Resumo: O presente trabalho visa ressaltar alguns aspectos referentes a questão da irreversibilidade da tutela antecipada, conforme disposto no §2º do artigo 273 do Código de Processo Civil, uma vez que há grande controvérsia doutrinária a respeito da possibilidade de concessão da tutela antecipada em caso de irreversibilidade dos seus efeitos fáticos, em face a aparente vedação legal; sendo assim, a proibição da mesma não deveria ser absoluta, pois, impedir que o julgador ofereça tempestiva proteção a direito ameaçado de dano irreparável significa desprezar o direito fundamental do autor a uma tutela jurisdicional efetiva. Bem como, procura municiar o magistrado de meios de praticar a efetiva justiça, em detrimento arcaico formalismo exacerbado.
Palavras-chave: Tutela Antecipada. Irreversibilidade. Razoabilidade. Proporcionalidade. Ponderação.
Abstract: This work aims to highlight some aspects of the issue of irreversibility of the injunction (anticipated guardianship), as provided in § 2° of Article 273 of the Code of Civil Procedure, since there are great doctrinal controversy about the possibility of granting injunctive relief in case of irreversibility of their factual effects, in the face of apparent legal prohibition, therefore, the prohibition of (the) same should not be absolute, thus preventing the judge to provide timely protection of threatened (and) irreparable injury law is to (means) despise the author’s fundamental right to effective judicial protection. As well as equip the magistrate seeking the means to practice effective justice, rather archaic formalism exacerbated.
Keywords: Injunctive Relief. Irreversibility. Reasonableness. Proportionality. Weighting
Sumário: 1. Introdução. 2. Tutela antecipada: conceito e natureza jurídica. 2.1. Requisitos da tutela antecipada. 3. Pressuposto negativo da tutela antecipada: a irreversibilidade. 4. Princípio da proporcionalidade e os direitos fundamentais. 4.1 Reversibilidade e o princípio da proporcionalidade. 4.2. Razoabilidade e proporcionalidade do §2º do art. 273, do CPC. 4.3. Ponderação e proporcionalidade. 4.3.1. Lei de ponderação. 5. Conclusão. – Referências
1. Introdução
A reforma do sistema processual em 13 de dezembro de 1994, pela lei 8.952, visando à efetividade da prestação da tutela jurisdicional, conciliando a exigência da rapidez com a segurança jurídica, incluiu o §2º no art. 273 do Código de Processo Cível que diz: “… não se concederá a antecipação da tutela quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado”.
O legislador criou a irreversibilidade da tutela antecipada como pressuposto negativo para que tal providência seja deferida pelos magistrados.
Com efeito, ao lado do “perigo da demora” da proteção jurisdicional do direito do autor, pode surgir em caso de deferimento o “perigo de irreversibilidade” do provimento, o que prejudicaria o réu.
As questões que avultam saber são se tal requisito pode ou não ser tomado de maneira absoluta; se há no dogma do indeferimento no caso de irreversibilidade algum excesso legislativo; bem como se há possibilidade do Judiciário, num Estado Democrático de Direito, desconsiderar dogmas legais, uma vez que não se pode simplesmente desobedecer às escolhas do legislador sem passar pelo crivo da Constituição.
Certo é que o problema da irreversibilidade está ligado a um direito fundamental das partes interessadas na lide, qual seja a segurança jurídica; todavia não se pode permitir que o Poder Judiciário ignore a possibilidade de um dano irreparável ao direito do autor; e para tanto em se tratando de confronto entre direitos fundamentais, é necessário saber se em não havendo condições práticas de retornar ao status quo ante, o juiz estará sempre impedido de decidir pela antecipação, ou se existem critérios que devem ser tomados em consideração na ponderação de interesses nas tutelas de urgências irreversíveis.
Com a pesquisa se pretende analisar o instituto da irreversibilidade da antecipação de tutela (art. 273, § 2°, CPC), a fim de verificar se o mesmo é absoluto ou pode ser flexibilizado em situações excepcionais, uma vez que a irreversibilidade da tutela antecipada é bastante controversa ante a proibição da lei e a realidade diante dos fatos concretos; sendo assim, a proibição da mesma não deveria ser absoluta, pois conforme o caso concreto e os interesses em jogo, mesmo havendo possibilidade de irreversibilidade, pode ser necessária a concessão da tutela antecipada, pois, impedir que o julgador ofereça tempestiva proteção a direito ameaçado de dano irreparável significa desprezar o direito fundamental do autor a uma tutela jurisdicional efetiva.
