Inquérito policial

Introdução

A dispensabilidade do Inquérito Policial é tema polêmico, ostentador de duas correntes predominantes. De um lado, encontramos uma corrente que defende a sua eliminação e do outro, uma que advoga por sua manutenção. Haja visto o atual papel do Inquérito Policial, que é o de realizar diligências para a apuração de uma infração penal e sua respectiva autoria, a fim de que o titular da ação penal possa ingressar em juízo, ou seja, dar sustentáculo para a propositura da competente ação penal. É de vital importância estudar todos os fundamentos legais e práticos para determinarmos se a proposta de eliminar o Inquérito Policial é válida, ou uma idéia utópica.

Problematizado, encontra-se esse impasse, não recente, mas já antigo, pois há tempos tentam eliminar o Inquérito Policial. Primeiramente, é de grande importância conhecer profundamente o Inquérito Policial e todos as suas peculiaridades e características. Posteriormente, é imprescindível analisar os prós e os contras, analisando os argumentos lançados a favor e os argumentos lançados contra a sua eliminação.

O Inquérito Policial, após muitas tentativas de sua eliminação, foi mantido, ampliado e valorizado, deixando de ser uma peça meramente informativa, para tornar-se a base acreditada da ação penal. Tal afirmação se deve ao fato de que nos idos de 1940, quando da unificação dos Códigos de Processo Penal, o legislador optou pela manutenção do Inquérito Policial, considerando principalmente a vastidão territorial e, em numerosos casos, as grandes distâncias entre as comarcas e os municípios que as integram. Na ocasião, advogou-se pelo Juízo de Instrução, no entanto, não pareceu o ideal. Nesse sistema, a prova é recolhida pelo próprio juiz, ficando a investigação praticamente a seu cargo.

Segundo José Paulo Bisol, em seminário promovido pelo UGEIRM – Sindicato dos Policiais Civis do Rio Grande do Sul, com o tema “As diversas vozes sobre a segurança pública”, o Inquérito Policial é uma peça preparatória da ação penal, fruto da inquisição, e que só existe no Brasil e em mais dois países africanos de língua portuguesa.

A proposta de eliminação ganhou adeptos em vários pontos do país, dentre membros da magistratura e do Ministério Público, reforçando a posição de que o Inquérito Policial é dispensável.

Em contrapartida tal proposta ganhou também opositores, que advogam pela manutenção do Inquérito Policial, acreditando na indispensabilidade desse instrumento que vige no país há mais de 100 anos, e que tem por finalidade servir de base e sustentação para a ação penal a ser promovida pelo Ministério Público, bem como fornecer elementos probatórios ao juiz.

Alguns ainda defendem a manutenção do Inquérito Policial, argumentando que, afastando o mesmo, as conseqüências seriam desastrosas, acarretando um descrédito na polícia e na Justiça, aumentando a sensação de impunidade.

Com o advento da Lei nº 9.099/95, dos juizados especiais criminais, incluindo neles os delitos cuja pena máxima cominada seja de até um ano, afastou a realização do procedimento administrativo, exigindo tão somente o Termo Circunstanciado de Ocorrência. Afastado o Inquérito Policial, o informalismo foi total e o descrédito no trabalho da polícia também, em destaque para os delitos de trânsito que não intimidam ninguém.

Sobretudo, existe a necessidade de um estudo a fim de ser verificada a existência de propostas de substituição, caso a eliminação do Inquérito Policial seja a solução ideal.

É importante determinar ainda se a eliminação do Inquérito Policial e a reformulação processual traria benefícios, haja vista que, atualmente, é a sustentação da ação penal a ser promovida pelo Ministério Público.

Muito se fala da eliminação do Inquérito Policial, no entanto, os defensores de tal causa, a priori, não lançam argumentos e propostas concretas de como ficaria a ação penal sem esse instituto. Um dos adeptos dessa proposta, o professor Vicente Raó em 1936, tentou criar o Juizado de Instrução, culminando portanto na  extinção do Inquérito Policial, deixando à Polícia, apenas a função investigatória.

Deve-se ressaltar ainda que, apesar deste instituto ser velho, com mais de 100 anos, necessitando de certas inovações, não seria lógico concluir que, após diversas tentativas infrutíferas de eliminá-lo, o mesmo é indispensável para a manutenção da ação penal. O que se pretende demonstrar é que apesar de ser um instituto antigo, motivo pelo qual pode possuir falhas, o mesmo é indispensável, haja vista que depois de tantas tentativas de sua eliminação, o mesmo ainda resiste no ordenamento jurídico atual.

O objetivo portanto é após analisar todos os argumentos, todos as propostas, determinar pela eliminação, manutenção, ou mesmo inovação do Inquérito Policial, apresentando, sendo o caso, a forma de substituir ou inovar, a fim de não prejudicar o bom andamento da ação penal.

O valor dessa pesquisa será o de determinar se realmente a eliminação do Inquérito Policial é um fator que viria não só inovar, mas também beneficiar a investigação policial, haja vista ser o Inquérito Policial preliminar ao Processo Penal, dando a ele suporte.

1.Inquérito Polícial

1.1. Síntese histórica

Na história do Direito encontramos três espécies de processo penal, florescentes em diversas legislações: o acusatória, o inquisitória e o misto. O processo acusatório, desenvolveu-se na Grécia e em Roma, e caracterizava-se pelo fato de que o juiz não tinha nenhuma iniciativa na ação penal, sendo que tal direito competia ao cidadão que sofria a ofensa. O processo inquisitório surgiu no Direito Canônico, por determinação do Papa Inocêncio III, florescendo na França, Alemanha, Espanha e outros países cultos, sendo que o processo tinha início mediante acusação, denúncia e inquirição. Por intermédio da acusação e da denúncia, o cidadão expunha a prática do crime e solicitava a imposição da pena e, na segunda, a instauração do processo.  Quanto a inquirição, era iniciada de ofício pelo magistrado, que deflagrava o processo tão logo tomava conhecimento da prática do delito. O processo inquisitório era contraditório, público e oral. Com o aparecimento do Ministério Público, o processo inquisitório firmou-se definitivamente.[1]

A antiga população ateniense já detinha uma espécie de inquérito o qual tinha como objetivo apurar a probidade individual e familiar daqueles que eram eleitos magistrados, dez dos quais eram encarregados do serviço policial e recebiam a denominação de estinomos.  Essa apuração não tinha qualquer esboço de contraditório, sendo que se assemelhava a uma espécie de sindicância de caráter investigativo. [2]

No direito romano, os trabalhos investigatórios para se apurarem as circunstâncias do crime e localizar o criminoso passaram a desenvolver-se com o nomen júris de inquisitivo. Nesse caso, o Magistrado delegava poderes à vítima ou a seus parentes, os quais se tornavam acusadores. Essa inquisitio estendia-se ao acusado, concedendo-lhe o direito de promover também inquisições, em busca de elementos inocentadores, motivo pelo qual, se dizia contraditório o processo. Posteriormente é que a função de promover inquisições passou a ser exclusiva de agentes públicos, formalmente revestidos de poderes legais, haja vista o fato do Estado sem querer abrir mão desse direito de punir, admitiu, a necessidade de autocontrole. [3]

No Brasil Império vigoraram, as Ordenações do Reino, ou seja, Ordenações Afonsianas no período compreendido entre os anos de 1446 a 1521, Manuelinas, de 1521 a 1603, e Filipinas, de 1603 a 1867. Durante as Ordenações Filipinas, a expressão Inquérito Policial ainda não era empregada, portanto, o processo criminal compreendia a devassa que era a simples comunicação de um delito tomada pelo juiz; a querela, que era a acusação feita por um cidadão a um criminoso, no interesse público ou particular; e a denúncia, que era a declaração oficial do crime de natureza pública, feita em juízo, para atuação da justiça contra o infrator.[4]

Tais formas processuais ficaram em vigor até a promulgação do Código Penal do Império, em 1830 e a do Código de Processo Penal do Império, em 1832. No entanto, a expressão inquérito policial, ainda não era utilizada.[5]

O inquérito policial, com esse nomen iuris e características fundamentais próprias, originou-se no direito brasileiro com a promulgação do Decreto nº 4.824, de 22 de novembro de 1871, que regulamentou a Lei nº 2033, de 20 de setembro do mesmo ano, portanto, há quase um século e meio, o Inquérito Policial  é instrumento oficial de persecutio criminis extra-juditio.[6]

O instituto do Inquérito Policial foi conceituado da seguinte forma:

“O inquérito policial consiste em todas as diligências necessárias para o descobrimento dos fatos criminosos, de suas circunstâncias, e de seus autores e cúmplices, devendo ser reduzido a instrumento escrito”. [7]

No ano de 1822, o ministro da Justiça, Cons. Ferreira de Moura, nomeou uma comissão de juristas ilustres, encarregada de elaborar projeto de nova estrutura administrativa da Justiça, sendo certo que o artigo 18 do referido projeto foi contundente e incisivo, abolindo os inquéritos. O relator do projeto, cons. Aquino e Castro, justificando esse posicionamento da comissão, disse na Exposição de Motivos que os Inquéritos Policiais facilitavam o abuso da autoridade e dificultavam mais ainda a defesa do indiciado. [8]

Com o advento da República, houve a restauração da peça inquisitória, tendo em seguida sofrido abalo, quando se encetou campanha para a criação do chamado “juizado de instrução”, que se destinava à substituição do processo policial de inquisição.[9]

Com a promulgação do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de1941, o qual introduziu o atual Código de Processo Penal, foi mantido o Inquérito Policial, reservando todo Titulo II, do Livro I do seu texto. [10] O inquérito foi mantido devido à sua característica democrática, como instrumento de garantia do cidadão contras as acusações apressadas e infundadas. [11]

Na Constituição Federal de 1988, os princípios processuais que orientam o Inquérito Policial foram totalmente recepcionados, já que é o único instrumento de defesa contra eventuais abusos advindos de juizos apressados. [12]

Não cabe, por enquanto, análise mais detalhada das vantagens ou desvantagens do sistema adotado pelo nosso legislador, no entanto, é certo afirmar que surgem outras manifestações, de ilustres juristas pátrios, condenando o sistema, com propostas diversas.[13]

1.2.Legislação Vigente

O Inquérito Policial, na legislação vigente é tratado com especial importância, ocupando totalmente o Título II do Livro I do Código de Processo Penal, ou seja, do Decreto º 3.689, de 03 de outubro de 1941.[14]

1.3.Conceito

A Lei nº 2.033, de 20 de setembro de 1871, foi a primeira regra que estabeleceu normas sobre o inquérito policial.

Conforme constou do Decreto nº 4.824, de 22 de novembro de 1871, no seu artigo 11, § 3º, in fine:

“O objeto do Inquérito Policial é a verificação da existência da infração penal, o descobrimento de todas as suas circunstâncias e da respectiva autoria”.[15]

Ressalte-se que foi a única definição legal do objeto do inquérito, já que referida norma não mais está em vigor.

Ainda de acordo com o artigo 42 do Decreto nº 4.824, de 22 de novembro de 1871:

“O Inquérito Policial consiste nas diligências necessárias para o descobrimento dos fatos criminosos, de suas circunstâncias e de seus autores e cúmplices, devendo ser reduzido a instrumento escrito”.

O artigo 42 desta lei (que trata da formação legal do inquérito policial), corresponde ao atual artigo 4º do Código de Processo Penal.[16]

No atual artigo 4º do Código de Processo Penal, o legislador apenas dispõe sobre a Polícia Judiciária, que “terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria”.[17] Dessa forma, ainda que não chegue a ser um conceito, esta norma estabelece a finalidade do próprio Inquérito Policial.

