A Lei específica de execução fiscal – Lei n° 6.830/80 – é uma lei boa do ponto de vista técnico, apta a cumprir sua missão com a observância dos princípios do devido processo legal e do contraditório e ampla defesa, desde que bem aplicada pelos operadores do Direito.
Em razão da peculiaridade da cobrança do crédito tributário, informado por princípios de direito público, a execução fiscal apartou-se do sistema de execução em geral regido pelo Código de Processo Civil de 1973, retornando ao regime do antigo Decreto-lei n° 960/38. Informado pelo princípio da eventualidade tem tudo para ultimar rapidamente o processo de execução fiscal.
Mas, na prática, essa execução fiscal leva em média 14 anos para encerrar, enquanto que o processo administrativo tributário constituído pelo lançamento, leva em média 4 anos.
Daí a tentativa de sua substituição por outros meios de cobrança do crédito tributário que vão desde a aplicação das regras do Código de Processo Civil que regem a execução em geral, mas apenas no que tange ao interesse da Fazenda, ou a proposta de instituição de execução fiscal administrativa, até a instituição de sanções políticas de variadas espécies: protesto da certidão de dívida ativa; inscrição do débito no Cadin, no Serasa; penhora on line; arrolamento de bens do devedor; indisponibilidade universal de bens; proibição de emitir notas fiscais; proibição de praticar inúmeras atividades típicas do empresariado sem prévia apresentação de certidão negativa de tributos.
Essas sanções políticas, meios coercitivos indiretos, estão recrudescendo dia a dia, apesar das três súmulas do STF – Súmulas n°s 70; 323 e 547 – ilustrativa e didaticamente editadas. Não é preciso, por óbvio, editar uma súmula para cada sanção política que vem surgindo a cada dia que passa.
A sanção política mais recente foi imposta por mera instrução normativa do Secretário de Finanças da Prefeitura de São Paulo determinando o bloqueio da nota fiscal eletrônica dos contribuintes em débito com o ISS.
Essa medida ilegal e abusiva tomará um bom tempo dos juízes e tribunais, representando um desperdício de recursos públicos. Enquanto não se atentar para o princípio da hierarquia vertical das leis, por sinal, ao alcance da compreensão de todo operador do direito, medidas da espécie continuarão tumultuando a ordem jurídica vigente e gerando confusão e insegurança no seio da sociedade.
Mas, a culpa não é da Lei de Execução Fiscal que a União quer substituir pela Lei de Execução Administrativa que, no seu entender, seria mais ágil.
A celeridade da execução fiscal depende única e exclusivamente da eficiência das Procuradorias Fiscais das três esferas políticas que não estão aparelhadas para o cumprimento do dever elementar de o exequente localizar o devedor-executado e os seus bens.
Sem isso, o processo de execução fiscal ficará paralisado por 10, 12 ou 15 anos como vem acontecendo, comprometendo o andamento regular das execuções viáveis.
As Procuradorias Fiscais não estão fazendo a seleção qualitativa dos créditos tributários a serem cobrados. Misturam-se os grandes devedores solventes que distribuem dividendos semestrais, com pequenos devedores insolventes que ninguém sabe onde encontrá-los, muito menos identificar os seus bens.
Mais de 90% da morosidade do Judiciário – que não é órgão de investigação do paradeiro do executado e de seus bens – repousa nas causas retro mencionadas.
Enquanto não se ter consciência desses fatos que, aliás, são públicos e notórios, a execução fiscal continuará emperrada, talvez, para justificar a implantação da execução administrativa, cujo modelo foi importado de um país onde sequer existe o Judiciário como poder harmônico e independente.
Por isso, apresentamos na audiência pública realizada pelo Conselho da Justiça Federal, coordenada pelo Min. Gilson Dipp do STJ, em que se debateu a proposta do Projeto de Lei de Execução Administrativa apresentada pela Procuradoria da Fazenda Nacional, uma proposta alternativa para conferir eficiência à execução fiscal, sem subtrair do Poder Judiciário o ato de expropriação dos bens do devedor.
Trata-se de instituição da penhora administrativa como pré-requisito da petição inicial de execução fiscal, mediante atualização da antiga proposta do Senador Lúcio Alcântara.
A penhora não é um ato jurisdicional, mas um ato de natureza administrativa praticada por ordem do juiz. Não é relevante juridicamente saber quem ordenou a penhora. É relevante apenas a garantia do contraditório e ampla defesa.
A exigência desse pré-requisito da inicial obriga a Fazenda não apenas a selecionar qualitativamente os créditos tributários a serem cobrados judicialmente, como também a aparelhar o seu sucateado órgão fiscal com recursos materiais e pessoais, para as diligências de localização do devedor e de seus bens e lavrar o auto de penhora.
O executado apresentará os embargos no prazo legal, a contar da citação e não mais a contar da intimação da penhora. Alegará em um único momento toda a matéria de defesa, inclusive, sob o ponto de vista formal e material do auto de penhora. Tudo o mais continua conforme prescrição da Lei n° 6.830/80. A propositura visa alcançar a eficiência perseguida pelo art. 37, XXII da CF. Contudo, a propositura excluía da penhora administrativa a penhora de dinheiro, a penhora de faturamento e a penhora de estabelecimento empresarial a serem feitas apenas por ordem judicial e com a observância dos artigos 655-A, § 3º, 655 e 677 do CPC.
Mas, a proposta era simples demais, por isso não vem sendo implementada pelos legisladores, que preferiram adicionar alguns ingredientes complicadores.
O projeto em discussão no Congresso Nacional avançou bastante em relação à proposta original da PGFN, que instituía a execução administrativa, mas ele continua apresentando a inconveniência de intercalar o procedimento administrativo e o procedimento judicial, interferindo na rapidez e eficiência da execução fiscal. Outrossim, a introdução da figura da “constrição preparatória ou provisória” na esfera administrativa em nada beneficia a Fazenda ou o contribuinte. Apenas aumenta a burocracia. Afinal, se já localizou os bens do devedor por que não proceder à penhora definitiva? A penhora on line, a penhora de estabelecimento empresarial e a penhora de faturamento, também, são mantidos na esfera de competência da administração, reservando quanto à constrição do faturamento a faculdade de o juiz fixar o seu percentual, como se esse tivesse bola de cristal para saber das necessidades diárias do executado, sem nomear administrador.
A nossa proposta separa o procedimento administrativo que se exaure com a distribuição da ação instruída com a certidão de dívida ativa e com o auto de penhora, do procedimento judicial que findará com a expropriação dos bens do devedor, que se encontra sob o princípio de reserva de jurisdição. Como se sabe, os artigos 31 e 32 do Decreto-lei n° 70/66 que permitiam o leilão extrajudicial de imóveis financiados pelo Sistema Financeiro da Habitação foram declarados inconstitucionais pelo STF (RE n° 304.464-SP, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 24-6-2003, p. 48).
Especialista em Direito Tributário e em Ciência das Finanças pela FADUSP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro em várias instituições de ensino superior. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.
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