2. Tutela antecipada: conceito e natureza jurídica
Conforme prevê o artigo 273 do CPC:
“O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e:
I – haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou
II – fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu.”
Sendo assim, a tutela antecipada é concedida por uma decisão interlocutória (e não sentença) via da qual o juiz concede o adiantamento dos efeitos da sentença de mérito com caráter satisfativo, a ser proferida em processo de conhecimento, com a finalidade de evitar dano ao direito subjetivo da parte, ou seja, trata-se de uma medida de caráter provisório que visa tutelar de forma eficaz o direito da parte, sempre que ela preencher os requisitos exigidos em lei.
A natureza jurídica da tutela antecipada é matéria que apresenta na doutrina, cenário de contrastes. É, porém, majoritário o entendimento de que não se trata de tutela cautelar, ainda que se possam identificar semelhanças entre essas duas espécies de tutela. Uma vez que, a tutela antecipada possui caráter satisfativo, independente de ser parcial ou total os efeitos da tutela pretendida, enquanto a tutela cautelar tem por finalidade a proteção da sentença e do direito discutido na lide, visando assegurar o resultado prático do processo diante de uma situação de perigo.
Segundo Cândido Rangel Dinamarco:
“As medidas inerentes à tutela antecipada têm nítido e deliberado caráter satisfativo, sendo impertinentes quanto a elas as restrições que se fazem à satisfatividade em matéria cautelar. Elas incidem sobre o próprio direito e não consistem em meios colaterais de ampará-los como se dá com as cautelares”. [1]
É neste sentido também a lição de Humberto Theodoro Júnior:
“Não há como evitar a diversidade gritante que se nota entre os diversos efeitos da medida cautelar e da medida antecipatória: a primeira não vai além do preparo de execução útil de futuro provimento jurisdicional de mérito, enquanto a última já proporciona a provisória atribuição do bem da vida à parte, permitindo-lhe desfruta-lo juridicamente, tal como se a lide já tivesse sido solucionada em seu favor. É assim que a cautela não é satisfativa e a antecipação o é.” [2]
Ernane Fidélis dos Santos, em sentido contrário entende que a tutela antecipada possui natureza cautelar:
“Não vejo motivo para criação de forma autônoma de tutela, com todas as características da cautelar, apenas pelo caráter antecipatório da medida ou pelo rigor eventualmente maior quanto à probabilidade de existência do direito.
O periculum in mora é característica exclusiva da cautelaridade, e o fumus boni iuris seria apenas fundamento formal, não ontológico, tem a hipótese do art. 273, I como autêntica medida cautelar antecipatória.”[3] [4]
2.1. Requisitos da tutela antecipada
Da análise do artigo 273 do CPC extrai-se que a tutela não pode ser concedida de ofício pelo juiz, somente a requerimento da parte, mediante os seguintes requisitos: prova inequívoca, de forma a convencer o juiz da verossimilhança da alegação, fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou abuso do direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu.
Entende-se por prova inequívoca prova suficiente para levar o juiz a acreditar que a parte é titular do direito material disputado. Trata-se de um juízo provisório. Basta que, no momento da análise do pedido de antecipação, todos os elementos convirjam no sentido de aparentar a probabilidade das alegações.
Pouco importa se, no julgamento final, após o contraditório, a convicção seja outra. Para a concessão da tutela antecipada, não se exige que da prova surja à certeza das alegações, contendo-se com a verossimilhança delas, isto é, aparência de verdade.
A verossimilhança está relacionada com a plausibilidade do direito invocado, ou melhor, na antecipação da tutela, justamente porque se antecipam os efeitos da decisão final, exige-se mais do que o fumus boni iuris, exige-se a aparência do direito.