Tendo em vista a inexistência de definição legal para o Inquérito Policial, existe a necessidade de se recorrer aos doutrinadores a fim de estabelecer um conceito para o mesmo, existindo dessa forma, vários conceitos:

Para Hidejalma Muccio:

“Inquérito Policial nada mais é do que um procedimento informativo, revestido de sigilosidade e inquisitoriedade, no qual, obedecida a forma escrita, tem lugar a primeira fase da persecução penal – persecutio criminis – que implica na apuração da infração penal e da sua autoria, sem prejuízo da colheita de outras provas que guardem relação com o fato”. [18]

Segundo Afonso Celso F. de Rezende:

“Inquérito Policial, é o sustentáculo da ação penal e tem por objetivo apurar a notitia criminis. Compreende-se como uma série de atos (sem o contraditório) onde ocorrem interrogatórios, averiguações, buscas, exames, e tem por objetivo o esclarecimento ou a apuração de algum fato criminoso, com a produção de elementos probatórios de sua materialidade (prova de existência do crime) e respectiva autoria. A pessoa, alvo dessas diligências, chama-se indiciado.”[19]

Para Fernando da Costa Tourinho Filho:

“Inquérito Policial é, pois, o conjunto de diligências realizadas pela Polícia Judiciária para a apuração de uma infração penal e sua autoria, a fim de que o titular da ação penal possa ingressar em juízo.”[20]

De acordo com Walter P. Costa:

“Inquérito, in genere, é todo procedimento legal destinado à reunião de elementos acerca de uma infração penal. É a instrução extrajudicial.”[21]

No dizer de Ismar Estulano Garcia:

“Inquérito Policial é o instrumento formal das investigações. É peça informativa, compreendendo o conjunto de diligências realizadas pela Autoridade para a apuração do fato e descoberta da autoria. Relaciona-se com o verbo inquirir, que significa perguntar, indagar, procurar, investigar, averiguar os fatos, como ocorrem e qual o seu autor.”[22]

Para Augusto Mondin:

“Inquérito policial é, pois, o instrumento clássico e legal de que dispõe a autoridade para o desempenho de uma das mais importantes funções. A sua elaboração constitui principalmente, ato de polícia judiciária, e tem por escopo apurar não só os chamados crimes comuns, senão também as infrações previstas em legislação especial, quanto às lei que lhes regulam o processo não dispuserem o contrário e os fatos que dêem lugar à aplicação das medidas de segurança.”[23]

Conceitua Romeu de Almeida Salles Junior:

“Inquérito Policial é o procedimento destinado à reunião de elementos acerca de uma infração penal. É o conjunto de diligências realizadas pela Polícia Judiciária, para a apuração de uma infração penal e sua autoria, para que o titular da ação penal possa ingressar em juízo, pedindo a aplicação da lei ao caso concreto.”[24]

Plácido e Silva nos ensina que:

“Inquérito. Derivado do verbo latino quaetitare (investigar, indagar), quer exprimir o ato e efeito de investigar ou sindicar a respeito de certos fatos que se desejam esclarecer”.[25]

Para Júlio Fabbrini Mirabete:

“Inquérito Policial é todo procedimento policial destinado a reunir os elementos necessários à apuração da prática de uma infração penal e de sua autoria”. [26]

De acordo com Antonio Heráclito Mossin:

“Inquérito Policial é o conjunto de diligencias realizadas pela polícia judiciária visando à apuração de uma infração penal e sua autoria, para que o titular da ação penal possa ingressar em juízo, pedindo a aplicação da lei ao caso concreto”. [27]

Para Vicente Greco:

“Inquérito Policial é uma peça escrita, preparatória da ação penal, de natureza inquisitiva”. [28]

Sob o ponto de vista técnico-policial:

“Inquérito Policial é o instrumento pelo qual o Delegado de Polícia materializa a investigação criminal, compila informações a respeito da infração penal, de suas circunstâncias e resguarda provas futuras, que serão utilizadas em Juízo contra o autor do delito”  [29]

De acordo com Marcus Cláudio Acquaviva:

“O Inquérito policial é apenas uma espécie do gênero inquérito. O vocabulário inquérito – que existe somente em português – deriva do latim quaerere, inquirere, fazer perguntas (inquiririr), procurar informações sobre algo, investigar”.[30]

Segundo Giovana Zibetti Alberti:

“O inquérito policial é um instrumento de natureza administrativa que tem por finalidade expor o crime em sua primeira fase, a fim de que se descubra a autoria, a materialidade, circunstâncias do crime, além de provas, suspeitas, etc”.[31]

1.4. Finalidade

Como preceitua Hidejalma Muccio, a finalidade do Inquérito Policial é apurar a existência da infração penal, bem como a sua respectiva autoria, proporcionando ao titular da ação penal condições e elementos necessários ao seu exercício.[32]

A finalidade do Inquérito Policial, portanto, é apurar a infração penal e a sua respectiva autoria, informando ao juiz sobre o que foi apurado, fornecendo ao magistrado todas as informações necessárias, sendo que o Ministério Público se utilizará dessas informações para oferecer a denúncia ou requerer o arquivamento dos autos.

1.5.Natureza

1.5.1.Escrito

De acordo com o artigo 9º do Código de Processo Penal, todas as peças de Inquérito Policial serão, num só processado, reduzidas a escrito ou datilografadas e, nesse caso, rubricadas pela autoridade, portanto, a forma oral não é observada.[33]

Hidejalma Muccio comenta que a disposição legal não impede que o Inquérito Policial seja manuscrito, salientando que em passado não muito remoto era comum encontrar Inquérito Policial escritos à mão.[34]

Segundo Romeu de Almeida, o Inquérito Policial é escrito porque todas as peças serão reduzidas a escrito ou datilografadas. Haja vista a necessidade de evitar problemas relacionados com perda de tempo, ou a necessidade de analisar, ou até de descobrir o que realmente foi escrito, as peças de Inquérito Policial são datilografadas. [35]

Atualmente, tendo em vista, a informatização das unidades policiais, os Inquéritos Policiais, tem sido quase que totalmente digitados, evitando-se os problemas citados, restando poucas peças que ainda necessitam ser datilografadas.

Adverte Ary A. Franco que o legislador foi prudente ao exigir que todas as peças do inquérito sejam reduzidas a escrito ou datilografadas e rubricadas pela autoridade, pois, inumeras vezes encontramos nos autos de inquérito diligências que não se pode determinar se foram emanadas pela autoridade.[36]

A fim de melhor adequar os serviços policiais ao previsto no artigo 9º do Código de Processo Penal, o Delegado Geral de Polícia editou a Portaria DGP-13 de 28 de março de 1996, publicada no Diário Oficial de 29 de março de 1996, a qual dispõe sobre a obrigatoriedade da aposição de rúbrica da autoridade policial, em todas as peças de Inquérito Policial.

1.5.2.Sigiloso

Segundo o artigo 20 do Código de Processo Penal, a autoridade assegurará no inquérito o sigilo necessário à elucidação do fato exigido pelo interesse da sociedade. O parágrafo único do referido artigo reza que nos atestados de antecedentes que lhe forem solicitados, a autoridade policial não poderá mencionar quaisquer informações referentes a instauração de inquérito contra os requerentes, salvo caso de existir condenação anterior.[37]

Esse artigo trata da possibilidade de sigilosidade nas investigações, tendo o delegado a possibilidade de manter em sigilo as informações que achar pertinentes e que, se divulgadas, podem prejudicar as investigações.

O princípio da publicidade não é adotado no Inquérito Policial, o qual se familiariza com processo penal. Esse princípio se harmoniza com a garantia da ampla defesa do acusado, muito embora, em algumas situações próprio processo penal, como no caso previsto no artigo 486 do Código de Processo Penal, seja mantido o sigilo. Referido artigo trata do sigilo na votação do tribunal do juri. [38]

Tendo em vista o fato de que o Inquérito Policial objetiva tão-somente a colheita de elementos sobre a prática delituosa, a fim de instruir o processo subsequente, é evidente que deve ser efetuado, quando houver necessidade, em sigilo, a fim de não ser prejudicado a referida colheita de provas.[39]

Para José Carlos de Lucca, o sigilo no Inquérito Policial “tem ação benéfica, profilática e preventiva, tudo em benefício do Estado e do cidadão”. Com a publicidade das diligências em curso e as que se pretende praticar, acarretaria a não elucidação da infração penal, com respectivo prejuízo à aplicação do Direito.[40]

O Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (Lei nº 8.906/94), estabeleceu no artigo 7º, ser direito do advogado, dentre outras coisas, comunicar-se com seus clientes, pessoal e reservadamente, mesmo sem procuração, quando esses se acharem presos, detidos ou recolhidos em estabelecimentos civis ou militares, ainda que considerados incomunicáveis; ingressar nas salas e dependências de audiências, secretarias, cartórios, tabelionato, ofícios de Justiça, inclusive dos registros públicos, delegacias e prisões, mesmo fora da hora de expediente e independentemente da presença de seus titulares; e examinar em qualquer repartição policial, mesmo sem procuração, autos de flagrante e de inquérito, findos ou em andamento, ainda que conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos.[41]

De acordo com Fernando da Costa Tourinho Filho, ante essas disposições, há quem afirma que “tecnicamente, não há que se cuidar, pois, de sigilo”.[42]

As disposições elencadas “apunhalaram” a sigilosidade do Inquérito Policial, no entanto, não se pode dizer que o mesmo tenha sido totalmente afastado. O que a lei determinou é que o autor do delito, por meio de seu defensor, possa ter acesso às diligências que já foram tomadas, não obrigando, todavia, a autoridade policial a antecipar as diligências que se pretende tomar.[43]

O caráter sigiloso do Inquérito Policial não se aplica ao Ministério Público, haja vista ser ele o titular da ação penal, que pode de perto acompanhar a colheita das provas que subsidiarão a ação penal.[44]

Em alguns casos em especial, ou seja, em que estiverem envolvidos vítimas de estupro, ou mesmo crimes contra a honra, os fatos deverão ser apurados obedecendo-se o princípio da sigilosidade. O artigo 26 da Lei nº 6.368/76 que trata dos crimes relacionados com tóxicos determina a sigilosidade na apuração dos crimes de uso e tráfico de entorpecentes.[45]

É importante atentar-se ao fato de que se deve assegurar o sigilo necessário para a elucidação do fato, logo, se para elucidar o crime a autoridade não precisar do sigilo, ele será dispensado.

1.5.3.Inquisitivo

Comenta Heráclito Antonio Mossim que:

“A primeira fase da persecução criminal, onde se encontra inserido o Inquérito Policial, as investigações são realizadas sob o crivo da inquisitoriedade”.[46]

O Inquérito Policial, como o próprio nome diz, é inquisitorial. Segundo Romeu de Almeida Salles Junior ele é inquisitivo pelo fato de a autoridade comandar as investigações com certa discricionariedade, ou seja, como melhor lhe prover.[47]

Na fase pré-processual, ou seja, na fase investigatória, o indiciado não tem direito ao contraditório, pois não se incrimina ninguém com o inquérito, não havendo acusação, nem defesa.

1.5.4.Equema gráfico

1.6.Início do inquérito policial

1.6.1.Por crime de ação penal pública incondicionada

Segundo preceitua Paulo Alves Franco, Ação Penal Publica Incondicionada é aquela que não depende da manifestação de vontade do ofendido ou de seu representante legal, sendo intentada de ofício pelo Ministério Público. [48]

Marcus Cláudio Acquaviva ensina que, ocorrendo um crime que se enquadre naqueles previstos como de ação penal pública incondicionada, a autoridade policial deve instaurar o Inquérito Policial, a menos que haja alguma razão essencial para não fazê-lo, como no caso de extinção de punibilidade.[49]

Nos crimes de Ação Penal Pública o Inquérito Policial será iniciado de ofício, ou ex officio, segundo o artigo 5º, inciso I do Código de Processo Penal, ou seja, quando a própria autoridade instaura o inquérito por si só; ou mediante requisição da autoridade Judiciária ou do Ministério Público; ou a requerimento do ofendido ou de quem tiver qualidade para representá-lo, conforme previsto no inciso II do artigo 5º do Código de Processo Penal.[50]

Segundo Giovana Zibetti Alberti:

“Requisitar é exigir aquilo que deve ser feito, já requerimento, é um pedido feito através de comunicação oficial (ofício, petição)”.[51]

1.6.1.1.Esquema gráfico

1.6.2.Por crime de ação penal pública condicionada

Paulo Alves Franco, nos ensina que Ação Penal Publica Condicionada é aquela que depende da manifestação de vontade do ofendido ou de seu representante legal para ser intentada, ou seja, o Inquérito Policial somente tem início através de representação do ofendido ou de seu representante legal.[52] Tal disposição se encontra prevista no artigo 5º, § 4º do Código de Processo Penal.[53]

Portanto, não podem o Juiz ou o Promotor de Justiça, requisitar a instauração de Inquérito Policial, sem a representação do ofendido, a qual é pressuposto a que deve ser submetido à ação penal.[54]

A representação aqui tratada pode ser feita pessoalmente ou mediante procurador com poderes específicos, perante a autoridade policial, o Promotor de Justiça ou ao próprio Juiz.[55]

1.6.2.1.Esquema gráfico

1.6.3.Por crime de ação penal privada

De acordo com o artigo 5º, § 4º do Código de Processo Penal, para se dar início ao Inquérito Policial nos crimes de ação penal privada, a vítima ou o seu representante legal deverá requerer.[56] Portanto, a fim de ser instaurado Inquérito Policial para a apuração de infração penal que se enquadre como sendo de ação penal privada, o ofendido deverá requerer à autoridade policial.

Segundo Paulo Alves Franco, a Ação Privada é aquela que, para ser intentada, depende também da vontade da vítima ou de seu representante legal.[57]

Lembra Marcus Cláudio Acquaviva, que a ação penal privada pode ser intentada como subsidiária da ação penal pública, no caso de o Ministério Público não oferecer a denuncia no prazo legal.[58]

Segundo Fernando da Costa Tourinho Filho:

“Esses crimes de ação privada representam um plus em relação aos crimes de ação penal pública condicionada à repesentação. Nestes, quem promove a ação penal é o Estado, desde que o ofendido autorize. Naqueles, é o próprio ofendido quem o faz, cabendo apenas ao Ministério Público, no curso do processo, atuar como fiscal da lei.”[59]

Portanto, mesmo que a Autoridade tome conhecimento de um crime de ação privada, como por exemplo, o crime de injúria, previsto no artigo 140 do Código Penal,[60] ficará na dependencia da provocação do ofendido para a instauração do Inquérito Policial.

1.6.3.1. Esquema gráfico

1.7.Rito

O Inquérito Policial não possui rito pré-estabelecido em face de sua natureza inquisitiva, ou seja, devido ao fato da autoridade policial comandar as investigações com certa discricionariedade.

