O presente trabalho tem por escopo iniciar o leitor na polêmica discussão acerca do avanço tecnológico dado ao instituto processual penal do interrogatório do réu (interrogatório on line ou tele-interrogatório), analisando suas bases doutrinárias e confrontando o advento das tecnologias de presença eletrônica com os princípios constitucionais e processuais penais do ordenamento jurídico brasileiro.
1. INTRODUÇÃO:
O Direito é mutante. Na medida em que disciplina e regula fatos sociais, e estes mudam, a norma jurídica inexoravelmente deve também evoluir. Se essa evolução dar-se-á de modo gradual ou repentino, cabe a cada grupo social jurisdicionado administrar como melhor lhe aprouver essa transformação.
Não é por acaso vemos atualmente ardorosos defensores dos avanços tecnológicos que se aproximam dos ramos do conhecimento jurídico mundial e, de outro lado, implacáveis críticos às inovações da ciência da informação no seio do Direito.
É nesse cenário que nos propomos a analisar, do ponto de vista principiológico, uma novel prática que se tem adotado no rito dos processos criminais, mais especificamente numa outra forma de cumprimento do que dispõe o Art. 185 e seguintes do Código de Processo Penal Pátrio, qual seja: a colheita do interrogatório do acusado por meio eletrônico.
Desnecessário dizer que o fato divide os juristas e que seria no mínimo leviano ignorar ou desmerecer os argumentos de ambas as correntes de pensamento, vez que contêm verdadeiros ícones do conhecimento jurídico, com respeitáveis e louváveis argumentos em defesa de suas crenças.
Alguns tribunais estaduais, e mesmo corajosos e vanguardistas magistrados de juízos criminais[1], têm empreendido a realização do ato do interrogatório na modalidade à distância, também mais conhecida como interrogatório on-line, ou ainda tele-interrogatório.
É bem verdade que o desconhecido atrai e a inovação assusta. Daí, o surgimento de ferrenhas críticas à nova forma de interrogar e a gênesis de um interessante debate de idéias acerca do desenvolvimento da ciência jurídica através dos tempos face à realização do ato do interrogatório sem a presença física do réu, “tete-a-tete”, com seu julgador.
Não olvidemos que como supedâneo de um Estado Democrático de Direito, estão os direitos e garantias fundamentais, constitucionalmente postos, tais como: o do princípio da inocência, o direito à ampla defesa e ao contraditório e ainda ao chamado devido processo legal (due process of law), que regem a aplicação e justeza dos ritos processuais na busca da verdade real, no âmbito processual penal, cabendo avaliá-los se afrontados ou não pelo tele-interrogatório.
Em xeque com os ditames, características, regras e entendimentos jurisprudenciais construídos em tantos anos sobre o interrogatório judicial penal tradicional, é nosso intuito investigar à luz de alguns princípios jurídicos os prejuízos ou vantagens de um em detrimento do outro, ou uma pacífica e harmoniosa convivência de ambas as espécies no ordenamento jurídico brasileiro, desde que legalmente esclarecidas e dispostas as hipóteses de cabimento de cada um deles.
Não distantes das discussões acadêmicas, as casa parlamentares, atentas aos anseios e necessários avanços da legislação pátria, desejosas de não se sentirem omissas em sua missão de legislar, já se movimentaram na propositura de projetos de lei[2] que tratam do tema ora em debate, ainda que com certa ingenuidade e sem um profundo embasamento teórico, sendo mister uma discussão mais ampla e madura, em respeito e defesa de um bem valoroso por demais ao cidadão: o status libertatis.
É assim, pois, que iniciamos uma análise acerca do que já dispõe o Código de Processo Penal, doutrina e jurisprudência acerca do interrogatório judicial já conhecido pelos operadores do direito, recém alterado pela lei n.º 10.792/03, bem como de uma averiguação em meio a novidade do interrogatório on-line, não prevista em lei, considerando seus ônus e bônus e hipóteses plausíveis, em consonância ou não com os princípios constitucionais e infra-constitucionais que regem os procedimentos criminais por todo o território nacional.
2. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O INTERROGATÓRIO TRADICIONAL
Não podemos nos aventurar a fazer um estudo analítico do avanço tecnológico de um determinado objeto, in casu o interrogatório, sem que antes façamos um apanhado do que seja a sua versão mais conservadora, com suas características, princípios e entendimentos jurisprudenciais.
Dessa forma, poderemos entender, comparativamente, vantagens e desvantagens entre uma e outra modalidade, dando-nos subsídio e referencial teórico necessários para filiarmo-nos na defesa de um deles.
Colocamos aqui algumas considerações que valem a pena ser lembradas por guardarem certa relação com os argumentos contra e a favor ao tele-interrogatório, pelo que daremos ênfase ao enfoque que venha a interessar para o desenvolvimento da questão em tela.
2.1. DA NATUREZA JURÍDICA DO INTERROGATÓRIO
Conforme se encontra na quase totalidade da doutrina que se debruça sobre o estudo da figura processual do interrogatório, a questão tormentosa é a da natureza jurídica do ato: se um meio de prova ou um meio de defesa do acusado.
Tal discussão é importante na medida em que fulcra ambas as correntes doutrinárias que defendem e ojerizam da forma que melhor lhes convêm a nova modalidade de interrogar.
A visão tópica do interrogatório que nos foi dada pelo legislador nacional, qual seja a de figurar sua previsão legal no Título VII – Da Prova, do Código de Processo Penal, incute-nos a ilusória impressão de ter o instituto somente a faceta probatória na instrução processual criminal.
Contrariamente, alguns doutrinadores do processo penal chegam à conclusão de que o interrogatório é unicamente meio de defesa do acusado, vez que nele podem ser apresentados álibis, teses de excludente de ilicitude e demais elementos que ao invés de incriminar, podem inocentar ou amenizar a imputação criminosa atribuída ao acusado.[3]
Outros, majoritariamente, sustentam que o ato do interrogatório tem natureza híbrida, ou mista, fundindo em si caracteres de meio de defesa do acusado e também de meio de prova ao Juízo processante.
Conforme lecionou MIRABETE, “Entretanto, mesmo quando o acusado se defende no interrogatório, não deixa de apresentar ao julgador elementos que podem ser utilizados na apuração da verdade, seja pelo confronto com provas existentes, seja por circunstâncias e particularidades das próprias informações prestadas.”[4] Ainda, no dizer de MARQUES (199), citando LINCOLN PRATES, “que o interrogatório é, concomitantemente, meio de prova e ato de defesa”.[5]
Mesmo esclarecedoras as lições dos festejados estudiosos retro citados, parece-nos que mais aclarado estudo sobre a querela é o que coloca o interrogatório como fonte de prova, mas indubitavelmente meio de autodefesa (GRINOVER, 1993, p. 71), principalmente levando-se em conta o direito do acusado ao silêncio resguardado pela vedação constitucional ao julgador de havê-lo como elemento de convicção em desfavor do réu.
Todo esse arrazoado visa introduzir o raciocínio para a lógica argumentação utilizada pelos admiradores e críticos do interrogatório à distância.
Propugnando por ser o interrogatório somente meio de defesa, tende-se a hipervalorizar a figura do instituto, em respeito ao princípio constitucional da ampla defesa e do contraditório, exercido pelo réu, entendendo-se esse o momento processual de maior importância para o acusado e seu julgador, onde ficam face a face, onde há um contato menos formal entre juiz e réu.
Nesse tocante, ilustramos a argumentação parcial com trecho de festejado artigo da lavra de DOTTI, onde escreveu o jurista “É preciso ler nos lábios as palavras que estão sendo ditas; ver a alma do acusado através de seus olhos; descobrir a face humana que se escondera por trás da máscara do delinqüente. É preciso, enfim, a aproximação física entre o Senhor da Justiça e o homem do crime, num gesto de alegoria que imita o toque dos dedos, o afresco pintado pelo gênio de Michelangelo na Capela Sistina e representativo da criação de Adão.”[6]
Para DOTTI, levar adiante a proposta do interrogatório on-line seria como tirar do julgador a oportunidade de conhecer (intimamente!?) o acusado que espera seu julgamento. Entretanto, por apego ao debate, coloca-se: sem os recursos de videoconferência[7], possibilitadores técnicos do interrogatório on-line, essa análise psico-juridico-sociológica tão profunda e desejável pela ratio legis, ocorre hoje no interrogatório tradicional?