Além da prova inequívoca, apta a convencer o juiz da verossimilhança da alegação, é necessário que haja possibilidade de dano de difícil reparação, caso os efeitos da decisão só sejam produzidos ao final, na sentença. É o periculum in mora. Este requisito pode ser demonstrado a partir das provas que instruíram a petição inicial, por meio de justificação prévia ou no curso do processo.
Todavia, ainda que inexistente o periculum in mora, a tutela antecipada pode ser concedida se ficar caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório.
Há abuso de direito de defesa, ou intuito protelatório, quando, por exemplo, o réu argúi defesa contra a evidência dos fatos e de sua conclusão ou requer provas ou diligências, reveladas como absurdas pelas circunstâncias do processo.[5]
3. Pressuposto negativo da tutela antecipada: a irreversibilidade
Ao lado dos pressupostos de plausibilidade do direito e do perigo da demora, deve acrescentar um terceiro: a reversibilidade da medida.
Assim sendo, surgindo o perigo de irreversibilidade, pressuposto negativo (art. 273, §2º, CPC), cumpre ao intérprete realizar um juízo de ponderação[6].
Cabe registrar a impropriedade técnica do disposto citado, uma vez que, o provimento antecipado (decisão interlocutória) é sempre reversível, seja porque cabível contra ele recurso (agravo) seja porque, por sua natureza, a tutela antecipada é provisória e revogável.
O problema que se encontra quanto a irreversibilidade é saber se a mesma é fática ou jurídica.
Entende Teresa Arruda Alvim Wambier:
“No fundo irreversível não é uma qualidade do provimento – na medida em que toda decisão num determinado sentido comporta decisão em sentido contrário – mas da conseqüência fática que dele resulta , pois esta é que poderá correr o risco de não ser resposta no status quo ante, ou não sê-lo em toda a sua inteireza, ou sê-lo somente a elevadíssimo custo, que a parte por ele beneficiada não teria condições de suportar.”[7]
Para Nelson Nery Junior :
“A norma fala da inadmissibilidade da concessão da tutela antecipada, quando o provimento for irreversível. O provimento nunca é irreversível, porque é provisório e revogável. O que pode ser irreversível, são as conseqüências de fato ocorridas pela a execução da medida.”[8]
Alexandre Freitas Câmara ensina que :
“Em primeiro lugar, há que se afirmar que não trata a norma, apesar de sua expressão literal, de irreversibilidade do provimento jurisdicional que antecipa a tutela, mesmo porque tal provimento não se torna irreversível, já que pode ser modificado ou revogado a qualquer tempo” (art. 273§4º).[9]
Em sentido contrário se posiciona Luiz Guilherme Marinoni[10], pois o mesmo entende ser errônea a interpretação por parte de alguns doutrinadores, uma vez que a irreversibilidade do provimento é diferente de “irreversibilidade fática das conseqüências do provimento” e portando não se misturam.
Diante disso, cuida-se portanto, de irreversibilidade dos efeitos práticos do provimento, e não, propriamente, irreversibilidade do provimento.
Vale ressaltar que irreversibilidade é conceito vago ou indeterminado, uma vez que a identificação dependerá das circunstâncias de cada caso concreto, que cabe ao juiz avaliar.
E diante de qualquer conceito jurídico indeterminado, apesar de sua indeterminação, sempre haverá uma zona de certeza negativa (o que não é) e positiva (o que é) onde é possível o controle para afastar as interpretações e aplicações incorretas.
Como observa João Batista Lopes:
“É evidente que quando se fala em reversibilidade, não se pode pensar em apenas duas situações, de modo que ou a medida seja reversível ou irreversível. É possível que a reversibilidade seja de difícil realização ou demande tempo, dinheiro e muita atividade processual. Assim, é possível apurar no caso concreto o quanto a medida pode ser mais ou menos facilmente reversível. A sustação de protesto é reversível com uma simples penada, cassando a decisão e liberando o cartório extrajudicial a prosseguir com as anotações devidas; a suspensão de realização de algum ato processual pedida, por exemplo, em embargos de terceiro, mandado de segurança, ou medidas cautelares, igualmente pode ser reversível sem grande dificuldade. São estes exemplos algumas das situações em que a reversibilidade da medida atinge o seu maior grau, trazendo, como único gravame à parte contrária o decurso do tempo.