Carlos Alberto Marchi Queiroz ensina que:

“Na busca da verdade real, muitas vezes não há possibilidade de se diferenciar, in totum, as prioridades de todos os atos investigativos, e à medida em que surgem as informações, estas devem ser compiladas no procedimento apuratório, sem necessidade de uma ordem rígida”.[61]

A Lei Processual Penal, portanto, não estabelece um rito para a elaboração do inquérito policial, mas, no entanto, dispõe no artigo 6º[62]

Na prática, à medida que as determinações da autoridade policial vão sendo cumpridas, isto é, à medida que as investigações caminham e os resultados passam a fazer parte integrante do inquérito, os autos são remetidos para a Autoridade Policial que preside o feito, para que analise os elementos obtidos, ordenando novas diligências em caso de necessidade, assim sendo, não existe um rito imposto pela lei processual para a elaboração do inquérito.

Romeu de Almeida Salles Junior nos ensina que:

“A preocupação que deve nortear a autoridade policial é a de procurar elementos no sentido de como provar a materialidade da infração, elucidando a respectiva autoria. Para tanto, ordenará diligências, dependendo da necessidade e também do caso concreto.”[63]

1.8.Incomunicabilidade do indiciado

O artigo 21 do Código de Processo Penal trata da incomunicabilidade do indiciado. De acordo com o citado artigo, a incomunicabilidade do indiciado dependerá sempre de despacho nos autos e somente será permitida quando o interesse da sociedade ou a conveniência da investigação exigir. O parágrafo único do referido artigo determina que a incomunicabilidade não excederá três dias e será decretada por despacho do Juiz, a requerimento da Autoridade Policial, ou do órgão do Ministério Público.[64]

Imprescindível se faz a autorização judicial para a incomunicabilidade, devendo ser determinada de forma escrita e fundamentada, constituindo crime de abuso de autoridade a sua dispensabilidade. A incomunicabilidade não pode ainda ser determinada ex-offício pelo Juiz, dependendo de representação da Autoridade Policial ou de representante do Ministério Público.[65]

A Constituição Federal no seu artigo 136, §3º, IV, preceitua que é vedada a incomunicabilidade do preso nos casos de vigência de estado de defesa[66], causando um “choque” com o determinado na Lei Processual Penal. Desta forma, caso seja decreta a incomunicabilidade do preso na vigência do estado de defesa é cabível mandado de segurança.

Questiona Julio Fabbrini Mirabete, apoiado por Fernando da Costa Tourinho Filho, sobre o fato de existir a incomunicabilidade em casos de normalidade, ao tempo que, em casos de excepcionalidade, como o caso de Estado de defesa, a mesma não pode existir.[67]

A incomunicabilidade não interfere no relacionamento preso/advogado, haja vista que, segundo o Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil[68], o advogado tem o direito de entrar em contato com o seu cliente, mesmo tendo sido decretada a incomunicabilidade do mesmo.

Como bem lembra Julio Fabbrini Mirabete:

“Não constitui incomunicabilidade a proibição de que o indiciado se comunique com terceiros fora das situações e ocasiões permitidas pelas leis e regulamentos prisionais”[69]

1.9.Princípio do contraditório

Não existe a figura do contraditório na fase pré-processual, haja vista que o Inquérito Policial é pois somente, uma peça informativa. De acordo com o artigo 14 do Código de Processo Penal, o ofendido ou seu representante legal, e o indiciado, poderão requerer qualquer diligência, que será realizada, ou não, a juízo da autoridade, explicitando a discrição da autoridade em aceitar ou não a diligência.[70]

1.10. Nulidades

Haja vista que, como sabemos, o Inquérito Policial é um procedimento informativo, e que, não possui um rito pré-estabelecido, portanto, eventuais defeitos não maculam a ação penal que dele independe, tendo em vista a possibilidade legal do processo existir sem o mesmo.

Ressaltamos, que pelo fato do Inquérito Policial se tratar de peça informativa, o mesmo não comporta nulidades, as quais só existem no processo penal. No entanto, algumas peças do inquérito, por terem valor probatório em juízo, podem ser passivas de nulidade, por ausência de requisitos legais, como no caso de perícia realizada por peritos leigos que não foram compromissados na forma do artigo 159, §§ 1º e 2º do Código de Processo Penal; e artigo 279, inciso III, que diz não poderem ser peritos os menores de 21 anos.[71]

Conforme ensina José Geraldo da Silva, as nulidades são próprias do processo.[72]

Mirabete cita algumas jurisprudências, salientando que as mesmas são tranquilas quanto ao exposto:

“Sendo o Inquérito Policial mero procedimento informativo e não ato de jurisdição, os vícios nele acaso existente não afetam a ação penal a que deu origem (STF:RTJ 98/57, 90/89, 125/177; RT 550/407, 562/427-8). A desobediência a formalidades legais podem acarretar a ineficácia do ato em si, mas não influi na ação já iniciada, com denuncia recebida (RTJ 125/177). Eventuais irregularidades podem e devem diminuir o valor dos atos a que se refiram e, em certas circunstancias, do próprio procedimento inquisitorial globalmente considerado, merecendo consideração no exame de mérito de causa. Contudo, não se erigem em nulidades, máxime para invalidar a própria ação penal subseqüente (RT 556/341)”.[73]

1.11.Prazos

Segundo o disposto no artigo 10 do Código de Processo Penal, o Inquérito Policial deverá terminar no prazo de 10 dias, se o indiciado tiver sido preso em flagrante, ou estiver preso preventivamente, e nesta hipótese, começa a contar a partir do dia em que se executar a ordem de prisão, ou no prazo de 30 dias, quando estiver solto, mediante fiança ou sem ela. Caso o fato seja de difícil elucidação, e o indiciado estiver solto, a autoridade poderá requerer ao juiz a devolução dos autos, para ulteriores diligências, que serão realizadas no prazo marcado pelo juiz, conforme o § 3º, do mesmo artigo.[74]

Existem alguns casos em que os prazos diferem, possuindo dessa forma, prazos especiais. A Lei nº 6.368/76 prevê o prazo de 5 dias para o indiciado preso pela prática do crime previsto no artigo 16 da citada lei e de 10 dias caso a infração seja o previsto nos artigos 12, 13 e 14 da mesma norma. Ainda nessa lei, determina-se que caso o indiciado esteja solto, o prazo será de 60 dias no caso de tráfico de entorpecentes e de 30 dias no caso de uso.[75] A Lei nº 1.521/51 que trata dos crimes contra a economia popular, determina que o prazo é de 10 dias, independentemente do fato do indiciado estar solto ou preso.[76] Ocorrido os casos previstos no artigo 307 do Código de Processo Penal, e, tendo sido lavrado auto de prisão em flagrante delito, tão logo se conclua, o auto deverá ser remetido imediatamente ao órgão jurisdicional competente.[77]

O Código de Processo Penal, prevê em seu artigo 11, § 3º, que, não sendo possível o término do Inquérito Policial no prazo de 30 dias, pode a autoridade policial pedir dilação de prazo, no entanto, tal pedido só é cabível quando o indiciado estiver solto e o fato ser de difícil solução.[78]

A regra imposta pelo parágrafo 3º do artigo 11 do Código de Processo Penal, possui apenas uma exceção, que é aquela prevista no artigo 66 da Lei 5.010/66[79] que trata dos Crimes de Competência da Justiça Federal, a qual preceitua que mesmo preso o indiciado, admite-se o prazo de 15 dias para a conclusão do Inquérito Policial, prorrogáveis por mais 15 dias.

1.11.1.Esquema gráfico

1.12.Arquivamento

De acordo com o previsto no artigo 17 do Código de Processo Penal, não pode a autoridade policial determinar o arquivamento do inquérito policial.[80]

Lembra Romeu de Almeida Salles Junior, que nem mesmo o Juiz pode determinar o arquivamento do inquérito policial sem o expresso pedido do Ministério Público. [81]

A autoridade policial ao término das diligências necessárias a elucidação do fato, concluído o Inquérito Policial, o mesmo deverá ser remetido a Juízo e daí com vista para o Ministério Público, cabendo ao Promotor de Justiça, formular em sendo o caso, o pedido de arquivamento. Essa função é específica do Ministério Público.

O pedido de arquivamento do Inquérito Policial formulado pelo Ministério Público, sofre um controle jurisdicional, e, caso o Juiz não concorde com o pedido, determinará a remessa dos autos ao Procurador-Geral de Justiça, para o exame competente. Se o Procurador-Geral de Justiça entender que é caso de denúncia, designará outro Promotor de Justiça para oferecê-la, ou ele próprio a oferecerá. Se, ao contrário, entender procedente o pedido de arquivamento, insistirá na providência solicitada pelo promotor e só então o Juiz será obrigado a atender, conforme o previsto no artigo 28 do Código de Processo Penal.[82]

Acquaviva cita que:

“Após o arquivamento do Inquérito Policial, por despacho do Juiz, a requerimento do Promotor de Justiça, não pode a ação penal ser iniciada sem novas provas (Sum.  524/STF).” [83]

1.12.1.Esquema gráfico

1.13.Requerimento de diligências

A função primordial da Polícia Judiciária é a de fornecer os elementos necessários, ou seja, indícios de autoria e prova da materialidade para que o titular da ação penal possa promovê-la.

Para tanto é evidente a possibilidade, senão, a necessidade de que caso imprescindível, possa o Ministério Público requisitar a realização de diligências, sendo ao ofendido também assegurado esse direito, haja vista ser no caso de crimes de ação privada o titular da ação.[84]

De acordo com o previsto no artigo 16 do Código de Processo Penal o Ministério Público não poderá requerer a devolução do Inquérito Policial à autoridade policial, senão para novas diligências, imprescindíveis ao oferecimento da denúncia.[85]

O Juiz não pode indeferir a requisição do Ministério Público ou do ofendido. Ao Ministério Público, existe ainda amparo legal na Constituição Federal, em seu artigo 129, inciso VIII, impedindo o indeferimento por parte do Juiz.[86] Quanto ao ofendido, deve-se atentar ao fato, de ser ele o principal interessado na apuração do fato delituoso. Caso a Autoridade Judicial indefira o pedido de diligência, deve-se intentar a correição parcial que é a medida cabível nesse caso.

A Autoridade Policial, por sua vez, fica terminantemente proibida de deixar de promover as diligências requisitadas, haja vista que, de acordo com o artigo 13, inciso II do Código de Processo Penal, cabe a ela realizar as diligências requisitadas pelo Juiz ou pelo Ministério Público.[87]

Ao ofendido, ou seu representante legal, e ao indiciado, também fica resguardado o direito de requerer qualquer diligência, no entanto, a autoridade policial tem a discrição de realizá-la ou não, segundo determina o artigo 14 do Código de Processo Penal. O artigo 184 do mesmo dispositivo legal, no entanto, possibilita ao Juiz e a Autoridade Policial a possibilidade de negar a realização de perícia requerida pelas partes, quando essa não for necessária ao esclarecimento da verdade, exceto no caso de exame de corpo de delito.[88]

1.14.Valor probatório

Segundo pesquisas de Ismar Ertulano Garcia, os nossos doutrinadores se dividem em duas correntes na discussão sobre o valor probatório do Inquérito Policial. A primeira corrente defende o ponto de vista de que o Inquérito Policial é apenas uma peça meramente informativa, o qual coloca o Ministério Público a par do fato delituoso. A segunda corrente acredita que o juiz pode basear o seu livre convencimento nas peças do inquérito, no entanto, existe a necessidade de que o mesmo tenha sido bem elaborado, com os atos investigatórios realizados de maneira legal, sem falhas e omissões. As provas colhidas na fase policial, porém, serviram de base ao livre convencimento do juiz, no entanto, não poderão entrar em contradição com as provas colhidas na instrução.[89]

Há que se atentar ao fato de que muitos doutrinadores fazem uso do termo meramente informativo para conceituar o Inquérito Policial. No entanto, pode-se afirmar que apesar de ser realmente uma peça informativa, não é ele meramente, haja vista que, muitas provas colhidas na fase policial são impossíveis de se repetir em Juízo.

Segundo Carlos Alberto Marchi Queiroz, o auto de prisão em flagrante delito, é atualmente a melhor prova de autoria, uma vez que a maioria das condenações advém de inquéritos iniciados por esta valiosa peça.[90]

Portanto, quando regularmente realizadas as diligências, o Inquérito Policial contém peças de grande valor probatório, apontando-se dentre outros, os já citados exames de corpo de delito e o auto de prisão em flagrante delito.

É importante salientar que em uma fase em que não há o contraditório, as possibilidades de obtenção de provas são maiores, portanto, não se pode negar o devido valor do Inquérito Policial, como integrante de um conjunto probatório, cuja finalidade é formar a livre convicção do julgador na busca da verdade real.

Um exemplo prático do valor probatório do Inquérito Policial é devido ao fato do agente confessar uma pratica delituosa na fase pré-processual e as demais circunstâncias confirmarem a prática do delito, sendo certo que, ainda que negue o autor perante o juízo a prática do delito, não se pode afastar o valor probatório do inquérito.

No mesmo sentido, acórdãos que consideram a confissão policial, ainda que obtida com maus tratos, como válida, desde que harmônica com as demais provas (Julgados dos tribunais de alçada criminal do estado de SP, I/2,3,11,21;23/155; Ver. Jur. Trib. Just. Do Estado de SP, X/561; Julgados do Tribunal de Alçada do Estado de SP, I/11 e 17; Ver. Tribs, 402/377).

