estado vítima — do ilícito internacional imputável a outra soberania, não pretendia ver-se ressarcido por dano causado diretamente a sua dignidade ou ao seu patrimônio, mas por alegada afronta ao patrimônio privado de um nacional seu. Em geral, um investidor do hemisfério norte, seduzido pela rentabilidade dos investimentos no hemisfério norte. Após a breve análise, recorda-se a situação, a primitiva ideia da proteção diplomática, essa proteção diplomática é direcionada ao indivíduo ou a empresa que, no exterior, seja vítima de um procedimento estatal arbitrário, e que, em desigualdade de condições frente ao governo estrangeiro responsável pelo ilícito que lhe causou danos, pede ao seu Estado de origem que lhe tome as dores, fazendo da reclamação uma autêntica demanda entre personalidades de direito internacional público (DOLINGER, 1997). O nome proteção diplomática resulta de qual seja a situação do peregrino vitimado, em solo estrangeiro, pelo abuso do poder estatal a que não consegue resistir sozinho e que invoca, dirigindo-se a legação diplomática de sua bandeira, o arrimo da pátria distante. O particular protegido, vinha a ser cada vez mais a empresa e menos o indivíduo. O ente causador do dano e responsável por repará-lo era em de regra, um Estado em desenvolvimento, plantado no hemisfério sul, quase sempre na América Latina.

            A atribuição de proteção diplomática de um Estado a um particular leva o nome de endosso: essa atitude significa que o particular leva para si a reclamação, fazendo-a sua e dispondo-se a tratar da maioria junto ao Estado autor do ilícito. Mas é sempre possível que haja a solução do conflito mediante outro meio diplomático ou político de solução de controvérsia internacionais.  É opcional ao particular pedir proteção diplomática de seu próprio Estado, mas não tem ele o direito líquido de obtê-la. O Estado é livre para conceder o endosso ou recusá-lo (GROTIUS, 1625).

O Estado pode conceder a um particular tal proteção mesmo sem pedido algum do particular, bem como com à revelia deste. Essa tese, reaquecida no contexto da reação europeia à doutrina calvo, não teve, de todo modo, grande repercussão na prática internacional. Entretanto, para que atribua a um particular o endosso diplomático é necessário que este preencha dois requisitos, são: ser-lhe nacional, inexistindo também posição favorável a apátrida, e que haja o esgotamento dos recursos internos. Portanto, antes de outorgar o endosso, verificar-se-á se seu nacional esgotou previamente os recursos administrativos ou judiciários que lhe eram acessíveis no território o estado reclamado (GROTIUS, 1625).

Cabe-se enaltecer o caso em que Hamilton Fish, secretário do estado norte-americano entre 1869 e 1877, ponderou que “nenhum cidadão reclamante, em país estrangeiro, é obrigado a esgotar preliminarmente a justiça quando não há justiça a esgotar” (GROTIUS, 1625). No mesmo seguimento, em linguagem mais sóbria, a doutrina cuidaria de estabelecer que o requisito da exaustão das vias internas pressupõe não só a existência de tais vias, mas também sua acessibilidade, sua eficácia e sua imparcialidade, entre outros valores. Dessa forma, ao reclamar a proteção diplomática do país de origem, terá de provar o interessado que não dispunha de recursos internos no Estado reclamado, que eles eram ilusórios ou inoperantes. Ou terá de provar, nas mais das vezes, que esgotou, continuando a sentir-se vítima de ilícito impugnado pelo Direito Internacional.

 

Conclusão

Visto foi que a doutrina minoritária se firma, principalmente, em princípios humanistas. E que, embora o Direito Internacional Público tenha evoluído muito, na prática, ainda não se chegou ao ponto do indivíduo ser considerado como sujeito de direitos, internacionalmente falando.

