“ASSÉDIO MORAL. RESCISÃO INDIRETA DO CONTRATO DE TRABALHO. Define-se o assédio moral – ou mobbing – como a atitude abusiva, de índole psicológica, que ofende repetidamente a dignidade psíquica do indivíduo, com o intento de eliminá-lo do ambiente laboral. Provando-se que os prepostos do empregador arquitetaram um plano para que o trabalhador, diante da perseguição de seus superiores, pedisse demissão ou cometesse algum deslize apto a atrair a aplicação do art. 482 da CLT, resta configurado o comportamento empresarial causador do assédio moral e da rescisão indireta do contrato de trabalho. Recurso conhecido e desprovido. PROC 00687-2006-002-10-00-5 RO – AC 3ª T – 10ª REGIÃO – Grijalbo Fernandes Coutinho – Juiz Relator. DOE/SP de 11/05/2007 – (DT – Julho 2007 – vol. 156, p. 91).”
COMENTÁRIO
A jurisprudência versa acerca de um dos mais palpitantes temas do direito laboral moderno: o assédio moral no ambiente de trabalho. Patologia com conseqüências orgânicas, psicológicas e sociais pode ser considerado um assunto de maior relevância e se constitui em grande desafio aos estudiosos, uma vez que a questão assume interfaces múltiplas e o assunto comporta análise multidisciplinar.
Margarida Maria Silveira Barreto, médica do trabalho, uma das principais estudiosas no que pertine à questão da violência moral no ambiente de trabalho, erigiu um entendimento conceitual do que seja assédio no ambiente de trabalho, como sendo:
“[…] a exposição dos trabalhadores e trabalhadoras a situações humilhantes e constrangedoras, repetitivas e prolongadas durante a jornada de trabalho e no exercício de suas funções, sendo mais comuns em relações hierárquicas autoritárias e assimétricas, em que predominam condutas negativas, relações desumanas e aéticas de longa duração, de um ou mais chefes dirigida a um ou mais subordinado(s), desestabilizando a relação da vítima com o ambiente de trabalho e a organização, forçando-a a desistir do emprego”[1].
Comumente observa-se a prática de assédio moral, nem sempre com o desejo deliberado de fazer o funcionário abandonar o trabalho ou pedir demissão, como é o caso tratado na jurisprudência e temática ora comentados. Com o avanço da globalização a estrutura organizacional das empresas mudou, a disputa de mercado impõe uma competitividade exacerbada. Em nome desta competitividade e de permanecer no mercado, as empresas estabelecem metas. Estas metas, quando não alcançadas, trazem as conseqüências adversas da perda de mercado e da diminuição de lucros. Estas perdas, inaceitáveis no sistema capitalista globalizatório, pressionam os ocupantes de cargos hierarquicamente superiores. E estes, por vezes, extravasam esta pressão em seus subordinados. Conduta esta equivoca e que deve ser combatida.
A cobrança pelo alcance das metas, cada vez mais elevadas e dificultosas, instaura um ambiente de trabalho contaminado pela competitividade interna corporis e pressão. Tudo isto culmina no assédio moral. A cobrança excessiva, o estabelecimento de metas irreais ou acessíveis apenas a uma parcela mínima dos trabalhadores, e a pressão econômica do mercado colaboram para que surjam oportunidades para o assédio, sempre maquiado de mera cobrança ou procedimento da empresa.
A nossa legislação, Constituição e Consolidação das Leis Trabalhistas, sem embargo de leis estaduais específicas para a questão do assédio moral, é substrato principiológico apto a impor limites ao direito ou poder do empregador de fiscalizar e controlar o ambiente de trabalho. Impondo ao mesmo o dever de zelar pela dignidade da pessoa humana do obreiro e de seu bem estar físico, bem como psicológico. Tanto quanto deve fiscalizar o uso dos equipamentos de proteção individual, deve o empregador fiscalizar seus prepostos e impor limites às punições, perseguições e retaliações pelo não alcance de metas, inibindo sua ocorrência.
A política empresarial deve ser de premiar os mais produtivos e não penalizar ou humilhar os que eventualmente não alcancem as metas. Aos maus funcionários, que nunca alcançam os resultados pretendidos, cabe a utilização do direito potestativo da despedida imotivada, evitando o assédio moral e adotando uma postura condizente com os direitos humanos/sociais fundamentais. Não foi dada ao empregador uma opção, somente há um caminho caso se sinta insatisfeito, a despedida imotivada. Ou então, a utilização do contrato de experiência para a sua real finalidade, experimentar o obreiro no exercício efetivo da função.