Como ensina Julio Fabbrini Mirabete:

“Dada a instrução provisória, de caráter inquisitivo, o inquérito policial tem valor informativo para a instauração da competente ação penal. Entretanto, nele se realizam certas provas periciais, que, embora sem a participação do indiciado, contém em si maior dose de veracidade, visto que nelas preponderam fatores de ordem técnica que, além de mais difíceis de serem deturpados, oferecem campo para uma apreciação objetiva e segura de suas conclusões. Nessas circunstâncias tem elas favor idêntico aos das provas colhidas em juízo.”[91]

Para a doutrinadora Giovana Zibetti Alberti,

“A prova policial não tem valor probatório maior. O valor vai crescer desde que encontre mais alguns adminículos de prova em juízo. Se em juízo não for coletada mais provas, e se o réu diz que não cometeu o crime; pede-se pela absolvição. A prova isolada não aparada em juízo é dita frágil.”[92]

1.15.Conclusão do inquérito policial

Conforme está previsto no § 1º do artigo 10 do Código de Processo Penal, a autoridade fará minucioso relatório do que tiver sido apurado e enviará os autos ao juiz competente, podendo inclusive com fundamento no § 2º do mesmo artigo, indicar testemunhas que não tiverem sido inquiridas, mencionando o lugar onde possam ser encontradas.[93]

O relatório, é a ultima peça do Inquérito Policial, através do qual a autoridade policial dá por concluída sua função de Polícia Judiciária. No relatório final, a autoridade policial não pode fazer ponderações relacionados à antijuridicidade do ato, bem como da culpabilidade do indiciado, sendo certo que tais questões serão analisadas em juízo sob o crivo do contraditório.

Segundo José Geraldo da Silva:

“O relatório consiste no esboço sistemático de tudo o que foi apurado nos autos, onde a autoridade policial, sem floreamentos, fará a exposição dos elementos coligiados nos autos”.[94]

José Geraldo da Silva, acredita ainda que o relatório final é peça obrigatória, não podendo ser dispensado em hipótese alguma.[95]

No ponto de vista de Hidejalma Muccio, embora previsto em Lei, o relatório não é peça indispensável à propositura da ação, implicando em mera irregularidade administrativa. Na hipótese do Inquérito Policial ser remetido à Juízo com pedido de dilação de prazo e o órgão do Ministério Público ao ser ouvido entende que estão presentes todos os elementos necessários à propositura da ação, oferecerá a denúncia e os autos não retornaram mais à polícia.[96]

Há exceção do que ocorre em via de regra, encontramos o disposto no parágrafo único do artigo 37 da Lei nº 6.368/76 que reza:

“A autoridade deverá justificar, em despacho fundamentado, as razões que a levaram à classificação legal do fato, mencionando concretamente as circunstâncias referidas neste artigo, sem prejuízo de posterior alteração da classificação do Ministério Público ou pelo Juiz”[97]

No entanto conforme o referido dispositivo, tal classificação é provisória, podendo ser alterada pelo Ministério Público ou pelo Juiz.

2.Apuração de infração penal segundo a Lei 9099/95

2.1.Embasamento legal

O artigo 98, inciso I da Constituição Federal reza que:

“A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão:

I- Juizados especiais, por juizes togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumaríssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juizes de primeiro grau”[98]

A fim de dar cumprimento à essa norma constitucional, foi criado a Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, que trata dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais.

2.2.Objetivos

Segundo José Geraldo da Silva, o principal objetivo é agilizar a Justiça. Ensina ainda, que de acordo com a nova política criminal, nos delitos de menor potencial ofensivo garante a certeza de uma punição, embora mais branda que a prisão, mais rápida.[99]

2.3.Princípios

Conforme o artigo 62 da Lei nº 9.099/95, o processo perante o Juízo Especial, se orienta pelos critérios da oralidade, informalidade, economia processual e celeridade.[100]

2.3.1.Oralidade

Conforme José Geraldo da Silva, o legislador acredita que a palavra falada predomina sobre a escrita, pois “tudo se origina na mente através de pensamentos. A transmissão do pensamento se dá oralmente”, motivo pelo qual levou o legislador a limitar a documentação escrita, predominando dessa forma os debates orais.[101]

2.3.2.Informalidade

Segundo o artigo 72 da Lei nº 9.099/95, está previsto a informalidade dos atos praticados, não devendo, portanto, possuir regras pré-estabelecidas.[102]

2.3.3.Economia processual

A economia processul se dá quando se realizam o maior número de feitos em uma única audiência, fato que ocorre no procedimento sumaríssimo quando reúne-se a defesa preliminar, o recebimento ou não da inicial, a oitiva de testemunhas, o interrogatório, os debates orais e julgamento e a solução de eventos incidentais ocorridos durante a audiência.[103]

2.3.4.Celeridade

A celeridade se dá quando os atos são praticados com velocidade, ao menos, com maior rapidez com que ocorre na justiça comum.

2.3.4.1.Esquema Gráfico

3. Juizado de Instrução

A legislação penal vigente não adota o Juizado de Instrução, portanto, não cabe ao juiz colher as provas do delito e de sua respectiva autoria, como ocorre em países onde o Juizado de Instrução é adotado.

Hidejalma Muccio explica que o juízo de instrução, limitaria a função policial, reservando a ela tão-somente a função de prender os infratores e apontar meios de prova, bem como promover investigações no sentido de localizar pessoas envolvidas na infração. A colheita das provas propriamente ditas, ficariam a cargo de um “Juiz Instrutor”.[104]

Nesse caso, supre-se a figura do Inquérito Policial, haja vista que a instrução é feita por esse magistrado e a ele se segue a fase do julgamento. Em alguns países que adotam o Juízo de Instrução, como por exemplo a França, o Juiz ouve o pretenso autor, o ofendido, as testemunhas, e profere, sem prejuízo de outras provas, uma sentença que equivale a nossa sentença de pronúncia. Caso estejam presentes os indícios de autoria e materialidade, o Juiz remete os autos ao Juízo competente para a audiência de julgamento.

Conforme cita Heráclito Antonio Mossim,

“Quando da elaboração do Projeto do Código de Processo Penal hoje vigente, isto em 1935, cogitou-se da criação de um Juizado de Instrução, o qual implicaria limitar a função da autoridade policial a prender criminosos e outras atividades de cunho investigatório”.[105]

4.Dispensabilidade legal do inquérito policial

Como prevê os artigos 12, 27, 39 § 5º, 40, 46 § 1º, todos do Código de Processo Penal, o Inquérito Policial pode ser dispensado.[106]

O artigo 12 do Código de Processo Penal reza que o Inquérito Policial acompanhará a denúncia ou a queixa, sempre que servir de base a uma ou outra. Logo, caso não sirva de base à denúncia ou à queixa, não acompanhará nem uma nem outra, sendo dessa forma dispensado.

O artigo 27 do Código de Processo Penal prega que qualquer pessoa do povo poderá provocar a iniciativa do Ministério Público, nos casos em que caiba a ação penal pública fornecendo-lhe por escrito, informações sobre o fato e a autoria, indicando o tempo, o lugar e os elementos de convicção. Portanto, haja vista que, a função do Inquérito Policial é fornecer os elementos necessários à propositura da competente ação, fica dispensado o mesmo segundo o presente artigo, caso os elementos imprescindíveis estiverem presentes.

O artigo 39, § 5º do Código de Processo Penal é bem claro ao dispensar o Inquérito Policial nos casos em que o órgão do Ministério Público, com a representação, forem oferecidos todos os elementos que o habilitem a promover a ação penal.

De acordo com o artigo 40 do Código de Processo Penal, caso os Juizes e Tribunais verificarem em autos e papeis a existência de crime de ação pública, remeterão ao Ministério Público as cópias e documentos necessários ao oferecimento da denúncia, portanto, caso em tais papeis exista a prova da materialidade delitiva e indícios de autoria, estará dispensado o Inquérito Policial.

Como dispõe o artigo 46, § 1º do Código de Processo Penal, é taxativo quanto a dispensabilidade do Inquérito Policial quando reza que: dispensado o Inquérito Policial , o prazo para oferecimento da denúncia começará a contar a partir do recebimento das peças de informação ou a representação.

Além dos dispositivos legais já citados, há leis extravagantes e especiais, onde também há menção quanto a dispensa do Inquérito Policial.

O artigo 12 da Lei nº 4.898, de 9 de dezembro de 1965, que trata de abuso de autoridade, dispõe que a ação penal será iniciada, independentemente de Inquérito Policial ou justificação, por denúncia do Ministério Público, instruída com a representação da vítima do abuso.[107]

A Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, que trata dos Juizados Especiais Criminais, acabou por limitar a função da atividade policial. Ao prever em seu artigo 69 a lavratura do Termo Circunstanciado de Ocorrência, para os casos de infrações de menor potencial ofensivo, ou seja, os delitos cuja pena máxima cominada seja de até um ano, culminou na eliminação do Inquérito Policial nessas hipóteses, conforme o artigo 77, § 1º, exigindo tão-somente o termo circunstanciado, vale dizer, um Boletim de Ocorrência mais completo.[108]

O resultado dessa mudança, foi desastroso, pois para propiciar uma suposta celeridade processual, mutilou o mecanismo de busca de prova. Afastado o inquérito policial, o informalismo foi total, e o descrédito no trabalho da polícia também, assim sendo, nos poucos casos em que o inquérito policial foi dispensado, observamos um descrédito na polícia e na Justiça, aumentando a sensação de impunidade.

A Lei Complementar nº. 35/79 (LOMAN), em seu artigo 33, parágrafo único, determina a obrigatoriedade de remessa dos autos pela autoridade policial ao tribunal ou órgão competente para continuação das investigações, quando se constatar nelas o envolvimento de um magistrado. Diz textualmente o dispositivo citado, no capítulo das prerrogativas do magistrado:

“Quando no curso das investigações, houver indício da prática de crime por parte do magistrado, a autoridade policial civil ou militar, remeterá os respectivos autos ao Tribunal ou Órgão Especial competente para o julgamento, a fim de que prossiga nas investigações”.[109]

O art. 41, parágrafo único, da Lei nº 8.625/93[110] (Lei Orgânica do Ministério Público), dispõe que:

“Quando, no curso das investigações, houver indício de prática de infração penal por parte de membro do Ministério Público, a autoridade policial estadual remeterá imediatamente os autos ao Procurador-Geral de Justiça”.

Aos funcionários públicos, esse privilégio de eliminar a fase investigatória para a ação penal também se estendeu nos chamados crimes funcionais, de acordo com o artigo 513 do Código de Processo Penal.[111]

5.disponibilidade e indispensabilidade do inquérito policial

Como taxa a Exposição de Motivos do atual Código de Processo Penal:

“É ele (Inquérito Policial) uma garantia contra apressados e arrôneos juízos, formados quando ainda persiste a trepidação moral causada pelo crime ou antes que seja possível uma exata visão de conjuntos de fatos”.

Ainda aplicando a sua Exposição de Motivos, Francisco Campos justifica a preferência pela conservação do inquérito policial, argumentando:

“O preconizado juízo de instrução, que importaria limitar a função da autoridade policial a prender criminosos, averiguar a materialidade dos crimes e indicar testemunhas, só é praticável sob a condição de que as distâncias dentro do território de jurisdição sejam fáceis e rapidamente superáveis. Para atuar proficuamente em comarcas extensas, e posto que deva ser excluída a hipótese de criação de juizados de instrução em cada sede do distrito, seria preciso que o juiz instrutor possuísse o dom da ubiqüidade”.

As ponderações da Exposição de Motivos são válidas, haja vista que dada a extensão territorial do País, as dificuldades de acesso em muitas regiões e a considerável deseducação social de seu povo, ficaria difícil, senão impossível, dispor a Justiça dos mecanismos necessários com os quais pudesse promover a instrução preliminar.

Defende Ismar Estulano Garcia a dispensa do Inquérito Policial em determinadas situações, ou seja, nos casos de infrações de menor potencial ofensivo, e manutenção para as infrações tidas como de média e maior gravidade, podendo dessa forma as autoridades policiais dedicar-se, com mais empenho a essas.[112]

Ismar expõe ainda que:

“A substituição do Inquérito Policial pelo Termo Circunstânciado de Ocorrência, nas infrações de menor gravidade, é elogiável sob todos os aspectos”.

Conforme a Exposição de motivos nº 605, de 27 de dezembro de 1994, do senhor Ministro de Estado da Justiça, referente ao Projeto de Lei nº 4.895/95:

“… Em relação a primeira matéria tratada, o Inquérito Policial, vale observar, inicialmente, a existência de duas grandes tendências: uma que defende a sua manutenção e outra que advoga a sua extinção, cada qual munida de respeitáveis alegações. Mas o fato evidente é que não há lugar para o chamado “Juízo de instrução”. Com efeito, a Constituição Federal, ao conferir ao Ministério Público a exclusividade de iniciativa da ação penal e a tarefa de realizar o controle externo das atividades policiais, parece indicar a sua inadequação à realidade brasileira”.[113]

Bismael Moraes exalta a importante participação do Inquérito Policial como instrumento útil do dinamismo judiciário:

“Na sistemática do Direito Brasileiro, sem a Polícia Judiciária realizando os inquéritos, raríssimas seriam as ocasiões em que os infratores penais prestariam contas a Justiça Criminal”.[114]

Galdino Siqueira, em relação ao Inquérito Policial, condenava-o:

“Efetivamente, o que se tem observado é a existência de um processo duplicado, o do inquérito e o da formação da culpa, dando em regra, como resultado, prejuízos à causa da justiça, quer pelo tempo, quer pela ação da chincana e do suborno freqüentemente vendo-se retratações de confissão ou de declaração de testemunhas, colhidas no inquérito”.[115]

O posicionamento do magistrado Galdino Siqueira encontra guarida também em nossos tribunais, porque são porta-vozes de nosso texto constitucional:

“… o Inquérito Policial só terá valor probatório para um juízo de condenação quando estiver plenamente confirmado pela instrução judicial” (RT, 436:395).