No entender do advogado Orlando Maluf Haddad, corroborando com tese contrária ao tele-interrogatório, chegou a asseverar que “O interrogatório por videoconferência, embora possa figurar como um pretenso avanço para o Judiciário, cria na verdade uma Justiça asséptica, em que o acusado é privado do direito de ficar frente a frente com seu acusador, de estar na presença do juiz, como garante o Código de Processo Penal.”[8]
A adjetivação forte e robusta sintetizada pelo causídico no termo “asséptica”, não se furta a revelar uma das mazelas do sistema criminal-penitenciário brasileiro. Muitos dos julgadores veriam no interrogatório à distância, uma forma menos direta do contato com a realidade, por vezes sórdida, dura, crua e difícil de ser encarada.
De outro sorte, se nos filiarmos à corrente que defende a natureza híbrida do interrogatório, reconhecendo nele mais um elemento de prova ao julgador, é facilitada a aceitação do interrogatório remoto, na medida em que, respeitados os procedimentos postos no Código de Processo Penal por todas as partes envolvidas, o princípio da ampla defesa, logo idôneo, inocorrendo nulidades[9] porventura suscitadas, poderá o ato ser tecnicamente válido e valorado pelo magistrado em sua livre convicção motivada quando da prolação do decisum.
2.2. DA FINALIDADE DO INTERROGATÓRIO
Um outro aspecto que merece ser enfocado nessa análise preliminar do interrogatório é a de sua finalidade.
Em nossa pesquisa doutrinária, encontramos várias citações e referências à tríplice finalidade percebida no interrogatório, lecionada por ESPÍNOLA FILHO, que é:
Facultar ao magistrado o conhecimento do caráter, da índole e dos sentimentos do acusado: em suma, compreender-lhe a personalidade;
Transmitir ao julgador a versão, que, do acontecimento, o inculpado fornece sincera ou tendenciosamente, com a menção dos elementos, de que o último dispõe, ou pretende dispor, para convencer da idoneidade de sua versão; e
Verificar as reações do acusado, ao lhe ser dada diretamente, pelo juiz, a ciência do que os outros encerram contra ele.[10]
Em defesa do interrogatório remoto, tem-se a destacar que mesmo no interrogatório tradicional, não há a garantia de o magistrado, ainda querendo, conhecer ou perceber o caráter, a índole e os sentimentos do réu. O que podemos notar é que não é o meio, a forma pela qual é tomado o interrogatório que importa, mas sim o animus do julgador em buscar a verdade real dos fatos e o atingimento às finalidades acima expostas.
Aceitam-se ainda, pelo desconhecimento das tecnologias já existentes de presença eletrônica, as críticas feitas às dificuldades de percepção pelo julgador das reações, inflexões verbais, trejeitos, modos, olhar do acusado. Mas uma simples demonstração dos equipamentos e softwares já disponíveis no mercado podem rebatê-las, sem muito esforço.[11]
Tais equipamentos, dado o avanço e modernidade a que chegaram, já atendem à sugestão do membro do Ministério Público baiano Vladimir Aras, que escreveu em defesa do avanço tecnológico do ato, “Basta que se adote um formato de videoconferência que permita aos sujeitos processuais o desempenho, à distância, de todos os atos e funções possíveis no comparecimento físico.”[12]
São por essas mesmas justificativas que entendemos satisfeitas as condições propostas acima para que atinja o ato processual o seu fim, vendo-se que pela tecnologia da biopresença eletrônica[13], nos é garantido bem perceber a transmissão dos fatos como verdadeiramente aconteceram pela versão do acusado, bem como captar suas reações quando da leitura da peça delatória e das respostas dadas à consignação.
Ademais, não presentes as nulidades absolutas ou relativas, invoca-se um dos princípios do direito processual, o da instrumentalidade, onde pelo qual tendo-se atingindo a finalidade o ato do processo de forma idônea, é válido para nos autos continuar e ter apreciado e valorado o seu teor pelo aplicador da lei.