Há situações, que também fica nítida a irreversibilidade, como por exemplo nas ações de despejo.
Executando o despejo, não há como reparar o mal causado, nem retornar ao status quo ante. Nas locações residenciais, é mais visível a irreversibilidade, uma vez que, cumprido o mandado judicial, o inquilino terá que procurar outro imóvel para acomodar sua família, do que resultam danos e transtornos evidentes. Mas nas locações não residenciais também há perigo de irreversibilidade uma vez que, o comerciante, o industrial ou o profissional liberal, uma vez desalojado do imóvel, dificilmente recuperará a clientela e o ritmo anterior dos negócios. E eventual indenização futura, se mostra incapaz de repor as coisas ao estado anterior.” [11]
Importa destacar que a proibição da tutela antecipada nos casos de perigo de irreversibilidade é opção do legislador com o propósito de resguardar os direitos das partes litigantes.
Situação problemática é a do autor que por exemplo, em ação intentada para discutir cláusula de contrato de prestação de serviços de saúde, pede, a título de tutela antecipada, determinação judicial de realização de cirurgia inadiável ou internação hospitalar urgente.
Nessa situação, não cabe ao juiz pronunciar declaração provisória do direito ao tratamento. Mas perfeitamente viável a antecipação de um dos efeitos tutela antecipada, qual seja, tratamento urgente reclamado; uma vez que, o juiz não pode negar proteção ao autor em situações excepcionais como essa, sob pena de condená-lo á morte, sendo esta situação verdadeiramente irreversível.
4. Princípio da proporcionalidade e os direitos fundamentais
Muitos autores asseguram que os direitos humanos têm fundamentação jusnatural, sendo inalienáveis, imprescritíveis, possuindo eficácia erga omnes, sendo, portanto auto-aplicáveis. Outros entendem como direitos fundamentais somente quando positivados em cada país.
Os direitos fundamentais constituem uma conquista essencialmente histórica, tendo origem na mudança da representação da relação política estruturada a partir do binômio Estado/cidadão.
À luz do Direito Constitucional, buscou desenvolver uma teoria que fosse observada a pessoa humana, tendo em vista sua dignidade. Sendo assim, faz-se necessário investigar que resposta oferece à restrição dos direitos humanos fundamentais quanto a admissibilidade constitucional de restrição eventualmente fixada (proporcionalidade).
4.1. Reversibilidade e o princípio da proporcionalidade
A reversibilidade do provimento é um requisito da tutela antecipada, e para tanto tem-se a necessidade de flexibilização da norma para atender a situações excepcionais em que sua aplicação rígida implicaria sacrifício da própria tutela jurisdicional.
De acordo com princípio da proporcionalidade, ante o conflito levado aos autos pelas partes, deve-se proceder a avaliação dos interesses em jogo e dar prevalência aquele que ostentar maior relevância e expressão.
Todavia, não se cuida de sacrificar um direito em detrimento de outro, mas de dosar a razoabilidade dos interesses em jogo. É certo que todos os direitos são merecedores de respeito e proteção, ainda com maior proporção quando falamos em direitos fundamentais do cidadão, irrenunciáveis, imprescritíveis e indisponíveis (v.g., pretensão de realização de cirurgia inadiável em confronto com interesse patrimonial de empresa prestadora de serviços médicos; pedido de transfusão de sangue em favor de paciente menor em confronto com convicção religiosa dos pais; proteção da intimidade em conflito com interesse comercial de jornal na publicação de noticia sensacionalista); todavia não pode o juiz, com base na literalidade da norma processual desconsiderar as diretrizes da Constituição Federal, sendo assim, o princípio da proporcionalidade funciona como um instrumento de inibição do arbítrio ou abuso de poder.
4.2. Razoabilidade e proporcionalidade no §2º do art. 273, do CPC
Quando se fala que determinada pessoa tem a garantia do devido processo legal significa que não haverá pronunciamento jurisdicional sem haver antes o desenvolvimento da relação processual, entre o autor, o juiz e o réu, sobre procedimentos previstos.
Partindo da premissa de que os atos legislativos devem respeitar o princípio da proporcionalidade, resta saber se o indeferimento em caso de irreversibilidade resiste ao teste da proporcionalidade.
