Resumo: A lentidão e a demora do Poder Judiciário no julgamento dos processos tem levado o Estado a implementar uma série de medidas visando tornar mais célere a prestação da atividade jurisdicional. Uma dessas iniciativas foi a criação dos juizados especiais cíveis e criminais nos Tribunais de Justiça estaduais, em 1995, medida posteriormente adotada também no âmbito da Justiça Federal. No entanto, tal ação não alcançava os processos em que figuravam como parte ré a fazenda pública. Assim, com o objetivo de acelerar a tramitação de tais processos, foram criados, pela Lei nº 12.153, de 2009, os Juizados Especiais da Fazenda Pública, que serão examinados pelo presente artigo diante da sua singularidade e especificidade.
Palavras-chave: JUIZADOS ESPECIAIS – FAZENDA PÚBLICA – LEI Nº 12.153, DE 2009 – LEI Nº 9.099, DE 1995 – DIREITO PROCESSUAL
Abstract: The slowness and delay of the judiciary in judicial proceedings has led the State to implement a series of measures to expedite the delivery of judicial activity. One such initiative was the creation of the Civil and Criminal Special Courts in States Courts of Justice, in 1995, as subsequently adopted also in the Federal Court. However, such action did not reach the processes that were included as a defendant the public property. Thus, in order to expedite such procedures have been create, by the Law nº 12.153, for 2009, the Special Courts to the Public Property, which will be considered under this article on their uniqueness and specificity.
Keywords: SPECIAL COURTS – PUBLIC PROPERTY – LAW Nº 12.153, FOR 2009 – LAW Nº 9.099, FOR 1995 – CIVIL PROCEDURE LAW
Sumário: 1. Introdução – 2. A Lei nº 12.153, de 2009 – 3. Conclusão – 4. Bibliografia.
1. Introdução
Em 23 dezembro de 2009 foi publicada a Lei nº 12.153, que dispõe sobre os Juizados Especiais da Fazenda Pública no âmbito dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios.
Tal medida visa acelerar e reduzir o formalismo exagerado existente no procedimento comum ordinário nos processos em que a Fazenda Pública figura como parte ré. Isso porque a Lei nº 9.099, de 1995, que instituiu os juizados especiais cíveis e criminais no âmbito dos Tribunais de Justiça estaduais mostrou-se um importante instrumento de melhor prestação da atividade jurisdicional.
A partir dos juizados especiais, uma nova forma de justiça foi inaugurada no Direito brasileiro, tornando os julgamentos mais céleres, simples e, consequentemente, mais justos e eficientes. Eles aproximaram a população do Judiciário, tornando mais fácil exercer o direito constitucional de acesso a justiça.
Diante do sucesso da Lei nº 9.099, de 1995, a Justiça Federal também instituiu os juizados especiais em sua esfera de competência, por meio da Lei nº 10.259, de 2001.
No entanto, um outro gargalo do funcionamento do Judiciário continuava a existir e ainda inalcançável pela Lei nº 9.099, de 1995, qual seja, os processos que tinham como parte ré a fazenda pública.
Em todos os Estados e no Distrito Federal, as varas da Fazenda Pública encontram-se assoberbadas de processos, que seguem a procedimento vagaroso e, mesmo após seu julgamento, arrastam-se muito mais pelos tribunais em função do reexame necessário das decisões proferidas contra a fazenda pública. Ademais, mesmo após o trânsito em julgado da sentença, o procedimento dos precatórios torna ainda mais demorada a satisfação do direito do particular reconhecido pelo Judiciário.
Assim, mostrava-se imperiosamente necessário adotar algum procedimento a fim de tornar mais célere e simples os processos demandados contra a fazenda pública, vindo a Lei nº 12.153, de 23 de dezembro de 2009, em boa hora.