Outro acórdão, ressalta:

“Salvo na hipótese de procedimento policial judicialiforme e na de necessária preconstituição de prova material, é evidente que o conjunto probante do inquérito, por não obedecer aos preceitos constitucionais de amplitude de defesa e de instrução contraditória, há de ser encarado como qualquer outra prova extrajudicial e, portanto, não leva a coisa alguma útil se não é confirmado, ao menos quantun satis pela prova colhida no ambiente judicial, este saudavelmente arejado pelo oxigênio do direito” (RT, 426:393).[116]

No entanto, parece-nos muito radical esse posicionamento, haja vista que a exigência constitucional de contrariedade na instrução criminal não implica necessariamente o total descrédito do Inquérito Policial.

Nota-se o radicalismo em ambos acórdãos transcritos. O primeiro exige que as provas ali apuradas sejam plenamente confirmadas na instrução judicial, restando então a pergunta: Para que, então, a inquirição? O outro acórdão, afirma ser o ambiente judicial, e só ele, saudavelmente arejado pelo oxigênio do direito, implicitando a afirmativa que não há no ambiente policial, respeito a Lei.

Há que se atentar ao fato de que existe a necessidade de se conceder crédito amplo à autoridade policial, em seus inquéritos, até mesmo o relatório, haja vista que essa peça exprime não apenas o que consta dos autos, mas também o que foi percebido pela autoridade policial.

É inadmissível que uma só testemunha, em juízo, possa valer como prova conclusiva para a condenação, ao tempo que todas as provas colhidas pela autoridade policial não valham de nada, se não forem confirmadas na fase processual.

O Juiz tem plena liberdade para escolher a prova mais conveniente, informação confirmada por alguns julgados que começam a tomar a seguinte posição:

“É perfeitamente admissível que uma condenação criminal se arrime apenas na prova colhida na fase policial, já que o vigente Código de Processo Penal pôs termo à hierarquia das provas, não ficando o juiz subordinado a nenhum critério apriorístico para através dele chegar a verdade material” (RT 444:409).

Paulo Lucio Nogueira explica:

“… não se pode ser extremista, negando validade ao Inquérito Policial só porque o acusado retratou em juízo sua confissão, ou porque alguma testemunha deixou de confirmar suas declarações policiais. (…) O Inquérito Policial é, assim, uma peça de relativo valor, que deve ser examinado no seu todo, em face do conjunto probatório, e não apenas com referência a determinada prova”.[117]

Como já anteriormente explanado, de acordo com Carlos Alberto Marchi Queiroz, boa parte da doutrina faz menção de que o inquérito é uma peça meramente informativa, no entanto, enganam-se com o termo empregado. É claro e obvio que Inquérito Policial trata-se de uma peça informativa, mas não meramente, haja vista ser nos autos de Inquérito Policial que muitas provas, irrepetíveis, em Juízo, são realizadas.[118]

O Inquérito Policial, embora não seja imprescindível à propositura da ação penal, sem ele a denúncia ou queixa tem reduzidas possibilidades de prosperar, a não ser é claro, naquelas hipótese raras em que as peças de informação contenham elementos probatórios capazes de fundamentar o pedido de prestação jurisdicional. Esse procedimento, no entanto, somente desempenhará àquele importante papel, se for bem conduzida pela autoridade policial.

Há que se ao fato de que, não obstante seja o Inquérito Policial peça informativa, é o mesmo, um dos poucos recursos do órgão do Ministério Público, de que se utiliza o promotor de justiça para o oferecimento da denúncia.

Apesar da dispensabilidade do Inquérito Policial, o que se vê na prática é que, quase sempre, o inquérito é a única base de que se serve o órgão acusador para o oferecimento da denúncia, conforme o que preceitua José Geraldo da Silva.[119]

Há que se atentar ainda ao fato de que embora muitos, dentre eles, grande parte de representantes do Ministério Público, defendam a eliminação do Inquérito Policial, é comum se ver Inquéritos Policiais serem instaurados mediante requerimento do Ministério Público, ou ainda, autos de Inquérito Policial que retornam as mãos da autoridade policial para demais diligências imprescindíveis à propositura da ação.

Conforme publicação do advogado criminalísta Luiz Flávio Borges D’Urso, nasceu através do Secretário de Justiça do Rio Grande do Sul, Paulo Bisol, proposta, que defende a eliminação do Inquérito Policial, argumentando a necessidade da reiteração da maioria das provas nele produzidas, tendo tal proposta ganhado adeptos, os quais, no entanto, não esclarecem qual forma seria utilizado para a sua substituição. D’Urso, conclui por sua indispensabilidade, alegando ser o mesmo peça muito importante para a colheita de provas, advogando por sua manutenção. D’Urso explica:

“Parece-nos evidente a importância do inquérito policial e apesar dos movimentos contrários a sua permanência, a sociedade brasileira jamais poderá eliminá-lo. Trata-se de uma peça informativa muito importante, pois na verdade é a coleta de provas realizada pelo delegado de polícia que as encontra ainda latentes, pois com o tempo torna-se difícil a obtenção dessas provas, senão impossível, daquelas perecíveis.”[120]

Em artigo publicado por Joyce Russi, Carlos Velloso é entrevistado e defende o fim do inquérito policial e a criação de um juizado de instrução. Com a instalação do Juizado de Instrução seriam garantidos o sigilo nas investigações até a instauração da ação penal como forma de preservação da reputação de pessoas que venham a ser investigadas antes da apresentação de provas concretas, alegando que: “O inquérito policial faliu”. Afirmou ainda que tendo em vista a maneira que o Inquérito Policial é realizado atualmente, é um dos principais fatores que corroboram para a prescrição das ações penais. Velloso explica que o Juizado de Instrução não é institucional e que o Inquérito Policial da maneira que se encontra está falido, fato comprovado pelo Deputado Miro Teixeira (PDT-RJ) que ressaltou que 70% dos inquéritos realizados no Rio de Janeiro se perdem, devido ao fato de não terem sido bem feitos e as provas não serem bem colhidas, ou ainda o fato de que se tem de repetir tudo em juízo, fato esse que corrobora para a prescrição.[121]

O Juizado de Instrução funcionaria da seguinte forma, conforme Velloso:

“Teríamos dois estágios. No primeiro, o Ministério Público faria uma avaliação a respeito da plausibilidade da acusação. Se entendesse plausível a acusação, mediante uma investigação preliminar rápida em prazo determinado de 30 dias ou 60 dias, no máximo, seriam inquiridas testemunhas, se fariam investigações, tendo a polícia às suas ordens, Se o Ministério Público entendesse plausível a acusação, proporia a ação penal perante o juiz de instrução, a quem caberia fazer a instrução e submeter o processo à decisão de um juiz mais experimentado. Esse juiz julgaria a ação penal.”[122]

O Inquérito Policial pode ser examinado pelas partes, pelos advogados e pelo Ministério Público, explicitando uma certa garantia para o acusado e para o Juiz.

Para aqueles que alegam ser o Inquérito Policial motivo de corrupção, cumpre-nos afirmar que o mesmo a cada 30 dias é encaminhado à exame do Ministério Público e do Juiz.

Para os que alegam a morosidade no Inquérito Policial, salientamos que a notitia criminis chega ao Juiz e ao Ministério Público por intermédio do Inquérito Policial em 30 dias.

Em juízo são repetidas as declarações, os depoimentos, no entanto, algumas diligências, dentre elas a elaboração de laudos periciais são impossíveis de serem repetidos.

Segundo Aury Celso L. Lopes Junior, atrasado se encontra as discussões no âmbito estadual no sentido de regulamentar o controle externo da atividade policial, previsto pelo artigo 129, inciso VII da Constituição Federal, haja vista a crise do inquérito policial. O problema é antigo e a necessidade de uma modificação é imprescindível, tendo em vista ser a investigação preliminar de fundamental importância para o processo penal, pois não se deve julgar de imediato, devendo-se primeiro preparar, investigar e reunir elementos que justifiquem o processo. Defende Aury que o Brasil é um dos poucos países que ainda mantém o sistema de investigação preliminar policial, sem o controle pelo Ministério Público, afirmando que “Este modelo está completamente falido”.[123]

O Superior Tribunal de Justiça assim já se manifestou:

“Como procedimento meramente informativo que é, o inquérito policial pode ser dispensado se o titular da ação penal dispuser de elementos suficientes para o oferecimento da denúncia.” (DJU, 08/06/92, p. 8.594).

O Supremo Tribunal Federal também já decidiu:

“A inexistência de inquérito policial não impede a denúncia, se a Promotoria dispõe de elementos suficientes para a formulação da demanda penal – Existência, no caso, de indícios suficientes para afastar a alegação de falta de justa causa para a denúncia. Habeas Corpus indeferido.” (STF, Habeas Corpus n.º 70.991-5, Rel. Min. Moreira Alves).

6.Investigação criminal presidida pelo Ministério Público

O tema em epígrafe diz respeito a uma das mais importantes atribuições do Ministério Público, em fase anterior ao processo criminal e, muitas vezes, de fundamental importância para a persecução criminal.

De acordo com o artigo 129 da Constituição Federal são funções do Ministério Público, dentre outras:

“VIII – requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais;[124]

Analisando o dispositivo legal, obteremos a seguinte indagação: se o órgão do Ministério Público pode o mais, ou seja requisitar diligências investigatórias, como não poderá o menos?

De acordo com estudos de Aury, afastado o sistema de investigação policial, restam outros dois modelos: juiz instrutor e promotor investigador. O primeiro, ainda em vigor na Espanha e França, está sendo gradativamente abandonado por ser um modelo superado e relacionado com a histórica figura do juiz inquisidor, sendo ainda um grave inconveniente a mesma pessoa que decida sobre a necessidade de um ato de investigação e ainda valore a sua legalidade. Chegamos assim ao modelo de instrução preliminar, ou seja, o promotor investigador. A investigação a cargo do Ministério Público vêm sendo adotada por países europeus com êxito. A reforma alemã de 1974 suprimiu a figura do juiz instrutor para dar lugar ao promotor investigador, sendo seguida pela Itália (1988) e Portugal (1987/1995). Espanha e França estão realizando mudanças gradativas no mesmo sentido. Neste sistema, o promotor é o diretor da investigação, podendo praticar por si mesmo as diligências, bem como determinar que as realize a polícia, segundo os critérios que ele estabeleça. Assim, formará sua convicção e decidirá entre formular a acusação ou solicitar o arquivamento. Continua dependendo da autorização judicial para a realização de determinadas medidas, como as cautelares, intervenção telefônica, etc, sendo visíveis as vantagens da atuação do Ministério Público. Acredita Aury que existe a necessidade de se definir que o Ministério Público exercerá o controle externo da atividade policial, dando instruções para melhor condução do inquérito, acrescentando que a polícia judiciária deve estar a serviço da administração da justiça e não como titular absoluto do poder de investigar.[125]

Duzentas e quarenta participantes do 17º Encontro Nacional dos Procuradores da República aprovaram a “Carta de Maceió”, que defende a participação do Ministério Público na investigação preliminar como forma de combater a impunidade. Os procuradores, acreditam que o inquérito policial é burocrático e ineficiente, enquanto que o juizado de instrução prejudica a imparcialidade do juiz.[126]

No Brasil, o Ministério Público pode participar do inquérito policial conduzido pela polícia judiciária, como um assistente, acompanhando a atividade. Ademais, poderá requerer a instauração, acompanhar e requisitar diligências no curso de um inquérito policial.

O disposto no artigo 144, § 4º, da Constituição Federal, determina que ‘‘às polícias civis incumbem as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares’’.[127] A questão é saber se esta atribuição investigatória, quanto aos crimes comuns, é exclusiva da polícia civil e, quanto aos crimes militares, é exclusiva da polícia militar.

No entanto, a investigação policial é apenas uma das formas de colheita de provas para a instauração da ação penal. Já definiu o Código de Processo Penal, em seu artigo 4º, parágrafo único, que a competência policial para a investigação de crimes não excluirá a de outra autoridade administrativa, a quem por lei seja cometida a mesma função.[128]

De acordo com o exposto, os atos de investigação destinados à elucidação dos crimes não são exclusivos da polícia judiciária, mas também de outras autoridades designadas pela lei.