Sebastião Vieira Caixeta alerta para dados concretos acerca do assédio moral no Brasil:
“Estima-se que, no Brasil, pelo menos 40% dos trabalhadores sofrem violência moral. Muitos são os exemplos de assédio moral nas relações de trabalho. São comuns as instruções confusas e imprecisas, a exigência de trabalhos urgentes sem necessidade, as críticas em público, a transferência de setor com o intuito de humilhar, a privação de trabalho, a depreciação das tarefas feitas, a marcação de tempo e de vezes para ir ao banheiro, a exigência de desempenho acima da qualificação, a submissão a tarefas inferiores à função desempenhada, a exigência de trabalhos complexos em tempo insuficiente, o desrespeito ou a imposição de crenças religiosas, filosóficas ou políticas. Esse quadro é totalmente contrário ao direito. O ordenamento jurídico brasileiro funda-se na dignidade da pessoa humana e nos valores sociais do trabalho, que são fundamentos da República Federativa do Brasil. Constitui-se objetivo fundamental do país a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”[2].
Evidentemente que não só o alcance de metas é responsável pelo assédio moral no ambiente de trabalho. São muitas as causas como as amiúde citadas pelo doutrinador acima, desde os motivos pessoais do assediador, até motivos extrínsecos, a exemplo de um empregado que deva ser reabilitado em virtude de um acidente de trabalho. A exposição de trabalhador a situações vexatórias e humilhantes, além do constrangimento imotivado e desproporcional em repreensões, desumanidade no modo de tratamento destinado aos subordinados, perseguição direcionada a um ou a todos os empregados. Tudo isto faz parte de um cenário inadmissível frente aos direitos humanos. Para João Oreste Dalazen o assédio moral se caracteriza:
“[…] pela violência psicológica extrema à qual uma pessoa é submetida por um chefe ou mesmo por um colega de trabalho. […] É preciso haver uma perseguição sistemática. A maioria dos casos é de reclamações contra assédios morais impostos por chefes hierárquicos a subordinados, aos quais submetem a situações de violência psicológica”[3].
Francisco Meton Marques de Lima[4] aduz que as principais vítimas do assédio moral são os empregados que desfrutam de algum tipo de estabilidade, a exemplo dos representantes sindicais, empregadas gestantes, membros da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes – CIPA, empregados que sofreram acidente de trabalho ou foram acometidos de doença ocupacional. Este tipo de empregado, por não poder ser demitido sem justa causa e gozar de estabilidade, ainda que de forma provisória, geralmente é alvo de ataques morais e que visam desestabilizá-lo emocionalmente, única forma eficaz de fazê-lo desistir do trabalho, desejando retirar-se do emprego o mais rápido possível.
A nossa legislação, apesar de não conter dispositivo específico e destinado a coibir o assédio moral, possibilita a interpretação principiológica protetiva ao empregado e a utilização das motivações previstas para a rescisão indireta do contrato de trabalho como forma de desvencilhar o obreiro do ambiente de trabalho que prejudica seu bem estar. Mas ainda há muito o que avançar, principalmente na utilização de tutelas inibitórias e ações coletivas.
Mara Vidigal Darcanchy bem concluiu que:
“O assédio moral é nocivo à saúde do trabalhador e, consequentemente, à da sociedade. É como uma doença que se alastra e que se precisa combater e a arma é a Justiça, que também precisa da solidariedade das pessoas para que possa agir. Testemunhas são necessárias para que algum fato seja dado como verdade. A eficácia jurídica depende da sociedade, precisa de denúncias e de comprometimento”[5].
A jurisprudência analisada está em perfeita consonância com a doutrina e com a posição do Tribunal Superior do Trabalho, ambas unânimes em reputar afrontosa toda e qualquer atitude do empregador e de seus prepostos em ofender os direitos da personalidade do obreiro, fundamentais e considerados direitos humanos na acepção mais pura. A hipossuficiência do empregado, premido pelas condições econômicas e pelo temor do desemprego, ficam ainda mais evidente diante da ocorrência de assédio moral. Desta forma, cabe a todos os operadores do Direito zelarem pela correta utilização do poder diretivo, limitado aos direitos da personalidade e dos princípios da dignidade da pessoa humana e do valor social do trabalho, ambos constitucionais.
Professora do Curso de Direito da Universidade Federal de Sergipe – UFS e do Curso de Direito da Faculdade de Sergipe – FaSe, advogada cível e trabalhista do escritório Almeida, Araújo e Menezes Advogados Associados – ALMARME, Mestre em Direito do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC Minas, pós-graduada em Direito Público pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC Minas, pós-graduanda em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Cândido Mendes – UCAM/RJ. Co-autora dos livros: Relação de Trabalho: Fundamentos Interpretativos para a Nova Competência da Justiça do Trabalho, LTr, 2005 e 2006; Direito Público: Direito Constitucional, Direito Administrativo e Direito Tributário, PUC Minas, 2006 e Roda Mundo 2006, Editora Ottoni, 2006. Membro do Instituto de Hermenêutica Jurídica – IHJ, da Associação Brasileira de Advogados – ABA e do Instituto Nacional de Estudos Jurídicos – INEJUR.
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