Feitos esses comentários preliminares, passa-se ao exame da referida lei, destacando suas particularidades e demonstrando que com ela os processos que tenham como parte ré a fazenda pública tramitarão com mais rapidez, sendo o objetivo do presente artigo proporcionar uma visão inicial e sucinta dos Juizados Especiais da Fazenda Pública e do procedimento a ser adotado em seus processos, diante da edição tão recente da lei de regência.
2. A Lei nº 12.153, de 2009
A lei que cria os Juizados Especiais da Fazenda Pública, publicada em 23 de dezembro de 2009, apenas entrará em vigor seis meses após aquela data, ou seja, em 22 de junho de 2010, por se tratar de lei processual. No entanto, importantes pontos merecem ser destacados de sua leitura, mesmo antes de sua vigência.
Os Juizados Especiais da Fazenda Pública passam a fazer parte do sistema dos Juizados Especiais dos Estados e do Distrito Federal, juntamente com os Juizados Especiais Cíveis e os Juizados Especiais Criminais. Vale lembrar que a nível federal existem os Juizados Especiais Cíveis e Criminais da Justiça Federal, instituídos pela Lei nº 10.259, de 12 de julho de 2001.
Os Juizados Especiais da Fazenda Pública tem como objetivo a conciliação, processo, julgamento e execução de causas cíveis de interesse dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios de até sessenta salários mínimos, incluindo-se na sua competência as ações de mandado de segurança, de desapropriação, de divisão e demarcação, populares, por improbidade administrativa, execuções fiscais e as demandas sobre direitos ou interesses difusos e coletivos; as causas sobre bens imóveis dos Estados, Distrito Federal, Territórios e Municípios, autarquias e fundações públicas a eles vinculadas; e as causas que tenham como objeto a impugnação da pena de demissão imposta a servidores públicos civis ou sanções disciplinares aplicadas a militares.
Ainda quanto à competência, que a lei expressamente prevê que é absoluta no foro onde o Juizado estiver instalado, importante destacar que quando a pretensão versar sobre obrigações vincendas, a soma de doze parcelas vincendas e de eventuais parcelas vencidas não poderá exceder a sessenta salários mínimos.
Poderão ser partes nos Juizados Especiais da Fazenda Pública, como autores, as pessoas físicas e as microempresas e empresas de pequeno porte, e como réus os Estados, o Distrito Federal, os Territórios e os Municípios, bem como autarquias, fundações e empresas públicas a eles vinculadas.
Em que pese serem partes entes da Administração Pública, não haverá prazo diferenciado para a prática de qualquer ato processual pelas pessoas jurídicas de direito público, inclusive na interposição de recursos, bem como não haverá reexame necessário.
As citações e intimações seguirão ao disposto no Código de Processo Civil, sendo a única particularidade que a citação para a audiência de conciliação será efetuada com antecedência mínima de trinta dias.
Os representantes dos réus presentes à audiência poderão conciliar, transigir ou desistir dos processos, nos termos e nas hipóteses previstas na lei do respectivo ente da Federação, e a entidade ré deverá fornecer ao juízo a documentação de que disponha para o esclarecimento da casa, apresentando-a até a audiência de conciliação.
Caso seja necessário exame técnico na audiência ou ao julgamento da causa, o juiz nomeará pessoa habilitada, que apresentará laudo até cinco dias antes da audiência de conciliação.
Com relação ao cumprimento da sentença com trânsito em julgado ou do acordo firmado em juízo, caso se trate de obrigação de fazer, não fazer ou entrega de coisa certa, será efetuado mediante ofício do juiz à autoridade citada para a causa, com cópia da respectiva sentença ou do acordo.
Na hipótese de se tratar de obrigação de pagar quantia certa, após o trânsito em julgado da decisão, o pagamento será efetuado no prazo máximo de sessenta dias, contado da entrega da requisição do juiz à autoridade citada para a causa, independentemente de precatório, na hipótese de obrigações definidas em lei como de pequeno valor (§ 3º do art. 100 da Constituição Federal); ou mediante precatório, caso o montante da condenação exceda aquele valor.