De acordo com o preceituado por Octacílio de Oliveira Andrade:

“Investigar, é a busca de alguma coisa. É o conjunto de procedimentos por meios dos quais o homem procura conhecer a verdade dos fatos”[129]

A doutrina reconhece três tipos de investigação sendo elas: administrativa, legislativa e judiciária.[130]

A investigação judiciária “é aquela realizada, sob a direção de um juiz”. Nos paises onde é adotado o juizado de instrução, o magistrado exerce a atividade investigatória, no entanto, em nosso sistema jurídico, o juiz exerce atividade de caráter investigatório no procedimento preliminar que antecede a ação penal, nos crimes falimentares, exercendo a presidência do inquérito judicial. Trata-se ainda de investigação judicial, aquela que o judiciário realiza com o fim de apurar a prática de ilícito penal atribuído a magistrado.[131]

A investigação legislativa é exercida através dos denominados inquéritos parlamentares. Pedro Virga, citado por Frederico Marques, afirma que:

“Entende-se por inquérito parlamentar, toda e qualquer investigação levada a efeito por uma comissão escolhida por uma ou ambas as Câmaras, para a cognição de fatos ou aquisição de dados necessários ao exercício das funções parlamentares”.[132]

A investigação administrativa, pode ser dividida em duas espécies, sendo elas: investigação administrativa em sentido restrito e investigação policial. A investigação administrativa em sentido restrito é largamente praticada em toda a administração pública, com o fim de perquirir acerca da prática de ilícitos administrativos, ao tempo que a investigação policial compreende o conjunto de atos praticados pelas autoridades policiais e seus agentes, tendentes ao esclarecimento de fatos, que em tese, configurem infração penal, e o resultado da investigação policia é documentada no Inquérito Policial.[133]

Defende Octacílio que a investigação policial e conseqüentemente o Inquérito Policial é atribuição privativa da Polícia Judiciária, salientando que muitos insistem em afirmar que outras autoridades administrativas podem realizar investigações de ilícitos penais alegando o disposto no parágrafo único do artigo 4º do Código de Processo Penal. O que ocorre atualmente é que nenhuma autoridade administrativa, com exceção da Polícia Judiciária, tem atribuição para realizar investigação criminal e, conseqüentemente, o Inquérito Policial.[134]

Segundo os ensinamentos de Mirabete;

“Ao juiz também é cedida a função investigatória no inquérito judicial referido na lei de falências; as comissões parlamentares de inquéritos (CPIs) têm poderes de investigação próprios das autoridades judiciais (artigo 58, § 3º, da Constituição Federal)’’. “há disposições sobre o inquérito em caso de infração cometida na sede ou dependências do STF (artigo 43, RISTF)[135], por juiz de Direito (artigo 33, parágrafo único, da LOMAN)[136] e por promotor de Justiça (artigo 41, parágrafo único, da Lei nº 8.625/93)[137]’’. ‘‘Quanto ao Ministério Público, tem ele legitimidade para proceder a investigações e diligências conforme determinarem as leis orgânicas estaduais’’.

Diz o artigo 8º, inciso V, da Lei Complementar nº 75/93[138], que, para o exercício de suas atribuições, o Ministério Público da União poderá realizar inspeções e diligências investigatórias. E mais, para concretizar tal mandamento, foi atribuindo ao Ministério Público a possibilidade de notificar testemunhas e requisitar sua condução coercitiva, no caso de ausência injustificada; requisitar informações, exames, perícias e documentos de autoridades da administração pública direta ou indireta; requisitar informações e documentos a entidades privadas; ter livre acesso a qualquer local público ou privado, respeitadas as normas constitucionais pertinentes à inviolabilidade do domicílio; expedir notificações e intimações necessárias aos procedimentos e inquéritos que instaurar; requisitar o auxílio da força policial; ter acesso incondicional a qualquer banco de dados de caráter público ou relativo a serviço de relevância pública (artigo 8º, da mesma lei, e seus incisos).

O Egrégio Superior Tribunal de Justiça já pacificou jurisprudência no sentido de ser possível o oferecimento de denúncia com fundamento em peças de informação, dispensando-se o inquérito policial e, por conseqüência, a atuação da polícia judiciária (RT. 664/336; RSTJ 25/144).

Analisando a questão do ponto de vista legal, não há como afastar a atribuição investigatória do Ministério Público, bastando ler a Lei.

No entanto, analisando a questão, partindo-se do princípio que a ação penal não é procedimento administrativo, mas judicial, as investigações preparatórias da ação penal, da qual o Ministério Público é o titular, só poderiam ser conduzidas por um órgão estranho àquele, confundindo-se o inquisitor e o acusador na mesma pessoa, cabendo portanto ao Ministério Público requisitá-las e, à polícia, produzi-las.

Outrossim, analisando o tema do ponto de vista constitucional, verificamos que a apuração das infrações penais é uma das atribuições exclusivas da Polícia Civil, que se encontra expressamente prevista no artigo 144, § 4º, da Constituição Federal, não havendo portanto legitimidade para passar essa atribuição para o Ministério Público por meio de ato administrativo ou de qualquer medida legislativa infraconstitucional, sem grave afronta a normas e princípios constitucionais.[139]

Há que se atentar ao fato de que o Ministério Público não dispõe de pessoal instruído e treinado para a investigação, haja vista que certamente não seria o membro do Ministério Público que se encarregaria das ‘‘campanas’’ e infiltrações no meio criminoso, cumprimentos de mandados de busca e prisões de delinqüentes.

Exaltando tais pensamentos, dois acórdãos proferidos pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região (HC nº 96.02.35446-1, 2ª T., Rel. Des. Fed. Silvério Cabral, v.m., julg. em 11.12.96; HC nº 97.02.09315-5, 1ª T., Rel. Des. Fed. Nei Fonseca, v.u., julg. em 19.08.97, DJU de 09.10.97), encampando decisão isolada do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (HC nº 615/96, 1ª CCrim., Rel. Juiz convocado Silvio Teixeira, DOERJ de 26.08.96), acolheram a inusitada tese de que o Ministério Público não pode conduzir investigação de natureza criminal, sob o fundamento de que tal atribuição é exclusiva da Polícia Judiciária (Polícias Civis dos Estados e Polícia Federal), somente sendo lícito ao órgão ministerial a condução de inquéritos civis.

Em contrapartida Wagner Gonçalves cita a “Operação Mãos Limpas”, que aconteceu na Itália, dirigida por juízes/promotores, que praticamente acabou com a Máfia. No entanto salienta que no Brasil a Polícia Judiciária é órgão independente do Ministério Público, não podendo este, fazer investigações, apesar de todo o trabalho daquela ser a ele destinado.[140]

Pedro Simon, quando da revisão constitucional de 93, apresentou proposta de emenda alterando a redação do inciso VII, artigo 129, da Constituição Federal, para: “(Compete ao Ministério Público) VII – exercer o controle externo da atividade policial, direcionando a investigação criminal, com o auxílio dos órgãos da Polícia Judiciária, na forma da lei”. Para a apresentação de tal proposta o senador lançou mão das seguintes justificativas:

“As recentes reformas legislativas efetuadas na Itália, em Portugal e na Espanha deixaram a fase investigatória sob a direção do Ministério Público, acompanhando as modernas democracias ocidentais, como a Alemanha, os EUA, a França, entre outras, com resultados imediatos, conforme podemos verificar pelos noticiários da chamada “Operação Mãos Limpas”. O autor da ação penal, que é o Ministério Público, deve direcionar a colheita da prova que será apresentada em juízo, com a presença das partes, garantindo-se assim, a eficácia da persecução penal e os direitos individuais dos acusados. O sistema inquisitorial atualmente adotado no Brasil, apresenta a morosidade da repetição de tudo o que foi feito no inquérito policial em juízo e, portanto, a morosidade da aplicação da lei, sendo rejeitado por nossa sociedade ante a ineficácia no combate à criminalidade, devendo ser modificado, adotando-se o sistema acusatório, conforme proposto”.[141]

Pensa Tourinho Filho:

“O parágrafo único do artigo 4º (CPP) deixa entrever que essa competência atribuída à Polícia (investigar crimes) não lhe é exclusiva, nada impedindo que autoridades administrativas outras possam, também, dentro em suas respectivas áreas de atividades, proceder a investigações. As atinentes à fauna e flora normalmente ficam a cargo da Polícia Florestal. Autoridades do setor sanitário podem, em determinados casos, proceder a investigações que têm o mesmo valor e finalidade do inquérito policial.”[142]

Mirabete não pensa diferente:

“Os atos de investigação destinados à elucidação dos crimes, entretanto, não são exclusivos da polícia judiciária, ressalvando expressamente a lei a atribuição concedida legalmente a outras autoridades administrativas (artigo 4º., do CPP). Não ficou estabelecido na Constituição, aliás, a exclusividade de investigação e de funções da Polícia Judiciária em relação às polícias civis estaduais. Tem o Ministério Público legitimidade para proceder investigações e diligências, conforme determinarem as leis orgânicas estaduais.”[143]

Especificamente sobre o poder investigatório do Ministério Público, veja-se:

“O Ministério Público tem legitimidade para proceder a investigações ou prestar tal assessoramento à Fazenda Pública para colher elementos de prova que possam servir de base a denúncia ou ação penal. A CF/88, no artigo 144, § 4º., não estabeleceu com relação às Polícias Civis a exclusividade que confere no § 1º., IV, à Polícia Federal para exercer as funções de Polícia Judiciária.” (RT, 651/313).

Segundo estudo comparativo realizado por Rômulo de Andrade Moreira, além do sistema onde a Polícia detém o poder de conduzir as investigações preliminares, denominado sistema inglês, existe também o sistema continental, onde o Ministério Público conduz a investigação criminal, sendo que nesse sistema podemos citar a Alemanha, Itália, França e Portugal como adiante segue[144]:

“Na Alemanha, lê-se no Código de Processo Penal:

StPO § 160: (1) (omissis)

(2). A Promotoria de Justiça deverá averiguar não só as circunstâncias que sirvam de incriminamento, como também as que sirvam de inocentamento, e cuidar de colher as provas cuja perda seja temível.

(3). As averiguações da Promotoria deverão estender-se às circunstâncias que sejam de importância para a determinação das conseqüências jurídicas do fato. Para isto poderá valer-se de ajuda do Poder Judicial.

StPO § 161: Para a finalidade descrita no parágrafo precedente, poderá a Promotoria de Justiça exigir informação de todas as autoridades públicas e realizar averiguações de qualquer classe, por si mesma ou através das autoridades e funcionários da Polícia. As autoridades e funcionários da Polícia estarão obrigados a atender a petição ou solicitação da Promotoria.”

Na Itália no seu “Codice di Procedura Penale”:

Art. 326 – O Ministério Público e a Polícia Judiciária realizarão, no âmbito de suas respectivas atribuições, a investigação necessária para o termo inerente ao exercício da ação penal.

Art. 327 – O Ministério Público dirige a investigação e dispõe diretamente da Polícia Judiciária.

Em Portugal:

Os órgãos de polícia criminal coadjuvam o Ministério Público no exercício das suas funções processuais, nomeadamente na investigação criminal que é levada a cabo no inquérito, e fazem-no sob a direta orientação do Ministério Público e na sua dependência funcional (arts. 56 e 263).

Ainda em solo lusitano, a Lei Orgânica do Ministério Público, no seu art. 3º., diz que compete ao Ministério Público “dirigir a investigação criminal, ainda quando realizada por outras entidades” e ” fiscalizar a actividade processual dos órgãos de polícia criminal.

Na França o art. 41 do respectivo Código de Processo Penal:

O Procurador da República procede ou faz proceder a todos os atos necessários à investigação e ao processamento das infrações da lei penal. Para esse fim, ele dirige as atividades dos oficiais e agentes da polícia Judiciária dentro das atribuições do seu tribunal.”

De acordo com Maurício José Nardini a posição do Ministério Público é a de controlar externamente a atividade policial, sendo certo que a iniciativa de principiar a investigação criminal cabe ao Delegado de Polícia, de ofício, mediante requisição do Ministério Público, ou a requerimento da parte ofendida, não existindo portanto uma relação de subordinação entre o Ministério Público e a polícia judiciária.[145]

O controle externo faculta ao Promotor as prerrogativas de poder requisitar e fiscalizar o cumprimento de diligências junto à autoridade policial, além de:

“Instaurar, sob sua presidência, procedimentos administrativos para apuração de infrações penais, desde que entenda tal prática necessária, diante da complexidade de cada caso, sem prejuízo da investigação concomitante da autoridade policial”.[146]

A Constituição Federal, no entanto, ao estabelecer as atribuições da polícia civil não disse que a investigação de ilícitos penais lhe cabe de maneira privativa Pode-se entender então que as investigações criminais podem ser presididas por outros órgãos sem que a Constituição seja ferida.

O Ministério Público, titular privativo da ação penal tem legitimidade para promover investigações pois, seria um contra-senso negar-lhe a possibilidade de investigação direta de infrações penais, quando isto se faça necessário, seja nos casos em que a polícia tenha dificuldades seja até mesmo quando os próprios policiais, porque envolvidos em crime, tenham desinteresse na apuração dos fatos.

O promotor de justiça ao presidir uma investigação criminal não está de forma alguma usurpando as funções do delegado de polícia, pelo contrário, ele está exercendo plenamente suas prerrogativas contribuindo para que as infrações penais sejam melhor apuradas em favor de uma sociedade tão ansiosa por Justiça.

Há que se atentar ao fato de que os membros do Ministério Público, com freqüência, recebem peças de informações e ao invés de apreciar os fatos, remetem o expediente para a autoridade policial tudo formalizar, por meio do Inquérito Policial.

