O realce dado pela Carta de 1988, elevando o Dano Moral ao nível de garantia constitucional, juntamente à edição do Código de Defesa do Consumidor em 1990 e à criação dos Juizados Especiais Cíveis, deu ao cidadão comum, mesmo despido de conhecimentos jurídicos, a possibilidade de encarar as grandes empresas de igual para igual, no tocante às relações de consumo.
As arbitrariedades perpetradas por essas na contratação do fornecimento de seus produtos ou prestação de serviços passaram a anular as cláusulas abusivas dos contratos de consumo (art. 51 do CDC). O reconhecimento da existência do dano moral puro, a inversão do ônus da prova em prol do consumidor (art. 6º, inciso VIII da Lei Consumerista) e a possibilidade de solicitar a prestação jurisdicional sem formalidade e sem a constituição de advogado em causas de menor valor (art. 9º da Lei dos Juizados Especiais) instrumentalizaram a proteção à igualdade, prevista no caput do artigo 5º da Constituição de 1988: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (…)”
O advento desses fatores levou uma parcela da população a acessar o Poder Judiciário para proteger seus direitos. O consumidor conscientizou-se, não aceitando mais a imposição de juros e tarifas abusivos, o descaso no atendimento, a arbitrariedade de algumas cláusulas nos contratos de adesão … Levando suas demandas à Justiça de forma simples (preenchimento de formulários, guias, etc…), indenizações passaram a ser concedidas pelo mero descaso das empresas para com o cidadão. Mas a reação não tardou…
As grandes corporações se uniram. A legislação passou a ser chamada de “casuística e paternalista”. A gratuidade dos Juizados Especiais Cíveis passou a ser criticada como “fomentadora de uma verdadeira indústria do dano moral” (palavras de Antônio Ferreira Couto Filho, presidente da Comissão Permanente de Biodireito do Instituto dos Advogados Brasileiros, na Edição de Agosto/Setembro/Outubro de 2006 do Jornal da Associação Médica do Brasil). Um Projeto de Lei (nº 1443/2003) foi apresentado pelo Deputado Federal Pastor Reinaldo (PTB/RS), para combater a “indústria do dano moral”, sob a justificativa de que “proliferam os pedidos indenizatórios em nossos Tribunais, claramente abusivos, onde fica patente a desproporção entre o dano e o montante que se quer obter a seu pretexto. São pedidos formulados sem a mínima razoabilidade e que nos fazem crer, infelizmente, na existência de uma indústria – no pior sentido da palavra -, indenizatória”.
Chamar de “indústria indenizatória” o exercício de direito constitucionalmente garantido é defender a conhecida indiferença que as grandes empresas têm para com o consumidor. É se postar favoravelmente ao exorbitante lucro que os grandes fornecedores e prestadores de serviço têm à custa do desrespeito aos direitos do cidadão – consumidor. Na verdade, há um verdadeiro enriquecimento ilícito, ante o desrespeito às leis e ao próprio Poder Judiciário (pressionado pelo poder econômico e financeiro de tais organizações). Então, antes de falarmos em “Indústria do Dano Moral”, não seria melhor falarmos em uma “Indústria do Enriquecimento Ilícito?”
Conclui-se que o resguardo do direito à integridade moral deve levar em conta que a vida humana não é apenas um conjunto de elementos materiais: integram-na valores imateriais, como os morais e éticos. O ressarcimento do cidadão lesado em seu direito personalíssimo à honra (atendendo o binômio “satisfação pessoal do ofendido” e “desestímulo a práticas abusivas”) se faz justo e necessário, contribuindo para o objetivo fundamental constitucionalmente consagrado no artigo 3º da Carta Cidadã – de construção de uma sociedade livre, justa e solidária.
Advogado, Especialista em Direito Penal e Processual Penal
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