Primeiramente é de se reconhecer que o fim almejado pelo legislador é legítimo, uma vez que, antecipar irreversivelmente a tutela seria antecipar vitória definitiva do autor, sem assegurar ao réu o exercício do seu direito fundamental de se defender, tornando-se inútil o prosseguimento do processo.
Certamente o legislador entendeu que a única forma de equilibrar a antecipação da tutela era estipulando que somente seria lícita na medida em que ela própria não fizesse nascer a possibilidade de um dano irreparável contra o réu.
Todavia, em alguns casos concretos, pode o indeferimento trazer mais desvantagens que vantagens, quando, por exemplo, o dano para o autor seja igualmente irreversível e, seu prejuízo, muito superior ao do demandado; e para tanto estaria negando ao autor o direito fundamental a uma tutela jurisdicional tempestiva, ainda que ele tenha razão.
Tal situação parece afrontar o art. 5º, XXXV da Constituição Federal, bem como a garantia fundamental da prestação jurisdicional; mas diversos são os posicionamentos, sendo que alguns entendem que o pressuposto negativo deveria ser inexistente, enquanto outros entendem que é necessário fazer uma “filtragem” constitucional, não podendo o dogma da irreversibilidade ser tratado de modo absoluto.
“Basta que tal dispositivo seja tratado ou melhor interpretado conforme a Constituição Federal para que não seja afetado o núcleo essencial da garantia da tutela jurisprudencial efetiva e tempestiva. Afinal, se um texto legal comportar uma interpretação que o coloque em sintonia com o arcabouço constitucional, deve tal norma ser aproveitada em vez de ser inconstitucionalmente declarada”. [12]
E sendo assim, não pode ser a norma interpretada de forma absoluta, posto que, na prática, podem ocorrer situações em que, mesmo em face da possível irreversibilidade dos efeitos da tutela, deverá o juiz, valendo do princípio da razoabilidade e até mesmo da proporcionalidade, conceder a antecipação, tendo em vista o bem jurídico a ser protegido, sob pena de perecimento de direitos.[13]
4.3. Ponderação e proporcionalidade
A técnica de ponderação difere do princípio da proporcionalidade, pois enquanto aquela é utilizada para analisar a colisão de princípios, este é para examinar a arbitrariedade ou não de um determinado ato.
Três são as grandes técnicas hermenêuticas: quando não houver norma alguma (ou incompleta), o procedimento será integração; se houver uma regra, será útil a técnica da subsunção; e no caso de colisão de princípios, a técnica da ponderação.
Para se ponderar interesses, devem ser observadas três fases: 1) identificação dos interesses (bens jurídicos) que, embora disciplinados podem estar em rota de colisão; 2) valoração de tais interesses de acordo com as circunstancias do caso concreto e 3) decisão fundamentada sobre a prevalência de um interesse sobre o outro.
4.3.1. Lei de ponderação
A lei de ponderação diz que o cumprimento de um princípio depende da importância do outro; o peso de um princípio não pode ser determinado de modo absoluto, pois o discurso apenas pode versar sobre os pesos relativos.[14]
Busca saber o porquê de um interesse ter sido considerado mais valioso em determinado caso, uma vez que, a Constituição Federal não regular o alcance de seus princípios, que, portanto, podem entrar em colisão; e sendo assim, cabe ao intérprete harmonizar os interesses, uma vez que a ponderação pode ser vista como um dos requisitos da proporcionalidade ou uma técnica racional utilizada para sopesar os valores, interesses e bens em conflito.
Assim, a preferência de um interesse em detrimento de outro está diretamente ligada à carga argumentativa derramada sobre a questão invocada e sendo assim, na ponderação de interesses vários argumentos poderão ser destacados para afirmar a importância de determinado interesse sobre o outro, dentre eles: conflito aparente, escolha do legislador, irreparabilidade do dano, concordância prática, ponderação de consequências, proteção da parte mais fraca, do menor prejuízo possível, inconstitucionalidade concreta da lei declarada constitucional.