Como foi dito, a investigação pode ser judiciária, legislativa e administrativa, e essa ultima dividida em administrativa propriamente dita e policial. Fica claro que a atribuição da Polícia Judiciária é responsável pela produção de provas que irão embasar eventual instauração de processo criminal, sendo certo que em casos especiais, o judiciário pode, preliminarmente, investigar crimes atribuídos a membros do Poder Judiciário, como obviamente, pode também o Ministério Público investigar ilícitos penais atribuídos a promotores de justiça, procuradores de justiça e procuradores da república. O poder legislativo através das Assembléias Legislativas, Câmaras de Deputados e Senado Federal, poderão proceder investigações de caráter criminal com o fim de apurar crimes de responsabilidade dos Governadores e Presidente da República. Fora dessas hipóteses, a investigação criminal é atribuição privativa da Polícia Judiciária.

O legislador previu a requisição de instauração de Inquérito Policial e de diligências investigativas. Dessa forma quem requisita, não executa. [147]

Tendo em vista o disposto no artigo 144, caput, § 1º, incisos I, II e III, e § 4º, c/c artigo 98, inciso I, da Constituição Federal[148], e artigos 4º e 9º do Código de Processo Penal [149], e artigo 69 da Lei nº 9.099/05[150], temos a certeza de que a atividade investigatória para as infrações penais, com penas superiores a um ano, são da competência privativa das polícias federal e civil, esta com exclusividade na investigação dos crimes comuns.

O argumento de que o parágrafo único, do artigo 4º do Código de Processo Penal[151] permite semelhante atribuições a outras autoridades administrativas é insólito, pois tal dispositivo está revogado pela Norma Maior, no momento em que declara:

‘‘Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares’’.[152]

Portanto a Carta ditou a regra e as exceções e qualquer dispositivo que lhe contrarie falece diante da sua supremacia.

7. A Reforma do Código de Processo Penal

Através do Aviso nº. 1.151/99, o então Ministro da Justiça, Dr. José Carlos Dias, convidou o Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP, a apresentar uma proposta de reforma do nosso Código de Processo Penal, sendo tal convite confirmado pelo novo Ministro José Gregori através da pela Portaria nº. 371/00. Através da Portaria nº. 61/00, constituiu uma Comissão para o trabalho de reforma, tendo como membros os juristas Ada Pellegrini Grinover (Presidente), Petrônio Calmon Filho (Secretário), Antônio Magalhães Gomes Filho, Antônio Scarance Fernandes, Luiz Flávio Gomes, Miguel Reale Júnior, Nilzardo Carneiro Leão, René Ariel Dotti (que mais tarde saiu, sendo substituído por Rui Stoco), Rogério Lauria Tucci e Sidnei Beneti.[153]

Ao término, a Comissão de juristas entregou ao Ministério da Justiça,  sete anteprojetos de Lei, os quais por sua vez originaram os seguintes Projetos de Lei:

1º.) Projeto de lei nº. 4.209/01: Altera dispositivos de Decreto-Lei 3689, de 3 de outubro de 1941 Código de Processo Penal, relativos à investigação criminal, e dá outras providências.

2º.) Projeto de lei nº. 4.207/01: Altera dispositivos de Decreto-Lei 3689, de 3 de outubro de 1941 Código de Processo Penal, relativos à suspensão do processo, emendatio libelli, mutatio libelli e aos procedimentos.

3º.) Projeto de lei nº. 4.205/01: Altera dispositivos de Decreto-Lei 3689, de 3 de outubro de 1941 Código de Processo Penal, relativos à prova, e dá outras providências.

4º.) Projeto de lei nº. 4.204/01: Altera dispositivos de Decreto-Lei 3689, de 3 de outubro de 1941 Código de Processo Penal, relativos ao interrogatório do acusado e dá defesa efetiva.

5º.) Projeto de lei nº. 4.208/01: Altera dispositivos de Decreto-Lei 3689, de 3 de outubro de 1941 Código de Processo Penal, relativos à prisão, medidas cautelares e liberdade, e dá outras providências.

6º.) Projeto de lei nº. 4.203/01: Altera dispositivos de Decreto-Lei 3689, de 3 de outubro de 1941 Código de Processo Penal, relativos ao Tribunal do Júri, e dá outras providências

7º.) Projeto de lei nº. 4.206/01: Altera dispositivos de Decreto-Lei 3689, de 3 de outubro de 1941 Código de Processo Penal, relativos aos recursos e ações de impugnação, e dá outras providências.

7.1.Comentários ao projeto de reforma do CPP

Mantém-se o Título II do Livro I, modificando-se apenas a epígrafe nos seguintes termos “DO INQUÉRITO POLICIAL E DO TERMO CIRCUSTANCIADO”, ajustando-se à Lei nº. 9.099/95 que estabeleceu os Juizados Especiais Criminais e substituiu, em relação às infrações de menor potencial ofensivo, o inquérito policial pelo termo circunstanciado.

De acordo com a Exposição de Motivos do Projeto de Lei nº 4.209/2001, uma das principais causas que proporcionam a morosidade e a demora na finalização do processo penal, é a forma como se desenvolve a investigação criminal, referenciando a burocratização do inquérito. Para tanto, o Projeto reservou à Polícia Judiciária, funções eminentemente investigatórias, com observância, aliás, do disposto no artigo. 144, § 4º, da Constituição Federal, de modo a delas retirar o caráter burocrático e cartorial e ao Ministério Público, atribui funções de supervisão e controle, hoje conferidas ao juiz.

Ficam mantidas as duas atuais formas de investigação, ou seja, o termo circunstanciado de ocorrência, nos casos de infração penal de menor potencial ofensivo; e o Inquérito Policial, nos demais casos.

O Inquérito Policial será instaurado de ofício, pela autoridade policial, ou mediante requisição do Ministério Público, ou, ainda, solicitação do ofendido, ou de quem tenha qualidade para representá-lo. O preceituado no artigo 40 do Código de Processo Penal, continuaria vigorando, a fim de conferir à autoridade judiciária tal providência.

Após instaurado, o Inquérito Policial, deverá ser remetido ao Ministério Público, no prazo improrrogável de 20 (vinte) dias, com a indicação, se for o caso, de outras diligências em curso ou entendidas necessárias.

Quando da elaboração do Projeto de Lei, preocupou-se com a desburocratização do inquérito. O projeto visa, acima de tudo proporcionar uma agilização da investigação criminal.

Há que se atentar ao fato da atuação do Ministério Público, nessa fase inicial da persecutio criminis, atribuindo-lhe, a supervisão da investigação criminal e o poder acusatório.

Existe uma supressão da possibilidade de requisição do Inquérito Policial por parte da autoridade judiciária, atualmente consolidado no artigo 5o, II, primeira parte do Código de Processo Penal vigente.

Sobre o conceito de infração penal de menor potencial ofensivo, temos que atentar para a Lei nº 10.259/2001[154] (artigo 2o, parágrafo único) que criou os Juizados Especiais Criminais Federais, modificadora, a nosso ver, do artigo 61 da Lei nº 9.099/95[155]; de modo que infração penal de menor potencial é toda aquela cuja pena máxima seja igual ou inferior a dois anos, independentemente de ter ou não procedimento especial, além de todas as contravenções penais.

O § 1o. deste artigo 4o. não traz novidades em relação ao atual sistema, tampouco o §§ 2o. e 3o.

O § 4o retira do Juiz a possibilidade de receber do ofendido o requerimento de abertura do Inquérito Policial ou do Termo Circunstanciado, depurando mais uma vez o sistema acusatório em nosso processo penal. Nada obstante, se a vítima preferiu dirigir-se à autoridade judiciária, deverá esta imediatamente remeter o requerimento ao Promotor de Justiça que, então, sendo o caso, requisitará a respectiva peça investigatória.

Cobrindo lacuna existente na Lei nº 9.099/95[156], o artigo 5o do projeto de lei especifica o conteúdo do Termo Circunstanciado.

O artigo 6º, incisos I, II e III não sofre qualquer tipo de alteração.

De acordo com o § 1o. deste artigo continua o projeto de lei privilegiando o acompanhamento das investigações por parte do Ministério Público, além de permitir ao investigado um maior conhecimento do que contra si está sendo produzido ou se produzirá.

No § 4o. introduz-se no Código de Processo Penal regra já estabelecida no artigo 65, § 3o. da Lei nº 9.099/95, no que diz respeito ao registro dos depoimentos do investigado, indiciado, ofendido e testemunhas que poderá ser feito pelos meios ou recursos de gravação magnética, estenotipia ou técnica similar, inclusive audiovisual, destinada a obter maior fidelidade das informações.

O § 5o. determina que a “prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão imediatamente comunicados à autoridade judiciária competente, ao Ministério Público e à família do preso, ou a pessoa por ele indicada. Aliás, sobre a comunicação da prisão ao Ministério Público já defendemos ser obrigatória, ainda que regra específica a respeito não haja no Código de Processo Penal.

Chegando o expediente ao Ministério Público, o seu representante, caso não seja caso de arquivamento ou denúncia, poderá aguardar por até trinta dias as diligências especificadas pela autoridade que presidiu a investigação ou requisitar, fundamentadamente, a realização de diligências complementares, indispensáveis ao oferecimento da denúncia, que deverão ser realizadas em, no máximo, trinta dias. Esta requisição não obsta, se for o caso, ao oferecimento da denúncia. Ademais, encerrada a investigação, a autoridade policial remeterá as demais peças de informação, documentadas em autos suplementares, e com relatório, ao Ministério Público que, por sua vez, somente poderá oferecer denúncia ou promover o arquivamento, consoante o disposto no artigo 28. Se se tratar de indiciado preso, o retorno dos autos à Delegacia de Polícia acarretará inevitavelmente a sua soltura, por excesso de prazo na conclusão da peça investigativa.

Nesta fase, as diligências que dependerem de autorização judicial serão requeridas ao juiz competente pelo Ministério Público, autoridade policial, ofendido, investigado ou indiciado, sem prejuízo de poder o Juiz, ex officio, ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida

Os artigos. 11, 12 e 14 não trazem novidades ao prescreverem, respectivamente, que os “instrumentos da infração penal, bem como os objetos que interessarem à prova, acompanharão os autos da investigação”; que os “autos da investigação instruirão a denúncia ou a queixa, sempre que lhe servirem de base” (o que indica ser dispensável o Inquérito Policial) e que o “ofendido, ou quem tenha qualidade para representá-lo e o investigado ou indiciado poderão requerer à autoridade policial, ou ao Ministério Público, a realização de qualquer diligência, que será efetuada, se entendida necessária.” Nesta última hipótese, se “o pedido for indeferido, o interessado poderá recorrer à autoridade policial superior, ou representar ao Ministério Público, objetivando a requisição da diligência.”

Modifica-se ligeiramente o artigo 13, em seu inciso IV, alterando-o nos seguintes termos:

“Art. 13…. …………………………………………

IV – requerer, ao juiz competente, a concessão de medida cautelar prevista em lei.”

Como se nota, a nova lei deixa de usar o termo “representação” e prefere “requerimento”.

Os artigos 17, 18 e 19 também não trazem maiores novidades.

Entendemos que ao se estabelecer no artigo 20 que a autoridade policial, o Ministério Público e o juiz assegurarão, na investigação, o sigilo necessário ao esclarecimento dos fatos não foi usurpado o direito do advogado de examinar em qualquer repartição policial, mesmo sem procuração, autos de flagrante ou de inquérito, findos ou em andamento, ainda que conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos. (artigo 7º., XIV do Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil – Lei nº 8.906/94)[157]. O § 1o. deste artigo 20 procura garantir que durante “a investigação, a autoridade policial, o Ministério Público e o juiz tomarão as providências necessárias à preservação da intimidade, vida privada, honra e imagem do investigado, do indiciado, do ofendido e das testemunhas, vedada sua exposição aos meios de comunicação”

O artigo 21 veda expressamente o que hoje já está proibido por força de uma interpretação conforme a Constituição: a incomunicabilidade do preso.

A nova redação dos artigos. 22 e 23 não representa inovação substancial.

Certamente a mudança mais importante trazida por este projeto de lei, referente ao arquivamento da peça informativa, quando se retirou das mãos do Juiz de Direito esta decisão, privilegiando, sem dúvidas, os princípios reitores do sistema acusatório.

8.1.Inquérito policial como instrumento garantidor de direitos

Pode-se dizer que o Inquérito Policial é um instrumento garantidor dos direitos individuais, haja vista que impede a formação precipitada da convicção do juiz, quando ainda envolto quase sempre em paixões e ódios que perturbariam sua ação.

Talvez a norma administrativa que mais demonstre a preocupação da Administração em adequar o Inquérito Policial à Constituição de 1988, em especial ao capítulo que trata dos direitos e garantias individuais, é a Portaria DGP-18, de 25 de novembro de 1998, publicada dois dias depois no Diário Oficial do Estado.

8.2.Comentários a Portaria DGP 18/98

Analisando a norma administrativa Portaria DGP-18, de 25 de novembro de 1998, constatamos ser a mesma uma das normas que mais demonstra a preocupação da Polícia Civil em adequar o Inquérito Policial à Constituição de 1988, em especial aos direitos e garantias individuais, motivo pelo qual podemos referenciar o Inquérito Policial como sendo instrumento garantidor das garantias individuais.