3. DO INTERROGATÓRIO ON-LINE
Embora tenha havido um recente despertar para discussões acadêmicas acerca do interrogatório on-line, ainda são escassas as fontes de pesquisa que tratem exclusivamente sobre o tema, limitando-se a produção de artigos e pareceres consultivos que passam ao largo dos ambientes editoriais, sendo a maior fonte de consulta do pesquisador jurídico a própria internet.
Como se afigura um avanço de instituto preexistente, é difícil encontrarmos um conceito para o tele-interrogatório, não obstante para alguns já ser auto-explicativo pelas terminologias que recebe. Independentemente disso, de forma despretensiosa, após os estudos e fontes consultadas, podemos afirmar que o interrogatório on-line conceitua-se como ato privativo do juiz, realizado de forma remota, mediante a utilização de suporte informático de presença eletrônica.
Dando continuidade ao método de investigação já iniciado neste trabalho, e por ser o objeto de estudo algo derivado, continuaremos a comparar as modalidades de interrogatório do réu (tradicional e eletrônica), confrontando-as com os princípios que devem reger o ato, quer numa espécie, quer na outra, com o fim de considerarmos a possibilidade de manutenção de ambas, simultaneamente, em nosso ordem jurídica, respeitando as hipóteses de cabimento e a cautelosa aplicação da forma eletrônica de interrogar, sempre à critério do legislador ou do prudente arbítrio do juiz de direito.
3.1. EM FACE DE PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS
A ordem jurídica constitucional brasileira não se cingiu a deixar a cargo do legislador constituído garantias processuais, às quais fora dado o status constitucional em virtude de sua importância no sistema jurídico como um todo.
Para GRINOVER, “Hoje, mais do que nunca, a justiça penal e a civil são informadas pelos dois grandes princípios constitucionais: o acesso à justiça e o devido processo legal. Destes decorrem todos os demais postulados necessários para assegurar o direito à ‘ordem jurídica justa’”. [14]
É daí que partimos para enquadrarmos legal e principiologicamente a modalidade de interrogatório à distância.
Um juiz de direito, monocrático, togado, é a expressão mais palpável do poder punitivo do Estado. Porém, antes de exercitar o jus puniendi, cabe ao magistrado fazer justiça, sendo, para muitos, no jargão popular, a própria.
No Código de Ritos Penais, é assegurado ao cidadão denunciado ser levado ou comparecer espontaneamente à presença do juiz competente para conduzir o feito que apura sua [do denunciado] possível conduta delituosa. Nesse momento, vê-se garantido o acesso à justiça, no enfoque do tele-interrogatório. Até mesmo, dispõe a constituição que, se preso o réu, e a prisão seja ilegal, é de direito o relaxamento de pronto da mesma.
Oportunamente, aqui se esclarece que o interrogatório à distância, possui aplicações outras que não somente a oitiva do réu preso, mas também do réu solto e de testemunhas residente em outras comarcas ou países.
De alguma forma querem fazer crer os que abominam o interrogatório remoto, que a modalidade contrapõe-se ao devido processo legal. Antes que avancemos, porém, vejamos o conceito de devido processo legal (due process of law), postulado pela processualista Ada Pellegrini Grinover – “Entende-se, com essa fórmula, o conjunto de garantias constitucionais que, de um lado, asseguram às partes o exercício de suas faculdades e poderes processuais e, de outro, são indispensáveis ao correto exercício da jurisdição.”[15]
Interessante vermos a contribuição trazida por NUCCI[16], ao citar precedente jurisprudencial do STJ, da lavra do Min. Felix Fischer, incorporando manifestação do Sub-Procurador da República à época, Dr. Eitel Santiago de Brito Pereira, ficando registrado no voto: “O fato é que este ato [o interrogatório on-line] fere o devido processo legal, no que tange ao direito que possui o acusado de se ver processar na forma estabelecida em lei e de se avistar pessoalmente com o magistrado quando de seu interrogatório e, o que dispõe o art. 792 do Código de Processo Penal, que disciplina a publicidade dos atos processuais, audiências e sessões… Conseqüentemente, não é recomendável o procedimento adotado, devendo ser utilizado excepcionalmente.”[17]
Cumpre-nos ressaltar que, maxima venia ao voto do eminente Ministro da Corte Federal, ao contrário de ser o Art. 792 do CPP um óbice à nova modalidade de interrogatório, é um elemento fomentador. Se é para audiências e sessões continuarem públicas, mediante o uso da tecnologia da informação da biopresença, mais e mais jurisdicionados terão acesso aos atos judiciais como o que ora se debate.