Após se estudarem as doutrinas, a majoritária passa a ser defendida por ainda se afigurar como a melhor solução. Suas raízes tem forte apelo histórico. Significam um abraço na segurança e estabilidade jurídicas. Pode ser que um dia a interpretação sobre a questão mude, o Direito, naturalmente, é maleável. Ituassú (1986, p. 693), a título de exemplo, vê com extremo pessimismo esse apego exagerado a doutrinas antigas. Segundo ele, “noções antiquadas de absolutismo estatal fornecem poderoso contingente aos que pugnam egoisticamente pela perseverança dos sistemas que destroem as possiblidades e tentativas de surgimento de um novo princípio”. Mas dados os fatos estudados, conclui-se que ainda é cedo e precipitada seria qualquer afirmação nesse sentido. As pessoas físicas não são sujeitos de direitos internacionais.

Neste sentido, acerca da problemática apontada no presente artigo, ao cabo, assume-se a posição doutrinária majoritária em relação aos indivíduos. Além de suportar as teorias fixadas na ideia de que essa espécie não possui determinadas autonomias e tem seu poder internacional submisso aos Estados, bem como não podem, a título próprio, produzir acervo normativo internacional, nem guardar qualquer relação direta e imediata dessa mesma hierarquia

 

Referências

ACCIOLY. Hidelbrando. Manual de direito internacional público. 8ª ed. São Paulo: Saraiva, 1968.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 9. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004 (RT Códigos).

CAPARROZ, Roberto. Direito Internacional público. São Paulo: Saraiva, 2012 (Coleção saberes do direito; 55).

DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado: (parte geral). 4ª ed. Atualizada. Rio de Janeiro: Renovar, 1997, 498 páginas.

GROTIUS, Hugo. De Jure Belli ac Pacis. Primeira Edição. Paris: 1625.

GUTIER, Murillo Sapia. Introdução ao Direito Internacional Público. Murillo Gutier, 2011. Disponível em: <https://murillogutier.com.br/wpcontent/uploads/2012/02/INTRODU%C3%87%C3%83O-AO-DIREITO-INTERNACIONAL-MURILLO-SAPIA-GUTIER.pdf>. Acesso em: 02 de Abr. de 2018.

ITUASSÚ, Oyama Cesar. Curso de direito internacional público. Rio de Janeiro: Forense, 1986.

AMARAL JUNIOR, Alberto do. Manual do candidato: noções de direito e direito internacional. Apresentação do Embaixador Georges Lamazière. 4. ed. atual. Brasília: FUNAG, 2012.

MELLO, Celso Duvivier de Albuquerque. Curso de direito internacional público. Prefácio de M. Franchini Netto à 1. ed. 12ª ed. rev. e aum. Rio de Janeiro: Renovar, 2000.

REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público: curso elementar. 16. ed. rev., ampl. atual. – São Paulo: Saraiva, 2016.

TRT-10-RO: 811200901810000 DF 00811-2009-018-10-00-0 RO, Relator: Juiz Paulo Henrique Blair, Data de Julgamento: 06/02/2013, 3ª Turma, Data de Publicação: 22/02/2013 no DEJT. RECURSO ORDINÁRIO. Disponível em: https://trt-10.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/24297848/recurso-ordinario-ro-138201000910001-df-00138-2010-009-10-00-1-ro-trt-10. Acesso em: 25 de mai. de 2018.

 

[1] Acadêmico no 6° período do curso de Direito; CEULJI/ULBRA, Rondônia; e-mail: calixto.adv@ulbra.edu.br.

[2] Mestre em Direito pela Universidade Regional Integrada do Alto do Uruguai e das Missões – Santo Ângelo (URI), na linha de pesquisa Direito e Multiculturalismo (2017). Bacharel em Direito pela mesma instituição. Orientador do trabalho. Professor do Curso de Direito do CEULJI/ULBRA, Rondônia. E-mail: gwb.dir@hotmail.com.

[3] Diz-se “geralmente” porque, tratando-se de Estados e suas respectivas soberanias, o caso concreto pode mostrar outras consequências ou mesmo ter algumas, das citadas pelo autor, excluídas.

[4] Ramo da medicina que cuida de medidas de prevenção de doenças e preservação da saúde pública utilizando-se de medidas de higiene, atividade físicas, vacinas, cuidados com a alimentação etc.

[5] Conceito econômico relacionado ao campo de atuação do capital, que se dá em muitos países. Não se trata de conceito jurídico.

Âmbito Jurídico

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