A fim de apontar as diretrizes a serem tomadas pela instituição Polícia Civil, o Senhor Delegado Geral, formulou a presente portaria, deixando explícito a priori, que o Inquérito Policial só pode ser instaurado em havendo elementos que dêem conta da mera possibilidade da ocorrência de infração penal, que pode ou não se confirmar no decorrer das investigações, devendo a Autoridade sempre justificar a instauração, apontando inclusive quais dispositivos legais foram infringidos, atendendo assim o que impõe a Constituição Estadual, em seu artigos 4o. e 111, proibindo-se no entanto, sua instauração quando não houver qualquer possibilidade da ocorrência de delito a ser apurado.

Quanto às medidas investigativas determinadas na portaria inaugural, determina que deverão ser cumpridas com a máxima celeridade, observando-se os prazos estabelecidos na legislação processual penal vigente, evitando-se prorrogações indevidas.

Serão plenamente garantidos os direitos constitucionais que são assegurados ao preso, fazendo-se constar no auto flagrancial, a comunicação ao preso de tais direitos, bem como, se este compreendeu-lhes o significado e se desejou exercê-los.

Como se vê, as prerrogativas constitucionais do preso, são plenamente expressas na portaria DGP-18/98, assegurando assim a garantia dos direitos individuais do mesmo.

A Portaria DGP 18/98, foi o primeiro passo dada no sentido de assegurar no Inquérito Policial as novas regras de um processo penal democrático e garantdor, como assevera José Pedro Zaccariotto:

“Com tal escopo a Portaria DGP 18/98 da Delegacia Geral de Polícia instituiu procedimentos extremamente éticos e inequivocadamente técnicos a serem adotados pelas Autoridades Policiais na condução diuturna dos seus trabalhos. Pretendeu tal medida, em primeiro lugar, a criação de condições propícias para que o Delegado de Polícia possa, na presidência do Inquérito Policial, desenvolver um mister não só de contornos, mas também de conteúdo estritamente jurídico, com especial ênfase ao devido respeito aos direitos do investigado – a fim de não o tornar vítima do mau funcionamento da máquina repressiva -, assegurando assim senso lógico, transparência e brilho intelectual à primeira fase da persecução penal, e dela afastando, ao mesmo tempo e em mão inversa, quaisquer resquícios de arbítrio e aldravice.”[158]

O Inquérito Policial é forma de instrumento de cidadania, garantidor dos direitos fundamentais. A polícia pode-se dizer, é o órgão que mais garante os direitos fundamentais, haja vista que seus membros, podem ser localizados 24 horas por dia, sete dias por semana, possibilitando ainda responsabilizar e punir agentes omissos ou que agem com excesso.

Conclusão

Com a promulgação do Código de Processo Penal vigente, nos idos de 1940, malgrado as pretensas vantagens do Juizado de Instrução, o legislador optou pela manutenção do Inquérito Policial, como instrução provisória, antecedendo a ação penal iniciadora do processo, considerando, principalmente, a vastidão territorial e, em numerosos casos, as grandes distâncias entre as comarcas e os municípios que as integram.

No sistema de Juizado de Instrução a prova é colhida pelo próprio Juiz, ficando a investigação praticamente toda a seu cargo, como ocorre na França. Lá entretanto, essa função do juiz de instrução é distinta daquela atribuída ao juiz que preside ao julgamento, e a investigação é feita de maneira sigilosa e não contraditória. A vantagem nesse caso seria apenas a supressão do Inquérito Policial, como peça preparatória à propositura da ação penal, ou seja, a desnecessidade de se repetir quase tudo o que foi colhido pela polícia.

A diferença entre o juiz instrutor e o delegado de polícia seria que as provas colhidas pelo primeiro já integrariam a instrução criminal, enquanto que, as provas colhidas pelo segundo serviriam apenas e tão-somente para a propositura da ação penal.

A rejeição do Juizado de Instrução significa medida preventiva, que visa impedir conclusões precipitadas, dos membros do Poder que teriam a incumbência de investigar e julgar ao mesmo tempo, protegendo também o indiciado, que não correria o risco der ser condenado com provas colhidas sem a participação da defesa, haja vista a ausência do contraditório, na fase pré-processual.

Em Direito, quanto menos formais forem os procedimentos, mais perto estaremos de injustiças, motivo pelo qual os ditadores preferem a supressão das liberdades e os julgamentos sumários e apressados.

Deve-se ainda afastar o Poder Judiciário da fase pré-processual a fim de evitar qualquer tipo de influência da prova colhida no Inquérito Policial, na formação do convencimento do Juiz, o qual deve se orientar somente pelos atos processuais efetivados sob o crivo do contraditório, com exclusão das provas irrepetíveis.

Outro fator que inviabiliza o Juizado de Instrução é a falta de vocação dos membros do judiciário para a prática de atos investigativos como ficou evidenciado com a promulgação da Lei nº 9.034/95, que trata do Crime Organizado, em que se instituiu o juízo investigador, função que não obteve nenhuma receptividade por parte dos magistrados.

Há ainda um entendimento no sentido de manter o Inquérito Policial sob a presidência do Ministério Público, mas qual seria a lógica de trocar de chefia, quando o encarregado das investigações, ou seja, o Delegado de Polícia, tem a mesma formação jurídica dos promotores e juizes.

É evidente que um procedimento preparatório à propositura da ação penal é absolutamente indispensável. Mesmo na França, não obstante o sistema do Juízo de Instrução, cabe a Polícia Judiciária, sob a direção do Procurador da Republica, constatar as infrações e colher as provas, tal como dispõe o artigo 14 do Code de Procédure Penale.

Parece-nos que o nosso sistema é o que mais se afina e se ajusta aos postulados de um processo que respeita os direitos fundamentais. Colhem-se as primeiras informações a respeito do fato e a autoria e com base nesse conjunto de dados o Ministério Público oferece a denúncia. Note-se que aqui nenhum juiz abalançaria a proferir um decreto condenatório com respaldo, apenas, nas provas colhidas pela policia, servindo as mesmas apenas de bússola ao titular da ação penal que pode inclusive, requisitar informações e documentos de qualquer órgão que acharem indispensáveis à formação da opinio delicti.

Criticam-se a demora das investigações, mas ninguém critica o desenrolar dos morosos processos criminais.

Criticam-se os pedidos e mais pedidos de dilação de prazo, mas, são raros os membros do Ministério Público e da Magistratura que seguem rigorosamente os prazos processuais.

A própria exposição de motivos do Código de Processo Penal vigente aponta vários fatores que determinaram a continuidade do Inquérito Policial, como por exemplo a grande vastidão territorial, inviabilizando o Juizado de Instrução. Outro argumento dificilmente contestável se dá ao fato de ser ele uma garantia contra apressados e errôneos juízos, formados quando ainda persiste a trepidação moral causada pelo crime ou antes que seja possível uma exata visão de conjuntos de fatos, nas suas circunstâncias objetivas e subjetivas.

Fogem da realidade aqueles que imaginam sobre a possibilidade de uma pessoa ser processada, julgada e condenada sem uma análise detalhada, criteriosa e ponderada de tudo pelo magistrado. Pode-se dizer ainda que o Inquérito Policial oferece segurança também aos magistrados, sendo mais fácil corrigir uma eventual falha policial do que um erro judiciário.

Ainda que a autoridade policial por motivos diversos não tenha elaborado um Inquérito Policial dentro dos parâmetros mínimos exigidos, isso não significa que o procedimento apuratório seja o responsável, e por isso deva ser eliminado.

Outro fator importante se deve ao fato do instituto do Inquérito Policial já ter mais de 100 anos, tendo aparecido com tal denominação pela primeira vez pelo Decreto nº 4824, de 22 de novembro de 1871, e ter superado por diversas vezes as investidas para a sua eliminação.

Mesmo sendo o Ministério Público o titular da ação penal, e portanto melhor do que ninguém conhecedor dos elementos necessários para a propositura da ação é inadmissível a pretensão do mesmo investigar ou dirigir as investigações e figurar como órgão acusador, prejudicando dessa maneira uma total imparcialidade que deve revestir a instrução que antecede à propositura da ação.

Em se tratando da Lei nº 9.099/95 que trata dos Juizados Especiais Criminais, o que ocorreu quando afastado a realização do procedimento administrativo preliminar, exigindo tão-somente o termo circunstanciado com o intuito de propiciar uma suposta celeridade processual, foi uma “mutilação” nos mecanismos de busca de prova e o informalismo foi tanto que o trabalho da policia ficou em descrédito, em destaque para os delitos de trânsito, que hoje não intimidam ninguém.

Assim, nos poucos casos em que o inquérito policial foi dispensado, observamos um descrédito na polícia e na Justiça, aumentando a sensação de impunidade, tão alardeada no país.

Note-se ainda que apesar de todos os esforços de se eliminar o Inquérito Policial, todas restaram infrutíferas, sendo tal dado comprovado pelo fato que o anteprojeto de alteração do Código de Processo Penal não elimina o Inquérito Policial como meio de apuração de infrações penais e sua respectiva autoria, restringindo-se apenas a alterá-lo no tocante a instauração.

E ainda quando da tentativa de se estabelecer um controle externo da atividade policial pelo Ministério Público, referido órgão não tenta eliminá-lo, mas sim avocar para si o direito de realizar investigações penais. É incontestável a necessidade do controle externo em todas as instituições que exercem atividade relevante no contexto social, não podendo a polícia figurar como exceção, no entanto, o controle deve ser verdadeiramente externo, transparente, democrático, eficiente e produtivo.

Outro fator importante seria propiciar às autoridades policiais, já que possuem a mesma formação jurídica que juízes e membros do Ministério Público, as mesmas prerrogativas antes reservadas aos juízes e promotores, como a inamovibilidade e a irredutibilidade de vencimentos.

Não importa os meios que levam ao fim, mas existe sim, a grande necessidade de uma união de esforços de todos os poderes para a consolidação da justiça e da obtenção da verdade real. A investigação criminal não criaria tantas controvérsias se o que existisse fosse uma união de esforços entre as polícias e o Ministério Público, devendo-se a priori elaborar um plano de ações conjuntas visando atingir o fim para o qual ambas as instituições existem, ou seja, a defesa do cidadão contra os malfeitores e a manutenção da ordem com a aplicação do ordenamento jurídico vigente, haja vista que na conjuntura atual, enquanto o Ministério Público carece de efetivo, a Polícia Judiciária carece de credibilidade.

Há que se atentar ao fato ainda de que o Projeto de Lei nº 4.209/2001, mesmo trazendo a baila grandes mudanças dentre elas a efetivação do controle externo pelo Ministério Público, a mesma não exclui a figura do Inquérito Policial que continua sendo uma das maneiras de colheita de prova na fase preparatória da ação penal.

Desde 1941, quando da consolidação do Código de Processo Penal vigente, o Inquérito Policial vem se constituindo um sustentáculo da Justiça Criminal, não obstante as existentes dificuldades técnico-operacionais enfrentadas pelos órgãos responsáveis pelas investigações criminais.

Apesar dessa dificuldade, o Inquérito Policial tem sido alvo de criticas infundadas provindas de quem desconhece sua eficiência e relevância no sistema processual penal, levando a baila alternativas utópicas com a nossa realidade.

Parece-nos evidente a importância do Inquérito Policial e apesar dos movimentos a sua eliminação, a sociedade brasileira jamais poderá eliminá-lo, haja vista que o mesmo se trata de uma peça informativa de vital importância, pois na verdade é a efetiva coleta das provas realizadas pela Autoridade Policial e seus agentes que as encontra ainda latentes, pois com o tempo torna-se difícil a obtenção das mesmas, senão impossíveis daquelas perecíveis.

Verifica-se portanto que podemos referenciar o Inquérito Policial como sendo instrumento garantidor das garantias individuais, haja vista que muitos dos direitos e garantias individuais são exclusivamente exercidos no exercício da Polícia Judiciária e materializados no procedimento denominado Inquérito Policial, cabendo portanto a manutenção do Inquérito Policial no Sistema Jurídico Processual Penal, sendo tais garantias materializadas na Portaria DGP-18, de 25 de novembro de 1998, demonstrando a preocupação da Polícia Civil em adequar o Inquérito Policial à Constituição de 1988, em especial aos direitos e garantias individuais.

É necessário modernizar o Inquérito Policial e não reproduzir as peças fazendo uso de um computador, haja vista que atualmente 70% das folhas de um inquérito policial são protelatórias e descartáveis. É necessário, ao mesmo tempo da modernização, a sua simplificação, eliminando o roteiro de recebimento, certidão, conclusão, despacho, data juntada e remessa. Deveria constituir apenas do relatório elaborado pelo policial que chefiou as investigações, qualificação das testemunhas, provas materiais coletadas, perícia e por fim, a indicação dos autores do delito, sendo o suficiente para o Ministério Público, titular da ação penal, oferecer denúncia.

Pelo exposto, advogamos pela manutenção do Inquérito Policial, e não pela sua extinção, mas sim pela sua modernização. Eliminação de atos inócuos, dentro do procedimento, despachos “embromatórios” e adesão de despachos interlocutórios, possibilitando numa rápida análise se determinar a situação do Inquérito Policial, bem como uma união de esforços entre as polícias e o Ministério Público, com o demais órgãos governamentais ou não que visam a busca da justiça e da verdade real.

 

Equipe Âmbito Jurídico

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