Com a disseminação dessa nova tecnologia, várias mídias poderão receber e transmitir sinais dos atos processuais que tenham lugar nos fóruns mais longínquos de nosso grande país. A internet, certamente, com as aplicações de áudio e vídeo em tempo “quase”[18] real, será meio de fácil propagação dos ideais de publicidade processual.
É bem verdade que, como colocado no voto do recurso em habeas corpus acima mencionado, não há previsão legal para o “experimento” do interrogatório à distância, até porque nosso Código de Processo penal data de 1941, tempo no qual nem bem se tinham rádios ou computadores. Como prever algo como softwares[19] e equipamentos de vídeo tão modernos servindo às práticas jurídicas, que sempre se mostraram conservadoras por demais?
A propósito, NALINI, em abalizado artigo ilustra muito bem esse fenômeno da inovação no direito ao citar o caso da substituição dos termos e atos do processo lavrados de próprio punho pelo magistrado ou escrivão, pelos expedientes “datilografados”[20].
Ainda, nem nos tempos atuais, a dicção da lei materializada em alteração legislativa ocorrida em Dez/2003 pontualmente no interrogatório tradicional, através da Lei n.º 10.792, sequer ventilou a possibilidade do avanço tecnológico do instituto.
Destaque-se, em contraposição ao voto do colega de turma, o precedente de 1995 do STJ citado por ARAS em seu elucidante artigo “O tele-interrogatório no Brasil”[21], sob n.º RHC 4.788/SP, no qual a relatoria coube ao Min. Jesus Costa Lima, tendo defendido o emprego da informática para agilizar o andamento processual, utilizando-se a tele-conferência.
3.1. EM FACE DE PRINCÍPIOS PROCESSUAIS
Dentre os princípios ditos informadores do processo penal brasileiro, destacamos alguns deles que melhor sustentam a investigação aqui empreendida, são eles: princípio da igualdade das partes; contraditório e ampla defesa; princípio da publicidade e da economia e instrumentalidade das formas.
Igualdade das partes
Da mesma forma que o réu é parte num procedimento criminal, o Ministério Público ou o ofendido também o são, cabendo ao magistrado dar-lhes tratamento igualitário sem prejuízos ou prerrogativas para quaisquer dos lados.
Antes que se possa colocar o tele-interrogatório como tratamento desigual entre as partes, prejudicando sobremaneira o réu e por corolário sua defesa, de logo coloca-se a possibilidade e já existência de atos praticados pela acusação utilizando de meios remotos: são as chamadas “vídeo-audiências”, por onde se fazem requerimentos e sustentam-se razões, sem o deslocamento dos sujeitos processuais de suas comarcas de origem.
Não vemos, na hipótese dos contrários, nenhuma afronta a esse princípio, até porque, pela alteração legislativa do interrogatório não mais se recomenda, mas exige-se a presença do defensor no interrogatório (art. 185, do CPP), ou caso não disponha o réu de um, há que se nomear dativo, visando garantir a idoneidade do procedimento, onde acusação e defesa, mesmo oportunizados esclarecimentos que julguem necessários ao final da inquirição (art. 188, do CPP), não furtam-se à função de custos legis.
Contraditório e ampla defesa
A própria CF/88, coloca essas duas garantias num único dispositivo, evidenciando a íntima relação existente entre elas.
Recaem sobre o processo penal tais garantias, entendendo-se indispensáveis à defesa técnica do acusado por um profissional advogado habilitado para tanto, bem como sua autodefesa, inclusive com a possibilidade do acusado de ser interrogado e de presenciar a todos os atos instrutórios (GRINOVER, 1998).