Interessante notar que a lei determina que as obrigações definidas como de pequeno valor a serem pagas independentemente de precatório terão como limite o que for estabelecido em lei do respectivo ente da Federação, sendo que, até que se dê a publicação dessa lei, considera-se de pequeno valor obrigações de até quarenta salários mínimos, quanto aos Estados e ao Distrito Federal, e até trinta salários mínimos, quanto aos Municípios.
Ainda em relação ao cumprimento da sentença, a lei dispõe que são vedados o fracionamento, a repartição ou a quebra do valor da execução, de modo que o pagamento se faça, em parte, na forma estabelecida para as obrigações de pequeno valor, e em parte mediante expedição de precatório, bem como a expedição de precatório complementar ou suplementar do valor pago.
Além disso, se o valor da execução ultrapassar o estabelecido para pagamento independentemente do precatório, o pagamento far-se-á, sempre, por meio do precatório, sendo facultada à parte exequente a renúncia ao crédito do valor excedente, para que possa optar pelo pagamento do saldo sem o precatório.
O saque do valor depositado poderá ser feito pela parte autora, pessoalmente, em qualquer agência do banco depositário, independentemente de alvará, ou por meio de procurador, sendo que nesse caso somente se for na agência destinatária do depósito, mediante procuração específica, com firma reconhecida, da qual constem o valor originalmente depositado e sua procedência.
Estabelece-se também que somente será admitido recurso contra a sentença, exceto no caso do juiz, de ofício ou a requerimento da parte, deferir qualquer providência cautelar e antecipatória no curso do processo para evitar dano de difícil reparação, hipótese admitida pela lei.
Os Juizados Especiais da Fazenda Pública serão instalados pelos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, criando-se ainda a possibilidade de serem instalados Juizados Especiais Adjuntos a Varas Judiciais.
Admite-se também aqui a atuação de conciliadores e juízes leigos, sendo os primeiros recrutados, preferencialmente, dentre bacharéis de Direito, e os segundos dentre advogados com mais de dois anos de experiência. No caso dos juízes leigos, uma vez no desempenho dessa função, ficam impedidos de exercer a advocacia perante os Juizados Especiais da Fazenda Pública de qualquer jurisdição.
Compete ao conciliador, sob a supervisão do juiz, conduzir a audiência de conciliação, podendo, para fins de encaminhamento da composição amigável, ouvir as partes e testemunhas. Caso não seja obtida a conciliação, caberá ao juiz presidir a instrução do processo, podendo dispensar novos depoimentos se entender suficientes para o julgamento da causa os esclarecimentos já constantes dos autos e não houver impugnação das partes. Interessante notar que essa regra passa a valer também para os Juizados Cíveis e Criminais da Justiça Federal.
As Turmas Recursais, que são as mesmas que apreciam os recursos dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, serão compostas por juízes em exercício no primeiro grau de jurisdição, com mandato de dois anos, e integradas, preferencialmente, por juízes que atuem nos Juizados Especiais, devendo a designação dos juízes obedecer aos critérios de antiguidade e merecimento e não sendo permitida a recondução, exceto no caso de não haver outro juiz na sede da Turma Recursal.
Caberá pedido de uniformização de interpretação de lei quando houver divergência entre decisões proferidas por Turmas Recursais sobre questões de direito material, sendo o pedido fundado em divergência entre Turmas do mesmo Estado julgado em reunião conjunta das Turmas em conflito, sob a presidência de desembargador indicado pelo Tribunal de Justiça. Interessante notar que a lei permite que, nesse caso, a reunião de juízes domiciliados em cidades diversas poderá ser feita por meio eletrônico.
Se a orientação acolhida pelas Turmas de Uniformização contrariar súmula do Superior Tribunal de Justiça, a parte interessada poderá provocar a manifestação deste, que dirimirá a divergência. Eventuais pedidos de uniformização fundados em questões idênticas e recebidos subsequentemente em quaisquer das Turmas Recursais ficarão retidos nos autos, aguardando pronunciamento do Superior Tribunal de Justiça.