5. Conclusão
O presente trabalho buscou responder questões tais como: a possibilidade de o poder judiciário desconsiderar as normas constitucionais; conceito de irreversibilidade; se o disposto no §2º do art. 273, do Código de Processo Civil, pode ou não ser tomado de maneira absoluta, bem como se há ou não algum excesso legislativo.
O contido no §2º do art. 273 do CPC, não deve ser entendido como sempre denegatório antecipar a tutela em casos irreversíveis, uma vez que, em um Estado Democrático de Direito, devemos seguir a norma constitucional e as garantias materiais e processuais por ela atribuídas.
Não cabe ao poder judiciário somente o desprezo pelas leis manifestamente inconstitucionais, mas sim, analisar as normas legais à luz dos desafios cotidianos, sempre a partir do “filtro” da Constituição Federal.
O juiz deve decidir dentro de parâmetros legais e bom senso, tendo em vista, a todo momento, resguardar o direito almejado para que seja entregue ao legítimo dono.
Quanto à noção de irreversibilidade não necessita de muitos questionamentos, uma vez que trata-se de uma impropriedade técnica do dispositivo: o provimento antecipado é sempre reversível, seja porque cabível contra ele recurso seja porque, por sua natureza, a tutela antecipada é provisória e revogável. O problema que se encontra quanto a irreversibilidade é saber se a mesma é fática ou jurídica?
O melhor entendimento é que este problema comporta tratamento distintos, pois, na irreversibilidade jurídica, veda-se a antecipação da tutela constitutiva e declaratória, com o propósito de que a segurança jurídica não seja abalada; já na irreversibilidade fática, o autor demonstrando que o seu interesse é mais valioso que o do réu, não há razões para negar a tutela antecipada; uma vez que esta hipótese pode ser manejada pelos princípios da proporcionalidade, razoabilidade e da ponderação.
Todavia, em alguns casos, pode o indeferimento de uma liminar ser extremamente prejudicial ao autor, sendo assim, a mesma não pode ser tratada de forma absoluta, pois impedir que o julgador ofereça tempestiva proteção a direito ameaçado de dano irreparável significa desprezar o direito fundamental do autor a uma tutela jurisdicional efetiva; logo, é preciso que sejam feitas interpretações conforme a norma constitucional, não sendo possível respeitar a escolha do legislador em todos os casos.
Com o propósito de verificar como devem ser sopesados interesses divergentes, necessário se fez buscar critérios que tornem as decisões racionalmente justificantes, e, portanto imprescindível para resolver a questão da irreversibilidade foi à busca dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, bem como da técnica de ponderação, que se complementam dentro deste contexto; uma vez que para ponderar interesses é preciso da: identificação dos interesses em conflito; valoração dos interesses conforme o caso concreto e decisão fundamentada sobre a prevalência de um interesse sobre o outro; análise feita somente com o apoio de tais princípios.
A ponderação de interesses se materializa por meio do princípio da proporcionalidade, que busca soluções adequadas (aptas a atingir o fim pretendido) e necessárias (causadoras de menor prejuízo possível, se comparado a outros meios) ao caso concreto. Em contrapartida, o princípio da proporcionalidade utiliza-se como instrumento o princípio da razoabilidade, por este possibilitar ao intérprete afastar determinado direito fundamental, respeitando o núcleo essencial, em decorrência de outro, de forma adequada e coerente.
Assim, pode-se dizer que os juízes participam e influenciam a decisão, ora argumentando que o interesse é mais valioso pela dimensão em que é atingido, ora mostrando argumentos que vai convencê-lo, fundamentadamente, por uma tutela que realize a dignidade humana e os valores constitucionais. optar fundamentamentedo argumentos que vai alioso pela dimensao ente, escolha do legislador,
Em suma, a lei pode tornar-se letra morta sem uma dinâmica jurisdicional que a interprete e crie cotidianamente novos horizontes. A verdade é que, talvez até pelo grande acúmulo de serviços no Judiciário, fica mais cômodo ao juiz denegar a liminar antecipatória, dando liberdade à parte de ir buscar no tribunal a antecipação almejada; mas essa não foi intenção da lei, pois a mesma visa colocar à disposição do juiz, mediante criteriosa valoração das provas o poder de antecipar, ou não, a tutela pretendida.
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