Depreende-se que com a implementação dos interrogatórios on-line e a informatização dos demais atos do processo, inclusive oitiva de testemunhas sem a presença intimidatória do réu, poderão ser realizados com muito maior liberdade e tranqüilidade para todas as partes envolvidas.
Dessa forma, poderá o réu, preso ou solto, acompanhar de forma remota (menos desgastante) e menos onerosa ao Estado, todo o desenrolar de seu processo criminal, podendo e devendo intervir quando necessário por intermédio de seu defensor. Não cabe aqui adentrarmos no mérito econômico-financeiro do avanço tecnológico do instituto, por tangenciar razões não muito próprias da ciência jurídica.
Da forma como ocorre hoje em alguns estados da Federação, o acusado preso provisoriamente passa bastante tempo encarcerado sem ao menos ter notícia do andamento da instrução em que apura sua suposta conduta delitiva. Com o advento da tecnologia aplicada ao sistema processual e prisional, poderemos ter de forma menos romântica a ampla defesa do acusado, garantia constitucional de justiça.
Publicidade
A maior evidência desse princípio na esfera processual penal é o Art. 792 do CPP, sobre o qual já nos manifestamos quando da análise de precedente do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, supra.
Economia e Instrumentalidade das formas
Um apresenta-se como decorrência do outro. O procedimento brasileiro, quer seja no âmbito civil ou penal, está repleto de dispositivos que permitem ao processo caminhar mais celeremente e atingir o seu fim, equilibrando a relação custo-benefício na resolução dos conflitos sociais (GRINOVER, 1998).
O princípio da economia, tem como decorrência a regra posta no Art. 250 do CPC, caput e seu parágrafo único, que ganha reflexos analógicos no processo penal (art. 3º, do CPP). O artigo que dispõe sobre o aproveitamento dos atos processuais preceitua: “O erro de forma do processo acarreta unicamente a anulação dos atos que não possam ser aproveitados…”. E concluí com o parágrafo único: “Dar-se-á o aproveitamento dos atos praticados, desde que não resulte prejuízo à defesa.
Muito próximo disso está o princípio derivado da instrumentalidade das formas, que informa só sejam anulados os atos imperfeitos se o objetivo não tiver sido atingido. O que interessa, afinal, é o objetivo do ato, não o ato em si mesmo.
Daí questionarmos, como já colocado anteriormente: se o interrogatório remoto ocorresse de forma idônea, sem que sobre ele fossem lançadas hipóteses de nulidade, tendo sido a finalidade do ato atingida, qual seja a oitiva do réu, com sua versão dos fatos, garantidos o contraditório e ampla defesa, por que haveria de se invalidar o ato ?
3.3. DO PRINCÍPIO DA IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ NO PROCESSO PENAL BRASILEIRO
Muitos dos compêndios de direito processual penal olvidam ou apenas ventilam a questão de vigorar ou não no processo penal pátrio o princípio da identidade física do juiz, o qual informa que o juiz que der início à instrução criminal deverá(ia) ser o mesmo prolator da sentença penal.
Na lição de TOURINHO FILHO o referido princípio, apesar de ser regra posta no âmbito do processo civil, capitulado no Art. 132 daquele diploma legal[22], não encontra previsão no código de ritos penais. Tem-se também que o princípio epigrafado é reflexo derivativo de outro, qual seja a oralidade, sofrendo no entendo uma minoração de seus efeitos no processo penal, porém não absoluta, ao se constatá-lo nos processos de rito sumaríssimo e no Tribunal Popular do Júri (MALCHER, 1999).
Entendendo-se, portanto, não incidir nos processos criminais o aludido princípio[23], salvo as exceções supra destacadas, sucumbe a razão dos críticos em valorizar sobremaneira o contado pessoal acusado e julgador, visto que nem mesmo o próprio legislador teve essa expressa intenção quando da feitura da lei[24].