Quando as Turmas de diferentes Estados derem a lei federal interpretações divergentes ou quando a decisão proferida estiver em contrariedade com súmula do Superior Tribunal de Justiça, o pedido será por este julgado.
No caso de orientação das Turmas Recursais que contrarie súmula do Superior Tribunal de Justiça ou quando Turmas de diferentes Estados derem a lei federal interpretações divergentes, presente a plausibilidade do direito invocado e havendo fundado receio de dano de difícil reparação, poderá o relator conceder, de ofício ou a requerimento do interessado, medida liminar determinando a suspensão dos processos nos quais a controvérsia esteja estabelecida.
Perante o Superior Tribunal de Justiça, se necessário, o relator pedirá informações ao Presidente da Turma Recursal ou Presidente da Turma de Uniformização e, nos casos previstos em lei, ouvirá o Ministério Público, no prazo de cinco dias. Decorrido esse prazo, o relator incluirá o pedido em pauta na sessão, com preferência sobre todos os demais feitos, ressalvados os processos com réus presos, os habeas corpus e os mandados de segurança. Publicado o acórdão respectivo, os pedidos que estavam suspensos aguardando a decisão do Superior Tribunal de Justiça serão apreciados pelas Turmas Recursais, que poderão exercer juízo de retratação ou os declararão prejudicados, se veicularem tese não acolhida por aquele Tribunal Superior.
Igual processamento será levado a cabo no caso de julgamento de recurso extraordinário, além da observância ao Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.
Além disso, os Tribunais de Justiça, o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal, no âmbito de suas competências, expedirão normas regulamentando os procedimentos a serem adotados para o processamento e o julgamento do pedido de uniformização e do recurso extraordinário.
Quanto à implantação e funcionamento dos Juizados Especiais da Fazenda Pública, dispõe a lei que eles serão instalados no prazo de até dois anos a partir de 23 de junho de 2010, podendo haver o aproveitamento total ou parcial das estruturas das atuais Varas da Fazenda Pública, competindo aos Tribunais de Justiça prestar o suporte administrativo necessário ao seu funcionamento. Além disso, os Tribunais de Justiça poderão limitar, por até cinco anos, a partir daquela mesma data, a competência dos Juizados Especiais da Fazenda Pública, atendendo à necessidade da organização dos serviços judiciários e administrativos.
Até a data de sua instalação, não serão remetidas aos Juizados Especiais da Fazenda Pública as demandas ajuizadas até aquele momento, nem as que forem ajuizadas fora desses juizados durante o período em que os Tribunais de Justiça limitarem a sua competência.
Por fim, dispõe a lei que se aplica subsidiariamente aos Juizados Especiais da Fazenda Pública o disposto no Código de Processo Civil e nas Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, e 10.259, de 12 de julho de 2001.
3. Conclusão
Não há dúvida que a criação dos Juizados Especiais da Fazenda Pública tornará mais célere e simples os processos demandados contra a fazenda pública.
A exemplo do que aconteceu com os juizados especiais criados pela Lei nº 9.099, de 1995, e posteriormente instituídos no âmbito da Justiça Federal pela Lei nº 10.259. de 2001, os Juizados Especiais da Fazenda Pública tornar-se-ão um marco no processo de aproximação da população com o Poder Judiciário, permitindo o pleno exercício do direito constitucional de acesso a justiça por todos os cidadãos e resultando numa melhor prestação da atividade jurisdicional pelo Estado.
Procurador do Banco Central do Brasil em Brasília-DF, Assessor Jurídico da Coordenação-Geral de Processos de Consultoria Bancária e de Normas da Procuradoria-Geral do Banco Central, Bacharel em Direito pelo Centro Universitário de Brasília-UNICEUB e Especialista em Direito, Estado e Constituição.
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