Ressaltamos, para uma melhor análise e compreensão do que tratamos até aqui, que a possibilidade de gravação dos dados eletrônicos, resultado do interrogatório on-line, em mídias diversas, como CD-ROM´s ou hardwares (discos rígidos) apropriados para tanto, podem vir a auxiliar e muito ao magistrado que à época da realização do ato não presidia o feito.
Ainda, é sabido por todos que o Código de Processo Penal prevê a possibilidade da realização de novo interrogatório a qualquer tempo (art. 196) verificando o magistrado a necessidade de reinquirir o acusado. É bem provável que a prática do interrogatório à distância não acabe de vez com essa hipótese, mas reduza significativamente sua utilização, por medida de economia e de praticidade, pois pode o julgador dispor de imagem e voz, corporificadas, do acusado na tela de seu computador pelo tempo que achar necessário para sua análise e convicção.
4. CONCLUSÕES
As inovações chocam e nem sempre estamos preparados para elas. Nosso primeiro estímulo, assim como o instinto de autodefesa, é repudiá-las.
Reconhecemos que não é de fácil assimilação acatar sem reservas tamanha revolução informática que acaba por invadir os ramos mais diversos das ciências humanas, buscando agilidade e rapidez no uso de mecanismos telemáticos que vêm facilitar sobremaneira o modus operandi de nossos afazeres.
Mas não por isso devemos permanecer resistentes. No mínimo, devemos averiguar e apreciar com mente aberta, sem preconceitos tecnológicos, os argumentos colocados pelos defensores da modalidade do interrogatório por tele-conferência, junto dos quais nos colocamos.
No desenvolvimento do presente trabalho, que não se propôs ao exaurimento desse assunto tão novo, pusemos em combate linhas de pensamentos doutrinários opostas, confrontando-as com os princípios do processo e garantias constitucionalmente consagradas, no intuito de garantir certa imparcialidade ao apresentá-las aos que ainda não formaram opinião, embora alguns parágrafos tenham denunciado precocemente nossas conclusões.
Foram também trazidos à baila, entendimentos jurisprudenciais e recentes notícias a respeito das tecnologias já à disposição dos judiciários estaduais e federal.
Tais subsídios e referenciais teóricos nos permitem admitir a figura do interrogatório on line sem vislumbrá-la como “cerimônia degradante”, dessa forma tratada por DOTTI, mas sim como alternativa ao cumprimento de etapa legal da instrução criminal.
Na medida em que (i) respeitados os princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório (livre manifestação do acusado pelos sistemas de videoconferência e presença do defensor ao ato); (ii) respeitados os princípios do processo penal, tratando-se igualmente as partes e aproveitados os atos não eivados de nulidades que tenham atingido o seu [dos atos] objetivo nos fólios processuais e por fim, (iii) corroborado com a não incidência do princípio da identidade física do juiz no rito instrutório penal ordinário, entendemos plausível e exitoso esse novo modo de interrogar um réu: garantindo de forma análoga como se faz no interrogatório tradicional, os direitos do acusado, bem como a atenção aos princípios informadores do direito processual penal e da Constituição Federal de nosso país.
Obviamente, atentemos nós e nossos legisladores para as hipóteses legais a serem previstas para o correto e racional uso do meio tecnológico para a realização do ato em debate, que possa coexistir com a forma tradicional de perguntar ao réu. Como também, deve haver espaço normativo para aplicação segundo critérios do magistrado, muito mais próximo das dificuldades cotidianas da aplicação da justiça penal ao caso concreto.
Através de um estudo mais apurado e que considere os respeitáveis argumentos em contrário, sugerimos principalmente aos nossos legisladores, em caso de aprovação dos projetos de lei em trâmite no Congresso Nacional, que o façam com parcimônia e cuidado, pois o que está em jogo é um bem precioso por demais: a liberdade.
Professor de Direito Processual Penal da Faculdade Integrada da Grande Fortaleza – FGF
Especialista em Direito Processual Penal pela Universidade de Fortaleza – UNIFOR
Bacharel em Direito pela Universidade de Fortaleza – UNIFOR
Advogado, com certificação em Direito da Tecnologia da Informação pela FGV
Presidente da Comissão de Informática Jurídica da OAB/CE, gestão 2004/06
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